"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

quarta-feira, maio 27, 2015

Vendo a partir da real perspectiva

- Sri Nisargadatta Maharaj -

Visitante: Meu filho único morreu há alguns dias em um acidente de carro, e eu achei quase impossível aceitar sua morte com uma coragem filosófica. Sei que não... sou a primeira pessoa a sofrer tal perda. Também sei que cada um de nós terá que morrer algum dia. Tenho buscado alívio em minha mente recorrendo a todos os truques usuais pelos quais nos consolamos uns aos outros em tais situações. E, ainda assim, volto ao fato trágico de que um destino cruel privou de tudo o meu filho, na flor da juventude. Por quê? Por quê? Pergunto-me todo o tempo. Mestre, não posso superar minha dor.

Maharaj: (Depois de meditar por um minuto ou mais, com os olhos fechados) É inútil e fútil dizer que eu estou aflito, pois, na ausência do ‘eu’ (de ‘mim’ como um indivíduo) não há ‘outros’, e me vejo refletido em todos vocês. Obviamente, você não veio a mim buscando mera simpatia, a qual você deve ter recebido em abundância de seus parentes e amigos. Lembre-se, vai-se pela vida, ano após ano, apreciando os prazeres habituais e sofrendo as dores normais, mas sem nunca ver a vida uma vez sequer em sua verdadeira perspectiva. E o que seria esta verdadeira perspectiva? Seria isto: Não há nenhum ‘eu’, nenhum ‘você’; não podem existir tais entidades. Todo homem deverá entender isto e ter a coragem para viver sua vida com esta compreensão. Você tem esta coragem, meu amigo? Ou, você se dedicará inteiramente ao que você chama de seu pesar?

V: Maharaj, perdoe-me, não entendi inteiramente o que você disse, mas me sinto assustado e chocado. Você expôs a essência de meu ser, e o que você disse de forma tão resumida parece ser a regra de ouro para a vida. Por favor, poderia explicar com mais detalhes o que você disse? O que exatamente deverei fazer?

M: Fazer? Fazer? Absolutamente nada: Apenas veja o transitório como transitório, o irreal como irreal, o falso como falso, e você compreenderá sua verdadeira natureza. Você mencionou o seu pesar. Você já olhou para o ‘pesar’ face a face e tentou entender o que ele realmente é?

Perder alguém ou alguma coisa que você amou muito causará aflição. E, desde que a morte é a aniquilação total, com irrevogabilidade absoluta, a aflição causada por ela não será suavizada. Mas, mesmo uma esmagadora aflição não poderá durar muito, se você a analisar intelectualmente. O que é exatamente que o aflige? Volte para o início: você e sua esposa concordaram com alguém que teriam um filho – um corpo particular – e que ele teria um destino determinado? Não é um fato que a própria concepção foi um acaso? Que o feto tenha sobrevivido a muitos perigos no útero foi outro acaso. Que a criança era um menino foi outro acaso. Em outras palavras, o que você chamou seu ‘filho’ foi apenas um evento ocasional, um acontecimento sobre o qual você não teve qualquer controle em qualquer momento, e, agora, aquele evento chegou ao fim.

O que é exatamente que você lamenta? Lamenta acaso pelas poucas experiências agradáveis e pelas muitas outras desagradáveis que seu filho perdeu nos anos por vir? Ou, você está, real e verdadeiramente, lamentando pelos prazeres e amenidades que você não mais receberá dele? Lembre-se, tudo isto é do ponto de vista do falso! Acompanhou-me até aqui?

V: Estou assustado, e continuo abalado. Certamente, segui o que você disse. Apenas não entendi o que você quis dizer quando disse que tudo isto era do nível do falso?

M: Ah! Agora passaremos ao verdadeiro. Entenda, por favor, como verdadeiro, o fato de que você não é um indivíduo, uma ‘pessoa’. A pessoa, aquela que se pensa que se é, é apenas um produto da imaginação, e o ser é a vítima desta ilusão. A ‘pessoa’ não pode existir por si mesma. É o ser, a consciência, que erroneamente acredita que exista uma pessoa e que é consciente de sê-la. Mude seu ponto de vista. Não olhe o mundo como algo externo a você mesmo. Veja a pessoa que você imagina ser como uma parte do mundo – realmente um mundo de sonhos – o qual você percebe como uma aparência em sua consciência, e olhe para todo o espetáculo de fora. Lembre-se, você não é a mente, a qual não é senão o conteúdo da consciência. Enquanto você se identificar com o corpo-mente, será vulnerável à aflição e ao sofrimento. Fora da mente há apenas ser, não ser pai ou filho, isto ou aquilo

Você está além do tempo e do espaço, em contato com eles apenas no ponto do aqui e do agora, mas, de outra forma, é atemporal, ilimitado e invulnerável a qualquer experiência. Entenda isto e não se lamente mais. Uma vez que compreenda que não há nada no mundo que você possa ou necessite chamar seu próprio, você olhará para ele do exterior, como veria uma peça em um palco ou um filme sobre a tela, admirando e apreciando, talvez sofrendo, mas, no fundo, completamente impassível.

(Do livro: "Sinais do Absoluto".)


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