"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

quinta-feira, fevereiro 23, 2017

Alegria, a Energia Vital

- Antiga Mística Ordem Rosacruz -


Um dos aspectos psicológicos que mais interesse nos tem despertado nos últimos anos é a depressão. Estima-se que existam no Brasil pelo menos seis milhões de deprimidos crônicos, sem se falar nos vários milhões de deprimidos comuns. A depressão é uma desvitalização, é uma perda de interesse pelas pessoas e pelas coisas, é um estado de prostração e desânimo diante da vida, é um sentimento de inutilidade e insignificância de tudo. A estafa é o nome mais comum dado às nossas depressões existenciais. É uma forma de cansaço mais agudo, físico e mental.

A estafa ou depressão é a perda da nossa energia. Entenderemos melhor a estafa vinculando-a ao conceito de energia. A ausência de energia é a incapacidade para a ação. Nos nossos momentos depressivos, a vontade mais clara é a de não fazer nada, é a incapacidade para a vivência, para o contato com o mundo em movimento.

Modernamente, um dos maiores problemas que acometem o homem é a sua incompetência para lidar com a sua própria energia. É a perda abusiva, contínua e excessiva da sua energia.

Na estafa há dois pólos: há uma perda e, por isso, se diz que a pessoa está esgotada, mas há também um pólo de saturação e de excesso. Excesso de preocupações, explicitado sobretudo através da ansiedade, da pressa e das tensões. A pressa é uma movimentação excessiva do nosso corpo em busca do futuro; é a vontade de que o mundo faça acontecer algo para ver no que vai dar; é a vontade no corpo de que o desconhecido se torne conhecido antes da hora; é a tensão corporal para um perigo que possa vir, a preparação do corpo para uma luta.

Na estafa há um máximo e um mínimo, as tensões e preocupações e a sua correspondente posterior, que é a depressão, em maior ou menor grau. Todos nós possuímos uma energia de vida, uma energização pessoal, que nos move à ação e que possibilita estarmos presentes à realidade viva da existência, tornando-nos aptos para a relação com o mundo. Quando, eventualmente, devido a alguns fatores, perdemos contato com essa energia individual, sentimo-nos deprimidos e estafados. E qual é o nome desta energia vital que, se é perdida constantemente e não é recuperada, nos faz cair em estafa? Qual é o nome desta energia individual que nos foi dada de graça, de presente, que nos é inata, e cuja perda nos conduz a um estado de sofrimento?...

Alguns a chamam de paz, de vida interior, de harmonia, de amor, de entusiasmo, de motivação, de equilíbrio, de espontaneidade, de simplicidade ou de naturalidade. Mas, há um nome que congrega todos estes aspectos, um nome que é a síntese de todos estes modos de estar. Esta nossa energia vital chama-se Alegria.

Alegria é a nossa energia de vida e, se a perdemos constantemente e não sabemos recuperá-la, isto nos faz cair em estafa. Todas as pessoas estafadas apresentam algo em comum: estão tristes, perderam a alegria de viver, a alegria de estar na existência, a alegria de saborear o movimento do mundo. Alguns dirão: Mas nós ficamos alegres ou não de acordo com as circunstâncias, de acordo com os acontecimentos!... Aí é que está... Numa sociedade competitiva, transferirmos para os outros a determinação da nossa energia vital, é convidarmo-nos ingenuamente para o caminho depressivo, é entregarmos nossa alma ao diabo! A alegria é um processo interior, íntimo, de dentro para fora e não de fora para dentro. A alegria é um processo pessoal, inalienável e intransferível. Cada um de nós é o único responsável pela administração da sua própria energia. E a alegria não cai do céu, não é algo que aconteça por acaso. Ela tem de ser plantada, adubada, regada, tratada e colhida. E novamente plantada, adubada , regada, tratada e colhida.

A alegria nasce da integral disposição íntima diante da vida. Ela não nos é dada por ninguém, ela já é nossa, é um dom da vida. Somos nós mesmos vivendo. É ela o nosso Sim à Vida!. A alegria não é simplesmente o riso - o riso é apenas um fruto dela. A alegria é um processo íntimo de contato com o Universo.

São muito elaborados os jogos que aprendemos no relacionamento humano, responsáveis pela perda da nossa energia vital. Um destes jogos é o Jogo da Razão. Consiste em nos relacionarmos com as outras pessoas com o objetivo de termos razão: Eu tenho razão. Você não tem razão. Eu é que tenho razão!. Como se a coisa mais importante para nós fosse ter razão. É a disputa constante para ver quem é o melhor, o mais inteligente, o mais entendido, o mais certo, o mais esperto. É a supremacia da discussão sobre a reflexão. É o perde-ganha no relacionamento humano. Este mecanismo mina nossas energias no relacionamento e, no final, um tem razão ou os dois têm razão e não chegam a nada - estão tristes e frustrados. Outro jogo é o Jogo da Infelicidade ou o Jogo da Vítima. Ele ocorre quando transformamos nossa vida num muro de lamentações, quando usamos a tristeza como forma de manipulação do ambiente, quando trocamos a nossa alegria pela loucura do controle.

Finalmente, um terceiro jogo, responsável pela perda da nossa motivação vital, é o Jogo da Renúncia. Este jogo consiste em abrirmos mão das coisas que nos são importantes, que são adubos para a nossa alegria interior, em favor de alguém e em nome do amor, para depois, deprimidos, dizermos: Se não fosse por você, se não tivesse feito isto por você, eu seria feliz. Você é o culpado por eu não estar bem!. No jogo da renúncia há uma incapacidade de se dizer Não!. Há um desejo onipotente de se dizer sempre Sim!, ainda que seja falso. Há um desejo de parecer sempre bom, mesmo não sendo verdadeiro.

Existe uma grande diferença entre o amor e o favor. No amor, fazemos para os outros o que nós podemos e queremos fazer, tirando alegria do próprio ato de querer e de fazer, pois estamos realizando nossa opção. A doação, neste caso, nasce dentro de nós, como transbordamento, expressando a nossa maneira de estar naquele momento. É um ato de devoção. O favor, por outro lado, ocorre quando fazemos ou deixamos de fazer algo, sacrificando-nos. É quando nos matamos para satisfazer alguém, quando a opinião de alguém é mais importante do que a nossa ao determinar o que queremos e o que podemos. Através do sacrifício, transformamos o ato espontâneo de amor numa obrigação, para sermos adorados por aqueles a favor de quem renunciamos.

Quando agimos por amor, jamais alguém será ingrato conosco na nossa vida, pois no amor verdadeiro não há espaço para a ingratidão. Mas no amor falso da renúncia, há sempre a figura da ingratidão. Chamamos de ingrata àquela pessoa a quem prestamos um favor e que, na hora de cobrar, não nos quer pagar. Ingratos para nós têm sido aqueles que não se venderam, que não se prostituíram por nosso favor.

A renúncia, que se pretendia constituir amor, é uma distorção cultural. Diz Milbert Newman no seu livro Seja Você Mesmo Seu Melhor Amigo: Você pode ver claramente a diferença entre amor e o que aparentemente é amor nas relações entre pais e filhos. O pais sempre afirmam que estão agindo por amor aos filhos. Mas é fácil ver que não estão. Quando um dos pais se sacrifica por um filho, você sabe que há algo errado, pelo modo como a criança reage. Ela se sente culpada, porque o que obteve não foi por amor, mas por abnegação. Ninguém na verdade quer os frutos do sacrifício de outra pessoa. O sacrifício é um dos piores tipos de comodismo, é alimentar aquela parte de você que se sente sem valor. Ninguém se beneficia com isso, o que não quer dizer que você não possa às vezes decidir desistir das coisas. Mas esta é uma escolha que você faz e é feita por amor. É feito por amor a si mesmo e não por auto-aversão.

Existem muitos preconceitos relacionados à alegria, relacionados ao amor a si próprio. A única coisa real nas nossas relações, que caracteriza o amor, é a alegria. O que caracteriza a felicidade conjunta é a comunhão da alegria. A alegria é a manifestação em cada um de nós do plano humano da harmonia cósmica, da harmonia divina. Quando perdemos nossa alegria, ainda que em nome do amor, não estamos de fato em estado de amor. Não é possível rimar amor e dor.

Muita renúncia no relacionamento humano provém do medo de sermos chamados egoístas. Este medo nos faz sair dos nossos limites, dos nossos espaços de tempo e nos darmos além das nossas próprias condições. Há uma confusão generalizada sobre o que é o egoísmo. Sempre nos chamou a atenção o fato de que se alguém nos chama de egoísta é porque essa pessoa está procurando alguma coisa para ela. É sempre a tentativa de nos subtrair algo em favor dela, é sempre uma forma de controlar a nossa vida. E há ainda nisto uma distorção religiosa. A Bíblia diz: Ama o teu próximo como a ti mesmo, e não em vez de ti mesmo!

Fazer as coisas que nos fazem felizes é exatamente o oposto do egoísmo. Significa satisfazermo-nos na nossa totalidade, incluindo os nossos sentimentos, nossas ligações e responsabilidades para com os outros. Se não aprendermos isto, nunca nos importaremos, de verdade, com as outras pessoas. Se não nos amamos, se não nos respeitamos, se não cuidamos de nós mesmos, de onde vamos tirar o amor por alguém? No máximo, vamos fazer coisas para preencher as outras pessoas. O maior de todos os egoísmos é quando queremos alguém para nós, quando queremos que as pessoas pensem, sintam e ajam relativamente a nós, da maneira que desejamos. É muito fácil abrirmos mão das próprias coisas, do próprio tempo, do próprio espaço, das próprias necessidades, para sermos adorados, amados e bajulados pelos outros, para que falem bem a nosso respeito.

Perdemos a alegria quando, através destes jogos, nos afastamos do presente e nos envolvemos com o fantasma do passado ou com o fantasma do futuro, na culpa do que passou ou no medo do que virá. Todas as vezes que saímos da base sólida e real do agora, sem coragem de largar o que ficou para trás e com medo do que nos pode acontecer no futuro, o nosso vazio interior perde a fertilidade de uma vida plena e se transforma no sentimento de isolamento e de solidão. A festa do encontro com o que nos cerca, transforma-se numa prisão cinzenta e viver passa a ser um peso e não uma brincadeira.

A culpa e o passado só se resolvem através do perdão, e o medo do futuro através da esperança. Perdoando-nos pelo que já passou e através da esperança, deixando o futuro entregue ao próprio futuro, deixando o futuro para quando for presente, deixando o desconhecido para quando for conhecido, renascerá em nós o ludismo e alegres cantaremos e dançaremos à roda da vida.

A Alegria é um processo de comunhão com as outras pessoas, uma sensação íntima e harmônica de fazer parte de um todo. É uma maneira calma e inocente de ver o mundo, como sabíamos fazer na nossa infância. Alegria é quando não medimos a vida pelo tempo, mas pela qualidade ou intensidade dela. É quando nos tornamos simples como as árvores e as estrelas; quando deixamos a vida fluir em si mesma e em nós, peregrinos da gratuidade; quando acolhemos a existência como um mundo de louvor; quando estamos em estado de graça e achamos graça em tudo que existe.

Dai-nos, Senhor, a alegria dos pássaros e das crianças, para que possamos brincar e cantar na gratuidade da vida!


domingo, fevereiro 19, 2017

Mahamudra: A experiência definitiva


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Mahamudra - A experiência definitiva

A experiência do definitivo não é, absolutamente, uma experiência, porque quem experimenta está perdido. E onde há aquele que experimenta, o que se pode dizer da experiência - Quem o dirá? Quem relatará a experiência? Quando não há sujeito, o objeto também desaparece: as margens desaparecem, apenas o rio da experiência permanece. O conhecimento ali está, mas o conhecedor está ausente.

Este tem sido o problema dos místicos. Alcançam o Definitivo, mas não podem relatar aos que lhes vêm após. Não podem relatá-lo a outros, que gostariam d ter essa compreensão intelectual. Tornaram-se um com o Definitivo. Todo o seu ser o relata, mas a comunicação intelectual é impossível. Poderão dá-lo a ti, se estiveres pronto para recebê-lo, poderão permitir que o alcances, se também o permitires, se fores receptivo e aberto. Mas as palavras não farão isso, os símbolos não ajudarão, teorias e doutrinas não serão de uso algum.

A experiência é tal que mais se assemelha a um experimentar, do que a uma experiência. É um processo: começa, mas jamais termina. Tu entras nele, mas jamais o possuis. É como uma gota caindo no oceano, ou o próprio oceano caindo na gota. É uma fusão profunda, uma unidade: tu simplesmente te dissolves nela. Nada fica para trás, sequer um traço; assim, como te comunicarás? Voltarás para o mundo do vale? Quem voltará daquela negra noite para te dizer?

Todos os místicos, em todo o mundo, sempre se sentiram impotentes no que se refere à comunicação. A comunhão é possível, mas a comunicação não o é. Isso deve ser entendido desde o princípio. A comunhão possui uma dimensão totalmente diferente; dois corações se encontram, e dá-se um caso de amor. A comunicação se faz de cabeça para cabeça. A comunhão se faz de coração para coração; a comunhão é um sentimento. Comunicação é conhecimento: só palavras são dadas, só palavras são ditas e só palavras recebidas e compreendidas. E as palavras são tais, a própria natureza das palavras é tão morta, que nada do que é vivo pode se relacionar através delas. Mesmo na vida comum - deixando de lado o Definitivo - mesmo um momento estático, quando realmente sentes algo e tornas-te algo, é impossível dizê-lo através de palavras.

Na minha infância eu costumava ir ao rio, logo ao amanhecer. A povoação é pequena. O rio é muitíssimo preguiçoso, parece mesmo que nem flui. Pela manhã, quando o sol ainda não se levantou, não se pode ver se corre, tão lento e silencioso ele se mostra. E pela manhã, quando não há ninguém ali, antes de os banhistas chegarem, o silêncio do rio é espantoso. Nem mesmo os pássaros cantam ainda, pela manhã; é muito cedo e não há som algum, apenas uma insondabilidade penetra tudo. E o cheiro das mangueiras suspende-se ao longo de todo o rio.

Eu costumava ir até lá, para o mais recuado canto do rio, só para me sentar ali, só para estar ali. Não havia necessidade de fazer nada; só o estar ali já era suficiente, tão bela era a experiência. Tomava banho, nadava e, quando o sol se erguia, ia para a outra margem, para a vasta extensão de areia, enxugava-me sob o sol, deitando-me ali, e, às vezes, adormecendo.

Quando voltava, minha mãe costumava perguntar: "Que estiveste fazendo durante toda a manhã?" E eu respondia: "Nada." Porque, realmente, eu nada estava fazendo. Ela retornava: "Como é possível? Que não tenhas feito nada? Deves ter estado a fazer alguma coisa." Ela tinha razão, mas eu também não estava errado.

Eu não tinha estado a fazer coisa alguma. Estivera apenas ali, com o rio, sem nada fazer, deixando que as coisas acontecessem. Se sentia vontade de nadar - preste atenção -, se sentia vontade de nadar, nadava; mas não era um ato de minha parte, eu não estava forçando nada. Se sentia vontade de dormir, dormia. As coisas aconteciam, mas não havia o que as fazia acontecer. E minha primeira experiência de satori iniciou-se junto àquele rio: nada fazer, estar ali, simplesmente, e milhões de coisas acontecendo.

Minha mãe, entretanto, insistia em que alguma coisa eu estivera fazendo; então eu dizia: "Está bem, tomei um banho e enxuguei meu corpo ao sol." Ela, então, se mostrava satisfeita. Eu, porém, não o estava, porque o que se passava no rio não podia ser expressado por palavras. "Tomei um banho" parece algo tão falho e descorado! Brincar no rio, boiar, nadar no rio eram experiências de tal modo profundas, que não fazia sentido algum dizer simplesmente: "Tomei um banho." Ou dizer apenas: "Eu estive ali, caminhei pela margem, sentei-me ali" - palavras que nada transmitiram.

Mesmo na vida cotidiana sentimos a inutilidade das palavras. E se ainda não sentiste a inutilidade das palavras, é porque não estiveste vivo, viveste apenas superficialmente. Se o que viveste, seja lá o que for, pode ser transmitido através de palavras, isso significa que absolutamente não viveste.

Quando, pela primeira vez, algo para além das palavras começa a acontecer, então a vida acontece para ti, a vida bate à tua porta. E quando o definitivo bate à tua porta, tu simplesmente te vês para além das palavras - tornas-te mudo, não podes falar. Nem mesmo uma só palavra se delineará em teu interior. E o que for que possas dizer parecerá tão descorado, tão morto, tão sem sentido, tão destituído de qualquer significação, que pensarás estar sendo injusto para com a experiência que te aconteceu. Lembra-te disto, porque Mahamudra é a última, a Definitiva experiência.

Mahamudra significa um orgasmo total com o Universo. Se tiveres amado alguém, algumas vezes sentiste uma fusão, uma submersão - os dois já não são dois. Os corpos permanecem separados, mas há algo entre esses corpos, algo como uma ponte, uma ponte de ouro, e a duplicidade interior desaparece. Uma vida-energia vibra em ambos os pólos. Se isso já aconteceu contigo, poderás compreender o que é Mahamudra.

Milhões e milhões de vezes mais profunda,
milhões e milhões de vezes mais alta é Mahamudra.
É um orgasmo total com o Todo, com o Universo.
É fundir-se na fonte do Ser.

Essa é a canção de Mahamudra. Foi belo da parte de Tilopa chamar a isso canção. Tu podes cantá-la, mas não podes dizê-la; podes dançá-la, mas não podes dizê-la. É algo tão profundo que o cantar pode transmitir, dela, minúscula parte - não o que cantares, mas a forma pelo qual cantares.

Muitos místicos simplesmente dançaram, depois de sua experiência com o definitivo. Não poderiam fazer outra coisa. Estavam dizendo algo através de todo o seu ser, de todo o seu corpo: corpo, mente, alma, tudo se envolvia naquela experiência. Dançavam, e aquelas não eram danças comuns. Na verdade, toda a sua dança nascera deles mesmos: era uma forma de contatar o êxtase, a felicidade, a beatitude.

Algo do desconhecido penetrara no conhecido, algo do além viera à terra - e que outra coisa poderias fazer? Dançar o fato, cantar o fato. Essa é a canção de Mahamudra.

E quem a cantará? Tilopa já não existe. A sensação orgásmica, ela própria está cantando, não é cantada por Tilopa. Tilopa já não existe. A própria experiência vibra e canta. Daí, a canção de Mahamudra, a canção do êxtase a canta. Tilopa fundiu-se. Quando aquele que procura se perde, só então a meta é atingida. Quando já não existe a experiência, a experiência ali está. Procura e perderás o que procuras, porque através da busca o que procuras se fortalecerá. Não procuras e encontrarás. O próprio fato de procurar, o próprio esforço torna-se uma barreira, porque quanto mais procurares, mais o ego se fortalecerá, como também aquele que procura... Não procures.

Esta é a mensagem mais profunda em toda a canção de Mahamudra: não procures; fica apenas onde estás, não vás a parte alguma. Ninguém jamais alcança Deus, ninguém o pode fazer porque não sabe qual é o endereço. Para onde irás? Onde encontrarás o Divino? Não há mapas, não há caminhos e não há ninguém para dizer onde Ele está. Não, ninguém jamais alcança Deus. Sempre se dá o contrário: Deus vem a ti. Quando estiveres pronto. E o estar pronto nada mais é do que estar em receptividade. Quando estiveres completamente receptivo, não haverá ego. Tu te tornarás um templo oco, sem ninguém lá dentro.
Tilopa diz, na canção, para te tornares oco como um bambu, nada por dentro. E, subitamente, no momento em que fores um bambu oco, os lábios do Divino estarão sobre ti, o bambu oco transformar-se-á numa flauta, e a canção começará - a canção de Mahamudra. Tilopa tornou-se um bambu oco, o Divino veio e a canção teve início. Não a canção de Tilopa, mas a canção da própria experiência Definitiva.

Alguma coisa sobre Tilopa antes de entrarmos nesse belo fenômeno. Não se conhece muito sobre Tilopa, porque nada, na verdade, pode ser conhecido sobre tais pessoas. Elas não deixam traços, não se tornam parte da História. Existem ao lado, não são parte do trânsito principal em que toda a Humanidade está se movendo. Elas não se movem no mesmo terreno. Toda a Humanidade move-se através do desejo, e pessoas como Tilopa movem-se na ausência do desejo. Elas simplesmente se afastam do trânsito principal da Humanidade, onde existe a História.

E, quanto mais distantes se colocam, mais mitológicas se tornam. Existem na qualidade de mitos; já não são acontecimentos do tempo. E assim é que deve ser, porque elas se movem para além do tempo - vivem na eternidade. Desta dimensão da nossa Humanidade comum, elas simplesmente desaparecem, evaporam-se. Só do momento em que estão evaporando, só desse momento é que nós nos recordamos, até então elas são parte de nós. Por isso é que não se conhece muito sobre Tilopa, sobre quem era ele.

Só existe a canção. É a dádiva de Tilopa; e foi concedida a seu discípulo Naropa. Essas dádivas não podem ser concedidas a ninguém - a não ser que exista uma profunda intimidade de amor. A pessoa tem de ser capaz de receber tal dádiva. E aquela canção foi concedida a Naropa, seu discípulo. Antes de recebê-la, Naropa foi testado de mil maneiras: sua fé, seu amor, sua confiança. Quando se soube que nada de duvidoso existia nele, nem mesmo a mais insignificante partícula de dúvida, quando seu coração estava inteiramente repleto de confiança e de amor, a canção lhe foi dada.

A indiferença é a chave; sê simplesmente indiferente. Ela aí está - aceite-a. Leva tuas energias, mais e mais, em direção à confiança e ao amor, porque a energia que se torna dúvida é a mesma energia que se torna confiança. Mantém-se indiferente à dúvida. No momento em que te tornares indiferente, tua cooperação será rompida, tu não a estarás alimentando - porque é através da atenção que todas as coisas se alimentam. se deres atenção à tua dúvida, mesmo que seja contra ela, será perigoso, porque essa mesma atenção é alimento, é cooperação. Devemos, apenas, ser indiferentes - nem a favor, nem contra: não sejas a favor da dúvida e nem sejas contra a dúvida.

Assim, terás que compreender três palavras. Uma palavra é dúvida, a outra é crença e a terceira é confiança ou fé, aquilo que no Oriente se conhece como shraddha. A dúvida é uma atitude negativa em relação a qualquer coisa. O que quer que se diga é ouvido, de inicio negativamente. Tu te sentes contra aquilo e encontras razões, racionalizações, que apóiam tua "negatividade". Há, então, a mente da crença. É tal e qual a mente da dúvida, só que de cabeça para baixo - não há muita diferença. Tal mente vê tudo como positivo e tenta encontrar razões, racionalizações, que apóiem essa atitude "a favor". A mente que duvida suprime a crença, a mente que acredita suprime as dúvidas - mas ambas são do mesmo tipo, a qualidade não é diferente.

Há, então, um terceiro tipo de mente; e dessa mente a dúvida simplesmente desapareceu. Quando a dúvida desaparece, a crença também desaparece. Fé não é crença, é amor. Fé não é crença, porque não é a metade, é total. Fé não é crença, porque nela não há dúvida, portanto, como podes crer? Fé não é racionalização, absolutamente: não é contra, nem a favor disto ou daquilo. Ter fé é ter confiança, uma confiança profunda, amor. Não encontrarás racionalização para isso; simplesmente é assim. Então, que fazer?

Não crie crenças contra a fé. Sê indiferente a ambas, crença e dúvida, e leva tuas energias em direção ao amor: ama mais, ama incondicionalmente. Não ames a mim apenas, porque isso não é possível: se amas, simplesmente amas. Se amas, simplesmente existes sob uma forma mais amorosa - tem amor não só pelo Mestre, mas pelo céu e pela terra. Tu, o teu ser, a tua própria qualidade de ser tornam-se um fenômeno de amor. Então, surge a confiança. E só a confiança assim pode ser concedida uma dádiva como a canção de Mahamudra. Quando Naropa esteve pronto, Tilopa concedeu-lhe sua dádiva.

Portanto, recorda-te de que, com um Mestre, não estás "viajando-com-a-cabeça". Dúvida e crença são, ambas, "viagens-com-a-cabeça". Com um Mestre tu "viajas-com-o-coração". E o coração não sabe o que é dúvida, o coração não sabe o que é crença - o coração simplesmente, confia. O coração é como a criança pequena que vai pela mão do pai, e o segue para onde ele for, sem confiar, nem duvidar: a criança é indivisa. A dúvida é metade, a crença é metade. Uma criança ainda é total, inteira. Vai, simplesmente, para onde quer que seu pai se dirija. Quando um discípulo se torna tal qual uma criança, só então podem ser concedidas as dádivas do mais alto grau da percepção.

Quando tu te tornas o mais profundo vale da recepção, os mais altos graus da percepção te podem ser concedidos. Só um vale pode receber um grau. Um discípulo deve ser absolutamente feminino, receptivo, como um útero. Só então tal fenômeno acontece, como vai acontecer nesta canção.

Tilopa é o Mestre, Naropa o discípulo, e Tilopa diz: Mahamudra está para além das palavras e símbolos, mas para ti, Naropa, sério e leal, isto deve ser dito...

Aquilo está para além de palavras e símbolos, de todas as palavras e de todos os símbolos. Então, como pode ser dito? Há, então, alguma forma? Sim, há uma forma. Se há um Naropa, há uma forma. Se há, realmente, um discípulo, há uma forma. Depende do discípulo o ser, ou não, encontrada essa forma.

Se o discípulo for tão receptivo que não tenha mente própria, não julgará se é errado ou certo: ele não tem mente própria, cedeu sua mente ao Mestre; ele é, simplesmente, receptividade, um vazio pronto para receber incondicionalmente o que quer que lhe dêem - e então as palavras e os símbolos não são necessários. E, então, algo pode ser dado. Podes ouvir isso entre as palavras, podes ler entre as linhas; e as palavras são apenas uma escusa. O que é verdadeiro acontece exatamente às margens das palavras.

Palavras são apenas artifícios, expedientes. O real segue as palavras como uma sombra. E, se estiveres muito preso à mente, ouvirás as palavras, mas não poderás comunicar-te. Mas se não fores absolutamente uma mente, então as sombras sutis que seguem as palavras, muito sutis, só o coração as pode ver, sombras invisíveis, ondulações invisíveis da percepção, "vibrações"... então a comunhão será imediatamente possível.

Diz Tilopa:

"Mas para ti, Naropa, sério e leal, isto deve ser dito" - Aquilo que não pode ser dito deve ser dito ao discípulo. Aquilo que não pode ser dito, aquilo que é absolutamente invisível deve se tornar visível para o discípulo. Isso depende, não apenas do Mestre, mas, e ainda mais, do discípulo.

Tilopa foi afortunado, encontrando Naropa. Tem havido alguns desafortunados mestres que jamais encontraram um discípulo como Naropa. Assim, o que quer que tenham ganho desaparece com eles, porque não há ninguém para receber.

Às vezes, os mestres viajam milhares de milhas para encontrar um discípulo. O próprio Tilopa foi da Índia para o Tibete para encontrar Naropa, para encontrar um discípulo. Tilopa vagueou por toda a índia e não pôde encontrar um homem daquela qualidade, um homem que recebesse a dádiva, que a apreciasse, que estivesse em condições de absorvê-la, de renascer através dela. E, desde que a dádiva foi concedida a Naropa, ele se transformou totalmente. Conta-se que Tilopa disse a Naropa: "Agora vai e procura o teu Naropa."

Naropa também foi afortunado, pôde encontrar um discípulo cujo nome era Marpa. Marpa também teve muita sorte: encontrou um discípulo cujo nome era Milarepa. E então a tradição desapareceu, não houve mais discípulos daquele grande calibre que fossem encontrados. Por muitas vezes surgiram e desapareceram religiões; por muito tempo aparecerão e desaparecerão. Uma religião não se pode tornar uma seita, uma religião depende de comunicação pessoal, de comunhão pessoal. A religião de Tilopa existiu apenas durante quatro gerações - de Naropa a Milarepa -, depois desapareceu.

A religião é como um oásis; o deserto é vasto, mas, às vezes, em minúsculas partes do deserto aparece um oásis. Enquanto dura, procura-o. Enquanto ele ali estiver, bebe da sua água - ele é muito raro.

Jesus disse muitas vezes aos seus discípulos: "Um pouco mais permanecerei aqui. E, enquanto eu estiver aqui, comam da minha carne, bebam do meu sangue. Não percam essa oportunidade" - por milhares de anos, um homem como Jesus pode não aparecer aqui. O deserto é vasto. O oásis, às vezes, aparece e desaparece, porque o oásis vêm do desconhecido e precisa de uma âncora sobre esta terra. Se não houver âncora, ele não poderá permanecer. Um Naropa é uma âncora.

Se te embriagares de Jesus ou Naropa, serás totalmente transformado. A transformação é muito fácil e simples; é um processo natural. Só precisa tornar-te solo e receber a semente; tornar-te útero e receber a semente.

Mahamudra está para além das palavras e símbolos, mas para ti, Naropa, sério e leal, isto deve ser dito...

Isso não pode ser expresso - é inexprimível -, mas tem de ser dito a um Naropa. Assim que o discípulo esteja pronto, o Mestre aparecerá, terá de aparecer. Onde quer que exista uma profunda necessidade, ela deve ser satisfeita. A completa existência responde à tua necessidade mais profunda, mas deves sentir a necessidade. De outra maneira, poderás passar por um Tilopa, por um Buda, por um Jesus, e não serás capaz nem mesmo de ver que passaste por Jesus.

Tilopa viveu neste país. Ninguém o ouviu, mas ele estava pronto para conceder a dádiva do Definitivo. Que aconteceu? E isso aconteceu neste país muitas vezes; deve haver algo por trás disso. E isto aconteceu neste país mais do que em qualquer outro lugar, porque mais Tilopas foram nascidos aqui. Mas por que acontece que um Tilopa tenha de ir ao Tibet? Por que acontece que um Bodidarma tenha de ir à China?

Este país sabe demais, este país têm se tornado demasiadamente preso à cabeça. Eis por que é difícil encontrar um coração - o país dos brâmanes e pundites, o país dos grandes conhecedores, dos filósofos. Eles conhecem todos os Vedas, todos os Upanixades; podem dizer de memória todas as escrituras: um país da cabeça. Por isso é que aquilo tem acontecido muitas vezes.

Mesmo eu sinto, tantas e tantas vezes senti, que onde chega um brâmane é difícil haver comunicação. Um homem que sabe demais torna-se quase impossível, porque ele sabe sem saber. Reuniu muitos conceitos, teorias, doutrinas, escrituras. Apenas sobrecarregou sua percepção, não a fez florescer. Nada do que sabe aconteceu a ele, tudo é emprestado; e tudo o que é emprestado não passa de entulho, podridão. Deita isto fora, assim que o puderes fazer.

Só o que acontece contigo é verdadeiro.
Só o que em ti floresce é verdadeiro.
Só o que em ti cresce é verdadeiro e vivo.

Lembra-te sempre disso: evita conhecimentos emprestados.

O conhecimento emprestado torna-se um artifício da mente; esconde a ignorância, jamais a destrói. E, quanto mais estiveres rodeado de conhecimentos, bem profundamente, no centro, na própria raiz do teu ser, haverá mais ignorância e obscuridade. E um homem de conhecimento, de conhecimento emprestado, está quase que completamente fechado dentro de seu próprio conhecimento. E é difícil penetrá-lo, é difícil encontrar-lhe o coração, pois ele próprio perdeu o contato com o seu coração. Assim, não foi incidentalmente que Tilopa teve que ir ao Tibete, e Bodidarma à China: a semente teve de viajar para muito distante, não encontrando solo aqui.

Lembra-te disso, porque é muito fácil alguém tornar-se fortemente apegado ao conhecimento: é uma paixão, uma droga. O LSD não é tão perigoso, a maconha não é tão perigosa. De certa forma, são similares, porque a maconha dá um vislumbre de algo que ali não existe, dá-te um sonho de algo que é inteiramente subjetivo, dá-te uma alucinação. O conhecimento também: dá-te a alucinação de conhecer. Começas por sentir que sabes, porque podes declamar os vedas; sabes, porque podes argumentar; sabes porque tens a mente muito lógica e aguda. Não sejas tolo! A lógica nunca levou ninguém à Verdade. E uma mente racional é apenas um jogo. Todos os seus argumentos são pueris.

A vida existe sem argumento algum e a Verdade não necessita de provas - necessita apenas do teu coração. Não de argumentos, mas do teu amor, da tua confiança, da tua disponibilidade para receber.

"O Vácuo não precisa de confiança,
Mahamudra repousa sobre nada.
sem fazer esforço,
mas permanecendo desprendido e natural,
é possível quebrar o jugo,
ganhando assim, a libertação."

Se há alguma coisa, ela necessita de apoio, necessita de confiança. Mas se nada há, se apenas o vazio existe, não há necessidade de apoio nenhum. E esta é a compreensão mais profunda de todos os conhecedores: que o seu ser é um não-ser. Dizer-se que é um ser está errado, porque isso não é nada, não se parece com coisa alguma. Parece-se a coisa alguma: um vasto vazio, sem fronteiras. É apenas um anatma, um não-eu; não é um eu dentro de ti.

Todos os sentimentos do eu são falsos. Todas as identificações com "sou isto ou aquilo" são falsas.

Quando chegas ao Definitivo, quando chegas ao teu âmago mais profundo, sabes, subitamente, que não és isto, nem aquilo; que não és ninguém. Não és um ego; és apenas um vasto vazio. E, algumas vezes, se te sentares, fecha os olhos e procuras sentir o que és, para onde vais. Desce mais profundamente e poderás ter medo, porque quanto mais profundamente desceres, mais profundamente sentirás que és ninguém, que és um nada. Por isso é que as pessoas temem a meditação: ela é a morte, é a morte do ego; e o ego é apenas um falso conceito.

Agora os físicos chegaram a esta mesma verdade, através de sua pesquisa científica, aprofundando-se no terreno da matéria. O que Buda, Tilopa e Bodidarma encontraram mediante a visão interior, a Ciência tem estado a descobrir também no mundo exterior. Dizem, agora, que não há substância - e substância é um conceito paralelo do ego.

Uma pedra existe e sentes que ela é bem substancial. Podes atirá-la à cabeça de alguém e ela produzirá sangue; a pessoa atingida poderá até morrer. A pedra é muito substancial. Mas indaga dos físicos, e eles dirão que ela é não substância, que nada existe nela. Dirão que é apenas um fenômeno de energia. Muitas correntes de energia cruzando-se sobre aquela pedra dão uma sensação de substância, tal como tu, quando riscas muitas linhas cruzadas sobre um pedaço de papel: onde muitas linhas se cruzam, surge um ponto. O ponto não estava ali. Duas linhas se cruzam e o ponto surge; muitas linhas e se cruzam e um grande ponto surge. Aquele ponto está, realmente ali? Ou apenas as linhas, ao se cruzarem, é que dão a ilusão de que ali há um ponto?

Os físicos dizem que correntes de energia, cruzando-se, criam matéria. E, se perguntares o que são essas correntes de energia, dirão que não são materiais, que não têm peso, que são não materiais. Linhas não materiais cruzando-se dão a ilusão de coisa material, substancial, como a pedra.

Buda chegou a essa iluminação 2500 anos antes de Einstein. Dentro não existe ninguém; apenas as linhas de energia cruzando-se é que te proporcionam a sensação do eu. Buda costumava dizer que o eu é como uma cebola: tu a descascas, jogas fora a casca, mas uma outra surge. Se continuares descascando, camada por camada, o que permanecerá, afinal? A cebola será inteiramente descascada e nada encontrarás dentro dela.

O homem é tal como uma cebola. Descasca-se a camada de pensamentos, de sentimentos, e, finalmente, o que encontramos? Um nada.

Esse nada não precisa de apoio.
Esse nada existe por si mesmo.

Eis por que Buda disse que não existe Deus: Não há necessidade de Deus, porque Deus é um apoio. E diz que não há criador, porque não há necessidade de criar um nada. Este é um dos conceitos mais difíceis de entender - a não ser que o compreendas.

Por isso é que Tilopa diz: "Mahamudra está para além de todas as palavras e símbolos."

Mahamudra é uma experiência do nada - simplesmente, tu não és.
E, se não és, quem está aí para sofrer?
Quem está aí, em dor e angústia?
E, quem está aí para estar feliz e bem aventurado?

Buda diz que, se sentires que estás bem aventurado, tornarás a ser vítima do sofrimento, porque ainda estás ali. Quando não estiveres, então não haverá sofrimento, nem bem-aventurança; e essa será a verdadeira bem-aventurança. Então, não poderás recuar. Atingir o nada é atingir tudo.

Todo o meu esforço em relação a ti também é para conduzir-te ao nada, levar-te ao vácuo total.

"O vácuo não precisa de confiança,
Mahamudra repousa sobre nada.
Sem fazer esforço,
Mas permanecendo desprendido e natural,é possível quebrar o jugo,
ganhando assim, a libertação."

A primeira coisa a compreender é que o conceito do eu é criado pela mente - não há eu em ti.

Isto aconteceu de fato: Um grande budista, homem de esclarecimento, foi convidado pelo rei para ministrar-lhe ensino. O nome do monge budista era Nagasen; o rei era o vice-rei de Alexandre. Quando Alexandre retornou da Índia, deixou ali Minander como seu vice-rei. Seu nome hindu era Milinda. Milinda pediu a Nagasen que viesse ensinar-lhe. Estava realmente interessado e ouvira muitas histórias sobre Nagasen. Muitos rumores haviam chegado à corte: "É um fenômeno raro! Raramente acontece que um homem floresça, e aquele homem floresceu. Tem, ao derredor, um aroma de algo desconhecido, uma energia misteriosa. Caminha sobre a terra, mas não é da terra." O rei ficou interessado e o convidou.

Um mensageiro foi ter com Nagasen e voltou bastante perplexo, pois ele lhe havia dito: "Sim, se ele convida, Nagasen irá;mas diga-lhe que não há ninguém como Nagasen. se é convidado, irá, mas diga-lhe, exatamente, que não há ninguém que seja "eu sou". Eu já não sou."

O mensageiro ficou perplexo, porque, se Nagasen já não era, quem viria? Milinda também ficou perplexo e disse: "Esse homem fala por enigmas. Mas deixemos que venha." Milinda era grego, e a mente grega é basicamente lógica.

Há apenas duas mentes no mundo: A hindu e a grega. A hindu é ilógica e a grega é lógica. A hindu move-se nas profundidades das trevas, estranhas profundidades onde não há fronteiras, onde tudo é vago, enevoado. A mente grega caminha sobre a linha lógica, reta, onde tudo está definido e classificado. A mente grega move-se no conhecimento. A mente hindu move-se no desconhecido, e , ademais, no incognoscível. A mente grega é absolutamente racional, a mente hindu é absolutamente contraditória. Portanto, se encontrares demasiadas contradições em mim, não te aborreças - essa é a forma. Na contradição está a forma oriental de relatar.

Milinda disse: - "esse homem parece ser irracional, parece ter enlouquecido. Se ele não é, então como pode vir? mas deixemos que venha. Eu provarei, apenas pela sua vinda, que ele é."

Então, Nagasen veio. Milinda o recebeu ao portão e a primeira coisa que disse foi: - "estou perplexo por teres vindo, apesar de teres dito que já não és.

Nagasen respondeu: - "Ainda digo isso. Portanto, vamos resolver o caso aqui mesmo."

Um grupo reuniu-se, toda a corte apareceu ali e Nagasen disse: "Tu fazes as perguntas."

Milinda perguntou: - "Dize-me, antes de mais nada: Se algo não é, como pode vir? Se, em primeiro lugar, ele não é, então não há possibilidade para a sua vinda; mas tu vieste. É simples lógica a constatação de que tu és."

Nagasen riu e disse: - "Olha para este ratha" (o carro em que tinha vindo). Olha para ele. Tu o chamas de ratha, um carro puxado por cavalos." Milinda confirmou. Então Nagasen mandou que seus acompanhantes retirassem os cavalos. Uma vez desatrelados os animais, Nagasen perguntou: - "Os cavalos são o carro?"

Milinda disse: - "Claro que não!" Então aos poucos, tudo quanto havia no carro foi sendo retirado, parte por parte. As rodas foram removidas, e ele perguntou: "essas rodas são o carro?" Milinda disse: - "está certo que não!"

Quando tudo foi removido, nada mais restando, Nagasen indagou: - "Onde está o carro em que vim? Não removemos o carro, e tudo quanto foi removido não era, segundo foi confirmado, o carro. Assim, onde está o carro?"

E Nagasen explicou: -"è exatamente assim que Nagasen existe. Remove as partes e ele desaparecerá." Apenas linhas cruzadas de energia: removam-se as linhas e o ponto desaparecerá. O carro era apenas uma combinação de partes.

Tu também és uma combinação de partes, o eu é uma combinação de partes. Remove coisas e o eu desaparecerá. Por isso é que, quando os pensamentos são removidos da percepção, não podes dizer eu, porque não há eu - apenas um vácuo é deixado. Quando os sentimentos são removidos, o eu desaparece completamente. Tu és, e contudo não és: És apenas uma ausência sem fronteiras, vacuidade.

Essa é a obtenção final; esse estado é Mahamudra, porque só nesse estado podes ter o orgasmo com o Todo. Quando não há mais fronteiras, não existe eu. Agora já não há fronteiras para ti.

O Todo não tem fronteiras. Tu deves tornar-te como o Todo - mas para isso deve haver um encontro, uma fusão. Quando estás vazio, estás sem fronteiras, e, subitamente, tornas-te o Todo.

Quando não és, tornas-te o Todo.
Quando és, tornas-te um feio ego.

Quando não és, tens toda a expansão da existência para que o teu ser seja.

Mas há contradições. Portanto, tenta compreender: Torna-te um pouco semelhante a Naropa, de outra forma estes símbolos nada levarão até ti. Ouve-me com confiança. E quando eu falo, ouve-me com confiança; se te digo que conheci isso, é assim como digo. Sou uma testemunha, dou um testemunho disso, isso é assim. Pode não ser possível dizê-lo, mas tal coisa não significa não significa que isso não seja. Podes dizer algo que não é, e podes ser incapaz de me compreender, se fores como Naropa, se me ouvires com confiança.

Não estou ensinando uma doutrina. De forma alguma ter-me-ia preocupado com Tilopa se essa também não fosse a minha própria experiência.
Tilopa disse isso muito bem:

"O vácuo não precisa de segurança,
Mahamudra repousa sobre nada.
Sobre nada Mahamudra repousa."

Mahamudra significa, literalmente, o grande gesto, ou o gesto definitivo; o último que podes ter e para além do qual nada é possível.

"Mahamudra repousa em nada.
Sê um nada e, então, tudo estará obtido.
Morre e te tornarás um Deus.
Desaparece e te tornarás o Todo.
Aqui a gota desaparece
e ali o oceano passa a existir."

Não te agarres a ti mesmo - isso é o que tens feito em todas as tuas vidas passadas: Agarrar-te, receoso de, se não te agarrares, ter de olhar para baixo e encontrar um abismo sem fundo.

Por isso é que nos agarramos a coisas insignificantes, triviais, e continuamos agarrados a elas. O agarrar-se mostra que também és consciente de um vasto vazio interior. Precisas de alguma coisa em que agarrar-te, mas isso é o teu samsara, a tua angústia. Deixa-te cair no abismo. E, uma vez que tenhas caído no abismo, tornar-te-ás o próprio abismo.

Então, não há morte, porque como pode um abismo morrer?
Então, não haverá fim, porque como pode o nada acabar?
Algo pode acabar, terá de acabar - mas só o nada pode ser eterno.
Mahamudra repousa sobre o nada.

Deixa que te explique, através da experiência que tens. Quando amas uma pessoa, tens que tornar-te nada. Quando amas uma pessoa, tens que tornar-te um não - eu. Por isso é que o amor se torna tão difícil. É por isso que Jesus disse que Deus é igual a amor. Jesus sabia alguma coisa sobre Mahamudra, porque antes de iniciar seus ensinamentos em Jerusalém ele tinha estado na Índia. Também esteve no Tibete,onde encontrou pessoas como Tilopa e Naropa. Estagiou em mosteiros budistas e aprendeu o que é aquilo a que as pessoas chamam o nada. Então, tentou passar todo o seu conhecimento para a terminologia judaica. E foi aí que tudo se tornou confuso.

Não podes passar o entendimento budista para a terminologia judaica. É impossível porque a terminologia judaica depende de termos positivos e a terminologia budista depende de termos absolutamente niilistas: nada, vacuidade. Mas, aqui e ali, nas palavras de Jesus há vislumbres. Ele diz: "deus é amor" e está insinuando algo. O que?

Quando amas, tens que tornar-te um ninguém. Se permaneces alguém, o amor jamais acontece. Quando amas uma pessoa, mesmo por um só momento, quando o amor acontece e floresce entre duas pessoas, há dois nadas, não duas pessoas. Se já tiveste essa experiência de amor, poderás entender.

Dois amorosos, sentados lado a lado, um ao lado do outro, ou dois nadas sentados juntos: Só então o encontro é possível, porque as barreiras foram destruídas, as fronteiras postas de lado. A energia pode mover-se de cá para lá, não há obstáculos. E só em tais momentos é que um profundo orgasmo de amor é possível.

Quando dois amorosos estão fazendo amor, o orgasmo só acontece se forem, ambos, não-eus, nada. Então a energia de seus corpos, todo o seu ser, perde completamente a identidade. Eles já não são eles próprios, tombaram no abismo. Mas isso só dura por um momento. De novo voltam, de novo recomeça o apego. Por isso é que as pessoas também tem medo de amar.

No amor profundo, as pessoas temem enlouquecer, ou morrer, temem o que pode vir a acontecer. O abismo abre sua boca, toda a existência boceja e, subitamente, estás ali, podes tombar ali. As pessoas tornam-se medrosas do amor e, então, satisfazem-se com o sexo e chamam ao sexo "amor".

O amor não é sexo. O sexo pode acontecer no amor, pode ser parte dele, parte integral, mas o sexo, em si mesmo, não é amor - é um substituto. Tentais evitar o amor através do sexo. Dais a vós mesmos, a sensação de estar amando, mas não vos estais movendo em amor. O sexo é tal qual o conhecimento emprestado: dá a sensação de saber, sem saber, dá a sensação de amor e de estar amando, sem amar.

Amando não estais e o outro também não: Então, subitamente, os dois desaparecem. O mesmo acontece com Mahamudra. Mahamudra é o orgasmo total com a completa existência.

Por isso é que em Tantra - e Tilopa é um Mestre Tântrico - o coito profundo, o coito orgasmático entre dois amorosos é também chamado Mahamudra; e dois amorosos em profundo estado orgasmático estão representados nos templos tântricos, em livros tântricos. Essa figura tornou-se um símbolo do orgasmo final.

E esse é todo o método de Tilopa e todo o método do Tantra: "Sem fazer esforço"... porque, se fazes esforço, o ego se robustece. Se fazes esforço, estás ali.

Portanto, o amor não é um esforço, não podes fazer esforço para amar. Se fizeres esforço, não haverá amor. Tu fluis para ele, tu não fazes esforço, simplesmente consentes que ele aconteça; não fazes esforço. Não é uma ação, é uma contecimento: "Sem fazer esforço"... E o mesmo se dá com o final, com o total: tu não fazes esforço, simplesmente flutua nele...

Mas permanece desprendido e natural. essa é a forma, esse é o próprio terreno de Tantra.

O Ioga diz que se faça esforço, o Tantra diz que não se faça esforço. O Ioga é orientado para o ego - até que finalmente ele abandone a si mesmo - mas Tantra, desde o princípio, é orientado para o não-ego. O Ioga, ao final de sua prática, atinge tal significação, sentido e profundidade, que diz àquele que procura: "Agora, deixa cair o ego" - mas isto apenas no fim. Tantra diz isso desde o inicio - e Tantra leva à Meta Definitiva. O Ioga pode preparar para Tantra, isso é tudo, porque o ato final deve ser feito sem esforço, "desprendido e natural".

Que entende Tilopa por "desprendido e natural"? Não lutes consigo mesmo, desprende-te. Não tentes formar uma estrutura em torno do teu caráter, de tua moralidade. Não te disciplines demais, de outra forma tua própria disciplina se tornará dependência. Não cries uma prisão em torno de ti. Conserva-se desprendido, flutuando, move-te com a situação, responde à situação. Não te movas com um colete-caráter em torno de ti, não te movas numa atitude fixa. Permanece desprendido como água e não imóvel como o gelo. Permanece movendo-te e flutuando. Para onde a natureza te levar, vai. Não resistas, não tentes impor coisa alguma a ti mesmo, ao teu ser.

Toda a sociedade, entretanto, ensina-te a impor algo aos outros. Sê bom, sê moral, sê isto, sê aquilo. E Tantra está inteiramente para além da sociedade, da cultura, da civilização. Ele diz que, se fores demasiadamente culto, perderás tudo quanto é natural e, então, serás uma coisa mecânica, sem flutuar, sem fluir. Portanto, não forces uma estrutura em torno de ti - vive momento a momento, vive em vigilância. E isso já é profundo o bastante para ser entendido.

Por que razão as pessoas tentam criar uma estrutura em torno delas? Para não necessitarem da vigilância - porque, se não tiveres um caráter em torno de ti, precisarás estar muito, muito atensivo: cada momento terás de tomar uma decisão. E tu não tens decisões pré-determinadas, não tens uma atitude. No entanto, tens de responder a uma situação: algo está ali e estás inteiramente despreparado para isso. Terás de ser muito, muito consciente.

Para evitar a vigilância as pessoas criaram um artifício, e o artifício é o caráter, Force-se uma pessoa a determinada forma de disciplina e, esteja ela ou não em vigilância, a disciplina por si só ocupar-se-á de tomar conta. Tome-se como hábito o dizer sempre a verdade, faça-se disso realmente um hábito, e já não será mais preciso ter preocupações. Alguém fará uma pergunta e, pela força do hábito, será preciso dizer a verdade. Mas, dita pela força do hábito, a verdade estará morta.

E a vida não é tão simples. A vida é um fenômeno muito complexo. Às vezes, uma mentira é necessária, como, às vezes, uma verdade pode ser perigosa - devemos estar atentos. Por exemplo, se através da nossa mentira a vida de alguém é salva, se através dela ninguém é prejudicado e a vida de alguém é salva, que faremos? Se tivermos a mente fixa na idéia de que devemos ser verdadeiros, mataremos então, uma vida.

Nada é mais valioso do que a vida, verdade alguma é mais valiosa do que a vida. E, às vezes, nossa verdade pode matar a vida de alguém. Que farias? Só para salvar teu velho padrão e hábito, teu próprio ego, o "sou um homem verdadeiro", sacrificarias uma vida - só para ser um homem verdadeiro, só por isso? Estarás completamente louco! Se uma vida pode ser salva, mesmo que as pessoas te achem um mentiroso, que mal há nisso? Por que dar tanta importância ao que as pessoas dizem a teu respeito?

É difícil! Não é assim tão fácil criar um padrão fixo porque a vida segue, movendo-se e modificando-se e, a cada momento, há uma nova situação para a qual é preciso dar resposta. Responde com inteira consciência, isso é tudo. E deixa que a decisão saia da própria situação, não pré-fabricada, não imposta. Não tenhas contigo uma mente inteiramente edificada; conserva-te desprendido e natural.

Assim é um homem realmente religioso. De outra forma, as pessoas tidas como religiosas estão mortas. Agem de acordo com seus hábitos, continuam agindo de acordo com seus hábitos - isto é condicionamento, não liberdade. E percepção exige liberdade.

Sê desprendido: Recorda-te desta palavra o mais profundamente possível. Deixa que ela penetre em ti: Sê desprendido, de forma que, a cada situação, possas fluir facilmente como a água. A água, quando despejada num copo, toma a forma desse copo. Ela não resiste, ela não diz: "Essa não é minha forma." Se a água for despejada num jarro, ou num cântaro, toma a forma deles. Não tem resistência; é desprendida.

Conserva-te desprendido como a água.

Algumas vezes terás de mover-te para o norte, às vezes para o sul. Terás constantemente de mudar de direção e, conforme a situação, terás de fluir. Mas, se souberes como fluir, isso bastará. O oceano não estará tão longe, se souberes como fluir.

Portanto, não cries um padrão. Toda sociedade tenta criar um padrão, e todas as religiões tentam criar um padrão. Só umas poucas pessoas, pessoas iluminadas, têm sido corajosas o bastante para dizer a verdade; e a verdade é esta: Sê desprendido e natural! Se fores desprendido, serás natural, é evidente.

Tilopa não diz: "Sê moral!" Mas diz: "Sê natural!" E essas são dimensões diametralmente opostas. Um homem moral nunca é natural, não pode sê-lo. Se se sentir encolerizado, não poderá demonstrá-lo porque a moralidade não o permite. Se sentir amor, não poderá amar porque a moralidade está presente. É sempre de acordo com a moralidade que ele age, e nunca de acordo com a sua natureza.

Eu, porém, te digo: Se te começares a mover de acordo com padrões morais, e não de acordo com a tua natureza, jamais alcançarás o estado de Mahamudra, porque esse é um estado natural, o mais alto grau do ser natural. Eu te digo: Se te sentes encolerizado, mostra-te encolerizado - mas a perfeita consciência deve ser retida. A cólera não deve sobrepor-se à tua percepção; isso é tudo.

Deixa que a cólera flua, deixa que ela aconteça, mas mantém-se inteiramente alerta para o que se passa. Permanece desprendido, natural, consciente, observando o que acontece. Aos poucos, verás que muitas dessas coisas simplesmente desapareceram, já não acontecem; e sem qualquer esforço de tua parte. Não tentaste suprimi-las e elas, no entanto, desapareceram.

Quando uma pessoa está consciente, a cólera, aos poucos, desaparece. Torna-se simplesmente estúpida - não má, lembra-te, porque má tem valor majorado. Ela torna-se, simplesmente, estúpida. Não será pelo fato de ela ser má que tu deixarás de permanecer tomado por ela, mas sim porque será uma tolice. Não um pecado, mas simplesmente uma estupidez. A avidez desaparece, ela é estúpida. O ciúme desaparece, ele é estúpido.

Lembra-se dessa avaliação. Na moralidade existe algo bom e algo mau. E em ser natural existe algo sensato e algo estúpido, não mau. Nada é mau, nem bom; só existem coisas sensatas e coisas estúpidas. E, se és tolo, prejudicas a ti próprio e aos demais. Se és sensato não prejudicas a ninguém - nem aos outros, nem a tua própria pessoa.

Não existe pecado
não existe virtude
Sensatez é tudo.
Se a quiseres chamar virtude,
chama-a virtude.
E há a ignorância;
se a quiseres chamar pecado,
esse será o único pecado.

Assim, como transformar tua ignorância em sensatez? Essa é a única transformação que importa e não podes forçá-la: Acontecerá quando tiveres desprendido e natural.

"... permanecendo desprendido e natural, é possível quebrar o jugo, ganhando, assim, a libertação."

E, então, a pessoa se torna totalmente livre. É difícil, a princípio, porque os velhos hábitos constantemente ressurgirão, forçando-te a fazer algo: Gostarias de ficar encolerizado, mas o velho hábito simplesmente produzirá um sorriso em teu rosto. Há pessoas que apesar de sorrirem, podes estar certo, acham-se encolerizadas. Mesmo naquele sorriso mostraram sua cólera. Ocultam algo e um falso sorriso aflora em seus lábios. São esses os hipócritas.

Um hipócrita é um homem não natural: Se nele há cólera, ele sorri; se há ódio, demonstra amor; se há desejos assassinos, simula compaixão. Um hipócrita é um perfeito moralista, absolutamente artificial, flor de plástico, feia, que não se quer usar. Não uma flor de verdade, mas uma simulação.

Tantra é o caminho natural: Sê desprendido e natural. Será difícil, porque os velhos hábitos terão de ser rompidos. Será difícil porque tens e terás de viver em uma sociedade de hipócritas. Será difícil, porque em toda parte entrarás em conflito com os hipócritas - mas será preciso passar por isso. Será árduo, porque há muito empenho em ostentações falsas e artificiais. Poderás sentir-se completamente a sós, mas essa fase será passageira. Depressa outras virão, sentindo a tua autenticidade.

Recorda-te: Mesmo uma cólera autêntica é melhor que um sorriso falso, porque, pelo menos, é autêntica. E um homem que não pode sentir-se autenticamente encolerizado não pode, absolutamente, ser autêntico. Pelo menos ele é autêntico, verdadeiro para com o seu ser. Seja o que for que aconteça, poderás confiar nele, porque é verdadeiro.

E minha observação é esta: uma verdadeira cólera é bela e um falso sorriso é feio. Uma cólera verdadeira tem sua própria beleza, tal como o verdadeiro amor - porque a beleza está relacionada à Verdade. Não se relaciona ao ódio, nem ao amor. A beleza diz respeito ao verdadeiro. A Verdade é bela, seja qual for a forma que tome. Um homem verdadeiramente morto é mais belo do que um homem falsamente vivo, porque ao menos a qualidade básica de ser verdadeiro está presente nele.

A esposa de Mulla Nasrudin morreu. Os vizinhos reuniram-se, mas Mulla Nasrudin permanecia em pé, completamente tranqüilo, como se nada tivesse acontecido. Os vizinhos começaram a gritar, a chorar e disseram: -"Que estás tu fazendo aí, em pé, Nasrudin? Ela está morta!"

Nasrudin disse: - "Esperem! Ela era tão mentirosa que eu devo esperar pelo menos três dias para ver se é verdade ou não."

Mas recorda-te disto: A beleza é a da Verdade, da autenticidade. Torna-te mais autêntico, e florescerás. E, quanto mais autêntico te tornares, mais sentirás que muitas coisas se estão desprendendo por elas próprias. Tu não terás feito esforço algum para que isso acontecesse; tal coisa, tornar-te-ás mais e mais desprendido, mais e mais natural, autêntico. E diz Tilopa:

... é possível quebrar o jugo
ganhando assim, a liberdade.

A liberdade não está muito distante, está somente oculta atrás de ti. Desde que sejas autêntico a porta se abrirá; mas és tão mentiroso, simulador e hipócrita, tu és tão profundamente falso, que sentes que a liberdade está muitíssimo distante. E não é assim! Para um ser autêntico, a liberdade é apenas natural. Tão natural como qualquer outra coisa.

Como a água flui em direção ao oceano,
Como o vapor ergue-se em direção ao céu,
Como o sol é quente e a lua é fria,
Assim é a liberdade para um ser autêntico.

Não se trata de algo de que nos possamos gabar. Nada de que possamos falar a outros, contando que a ganhamos.

Quando perguntaram a Lin Chi: - "Que te aconteceu? As pessoas dizem que te tornas-te um iluminado" - ele encolheu os ombros e disse: - "O que aconteceu? Nada; eu corto madeira na floresta e levo água ao Ashran. Tiro água do poço e corto madeira, porque o inverno está se aproximando." - E sacudiu os ombros, num gesto muito significativo.

Estava dizendo - "nada aconteceu. Que tolice me estão perguntando! Cortar lenha na floresta e tirar água do poço é coisa natural. A vida é absolutamente natural." E Lin Chi dizia ainda: "Quando sinto sono, vou dormir, quando sinto fome, como. A vida tornou-se absolutamente natural.

Liberdade é seres perfeitamente natural. A liberdade não é algo de que nos gabemos, dizendo que atingimos algo muito grande. Nada é grande, nada é extraordinário. Tudo estará sendo apenas natural, se fores tu mesmo.

Põe de lado as tensões, põe de lado a hipocrisia, põe de lado tudo quanto cultivaste em torno do teu ser, e torna-te natural. De inicio será coisa muito árdua, mas só de inicio. Desde que o consigas, outros também começarão a sentir que algo te aconteceu, porque o ser autêntico possui muita força, muito magnetismo. As pessoas começarão a sentir que algo te aconteceu: "Este homem já não vive como se pertencesse ao nosso meio, ele se tornou totalmente diferente.” E não estarás perdido, porque apenas perdeste coisas artificiais.

Assim que o vácuo for criado, com o descarte das coisas artificiais, das simulações, das máscaras, então o ser natural começará a florescer. Ele precisa de espaço.

Esvazia-te, sê desprendido e natural. Deixa que isso se torne o princípio mais fundamental da tua vida.

Do livro: Tantra - A Suprema Compreensão, Capítulo 1

quinta-feira, fevereiro 16, 2017

O Poder Emocional - 4/4

Em continuidade a esta série de ensinamentos de Sri AmmaBhagavan - cujo objetivo é levar o leitor a perceber a importância de identificar e entrar em contato com nossas crenças e emoções que constituem obstáculos em nosso processo de autorrealização - trago a vocês este mini-curso que aprofunda o assunto das Emoções. Este tema é tão importante que, se o leitor compreender realmente o que são as Emoções, e compreender como elas estão inseridas no mecanismo de funcionamento da mente (que exerce um forte poder sobre nós, tornando-nos insensíveis à Verdade que somente pode ser experienciada através da Consciência), e também como dissipá-las (a fim de enfraquecer a influência que a mente exerce sobre nós), perceberá que tem o poder de vivenciar a Vida em uma qualidade totalmente diferente, cheia de beleza, paz, leveza, inteireza e alegria. Existem muitos segredos escondidos por trás de nossas emoções, e tais segredos nunca antes foram revelados e enfatizados tão aberta e claramente quanto nos ensinamentos da Oneness, de Sri AmmaBhagavan. Conhecer a fundo estes segredos faz com que nossas mãos estejam na posse de um poder libertador, capaz de nos levar muito mais rapidamente ao despertar espiritual. Namastê!



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terça-feira, fevereiro 14, 2017

O Poder Emocional - 3/4

Em continuidade a esta série de ensinamentos de Sri AmmaBhagavan - cujo objetivo é levar o leitor a perceber a importância de identificar e entrar em contato com nossas crenças e emoções que constituem obstáculos em nosso processo de autorrealização - trago a vocês este mini-curso que aprofunda o assunto das Emoções. Este tema é tão importante que, se o leitor compreender realmente o que são as Emoções, e compreender como elas estão inseridas no mecanismo de funcionamento da mente (que exerce um forte poder sobre nós, tornando-nos insensíveis à Verdade que somente pode ser experienciada através da Consciência), e também como dissipá-las (a fim de enfraquecer a influência que a mente exerce sobre nós), perceberá que tem o poder de vivenciar a Vida em uma qualidade totalmente diferente, cheia de beleza, paz, leveza, inteireza e alegria. Existem muitos segredos escondidos por trás de nossas emoções, e tais segredos nunca antes foram revelados e enfatizados tão aberta e claramente quanto nos ensinamentos da Oneness, de Sri AmmaBhagavan. Conhecer a fundo estes segredos faz com que nossas mãos estejam na posse de um poder libertador, capaz de nos levar muito mais rapidamente ao despertar espiritual. Namastê!



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sábado, fevereiro 11, 2017

O Poder Emocional - 2/4

Em continuidade a esta série de ensinamentos de Sri AmmaBhagavan - cujo objetivo é levar o leitor a perceber a importância de identificar e entrar em contato com nossas crenças e emoções que constituem obstáculos em nosso processo de autorrealização - trago a vocês este mini-curso que aprofunda o assunto das Emoções. Este tema é tão importante que, se o leitor compreender realmente o que são as Emoções, e compreender como elas estão inseridas no mecanismo de funcionamento da mente (que exerce um forte poder sobre nós, tornando-nos insensíveis à Verdade que somente pode ser experienciada através da Consciência), e também como dissipá-las (a fim de enfraquecer a influência que a mente exerce sobre nós), perceberá que tem o poder de vivenciar a Vida em uma qualidade totalmente diferente, cheia de beleza, paz, leveza, inteireza e alegria. Existem muitos segredos escondidos por trás de nossas emoções, e tais segredos nunca antes foram revelados e enfatizados tão aberta e claramente quanto nos ensinamentos da Oneness, de Sri AmmaBhagavan. Conhecer a fundo estes segredos faz com que nossas mãos estejam na posse de um poder libertador, capaz de nos levar muito mais rapidamente ao despertar espiritual. Namastê!




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quinta-feira, fevereiro 09, 2017

O Poder Emocional - 1/4

Em continuidade a esta série de ensinamentos de Sri AmmaBhagavan - cujo objetivo é levar o leitor a perceber a importância de identificar e entrar em contato com nossas crenças e emoções que constituem obstáculos em nosso processo de autorrealização - trago a vocês este mini-curso que aprofunda o assunto das Emoções. Este tema é tão importante que, se o leitor compreender realmente o que são as Emoções, e compreender como elas estão inseridas no mecanismo de funcionamento da mente (que exerce um forte poder sobre nós, tornando-nos insensíveis à Verdade que somente pode ser experienciada através da Consciência), e também como dissipá-las (a fim de enfraquecer a influência que a mente exerce sobre nós), perceberá que tem o poder de vivenciar a Vida em uma qualidade totalmente diferente, cheia de beleza, paz, leveza, inteireza e alegria. Existem muitos segredos escondidos por trás de nossas emoções, e tais segredos nunca antes foram revelados e enfatizados tão aberta e claramente quanto nos ensinamentos da Oneness, de Sri AmmaBhagavan. Conhecer a fundo estes segredos faz com que nossas mãos estejam na posse de um poder libertador, capaz de nos levar muito mais rapidamente ao despertar espiritual. Namastê!




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segunda-feira, fevereiro 06, 2017

Abraçando o Tigre

- Sri Bhagavan -


Questão: Como exatamente nós experienciamos o sofrimento?

Bhagavan: Quando usamos a palavra sofrimento, o que queremos dizer é que você está fugindo do sofrimento. Isto é, o que vocês chamam de sofrimento, e você não está consciente disso.

Alguém supostamente está morto em sua casa, alguém próximo ou querido para você e você está diante deste fato, tendo que encará-lo, e você corre para longe deste fato. Isso é o que vocês chamam de sofrimento. Não é o que realmente acontece.

Por outro lado, se você fosse ter que abraçar o fato acontecido, inicialmente seria tremendamente doloroso, você poderia até mesmo desenvolver uma dor enorme no peito. Às vezes, o próprio corpo poderia se transformar muito violentamente e entrar em convulsões quando você abraça esse sofrimento, sem conseguir se mover internamente para longe dele, isto é, não tentando entendê-lo, não tentando explicá-lo, mas mergulhar nele.

Esta chamada é para nós saltarmos para dentro da boca do tigre.

No momento, você está pendurado no teto e o tigre está rosnando e você está com medo de que você possa cair a qualquer momento dentro da boca do tigre... é isso o que você chama de sofrimento.

O que estamos dizendo é para que salte para baixo do teto diretamente para a boca do tigre e seja comido por ele. Estranhamente, se você for comido, você se foi, e quem estará ali então para sofrer?

Então, é por isso que nós dizemos: você não tem que entender o sofrimento. Você não tem que incluir a psicologia e a filosofia nisso, elas nunca iriam ajudá-lo. Elas só iriam ajudá-lo a escapar. Porque mais uma vez o tigre vai atacar você algum dia.

A melhor coisa a fazer é abraçá-lo, e a parte mais estranha é que, fazendo isso, mais cedo ou mais tarde você vai desenvolver esta arte, e toda vez que o sofrimento vier você irá abraçá-lo e isto se tornará alegria.

Aquele que foi completamente dominado pela arte de converter o sofrimento em alegria é quase um iluminado.

Não iluminado, mas quase iluminado!


quinta-feira, fevereiro 02, 2017

A Lei das Emoções

- Sri Bhagavan - 


ENTENDENDO A LEI ESPIRITUAL QUE GOVERNA O DESTINO

Sri Bhagavan: Um dos principais requisitos de bons relacionamentos é a segurança adequada. Se houver insegurança, conflitos com certeza eclodirão. A segurança financeira é um contribuinte muito importante para a sensação de estabilidade e mesmo para vivências. É por isso que sempre que houver um déficit financeiro, o medo e a insegurança resultantes tem uma tendência a revelar as relações. Para lidar com a situação é que você precisa entender a segunda Lei Espiritual que governa o destino - A Lei das Emoções.

O Universo diz: "Você manifesta o que teme, você manifesta o que odeia, você manifesta o que ama."

Primeiramente vamos entender a diferença entre pensamentos e Emoções. 

Os pensamentos são ocorrências aleatórias que realmente não prejudicam você. Eles não precisam assustar você. Eles não têm tanta força por trás deles. 

Emoções, por outro lado, são pensamentos repletos de intensidade, pensamentos que são repetitivos. Então o que estamos tratando aqui são Emoções e não devaneios. Você manifesta o que você teme - diz a lei. O medo é uma Emoção primitiva. Você também pode dizer que ele é a mãe de todas as outras Emoções dolorosas. Ciúme é o medo de ser passado para trás. Raiva é o medo de não saber mais o que fazer. Mágoa é o medo de ser ignorado ou insultado. Isto poderia continuar indefinidamente.

Vamos aprender isso através de uma história da vida real.

Uma vez nos Estados Unidos circularam notícias de que um assassino em série estava caçando um monte de gente e as pessoas foram advertidas a não admitirem estranhos em suas casas. Totalmente alheia a isso tudo havia uma senhora de idade que vivia sozinha nos subúrbios de uma cidade. Era uma noite chuvosa e, de repente, alguém entrou por sua porta. Acordada de seu sono tranquilo em sua poltrona, a velha senhora notou um homem parado na frente dela armado com um porrete e todo molhado. Ela olhou para ele através da luz da vela e disse:

- "Filho, você deve estar com frio e molhado, aqueça-se".

O homem ficou confuso por alguns momentos, mas deixou cair o porrete e sentou-se perto da lareira.

A senhora disse novamente:

- "Você deve estar terrivelmente faminto, filho, vá para a cozinha e sirva-se."

Ele empanturrou-se da comida que estava sobre a mesa e saiu para a noite com o porrete na mão. Ele atravessou a rua e invadiu a casa seguinte. Como a família gritava de terror, ele usou sua arma neles.

Por que você acha que as reações deste homem foram tão drasticamente diferentes? Ele era um assassino em série, um maníaco, e não machucou a senhora idosa, mas feriu os vizinhos ao lado. Por que isso ocorreu assim? Porque você é o COMBUSTÍVEL para as respostas das outras pessoas em relação a você. Como a senhora idosa não teve medo, o assassino em série não poderia machucá-la, enquanto os que ficaram aterrorizados foram mortos.

Embora este seja um exemplo extremo, o princípio é válido na vida de todos.

Você atrai eventos e pessoas que você teme. Da mesma forma, você manifesta o que você odeia. Odiando agressões verbais ao longo dos anos, você cede a elas. Quantas vezes na vida você teve que morder a língua por ser e fazer exatamente as mesmas coisas as quais você se opunha e odiava? Se você odeia determinada energia, você a solta no Universo. O universo a rebate de volta para você. 

No entanto, a lei também diz que você manifesta o que ama. Se você ama, você sonha, você imagina algo. O Universo faria tudo para dar isto a você.

Em vez de investir energia em Ódio, invista em Amor.
Em vez de temer o Conflito, ame a Paz.
Em vez de odiar a Pobreza, ame a Riqueza.

Mas como Emoções - que são o mero resultado de reações bioquímicas no seu cérebro - ganham tal força? Emoções que não são reconhecidas e aceitas por você no curso de sua vida ficarão acumuladas nas camadas mais profundas do inconsciente. E qualquer coisa que é rejeitada volta com a vingança distorcida. É por isso que as pessoas se entregam ao desentendimento habitual na família... Seus problemas se complicam ainda mais. 

Mais problemas, portanto mais brigas e, portanto mais depressão - e assim por diante. Quando você está em momentos de dificuldade, você costuma usar sua família para ganhar paz e força, ou você a usa apenas para desabafar a sua frustração? Em quais emoções você ficou viciado ao se relacionar com sua família em tempos difíceis? 

Passando para a próxima pergunta: Qual é a solução para esta situação na qual apesar dos melhores esforços e intenções, o medo e a decepção persistem?

A única solução é reconhecer e aceitar o fato de sua existência sem se esconder deles. É para ser íntegro. Qualquer coisa que é reconhecida e aceita não se torna destrutiva. Isso não significa que você deva sair por aí falando e expressando essas Emoções para as pessoas ao seu redor. Tudo que você precisa fazer é ser íntegro para consigo mesmo. Isto envolve três passos simples.

1) Sente-se em silêncio e observe sua respiração.
2) Entre em um espaço de paz e relaxamento.
3) Reconheça a EMOÇÃO, seja medo, mágoa ou ódio.

Diga a si mesmo:

- Sim Eu Estou Magoado
- Eu Estou Com Medo ou
- Eu Estou Com Raiva.

Está tudo bem.

Uma afirmação interior da verdade ajuda você a se aceitar e compreender. Esta prática pode ser feita a qualquer momento por qualquer pessoa cujas Emoções estão bloqueadas ou a vida está retrocedendo. 

Para conduzi-la de volta à abundância e satisfação, vocês poderiam, se sua cultura familiar permitir, sentar-se juntos para a oração em momentos de estresse. Isto viria a ser um tremendo impulsionador da energia e invocaria a Graça Divina em sua vida.