"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

segunda-feira, outubro 31, 2016

Preleções Nucleares: A Unidade Essencial - 1/4

- Gustavo -


I - INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é facilitar a compreensão que temos da Verdade. Para isso, vou me valer das explicações didáticas ensinadas no Núcleo. O Núcleo é uma instituição (ainda não oficial) que visa difundir ao mundo ensinamentos espirituais profundos, percepções conscienciais, iluminadas. São ensinamentos de grande porte, tal como os de muitos mestres iluminados já tão amplamente conhecidos. Não se trata de algum ensinamento novo, apenas de uma nova e eficiente forma de expor a mesma Verdade conhecida há milênios e expressada pelas diversas grandes religiões e filosofias. A metodologia de ensino do Núcleo tem a característica especial de ser ao mesmo tempo simples e profunda e também prática. Devido a isso, ela tem o poder de facilitar sobremaneira a compreensão (percepção) da Verdade Eterna em contraposição às verdades temporais e efêmeras.

A compreensão da Verdade a que me refiro não é uma compreensão intelectual, da mente; é, isto sim, uma compreensão mais profunda, uma compreensão intuitiva. Em geral, é assim que ocorre o processo de aprendizado: inicia-se com o entendimento intelectual e, quando este é bem colocado, as portas para uma compreensão mais profunda (compreensão intuitiva, além do intelecto) se abrem. E a compreensão intuitiva, por sua vez, pode nos levar à percepção da Verdade intuída. A realização da Verdade ocorre somente quando alcançamos a percepção da Verdade, não bastando uma simples compreensão intelectual. Uma palestra ou livro podem ser elaborados contendo explicações muito bonitas, inteligentes e com uma lógica muito bem construída; contudo, por mais que eles contenham todas essas coisas, ainda não poderão nos proporcionar a percepção da Verdade a que se referem. Por isso o ensinamento nuclear, acima de todas as coisas, leva em conta a percepção. Você estará sempre se deparando com o termo "percepção", a fim de que a sua percepção seja direcionada e encontre o seu centro, a sua fonte, a essência, o Núcleo.

O Ser que somos é Consciência/Percepção/Atenção silenciosa, inteligente, indivisa e una. Todavia, para a visão mental, ela parece estar dividida ou fragmentada – porque é assim que a mente percebe. E se estamos identificados com a mente, a percepção nos parecerá estar dividida ou fragmentada. Por isso, a sua percepção deverá ser empurrada de volta para a percepção. A sua atenção deverá voltar-se para a própria atenção, fundir-se nela, e estabelecer-se ali completamente. Não somos corpos físicos e tampouco somos mente. Somos, isto sim, uma Existência misteriosa e insondável, que também pode ser denominada Inteligência, Silêncio, Consciência, Atenção ou Percepção.


II - O UNIVERSO REAL E A REPRESENTAÇÃO DIVINA

A fim de propiciar um fácil entendimento das verdades profundas, o Núcleo adota a metáfora do ator e da representação. Essa mesma metáfora foi utilizada por Krishna, na escritura sagrada do Bhagavad Gita, para revelar a verdade a Arjuna.

Quando uma peça de teatro está sendo encenada, um ator irá atuar no palco representando o papel de um personagem. Quanto melhor ele representar o personagem, melhor ator ele é. Um ator deve saber tudo a respeito de seu personagem, deve conhecer detalhes, adquirir grande intimidade com o personagem que irá representar; e quanto mais identificado ele estiver, mais fácil para ele será atuar como aquele personagem. Existem inclusive atores tão bons e eficientes que, ao atuarem, mergulham no papel de seus personagens tão profundamente ao ponto de esquecerem completamente de si mesmos. Nos momentos em que a peça teatral está sendo encenada, a história e o universo do personagem são tudo o que existe, e a realidade da vida do ator fica encoberta/esquecida em função de seu profundo envolvimento com a representação. A representação ganha extrema realidade para ele; se na representação ele for insultado, ele vai reagir ao insulto e ficar bravo. Ou, se na representação ele encontrar um ente querido que não via há muito tempo, ele vai ficar muito feliz. Quando o ator está mergulhado na representação, ele passa a agir em função dela; a representação torna-se real para ele.

O que Krishna revelou a Arjuna, no Bhagavad Gita, é que Deus é como um Ator e todo este universo é uma representação divina. Toda a história e todos os personagens que aqui existem estão sendo encenados por Deus. Deus é perfeito em tudo, até no ato de representar!

Neste mundo existem atores que, ao representarem o papel de um personagem, esquecem-se por completo da sua realidade como atores e tornam-se muito identificados com os personagens que estão representando. Eles são excelentes atores, a representação deles é perfeita! Se uma deles se envolver demasiadamente com a trama de uma peça,  a representação de repente poderá cair como um peso para ele. O que se passa numa representação não possui consistência ou peso algum, mas para aquele ator um peso irreal subitamente pode passar a ser real, e sua irritação ou aflição pode extrapolar os limites da realidade teatral. Até mesmo é possível o ator começar a chorar compulsivamente em razão do que está se desenrolando na trama. Nesse caso, basta que um companheiro mais consciente da realidade dê uma cutucada em seu colega ator e diga: "Calma, amigo! Não vê que o que está acontecendo é apenas uma representação? Por que tanta reação ou aflição excessiva? Você parece pensar que é o personagem que está representando, mas o seu personagem é apenas um personagem. Você é o ator, lembra?".

Também há aqueles atores que, enquanto estão representando o papel de seus personagens, mantém-se conscientes/alertas para o fato de que na realidade eles são atores e não o personagem que estão representando. Para eles a representação jamais cai como um peso, eles levam a representação com grande leveza e desenvoltura. Estes são os personagens despertos – eles permanecem conscientes de quem são, mesmo estando em meio à representação; eles em nada são afetados, pois sabem que a representação é apenas uma representação.

Um ser iluminado é aquele que conheceu a sua realidade como sendo Deus – a Consciência iluminada, o Ser Supremo – e manteve-se consciente disto. Ele está ciente de que é o Ator e pode perfeitamente prosseguir representando o papel de seu personagem no palco onde está ocorrendo a representação divina. Seres como Jesus, Buda, Krishna, Lao-Tsé, Yogananda (e toda sua linhagem de mestres), Ramana Maharshi, Nisargadatta Maharaj (e demais mestres da linhagem Advaita), Osho, Krishnamurti, Ramakrishna, Joel Goldsmith, Masaharu Taniguchi, e inúmeros outros... todos eles identificaram-se como sendo o Eu Real e mantiveram suas luzes acessas no mundo da representação, e cutucando aqueles colegas atores que estavam desempenhando uma perfeita representação de seus personagens, dizendo: "Amigo, não vê que tudo isso não passa de uma representação? Você é o Ator! Basta ficar consciente disso e tudo se resolve! Desperte!".

Se não estamos conscientes de nossa realidade divina, é porque ainda estamos demasiadamente identificados com os personagens que estamos representando.  Pensamos ser o Fulano, o Beltrano ou o Sicrano... o nosso senso de "eu sou" está atrelado a um personagem específico. Nesse sentido, "eu sou" não existe de verdade. Se em meditação nós o investigarmos e o perseguirmos até a sua origem (da mesma forma como seguimos uma correnteza de águas rio acima a fim de encontrar a nascente), veremos que no final ele desaparecerá. Se seguirmos o pensamento "eu sou" (que está atrelado ao corpo-mente) rio acima, descobriremos que não existe origem alguma para ele, e então ele desaparece. O senso "Eu sou" somente é real quando há a identificação do indivíduo com a Totalidade de tudo o que existe – então ele é permanente, nunca desaparece.

Não há nada de errado em estarmos inconscientes de Quem somos. "Quem somos" é um Ser perfeito, e Ele é perfeito até quando está representando. Se estamos identificados unicamente com os nossos personagens, isso apenas significa que somos grandes atores, a nossa representação está divina. Não há o julgamento de que "isso não deveria ser assim" ou de que "o ator não deveria estar tão identificado com o personagem". Mesmo nos teatros ou sets de filmagens não há nada de errado nisso. Os atores podem estar sempre à vontade para fazer o que quiserem. É apenas que a situação poderia ser outra – e bem melhor: se a pessoa estiver com a consciência de que é o ator e não o personagem, a qualidade da representação muda totalmente, adquire um sentido de universalidade, totalidade, leveza, abundância, completude. Quando na representação você se mantém consciente de Quem é, o desfrute da representação passa a ser pleno, de pura bem-aventurança, ao invés de ora bom ora ruim. E quem não iria querer algo assim?

Quando finalmente despertarmos, lembraremos de que somos o Ator que existe por detrás de nossos personagens; perceberemos o universo da dualidade como sendo uma representação divina. A Realidade Divina não é o mesmo que representação divina – elas são distintas. Teremos o nosso sentido de "eu sou" transportado para uma dimensão muito mais ampla, abrangente, universal, ilimitada e livre – a dimensão da Consciência do Ser.  No tempo certo, virá para cada um o momento em que a pessoa despertará e se lembrará de sua realidade como Ator, ao invés do personagem com o qual se identificou e representou tão perfeitamente.


III - CONSCIÊNCIA DO SER vs. MENTE DO PERSONAGEM

Começamos fazendo a distinção entre o que é a Consciência e a mente. A Consciência é Deus. Ela é infinita. A Fonte e a Origem, o Pai e a Mãe de tudo o que existe. Ela é atemporal, está completamente fora do tempo: passado, presente e futuro estão contidos nela. É um estado de potencialidade infinita, na qual todas as coisas já existem. Na Consciência do Ser tudo está consumado, terminado, pronto. É o Ser onipresente, onipotente e onisciente. A Consciência existe como tudo e ao mesmo tempo está além de tudo. Devido a isso, é impossível descrever definitivamente o que é a Consciência – porque ela sempre será isso, mas será muito mais. Em algumas tentativas de dizer algo sobre ela, os ensinamentos utilizam as qualificações: Amor, Sabedoria, Luz, Força, Paz, Bem-Aventurança, Vida, Harmonia, Alegria, Liberdade, Plenitude. Todas essas são qualidades divinas que o indivíduo experimenta em si mesmo (e expressa!) ao entrar em contato com Deus.

A Consciência é Universal, impessoal, toda-abrangente. No universo inteiro existe apenas uma única Consciência, e essa Consciência é a consciência de cada ser existente. Pedras, vegetais, animais, homens – são todos detentores da mesma consciência. Tudo está vivo e todos eles são a Consciência se expressando de maneiras distintas. Em um determinado lugar, a Consciência deseja Se manifestar e conhecer a experiência de ser uma pedra. Em outro momento, a Consciência Se manifesta como planta ou árvore a fim de saber o que é ser uma árvore. Depois, a Consciência decide Se expressar como animal porque deseja saber o que é ter essa experiência. E, por fim, manifesta-se também como o indivíduo, homem ou mulher, a fim de experienciar o que é ser homem ou mulher. Todas as coisas são a Consciência aparecendo como – aparecendo como a pedra, o vegetal, o animal, a humanidade. É com esse entendimento sagrado que determinadas religiões reconhecem, louvam e reverenciam tudo como sendo o divino. Toda a existência é divina. "Eu apareço como...".

Não há nada na existência que esteja "acima" ou "além" da Consciência. Ela ocupa a maior posição hierárquica, o grau máximo. A Consciência é suprema. Quando a mente surge, ela é um fenômeno menor. A mente ocupa o papel de ser um instrumento da Consciência do Ser.

Ao contrário da Consciência, a mente não é universal, não é impessoal e não é todo-abrangente. A mente tem a característica de estreitar as coisas. Ela restringe o senso de "Eu Sou" a uma parte (corpo) específico. Com a mente, Eu sou deixa de Se perceber como o Todo-Universal para Se perceber como sendo uma "parte" específica. Também, ao contrário da Consciência, a mente é sempre pessoal. Cada personagem tem uma história pessoal, vivenciou experiências pessoais, e foi construindo a sua visão pessoal (condicionamento) sobre a vida e o mundo. Ninguém jamais vivenciou exatamente as mesmas experiências. Mesmo aqueles que nasceram gêmeos siameses tiveram a sua visão ou interpretação de mundo construída de forma diferente, eles possuem mentes distintas. Neste mundo existem mais de 6 bilhões de pessoas, portanto mais de 6 bilhões de mentes, e cada uma delas pode declarar: "esta é a minha mente", mas ninguém pode afirmar que "esta é a minha consciência", porque a Consciência é uma só e não pertence a uma pessoa específica. A Consciência pertence a todos, ou a ninguém, dá no mesmo.

Sabendo tudo isso, chegamos à consagração de um princípio espiritual: A Consciência é do Ser; a mente é sempre do personagem. O Ser percebe com a Consciência; o personagem percebe com a mente.

Há em nós duas percepções: a percepção da Consciência do Ser (a percepção real) e a percepção da mente de nossos personagens. Em verdade, há apenas uma percepção que é sempre total, completa, una, integrada. A percepção é sempre a mesma. Quando a percepção está focada na mente, ela se adequa e percebe em conformidade com a mente. A mente é apenas um instrumento, ela é como uma lente de percepção, assim como um óculos. Se vestirmos um óculos com a lente azulada, ao olharmos para a paisagem lá fora, nós veremos tudo azulado, embora o que exista lá não seja necessariamente da cor azul. Olhando através desses óculos, a árvore marrom e verde será vista/percebida como azulada. A mente é esse óculos que limita e distorce a realidade. É importante compreender que a percepção que enxerga com os óculos é a mesma percepção que enxerga sem os óculos. Quando a percepção desloca o seu foco/atenção da mente para a Consciência, passamos a perceber do modo como a Consciência percebe.

Assim, podemos perceber a realidade através da percepção da Consciência do Ser ou através da percepção da mente do personagem. O modo como o Ser percebe a realidade é diferente do modo como a mente do personagem concebe (interpreta) a realidade. A mente enxerga muitos onde há apenas Um. E a Consciência enxerga um onde há apenas um – porque essa é de fato a Verdade. Deus, o Universo, é UM.

Devido a tudo o que foi explanado até agora, as percepções provenientes da Consciência do Ser foram chamadas pelo Núcleo de "percepções conscienciais". E as percepções oriundas da mente do personagem foram denominadas "percepções mentais."

A seguir abordaremos um quadro comparativo contrapondo as características da percepção consciencial e da percepção mental.

Continua...


sexta-feira, outubro 28, 2016

O despertar da Percepção Consciencial



Senhor,

Do irreal conduz-nos ao Real,
das trevas conduz-nos à Luz
e da morte, à imortalidade.

Paz para o nosso corpo,
paz para a nossa mente e
paz para o nosso espírito.

Este texto se compõe de duas partes.

A primeira parte expõe a teoria que fundamenta o desenvolvimento da "percepção consciencial" que conduz a um mergulho em nosso Ser Real, produzindo o chamado "despertar consciencial". Nela estão expostos conceitos espirituais sobre a divindade amplamente difundidos e aceitos tanto no Ocidente quanto no Oriente com as reflexões que eles nos suscitam.

A segunda parte dá ênfase à prática decorrente da aplicação dos conceitos e princípios expostos sobre o processo do "despertar consciencial". Nela há relatos das "experiências conscienciais" que consistem em vivências pessoais e diretas com a divindade e as profundas transformações que resultam dessa convivência.


O DESPERTAR CONSCIENCIAL

As Sagradas Escrituras definem Deus como o Ser onipotente e onipresente. Onipresente significa que está presente em tudo, inclusive em nós. Mas, quem tem percebido a Presença Divina em si mesmo? E por que a maioria das pessoas não percebe essa Presença?

Afirmar que Deus é onipresente é algo aceitável, mas, vivenciar essa realidade é uma experiência que transforma plenamente nossa visão da vida e do que somos!

Sendo Deus onipresente, qual nossa identidade? Quem ou o quê somos?

Os livros espirituais da Índia definem Deus como sendo: Sat (Ser/Verdade), Chit (Consciência/Alegria) e Ananda (Bem-Aventurança).

Estes livros revelam também que Deus é onipresente e que o homem é a divindade que assumiu um corpo para desempenhar um papel num cenário criado pela própria divindade. E ao fazê-lo se esqueceu de Sua real identidade.

Esse esquecimento acontece porque o homem se torna vítima da ilusão criada pelos sentidos da mente do personagem que assumiu e que o faz acreditar ser esta realidade apreendida, pela mente, a única existente. Essa percepção mental da realidade faz com que a representação divina se torne realística e por vezes dramática. Contudo, se nossa real identidade é a divindade, podemos readquirir a consciência do que somos. Essa "recordação" se torna possível com o conhecimento da verdade sobre nossa real identidade. É preciso uma percepção da realidade pela consciência do Ser e não pela mente do personagem.

O processo do despertar se inicia com a distinção entre mente e consciência. A mente é apenas um instrumento do Ser real, enquanto a consciência integra e compõe sua natureza divina.

Portanto, há duas formas de percepção da realidade: Uma é realizada pela mente do personagem: a percepção mental. A outra é feita pela consciência do Ser. Por esta razão foi denominada "percepção consciencial".

A percepção mental da realidade é a condição padrão do ser humano, enquanto que a percepção consciencial é fruto de um despertar sobre nossa identidade real, sobre a realidade da essência e natureza divinas do ser humano.

A mente está ligada à matéria, aos cinco sentidos de percepção, pelos quais são captadas informações do mundo exterior. O processamento das informações resulta na concepção mental que fazemos da realidade. Nossa visão de mundo é assim a interpretação de dados captados pelos cinco sentidos e das inferências realizadas no âmbito mental.

Vivemos o universo do personagem que criamos e o identificamos como sendo nós mesmos! Essa identificação com o personagem que criamos é uma deturpada concepção sobre nossa real identidade, o maior equívoco e fator limitador da maioria dos seres humanos.

Para podemos vivenciar a natureza divina do Ser, que é nossa essência, precisamos nos abstrair da percepção mental da realidade. Isso ocorre no instante em que nos dissociamos do personagem que estamos vivendo e recriando cotidianamente. O foco de nossa consciência em seu estado normal está centrado na percepção da realidade pela mente do personagem. Isso nos causa um sentido de identificação como sendo a mente e o corpo nosso "eu" ou identidade real.

Contudo, mente e corpo são ambos instrumentos do que realmente somos. Quando nos interiorizamos, nossa consciência nos revela um nível de percepção supra-mental pelo qual percebemos quem somos e quem estamos sendo. Em níveis profundos de percepção consciencial podemos sentir que somos o Ser real, eterno, a consciência, que observa o que estamos sendo, um personagem, evanescente, a mente.

A mente se dirige ao exterior, aparente. Julga e reage ao que interpreta como sendo real. A inquietação é sua característica. A consciência apreende o interior, o real. Apenas observa e permanece equânime. A serenidade é sua natureza.

Estes são passos essenciais para o despertar da percepção consciencial. Eles fazem a consciência dissociar-se ou desfocalizar-se da mente, causando uma percepção distinta entre aquilo que está sendo percebido pela mente e a percepção da consciência, que observa a mente.

O despertar da consciência, que tem natureza espiritual, nos faculta a transcender a realidade aparente, vislumbrada pela mente, nos proporcionando uma percepção consciencial da realidade e o acesso à dimensões espirituais, não físicas, através de portais existentes entre elas e nos capacita vivenciá-las concretamente, tanto quanto vivenciamos a dimensão física.

Jesus disse: "Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse eu vo-lo teria dito." - João 14,2.


AS EXPERIÊNCIA CONSCIENCIAIS

O despertar da percepção consciencial desvela um vasto universo interior, a dimensão na qual se constata a onipresença da divindade.

Com a intenção de revelar a sua esposa a realidade do que somos e conduzi-la da teoria à prática, o autor começou a demonstrar-lhe essa Presença Divina, a princípio em si mesmo, revelando a ela sua dimensão essencial, a de um ser que despertou sua "percepção consciencial", passando então a proporcionar-lhe experiência extraordinárias, que a levaram a ter contatos pessoais e conscientes com a própria divindade.

Estes contatos são em si experiências de percepções da consciência sobre a realidade do que somos e foram denominados pelo autor, por essa razão, "experiências conscienciais". Relatos de algumas experiências conscienciais proporcionadas pelo autor a sua esposa estão registradas em vídeo.

São relatos de fatos que revelam a realidade da "percepção consciencial", própria da condição humana. Estas experiências podem ser experimentadas por todos a fim de que percebam que Deus está efetivamente em nós.

O despertar da percepção consciencial do autor ocorreu como resultado de vivências na Índia com o avatar Sathya Sai Baba e da leitura de livros espirituais e esotéricos que em essência expressam a mesma verdade de formas diversas.

Em julho de 2004, o autor e sua esposa foram ao Paraná, em viagem de férias. Certa manhã em Curitiba ele disse a ela: "Vou te proporcionar uma experiência divina". E começou a discorrer sobre verdade espirituais. Quando a verdade é assimilada pela consciência esta se desperta.

Em seguida ela perdeu os sentidos e adormeceu. Então ela abriu os olhos, sentou-se e disse: "Está tudo azul". E ao olhar para ele percebeu que dele emanava uma aura dourada. Sua percepção consciencial estava desperta!

Nesta primeira experiência divina, o autor literalmente levou sua esposa a uma dimensão celestial da realidade, que poderia ser descrita como sendo o céu e fez-se visível nessa dimensão a fim de que ela se sentisse segura e pudesse desfrutar sua vivência. Então ela viu diante de si uma cascata de águas cristalinas e a tocou, sentiu sua temperatura e disse: é frio!

Em seguida ela viu um rio que fluia dessa fonte divina e na outra margem do rio viu Deus em forma de Luz, sentiu Sua Presença e realidades divinas e exclamou: "É deus!". Então olhou para o rio e a imagem que estava refletida nele não era sua imagem física, mas sim a da própria divindade que estava na outra margem!

Esta visão revelou a ela sua natureza e identidade real, reflexo perfeito da divindade.

Ao final dessa primeira experiência consciencial o autor intuiu que deveria tocar no violão a música harpejada que se ouvia de fundo ao longo da experiência. E com essa música ela se despertou. A partir de então essa música e outros métodos tem sido usados pelo autor para despertar a percepção consciencial das pessoas a fim de fazê-las perceber quem realmente são e, que podem realizar conquistas de grande valor.

Enfim, um ser desperto age usando o corpo e a mente, mas mantém a consciência de que está desempenhando um papel no teatro cósmico divino. É sempre um observador de seu próprio personagem em ação. Percebe o corpo, o fluxo dos pensamentos na mente, mas não se identifica com eles. Assim pode eliminar maus pensamentos da mente e más emoções. Desta forma torna-se senhor de si mesmo e passa a agir com consciência do que faz, colocando-se em sintonia com sua natureza divina. Sua vida passa então a refletir plenamente e em todos os sentidos esse nível de percepção da realidade.

Essas são as bases para um efetivo e real despertar consciencial.


segunda-feira, outubro 24, 2016

O Buda interior

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"Reverenciada seja a Perfeição da Sabedoria, o Adorável, o Sagrado!

Avalokita, o Senhor Sagrado e Bodhisatva,  moveu-se nos cursos profundos da sabedoria, rumo ao mundo-além.

Daquelas alturas, Ele olhou para baixo e viu cinco agregados.

E Ele viu que, em si próprios, os agregados eram vazios."

(Sutra do Coração)



- Osho -


Eu saúdo o seu Buda interior. Você pode não estar ciente, você pode até mesmo jamais ter sonhado com isso – que você é um Buda, e que ninguém pode ser outra coisa a não ser isso. A natureza búdica (o estado de Buda) é o núcleo essencial do seu ser, e isso não é algo para advir no futuro, mas algo que já aconteceu. É a tua própria fonte. É a origem e é também o objetivo. É a partir de nossa natureza búdica que todos nós nos movemos, e é também para ela que todos nós rumamos. Essa única palavra “natureza búdica” contém tudo – o ciclo completo da vida, do alfa ao ômega.

Mas você está dormindo, você não sabe quem você é. Não que você tenha que se tornar um Buda, mas apenas reconhecer que Ele habita em ti, reconhecer a necessidade se voltar para a sua própria origem. A fim de fazer isso você terá de olhar para dentro de si mesmo. Uma confrontação consigo mesmo irá revelar a sua natureza búdica. O dia vem quando você vê a si mesmo, e quando a existência inteira se torna iluminada. Não é que uma pessoa se torne iluminada – como pode uma pessoa se iluminar? A própria ideia ou pensamento de ser uma pessoa faz parte da mente não iluminada. Não é que eu tenha me tornado iluminado. O “eu” precisa ser descartado antes que se possa conseguir a iluminação. Assim, como poderia eu ter atingido a iluminação? Parece absurdo. No dia em que me tornei iluminado, toda a existência tornou-se iluminada. Desde aquele instante jamais pude ver outra coisa a não ser Budas – nas mais variadas formas, com milhares de nomes distintos, às vezes com mil e um problemas, mas ainda assim todos Budas.

Assim, eu saúdo o seu Buda interior. 

Sinto-me imensamente feliz e satisfeito de ver tantos Budas reunidos aqui. O próprio fato de suas vindas até mim significa o início do reconhecimento. O respeito e o amor em seu coração por mim significam o respeito e o amor para com a sua própria natureza búdica. Confiar em mim não significa confiar em alguma coisa extrínseca a você, a confiança em mim significa a confiança em seu próprio ser. Ao confiar em mim, você vai aprender a confiar em si mesmo. Ao se aproximar de mim, você estará se aproximando de si mesmo. Apenas um reconhecimento necessita ser alcançado. O diamante está aí – você apenas deve ter se esquecido, ou talvez você não tenha se lembrado desde o início. 

Existe um famoso ditado de Emerson: “O homem é Deus em ruínas”. Eu concordo e eu discordo. Esse insight comporta uma dose da verdade – o homem não é o que ele deveria ser. Esse insight está um pouco desordenado, de pernas para o ar. O homem não é Deus em ruínas, o homem é Deus sendo edificado. O homem é um Buda germinando e desabrochando. O botão está ali, ele pode florescer a qualquer momento: apenas uma porção de esforço, um pouco de ajuda... E não será a ajuda que irá causar o fenômeno – ele já está lá! O seu esforço irá apenas revelá-lo a você, ajudando-o a descobrir aquilo que já está lá, oculto. A verdade é eterna.

Ouça com atenção estes sutras porque eles são os mais importantes escritos dentre toda a grande literatura Budista.

Mas eu gostaria começar a partir do verdadeiro ponto inicial. Para entendermos este sutra, é necessário que comecemos corretamente. Apenas usando o correto ponto de partida é que os ensinos do Budismo nos serão proveitosos: estabeleça desde já em seu coração o fato de que você é um Buda. Eu sei que isso pode parecer presunçoso, pode parecer ser bastante teórico e hipotético; você ainda não pode confiar nisso totalmente. Isso é natural, eu compreendo. Apenas permita que a compreensão deste fato esteja aí como uma semente. Em torno desse fato muitas coisas vão começar a acontecer, e somente em torno deste fato é que você será capaz de compreender este sutra. Este sutra é imensamente poderoso – ele bastante pequeno, condensado, da mesma forma que uma semente. Mas se houver o solo apropriado, ou seja, se houver na sua mente o fato exato de que você é um Buda – de que você é um Buda desabrochando, de que você é potencialmente capaz de tornar-se um – e de que nada está faltando, de que tudo está absolutamente pronto, então tudo o que será necessário é colocar as coisas na ordem correta; apenas um pouco mais de estado de alerta se fará necessário, apenas um pouco mais de consciência se fará necessário... O tesouro já está aí; você tem de trazer uma pequena lâmpada para dentro de sua casa. Uma vez que a escuridão desapareça, você não será mais um mendigo, você vai ser um Buda, você será um soberano, um imperador. Este reino inteiro já é seu, tudo é somente uma questão de pedir; você apenas tem de reivindicá-lo.

Mas você nunca será capaz de reivindicá-lo se acreditar é um mendigo. Você não será capaz de protestar por ele; você não será sequer capaz de sonhar com a possibilidade reclamá-lo para si enquanto estiver acreditando que é um mendigo. Essa ideia de que você é um mendigo, de que você é ignorante e pecador, tem sido tão amplamente proclamada em cima de todos os púlpitos ao longo das eras, que isso se tornou uma hipnose profunda em você. Esta hipnose tem de ser quebrada. Para quebrá-la eu começo com: Eu saúdo o Buda em seu interior.

Para mim todos vocês são Budas. Todos os seus esforços a fim de se iluminarem serão ridículos se vocês não forem capazes de aceitar esse fato básico. Isso tem de estar o tempo todo subentendido, é necessário que se torne um entendimento implícito – que você é um Buda!  Esse é o ponto de partida correto a ser adotado, do contrário você se extraviará. Esse é o começo certo! Parta dessa visão e não fique preocupado que isso possa criar algum tipo de ego – o de que “eu sou um Buda”. Não se preocupe, porque todo o processo do Sutra do Coração vai deixar claro para você que o ego é a única coisa que não existe – a única coisa que não existe! Tudo o mais é real. 

Neste mundo existiram sábios que disseram que o mundo é ilusório e que a alma é existencial – o “eu” é verdadeiro ao passo que todo o restante é ilusório, maya. Buda diz exatamente o adverso: ele diz que apenas o “eu” é irreal, tudo o mais é real. E eu concordo com Buda mais do que com qualquer outro ponto de vista. A percepção de Buda é muito penetrante, é a mais aguda e intensa. Ninguém jamais penetrou esses reinos, profundidades e alturas da realidade.

Mas parta dessa visão, comece com essa ideia e ela criará um clima em torno de você. Deixe-a ser declarada a todas as células de seu corpo e a cada pensamento de sua mente; deixe que isso seja declarado em todos os cantos e recantos de sua existência: “EU SOU UM BUDA!”. E não se preocupe com o “eu”. Nós daremos conta dele.

O estado de buda e o “eu” não podem existir ao mesmo tempo. Quando o estado de buda se revela o “eu” desaparece, assim como a escuridão desaparece quando você se aproxima com a luz.

(...)

Este sutra pode ocasionar uma revolução em você.

A primeira coisa a se fazer é iniciar com a pergunta: “Quem sou eu?”. E prossiga indagando. Não pare de investigar. Muitas respostas virão, a mente dirá: “Você é um corpo! Que absurdo! Não há necessidade de perguntar, você já sabe disso”, ou até mesmo “você é a alma, o espírito, a consciência suprema”... Lembre-se, você deve parar apenas quando nenhuma resposta estiver vindo, jamais antes. Enquanto vir alguma resposta dizendo “você é isso, você é aquilo”, saiba bem que a mente o está suprindo com respostas. Quando você chegar ao ponto de indagar “Quem sou eu?” e nenhuma resposta estiver vindo de qualquer lugar, então há silêncio absoluto. A sua pergunta ressoa em si mesmo: “Quem sou eu?”, e há um silêncio e nenhuma resposta surge de lugar algum. Você está absolutamente presente, absolutamente silencioso, e não há sequer uma única vibração. “Quem sou Eu?” – e apenas o silêncio. Então um milagre acontece: de repente você não pode sequer formular a pergunta. A pergunta final tornou-se absurda. As respostas  tornaram-se absurdas e por isso as perguntas também se tornam absurdas. Primeiro desaparecem as respostas e depois desaparecem as perguntas – porque uma somente pode existir ao mesmo tempo que a outra. Elas são como os dois lados de uma moeda – se um lado for retirado o outro não pode ser mantido. Primeiro as respostas desaparecem, depois desaparecem as perguntas. E com o desaparecimento da pergunta e da resposta, você chega à realização: você é transcendental! Então você sabe, e no entanto você não pode dizer; você sabe, mas não consegue articular sobre isso. A partir de seu próprio ser você sabe Quem você é, mas isso não pode ser verbalizado. E esse conhecimento é vívido, existencial; não se trata de um conhecimento emprestado retirado das escrituras. É um conhecimento seu, e não dos outros. Ele surgiu em você.

E com esse surgimento, você é um Buda. Então você começa a rir, porque você veio a saber que você tem sido um Buda desde o princípio de todos os tempos; você apenas não tinha notado esse fato tão profundamente. Você esteve correndo em voltas, para lá e para cá, do lado de fora de seu ser. Mas agora você está em casa.

(...)

Reverenciada seja a Perfeição da Sabedoria, O Adorável, o Sagrado!
Avalokita, o Senhor Sagrado e Bodhisatva, moveu-se nos cursos profundos da sabedoria, para o mundo-além.
Daquelas alturas, Ele olhou para baixo e viu cinco agregados.
E Ele viu que em si próprios, os agregados eram vazios.

Quando você olha daquelas alturas, a partir daquele referencial... Por exemplo, eu disse que estava saudando o seu Buda interior. Essa visão ocorre daquele referencial: essa de que eu vejo todos vocês como Budas. E a outra visão é a de que vocês são apenas cascos vazios. 

Aquilo que você pensa que é nada mais é do que uma couraça vazia. Uma pessoa pensa que é um homem, isso nada mais é do que uma ideia vazia. A Consciência não é masculina nem feminina. Outra pessoa pensa ter um corpo extremamente belo, ela é bonita, forte, isso e aquilo – tudo isso são ideias vazias, todas elas são o ego te enganando. Uma pessoa pensa que conhece/sabe o bastante – algo totalmente insignificante. O  mecanismo dela apenas tem acumulado memória e ela está sendo enganada por suas próprias memórias. Todas essas coisas são vazias.

Assim, quando vejo do ponto de vista transcendental, vejo todos vocês como Budas; por outro lado, eu os vejo como couraças vazias.

Buda disse que a existência do homem consiste na acumulação de cinco elementos, de cinco skandhas (amontoados/agregados), todos eles vazios. E devido à combinação dos cinco, surge um subproduto chamado ego, o self. É exatamente como o funcionamento de um relógio-tique-taque. Você sabe que o tique-taque está vindo dali. Você pode abrir o relógio e separar todas as partes na tentativa de descobrir de onde exatamente está vindo o ruído. Mas você não conseguirá encontrá-lo em lugar algum. O som do tique-taque é um subproduto que surge da combinação de algumas peças. Umas poucas peças funcionando juntas estavam produzindo o ruído.

O seu “eu” nada mais é que isso: cinco elementos combinados e funcionando juntos, produzindo o ruído chamado “eu”. Mas esse “eu” é vazio, não existe nada nele. Tente encontrar ali qualquer coisa substancial e você não conseguirá. 

Essa é uma das percepções mais profundas de Buda: que a vida é vazia – esta vida como a conhecemos é vazia. Mas a vida é plena também, mas nós não sabemos nada sobre isso. A partir deste vazio você tem de se mover em direção a uma plenitude, mas essa plenitude é inconcebível para você neste momento – porque do atual referencial em que você se encontra, essa plenitude parecerá ser vazia. A partir de onde você está olhando, a plenitude parece ser um vazio – um rei parecerá ser um mendigo, um homem de conhecimento e sabedoria parecerá ser tolo e ignorante. 

Uma pequena história:

Certa vez um homem santo aceitou um discípulo, e disse-lhe: “Seria muito bom se você pudesse escrever registrando tudo o que você entende sobre a vida religiosa e sobre o que trouxe você à ela.”

O discípulo foi embora e começou a escrever. Um ano depois ele voltou ao mestre e disse: “Eu trabalhei muito duro nisso, e aqui estão as principais razões da minha busca.”

O mestre leu os registros, que comportavam milhares de palavras, e então disse ao jovem aluno: “seu trabalho está admiravelmente embasado e fundamentado, mas está um pouco longo demais. Tente diminuir um pouco.” Assim, o novato foi embora e depois de cinco anos voltou com apenas cem páginas.

O mestre sorriu e, depois de ter lido os papeis, disse: “Agora você está realmente se aproximando do centro da questão. Seus pensamentos têm clareza e força, mas ainda está um pouco longo... tente reduzir mais.”

O novato foi embora triste, pois ele tinha trabalhado duro para alcançar a essência. Mas depois de dez anos ele voltou e, curvando-se perante o mestre, ofereceu-lhe apenas cinco páginas, e disse: “Esse é o núcleo da minha fé, o âmago da minha vida, e peço sua bênçãos por ter me conduzido até ele.”

O mestre leu bem devagar e com cuidado: “É realmente maravilhoso”, disse ele, “toda essa simplicidade e beleza... mas ainda não está perfeito. Tente chegar a uma clarificação final." 

E quando o mestre tinha chegado aos seus últimos tempos e estava se preparando para o seu fim, seu aluno veio a ele novamente e, de joelhos dobrados diante dele para receber suas bênçãos, entregou-lhe uma folha de papel em que nada estava escrito.

Em seguida o mestre colocou as mãos sobre a cabeça de seu amigo e disse: “Agora... agora você entendeu.”

Se você está imerso no referencial mundano, ao tentar compreender o transcendental, ele terá uma aparência de NADA para você. E se você estiver imerso no referencial transcendental, ao olhar para o mundano, ele também terá a MESMA aparência de nada para você. Olhando daqui onde estou, tudo o que você tem é vazio; e olhando a partir do lugar onde você está, o que eu tenho é vazio, nada.

Buda parece vazio – apenas o puro nada – para você. Por causa de suas ideias, por causa de seus apegos, por causa de sua possessividade sobre as coisas, Buda parece vazio. Buda é pleno, completo: você é vazio. E a visão dele é absoluta, e sua visão é apenas relativa. 

O Sutra diz:

Reverenciada seja a Perfeição da Sabedoria, O Adorável, o Sagrado!
Avalokita, o Senhor Sagrado e Bodhisatva, moveu-se nos cursos profundos da sabedoria, para o mundo-além.
Daquelas alturas, Ele olhou para baixo e viu cinco agregados.
E Ele viu que em si próprios, os agregados eram vazios.

O vazio é a chave do Budismo – shunyata. Medite sobre este sutra – medite com amor, com simpatia, não com a lógica e a razão. Se você lidar com este sutra com a lógica e a razão, acabará por matar o seu espírito.  Não raciocine, e não tente dissecá-lo. Tente compreender os sutras como eles são, e não traga a sua mente – sua mente será uma interferência.

Se você puder lidar com este sutra sem a interferência da mente, uma grande claridade ocorrerá a você.

Osho - The Heart Sutra


quinta-feira, outubro 20, 2016

Autoconhecimento



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"O autoconhecimento é uma contradição em termos. Quando ele realmente acontece, não há eu nem há conhecimento. Se o eu estiver ali, ele não pode acontecer. Se o conhecimento estiver ali, ele não aconteceu. Para isso, algumas preliminares têm de ser entendidas.

Em primeiro lugar, para que o autoconhecimento ocorra o eu não pode estar presente. Você tem de esquecer tudo relacionado ao seu ego. Precisa estar em um estado de ausência do ego.

Em segundo lugar, você tem de esquecer tudo sobre conhecimento também. Se você estiver continuamente desejando saber, esse próprio desejo vai impedi-lo de saber. A existência só se revela àqueles que não estão desejando nada, que não estão aspirando a nada - nem mesmo a conhecer Deus. Os mistérios só são revelados àqueles que simplesmente esperam, que não fazem exigências. Eles esperam com os olhos abertos, esperam com o coração aberto, mas sem exigências.

Sua exigência é basicamente orientada pelo ego. Por que você quer saber? Porque o conhecimento lhe proporciona poder. Tente entender isso. Conhecimento é poder. Quanto mais você sabe, mais poderoso se torna. O ego está sempre interessado em se tornar instruído. Se você tem conhecimentos sobre a natureza, torna-se poderoso em relação à natureza. Se você tem conhecimento sobre as pessoas, torna-se poderoso em relação às pessoas. Se você tem conhecimentos sobre sua própria mente, torna-se poderoso em relação à sua própria mente. Se você tem conhecimento sobre Deus, vai se tornar poderoso em relação a Deus. 

Bem no fundo, a busca de conhecimento é , na verdade, a busca de poder. E como você pode ser poderoso em relação à realidade? A própria ideia é ridícula. Permita que a realidade tenha poder sobre você...relaxe. E permita que a realidade tome posse de você, em vez de você tomar posse da realidade.

Para estar realmente em um estado de autoconhecimento, a pessoa tem de esquecer o eu e esquecer toda investigação relacionada ao autoconhecimento. Então, ele acontece! Só assim ele acontece.

Há três esforços em toda a história da consciência humana no que se refere ao autoconhecimento.

O primeiro esforço é o do realista. O realista nega o eu interior; ele diz que não há eu interior, não há sujeito; só o objeto existe, a coisa, a matéria, o mundo. Essa é sua maneira de evitar a jornada para dentro de si. A jornada de si é perigosa. A pessoa terá de perder tudo! O autoconhecimento e tudo o mais, as raízes e tudo o mais - a pessoa terá de perder tudo. O realista não pode correr este risco. Então ele encontra uma explicação: Ele diz: "Não há alma. Não há eu interior. Tudo o que existe no mundo são objetos." Então ele fica preocupado em conhecer os objetos. Ele esquece a subjetividade e passa a se ocupar da objetividade. É isso que a ciência vem fazendo há 300 anos. É uma maneira de fugir de si mesmo.

A segunda maneira é aquela do idealista, que diz que não há objeto; o mundo é maya, ilusão. Não há nada a conhecer lá fora; ele simplesmente fecha os olhos e vai para dentro de si. Só o conhecedor é verdadeiro - o conhecido é falso. O realista diz que apenas o conhecido é verdadeiro e o conhecedor é falso; o idealista diz que apenas o conhecedor é verdadeiro e o conhecido é falso. Veja o absurdo disso - como pode haver um conhecedor se não houver conhecido? E como pode haver um conhecido se não houver conhecedor?

Assim, o idealista e o realista está apenas escolhendo uma metade da realidade. Quanto à outra metade, eles são temerosos. O realista teme ir para dentro de si, porque ir para dentro de si significa penetrar no vazio, no total vazio. É cair em um poço sem fundo, em um abismo...imprevisível. Onde ele vai parar ninguém sabe, nem sequer se vai parar em algum lugar.

O realista teme o conhecedor e por isso o nega. Por medo ele diz que não existe: "Todo meu interesse é no conhecido, no objeto". E o idealista teme o objeto, o mundo, os encantamentos do mundo, a magia do mundo. Ele teme se perder nos desejos e nas paixões. Teme ficar envolvido em coisas - dinheiro, poder, prestígio. Tem tanto medo que diz: " Tudo é sonho. O mundo que está lá fora não é real. O mundo real é o mundo interior".

Mas ambos estão sendo meio verdadeiros.(...)

E há a terceira maneira: a maneira do místico. Ele aceita ambas e rejeita ambas. Essa é minha maneira de ser. Ele aceita ambas porque diz: "Em um plano existem os dois - o conhecedor e o conhecido, o sujeito e o objeto, o interior e o exterior. Mas no outro plano, ambos desaparecem e só um permanece - que não é nem o conhecido nem o conhecedor."

A abordagem do místico é total. (...) Em um nível ambas abordagens estão corretas. Quando você está sonhando, o sonho é verdadeiro e o sonhador é verdadeiro. Agora o sonhador se foi e o sonho se foi - ambos se foram. Agora você está acordado. Agora você está existindo em um nível de consciência totalmente diferente.

O mundo é verdadeiro e o ego é verdadeiro quando a pessoa é ignorante inconsciente, alheia. Quando a pessoa se torna consciente, quando o estado búdico acontece, então não há o mundo nem o ego - ambos desapareceram. Mas "ambos desapareceram" não significa que nada tenha restado: ambos desapareceram um dentro do outro. Só um restou agora - não restaram dois. O conhecedor e o conhecido tornaram-se um só. 

Essa unidade é o que realmente significa autoconhecimento. Mas a palavra não é correta. Nenhuma palavra pode ser correta. Com relação às grande experiências que vão além da dualidade, nenhuma palavra pode ser correta.(...)

O terceiro método, o método do místico, é uma transcendência dos outros dois métodos. Ele não nega a realidade ao objeto, ele não nega a realidade ao sujeito - ele aceita a realidade de ambos. Ele as une.

Esse é o significado da famosa declaração dos Upanishads tat twam asi - tu és isso. Essa é uma fusão das duas esferas. Nessa fusão, o autoconhecimento acontece. O eu desaparece, o conhecimento desaparece - tudo fica claro. Não há ninguém para quem aquilo seja claro, e não há algo a ficar claro - mas tudo fica claro. Resta só a clareza, a claridade.
Isso é chamado pelos budistas de a terra de lótus de Buda.

Tudo é claro e fragrante, é belo e harmonioso. Então o esplendor abre suas portas.

O conhecimento é um fato seco, morto - não é a experiência úmida. E a experiência não é conhecimento, mas saber. Por isso Krishnamurti sempre usa a palavra "experienciar" em vez de "experiência". Ele está certo. Ele transforma o substantivo em verbo e o chama de experienciar. Lembre-se disso sempre: transforme os substantivos em verbos e você estará mais próximo da realidade.(...)

Se você conseguir entender que toda a vida é um verbo, não um substantivo, haverá um grande entendimento acompanhando-o.

Não há eu e não há o outro.(...)

O autoconhecimento é de grande importância. Nada mais é importante do que isso. Mas lembre-se destas duas ciladas: uma é negar a subjetividade e se tornar um realista; outra é negar a objetividade e se tornar um idealista. Evite essas duas ciladas. Ande exatamente no meio. E então você será surpreendido - o eu desapareceu, o conhecimento desapareceu. Mas então chega o saber. A grande luz desce e é uma luz que não apenas transforma você, como transforma todo o seu mundo.

Buda teria dito: "No momento em que me tornei iluminado, toda a existência se tornou iluminada para mim".

Isso é verdade. Sou testemunha disso. É exatamente assim que acontece. Quando você se torna iluminado, toda a existência se torna repleta de luz e permanece repleta de luz. Até a escuridão se torna luminosa, até mesmo a morte se torna uma nova maneira de viver."


segunda-feira, outubro 17, 2016

Aprenda a deixar ir

- Thich Nhat Hanh -


Se há coisas que te fazem sofrer, você tem que saber como deixá-las ir. Felicidade pode ser obtida soltando, deixando ir, incluindo deixando ir suas ideias sobre felicidade.

Você imagina que certas condições são necessárias para sua felicidade, mas se olhar profundamente revelar-se-á para você que essas noções são exatamente as coisas que ficam no caminho da felicidade e te fazem sofrer.

Um dia o Buda estava sentado na floresta com alguns monges. Eles tinham acabado de almoçar e já iam começar um compartilhamento sobre o Dharma quando um fazendeiro se aproximou deles. O fazendeiro disse: “Veneráveis monges, vocês viram minhas vacas por aqui? Eu tenho dezenas de vacas e elas fugiram. Além disso, eu tenho cinco acres de plantação de gergelim e este ano os insetos comeram tudo. Eu acho que vou me matar. Eu não posso continuar a viver assim”.

O Buda sentiu forte compaixão pelo fazendeiro. Ele disse: “Meu amigo, me desculpe, não vimos suas vacas vindo nessa direção”. Quando o fazendeiro se foi, o Buda se voltou para seus monges e disse: “Meus amigos, sabem por que vocês são felizes? Porque vocês não têm vacas para perder”.

Eu gostaria de dizer a mesma coisa para vocês. Meus amigos, se vocês têm vacas, têm que identificá-las. Você pensa que elas são essenciais para sua felicidade, mas se você praticar olhar em profundidade, entenderá que são estas mesmas vacas que trazem sua infelicidade.

O segredo da felicidade é ser capaz de deixar ir suas vacas, soltá-las. Você deveria chamar suas vacas por seus verdadeiros nomes. Eu garanto que quando você deixar suas vacas ir embora, você experimentará felicidade porque quanto mais liberdade você tem, mais felicidade você terá.

O Buda nos ensinou que alegria e prazer são baseados na desistência, em deixar ir. “Eu estou deixando ir” é uma prática poderosa.

Você é capaz de deixar as coisas irem? Se não for, seu sofrimento continuará.

Você deve ter a coragem de praticar o “deixar ir”, o soltar. Você precisa desenvolver um novo hábito – o hábito de concretizar a liberdade. Você precisa identificar suas vacas. Você precisa considerá-las como um vínculo com a escravidão. Você precisa aprender como o Buda e seus monges fizeram, a libertar suas vacas. É a energia de plena atenção que ajuda a identificar suas vacas e chamá-las por seus verdadeiros nomes. Sorria, solte.

Quando você tem uma ideia que te faz sofrer, deveria deixá-la ir, mesmo (ou talvez especialmente) se é uma ideia sobre sua própria felicidade. Cada pessoa e cada nação têm uma ideia de felicidade. Em alguns países, pessoas pensam que uma ideologia em particular deve ser seguida para trazer felicidade ao país e ao seu povo. Eles querem que todos aprovem a sua ideia de felicidade e acreditam que os que não estão a favor deveriam ser presos ou colocados em campos de concentração. É possível manter tal pensamento por cinquenta ou sessenta anos, e neste tempo criar uma tragédia enorme, apenas por causa desta ideia de felicidade.

Talvez você também seja prisioneiro de sua própria noção de felicidade. Há milhares de caminhos que levam à felicidade, mas você aceita somente um. Não considerou outros caminhos porque pensa que o seu é o único. Você seguiu este caminho com toda a sua força e, portanto, os outros caminhos, os milhares de outros caminhos permaneceram fechados para você.

Deveríamos ser livres para experimentar a felicidade que apenas vem a nós sem ter que procurá-la. Se você é uma pessoa livre, a felicidade pode vir para você num estalo. Olhe para a lua. Ela viaja no céu completamente livre, e esta liberdade produz beleza e felicidade. Eu estou convencido que a felicidade não é possível a menos que seja baseada na liberdade. Se você é uma mulher livre, se você é um homem livre, desfrutará de felicidade. Mas se é um escravo, mesmo que apenas escravo de uma ideia, a felicidade será muito difícil de atingir. É por isso que você deveria cultivar a liberdade, incluindo a liberdade de seus próprios conceitos e ideias. Deixe suas ideias irem, mesmo que não seja fácil.

Conflitos e sofrimento são comumente causados por uma pessoa que não quer liberar seus conceitos e ideias sobre algo. Em uma relação entre pai e filho, por exemplo, ou entre parceiros, isto acontece o tempo todo. É importante treinar a si mesmo para deixar ir suas ideias sobre as coisas. Liberdade é cultivada pela prática de deixar ir. Se você olhar profundamente, poderá ver que está se segurando a um conceito que está te fazendo sofrer um bocado. Você é inteligente o suficiente, você é livre o suficiente para desistir dessa ideia?

Estou me tornando calmo
Estou deixando ir
Tendo deixado ir, a vitória é minha
Eu sorrio
Eu sou livre

O Dharma que o Buda apresentou é radical. Contém medidas radicais para cura, para transformação da situação atual. As pessoas se tornam monges e monjas porque entendem que a liberdade é preciosa. O Buda não precisava de uma conta no banco ou uma casa. No tempo dele, as posses de um monge ou monja eram limitadas aos robes que vestiam e uma tigela para coletar comida.

Liberdade é muito importante. Você não deveria sacrificar ela por nada, porque sem liberdade não há felicidade.


quinta-feira, outubro 13, 2016

Tao - A Sabedoria do Silêncio interno




Pense no que vai dizer antes de abrir a boca. Seja breve e preciso, já que cada vez que deixa sair uma palavra, deixa sair uma parte do seu Chi (energia). Assim, aprenderá a desenvolver a arte de falar sem perder energia.

Nunca faça promessas que não possa cumprir. Não se queixe, nem utilize palavras que projetem imagens negativas, porque se reproduzirá ao seu redor tudo o que tenha fabricado com as suas palavras carregadas de Chi.

Se não tem nada de bom, verdadeiro e útil a dizer, é melhor não dizer nada. Aprenda a ser como um espelho: observe e reflita a energia. O Universo é o melhor exemplo de um espelho que a natureza nos deu, porque aceita, sem condições, os nossos pensamentos, emoções, palavras e ações, e envia-nos o reflexo da nossa própria energia através das diferentes circunstâncias que se apresentam nas nossas vidas.

Se se identifica com o êxito, terá êxito. Se se identifica com o fracasso, terá fracasso. Assim, podemos observar que as circunstâncias que vivemos são simplesmente manifestações externas do conteúdo da nossa conversa interna. Aprenda a ser como o universo, escutando e refletindo a energia sem emoções densas e sem preconceitos.

Porque, sendo como um espelho, com o poder mental tranquilo e em silêncio, sem lhe dar oportunidade de se impor com as suas opiniões pessoais, e evitando reações emocionais excessivas, tem oportunidade de uma comunicação sincera e fluída.

Não se dê demasiada importância, e seja humilde, pois quanto mais se mostra superior, inteligente e prepotente, mais se torna prisioneiro da sua própria imagem e vive num mundo de tensão e ilusões. Seja discreto, preserve a sua vida íntima. Desta forma libertar-se-á da opinião dos outros e terá uma vida tranquila e benevolente invisível, misteriosa, indefinível, insondável como o TAO.

Não entre em competição com os demais, a terra que nos nutre dá-nos o necessário. Ajude o próximo a perceber as suas próprias virtudes e qualidades, a brilhar. O espírito competitivo faz com que o ego cresça e, inevitavelmente, crie conflitos. Tenha confiança em si mesmo. Preserve a sua paz interior, evitando entrar na provação e nas trapaças dos outros. Não se comprometa facilmente, agindo de maneira precipitada, sem ter consciência profunda da situação.

Tenha um momento de silêncio interno para considerar tudo que se apresenta e só então tome uma decisão. Assim desenvolverá a confiança em si mesmo e a Sabedoria. Se realmente há algo que não sabe, ou para que não tenha resposta, aceite o fato. Não saber é muito incômodo para o ego, porque ele gosta de saber tudo, ter sempre razão e dar a sua opinião muito pessoal. Mas, na realidade, o ego nada sabe, simplesmente faz acreditar que sabe.

Evite julgar ou criticar. O TAO é imparcial nos seus juízos: não critica ninguém, tem uma compaixão infinita e não conhece a dualidade. Cada vez que julga alguém, a única coisa que faz é expressar a sua opinião pessoal, e isso é uma perda de energia, é puro ruído. Julgar é uma maneira de esconder as nossas próprias fraquezas.

O Sábio tolera tudo sem dizer uma palavra. Tudo o que o incomoda nos outros é uma projeção do que não venceu em si mesmo. Deixe que cada um resolva os seus problemas e concentre a sua energia na sua própria vida. Ocupe-se de si mesmo, não se defenda. Quando tenta defender-se, está a dar demasiada importância às palavras dos outros, a dar mais força à agressão deles.

Se aceita não se defender, mostra que as opiniões dos demais não o afetam, que são simplesmente opiniões, e que não necessita de os convencer para ser feliz. O seu silêncio interno torna-o impassível. Faça uso regular do silêncio para educar o seu ego, que tem o mau costume de falar o tempo todo.

Pratique a arte de não falar. Tome algumas horas para se abster de falar. Este é um exercício excelente para conhecer e aprender o universo do TAO ilimitado, em vez de tentar explicar o que é o TAO. Progressivamente desenvolverá a arte de falar sem falar, e a sua verdadeira natureza interna substituirá a sua personalidade artificial, deixando aparecer a luz do seu coração e o poder da sabedoria do silêncio.

Graças a essa força, atrairá para si tudo o que necessita para a sua própria realização e completa libertação. Porém, tem que ter cuidado para que o ego não se infiltre… O Poder permanece quando o ego se mantém tranquilo e em silêncio. Se o ego se impõe e abusa desse Poder, este converter-se-á num veneno, que o envenenará rapidamente.

Fique em silêncio, cultive o seu próprio poder interno. Respeite a vida de tudo o que existe no mundo. Não force, manipule ou controle o próximo. Converta-se no seu próprio Mestre e deixe os demais serem o que têm a capacidade de ser. Por outras palavras, viva seguindo a via sagrada do TAO.


segunda-feira, outubro 10, 2016

Contos Sacros: Sakyamuni e Vimalakirti - 5/5

- Masaharu Taniguchi - 


Finalmente, Manjusri, enviado como representante de Sakyamuni, chega ao palácio de Vimalakirti para visitá-lo, e o encontra descansando...

Manjusri - Prezado Vimalakirti, vim visitá-lo, como mensageiro de Sakyamuni.

Vimalakirti - Seja-bem-vindo, Manjusri.

Manjusri - Meu mestre Sakyamuni soube que o senhor está doente e mandou-me aqui para saber do seu estado. Ele quer saber se o senhor tem se tratado e está melhorando. Quer saber também desde quando o senhor está doente, e por que razão uma pessoa sábia como o senhor, que já alcançou o despertar, foi acometido por uma doença.

Vimalakirti - Então pensam que estou doente... Já que tocou no assunto, vamos falar de doença. Ela surge devido à ilusão. Julgar existente o que não existe já é o princípio da doença. Teimar em acumular o que não tem existência real e apegar-se a ele é tornar mais grave a doença. A doença origina-se na mente. O apego é que provoca a doença. Aquele que tem apego já é doente, ainda que a doença não esteja manifestada concretamente. Meu corpo é como um espelho: reflete as ilusões da mente do povo e mostra-as sob a forma de doença. O povo custa compreender a Verdade de que a doença se manifesta como reflexo da mente; por isso, cabe aos bodhisatvas demonstrar essa Verdade com seu próprio corpo. Os bodhisatvas despertos são pessoas que já "se graduaram" na escola chamada "este mundo" e portanto não precisam mais renascer neste mundo. Se eles aparecem de novo neste mundo como ser carnal e manifesta doenças em seu corpo, é para realizar o seu grande voto de salvar a humanidade, servindo-lhe de exemplo. O bodhisatva adoece porque a mente da humanidade está enferma. Estando enferma a mente dos pais, o filho adoece; estando enferma a mente da esposa, o marido adoece, e vice-versa; estando enferma a mente do chefe de família, os familiares adoecem; e estando enferma a mente dos familiares, o chefe de família adoece. Do mesmo modo, estando enferma a mente da humanidade, o bodhisatva desperto manifesta doença em seu próprio corpo.

Manjusri - Então, é por isso que o senhor está doente?

Vimalakirti - Sim. A doença de um bodhisatva é decorrente de sua grande misericórdia. Manifesta-se devido ao seu grande voto de purificar a mente da humanidade, mostrando em seu próprio corpo as consequências das atitudes mentais errôneas das pessoas.

Manjusri - (Mudando de assunto) Reparei que hoje não se encontra nenhum criado, em parte alguma desta grande mansão. Foram todos passear?

Vimalakirti - Por que perguntar isso agora, se todas as coisas são "nada"? Não sabe que o mundo búdico é o "nada absoluto"?

Manjusri - Por que o mundo búdico é o "nada absoluto"?

Vimalakirti - É porque é.

Manjusri - Como sabe que é?

Vimalakirti - Não existe "como". Se existisse o "como", não seria o "nada absoluto". Não se pode discutir o "nada absoluto".

Manjusri - Mas como compreender o "nada absoluto"?

Vimalakirti - Através do despertar espiritual.

Manjusri - E onde buscar o despertar espiritual?

Vimalakirti - Em Buda.

Manjusri - E onde se encontra Buda?

Vimalakirti - Buda está dentro de cada um de nós.

Manjusri - Quer dizer que o ser humano traz Buda dentro de si?

Vimalakirti - Sim. Cada ser humano traz em si a natureza búdica.

Manjusri - Então, não há necessidade de as pessoas buscarem o despertar, não é?

Vimalakirti - Compreendendo que a matéria é nada e que o corpo carnal não tem existência real, o homem percebe que a sua natureza é búdica. Essa natureza búdica não é a do homem carnal, e sim do homem verdadeiro, que é imaterial.

Manjusri - O homem verdadeiro é provido de tudo, e portanto nunca é carente.

Vimalakirti - Sim. Os bodhisatvas nunca são pobres. São infinitamente ricos.

Manjusri - Então, porque o senhor, sendo infinitamente rico, está sozinho nesta mansão, sem nenhum criado?

Vimalakirti - Este lugar não está vazio como parece. Meus criados são o demônio Papiyas e as bailarinas dele. Agora há pouco, elas estiveram me mostrando uma bela dança aí no jardim. A humanidade em ilusão passa repetidas vezes por este mundo e pelo mundo após a morte, num interminável processo de transmigração, perseguindo os prazeres dos sentidos. Os bodhisatvas, para salvar a humanidade em ilusão, acompanham-na nesse processo de transmigração. E a melhor maneira de fazer isso é ter como acompanhantes o demônio Papiyas e suas feiticeiras. Quer que lhe apresente um belo número de dança dessas feiticeiras-bailarinas?

Manjusri - Não, obrigado. Vim aqui como mensageiro do venerando Sakyamuni para saber em que estado o senhor se encontra, e preciso cumprir essa missão. Para que eu possa apresentar a ele um relatório detalhado, diga-me qual é a sua doença, quais são os sintomas, enfim, tudo sobre sua condição de saúde.

Vimalakirti - Quer que eu fale de minha doença? Pois saiba que doença não tem substância, e por isso não me é possível descrevê-la.

Manjusri - Mas não pode, ao menos, dizer se sofre de doença do corpo ou doença da mente?

Vimalakirti - Não é doença do corpo.

Manjusri - Como pode dizer isso com tanta certeza?

Vimalakirti - Porque sei que, na verdade, o corpo não existe.

Manjusri - Então, trata-se de doença da mente?

Vimalakirti - Também não, pois a mente em ilusão, sujeita a doenças, não tem existência real.

Manjusri - Porém, se mesmo assim o estado de doença estiver manifestado, o que se deve fazer para que esse aspecto desapareça? Ensine-me, para que eu possa transmitir aos outros.

Vimalakirti - Deve serenar a mente, perguntar a si próprio "quem está doente?" e reflexionar o seguinte: O "eu" fenomênico é originariamente inexistente. O corpo não tem existência real. Como o corpo não tem existência real, a doença que nele se manifesta também não tem existência real. Minha doença, assim como a doença de todas as pessoas, não passa de falso aspecto. Quando se reflexiona assim e se compreende realmente que o corpo carnal e o "eu" fenomênico não têm existência real, desaparece o apego; desaparecendo o apego, desatam-se as "amarras da mente", recupera-se a liberdade total; e recuperando-se a liberdade total, a doença se extingue. Quando isso ocorre, o bodhisatva manifesta sua grande misericórdia e passa a salvar as pessoas. Ele é pleno de amor e sabedoria, e por isso, para salvar as pessoas, faz uso de todos os expedientes, sem se prender a um determinado princípio rígido.

Manjusri - Que significa estar preso com as "amarras da mente"?

Vimalakirti - Está preso com as "amarras da mente" aquele que ficou com a mente tolhida pela constatação de que o corpo carnal não é existência verdadeira e isola-se num local ermo ou num mosteiro. Quem tem a mente plenamente livre não se isola deste mundo nem das pessoas, justamente por saber que o corpo carnal não é existência verdadeira.

Está preso com as "amarras da mente" aquele que, apesar de querer praticar o bem, não consegue proporcionar felicidade aos outros, por estar com a mente tolhida pela ideia fixa de praticar o bem. Quem tem a mente plenamente livre pratica o bem com espontaneidade, mesmo onde prolifera o mal, e assim proporciona benefícios a muita gente.

Está preso com as "amarras da mente" aquele que não consegue salvar os outros por julgá-los com uma sabedoria fria e destituída de amor. Quem tem a mente plenamente livre salva as pessoas com sabedoria acompanhada de amor. O amor vivifica a sabedoria, e a sabedoria vivifica o amor. Ser bodhisatva é ser virtuoso e sábio, levando uma vida normal como uma pessoa comum. Ser bodhisatva é conviver com os demônios e subjugá-los. Por isso, eu sempre uso o demônio Papiyas e suas feiticeiras como um expediente ou um meio para manifestar o amor e conduzir as pessoas à salvação. (Levanta a mão e faz um sinal. Surgem, como por encanto, um grupo de lindas feiticeiras)

Feiticeiras - O senhor nos chamou?

Vimalakirti - Sim. Faça cair uma chuva de flores, e cantem e dancem sob essa chuva.

Feiticeiras - Sim, senhor.

(Começam a chover pétalas em profusão. As feiticeiras dançam e cantam, uma de cada vez)

Feiticeira 1 - Usando sabedoria e expedientes adequados, o Bodhisatva salva os homens.

Feiticeira 2 - Ele surge sob a forma de uma ninfa sedutora, e tenta os que perseguem os prazeres da carne.

Feiticeira 3 - Ele surge sob a forma de dinheiro, jóias e outros bens, e tenta os que perseguem a riqueza material.

Feiticeira 4 - Ele surge sob a forma de terapias e medicamentos, e tenta os enfermos.

Feiticeira 5 - Tenta os homens para que alcancem o despertar superando as tentações.

Feiticeira 6 - Nada há de extraordinário em crescerem lótus na água.

Todas as feiticeiras - Extraordinário é crescerem lótus no meio do fogo.


Do livro: "A Verdade da Vida, volume 32"; pp. 86-94

sexta-feira, outubro 07, 2016

Contos Sacros: Sakyamuni e Vimalakirti - 4/5

- Masaharu Taniguchi - 


DANÇA DAS FEITICEIRAS

Num aposento amplo e luxuoso, Vimalakirti está dormindo. Nos arredores desse aposento, tem-se um jardim espaçoso e tranquilo, onde o bodhisatva Jicei está sentado numa pedra e concentrado na prática da meditação Zen. Eis, então, que surgem no jardim seis lindas e sedutoras feiticeiras...

(*Nota: Bodhisatva: aquele que busca o seu despertar espiritual e ao mesmo tempo se dedica à salvação dos semelhantes)

Feiticeira 1 - Vamos dançar. Olhem! Lá está o bodhisatva Jicei, praticando meditação.

Feiticeira 2 - Vamos alegrá-lo, mostrando-lhe a nossa bela dança.

Feiticeira 3 - Mesmo estando com os olhos fechados, ele poderá, certamente, apreciar nossa dança com os olhos da mente.

Feiticeira 4 - Nós sempre aparecemos assim quando ele está praticando a meditação Zen.

Feiticeira 5 - Transmitimos a ele nossas vibrações mentais.

Feiticeira 6 - Isso mesmo.

Feiticeira 1 - Mentalizamos para que ele nos veja com os olhos da mente.

Feiticeira 2 - Na vez anterior, transmitimos-lhe vibrações mentais para mostrar o belo e majestoso aspecto do paraíso, não foi?

Feiticeira 3 - Foi sim. E ele ficou muito contente, dizendo que Buda lhe revelou o paraíso.

Feiticeira 4 - Isso me parece um tanto esquisito. Como é que ele, sendo um bodhisatva, não consegue distinguir o paraíso verdadeiro do paraíso falso?

Feiticeira 5 - Não nos cabe questionar isso. Vamos cantar e dançar!

Feiticeira 6 - Sim, vamos cantar sob a regência do mestre Papiyas.

Surge Sakra Devanam Indra, que na verdade é o demônio Papiyas disfarçado. Ele começa a reger o coro das feiticeiras. No jardim, o bodhisatva Jicei está absorto em sua meditação, e no aposento Vimalakirti continua dormindo. As feiticeiras cantam e dançam...

Canto das feiticeiras:

"Vindo a primavera luminosa,
mil flores desabrocham. 
Saudando o desabrochar das flores, mil pássaros gorjeiam.
Atraídas pelos gorjeios dos pássaros,
belas donzelas entoam o seu canto.
O canto das donzelas
é a chave que abre o paraíso búdico,
é a chave que abre o paraíso búdico..."


Bodhisatva Jicei - Oh! Que beleza! Eu estava vendo o belo paraíso búdico. Esta é a segunda vez que tive a bênção de ter a visão do maravilhoso paraíso. Com certeza, enquanto me concentrava na meditação, minha alma viajou até lá, transportada pela flor de lótus de mil pétalas. Foi uma visão de beleza indescritível!

(Subitamente, como que despertando de um sono, vê as feiticeiras dançando no jardim)

Oh, mas que é isso? Outra vez estou vendo a dança das belas donzelas! Continuo tendo a mesma visão, com os olhos fechados ou abertos! Que coisa estranha! Então essa visão maravilhosa não era a do paraíso búdico, e sim deste mundo?!

(Percebe a presença de Sakra Devanam Indra, na verdade o demônio Papiyas)

Oh! o senhor é Sakra Devanam Indra...

Sakra Devanam Indra (falso) - Salve, bodhisatva Jicei! Como sempre, empenhado firmemente no aprimoramento espiritual, heim? Para recompensar a sua diligência, escolhi as mais lindas bailarinas e trouxe-as aqui para apresentar-lhe uma bela dança. Refletindo bem,  cheguei à conclusão de que este mundo é a terra búdica, é o paraíso. A bela dança destas encantadoras bailarinas faz parte das delícias do paraíso. Vimalakirti também disse isso. A felicidade paradisíaca consiste na satisfação dos cinco sentidos mundanais, que são: 1) desejo de possuir bens materiais; 2) desejo carnal; 3) desejo de comer e beber; 4) desejo de fama e poder; e 5) desejo de dormir.

De que adiante fugir desses cinco desejos e empenhar-se na prática da meditação Zen, isolando-se de tudo e de todos? O paraíso não se encontra no mundo da abstração, e sim dentro da realidade concreta. Não se alcança através de meditações ou divagações, e sim pela satisfação dos cinco sentidos concretos, a que me referi. A felicidade do homem não consiste em manter-se afastado da realidade concreta e viver a meditar num lugar isolado, em busca do imaginário. Veja essas lindas bailarinas! Repare na delicadeza da pele delas! Na maciez da carne delas! O paraíso está na deliciosa sensação que aquela pele e aquela carne oferecem. Darei a você uma dessas bailarinas que mais lhe agradar. Pode escolher à vontade.

Feiticeira 1 - (Em tom sedutor) Bodhisatva Jicei, eu adoro seus olhos! Eles tem um brilho puro como o das estrelas do firmamento. Fite-me com esses olhos e veja dentro de meus olhos a chama da paixão!

Feiticeira 2 - (Em tom sedutor) Bodhisatva Jicei, sua fisionomia é luminosa. Que belo rosto o senhor tem! Não posso conter o desejo de roçar minha face nesse rosto lindo!

Feiticeira 3 - (Em tom sedutor) Eu adoro esses lindos lábios, rosados e viçosos. Eles trazem ocultos uma paixão ardente. Sei que o senhor não é um homem frio. Gostaria de beijar seus lábios, ainda que apenas uma vez em toda a minha vida.

Feiticeira 4 - (Em tom sedutor) Bodhisatva Jicei, que ombros e braços musculosos o senhor tem! Eles revelam a sua virilidade. Gostaria de ser abraçada fortemente com esses braços vigorosos.

Feiticeira 5 - (Em tom sedutor) Bodhisatva Jicei, como é musculoso o seu peito, que vejo pelas frestas de sua veste. Que exercícios praticou para ficar assim? Esse peito musculoso parece resistente como um muro de pedra. Gostaria de enroscar-me nele, como uma hera que se enrosca no muro.

No aposento, Vimalakirti acorda, levanta-se e fica observando, em silêncio, a cena que está se passando no jardim...

Feiticeira 6 - (Em tom sedutor) Eu admiro suas pernas. Que coxas musculosas! São vigorosas e têm um brilho que me faz lembrar uma luzidia estátua de bronze. Gostaria de ver a beleza desses músculos em movimento. Gostaria de me enroscar como uma serpente nessas coxas, para testar a força de seus músculos. Meu querido bodhisatva, o senhor corresponderá à minha paixão, não é?

Bodhisatva Jicei - Não tentem seduzir-me com os prazeres dos sentidos! Sou discípulo de Buda e não devo sucumbir às tentações da carne. Sakram Deva Indra, afaste essas mulheres daqui imediatamente! Embora pareçam belas, elas têm o corpo cheio de impurezas!

Vimalakirti - Não se pode negar a beleza das belas mulheres. É preciso ter naturalidade de atitude mental, vendo as coisas e os fatos como eles são, ou seja, reconhecendo a beleza naquilo que é belo e a fealdade naquilo que é feio. É nisso que consiste o despertar. (Voltando-se para o falso Sakra Devanam Indra) Ei, você não é o verdadeiro Sakra Devanam Indra! É o demônio Papiyas disfarçado, não é?

Sakra Devanam Indra (falso) - Não, não! O senhor está enganado...

Vimalakirti - É inútil tentar enganar a mim. Não sabe que meus "olhos mentais" são capazes de perscrutar qualquer coisa, em qualquer lugar? Nem mesmo você, demônio Papiyas, será capaz de confundir os olhos de minha mente!

(Vendo-se desmascarado, o demônio Papiyas tenta fugir.)

Vimalakirti - Não se mova, demônio! (fazendo um gesto mágico com os dedos, e depois desenha com a mão um círculo no ar)

Demônio Papiyas - (Fica imóvel como se tivesse virado uma estátua)

Vimalakirti - Quer fugir? Pois tente! Eu o "amarrei" com o poder de minha mente, e quando mais você tentar fugir, mais apertada ficará essa "corda invisível".

Demônio Papiyas - (gemendo) Aaaai...

Vimalakirti - Não tenho a intenção de maltratá-lo O que eu quero é que você deixe essas moças comigo. São todas muito bonitas. Deixe-as, e eu permitirei que você volte ao seu palácio.

Demônio Papiyas - Mas... mas...

Vimalakirti - Mas, o quê?

Demônio Papiyas - O que o senhor fará com elas, se eu as deixar aqui?

Vimalakirti - Farei com que elas encontrem o prazer búdico.

Demônio Papiyas - O que é prazer búdico?

Vimalakirti - É o prazer de se viver em conformidade com os ensinamentos de Buda. Farei com que essas moças extingam todos os pensamentos impuros com o fogo da Verdade. Farei com que compreendam que o corpo carnal não tem existência real e que, portanto, são também vãos os prazeres dos sentidos. Os prazeres que ensinarei a elas são bem diferentes do que você lhes ensinou lá no seu palácio.

Demônio Papiyas - É uma pena, mas...

Vimalakirti - Mas o quê?

Demônio Papiyas - Acho que não tenho outra saída, a não ser deixar essas moças com o senhor.

Vimalakirti - Então vou desatar essas "cordas invisíveis. Pronto! Já pode ir!

Vimalakirti - (Olha para as feiticeiras) Venham, a partir de hoje, vocês vão ficar comigo. Devem, pois, seguir meus ensinamentos para conhecer o prazer búdico.

As feiticeiras - Mestre Vimalakirti, o que é prazer búdico?

Vimalakirti - É o prazer que se alcança ouvindo as palavras da Verdade e apreendendo a perfeição do Eu verdadeiro (Jisso). A verdadeira felicidade não consiste nos prazeres dos sentidos. O corpo carnal não tem existência real, portanto, os prazeres do corpo carnal também não têm existência real. Mas como eles parecem reais, as pessoas em estado de ilusão anseiam pelos prazeres do corpo e vivem a persegui-los, sem perceber que estão buscando prazeres vãos. É como se tentassem saciar a fome comendo o ar, ou mitigar a sede tomando água salgada: jamais estarão realmente satisfeitos. O prazer búdico consiste no estado em que a pessoa não se prende ao aspecto fenomênico, ao aspecto aparente, aos prazeres dos sentidos e às paixões mundanais, e contempla unicamente a Essência perfeita de seu ser. Em outras palavras, é o estado em que a pessoa, não obstante sua condição de um ser carnal a nível fenomênico, não se prende a seu corpo e se rejubila com a perfeição do seu Eu verdadeiro. Nesse estado, é-se feliz sempre, até mesmo quando o corpo carnal está sofrendo enfermidade e dores. A felicidade permanente só se alcança quando se vive no estado de beatitude búdica. Quem vive no estado de beatitude búdica é feliz porque não tem apegos e só busca aquilo que lhe é adequado, no tempo adequado; é feliz porque rejubila-se com a pureza espiritual, e jamais se deixa levar pelo ódio ou ira. Se compreenderam o que eu lhes disse, sigam-me!

Demônio Papiyas - Quero que me devolva essas moças.

Vimalakirti - Você havia concordado em deixá-las comigo.

Demônio Papiyas - Mas, com que cara vou voltar ao palácio, sem levá-las comigo?

Vimalakirti - Demônio Papiyas, você não passa de um fraco!

Demônio Papiyas - Por favor, atenda ao meu pedido! Dizem que "bodhisatva" é aquele que nunca deixa de atender aos que lhe suplicam algo.

Vimalakirti -Você é um hábil argumentador. Está bem, já que você insiste tanto, vou devolver-lhes as moças. (Voltando-se para as feiticeiras.) Podem ir! Voltem ao palácio do demônio Papiyas.

As feiticeiras - Mas não temos mais vontade de buscar os prazeres dos sentidos. Mesmo que voltemos ao palácio do demônio Papiyas, não temos mais o que fazer. Mestre Vimalakirti, diga-nos o que devemos fazer.

Vimalakirti - Esperem um pouco (Pega uma vela, acende-a com o lume do candelabro, coloca-a num pequeno castiçal.) Vou dar isto a vocês.

Feiticeira 1 - (Recebe o castiçal) Que devemos fazer com isto?

Vimalakirti - Este é o lume infinito, símbolo da Luz da Verdade que extingue a ilusão. Representa a Luz do despertar espiritual, que jamais se apagará. Com uma vela acesa pode-se acender milhões de outras velas. Assim também é a luz do despertar espiritual. Ela é infinita porque, por mais que a distribuamos aos outros, não enfraquece. Pelo contrário, intensifica-se mais e mais. Se vocês, que despertaram para a Verdade, transmitirem aos outros a Luz da Verdade, até mesmo o palácio do demônio Papiyas tornar-se-á um lugar pleno de Luz. O mundo ao nosso redor é reflexo de nossa própria mente. Aonde quer que vamos, o ambiente ao nosso redor se preencherá de Luz, contanto que mantenhamos em nossa mente a Luz da Verdade. Agora voltem para o palácio de onde vieram. Chegou o momento em que até mesmo no palácio do demônio Papiyas irá brilhar a Luz da Verdade.

(O lume do castiçal que Vimalakirti deu às feiticeiras torna-se extremamente intenso. O jardim é iluminado por uma claridade quase ofuscante)

Demônio Papiyas - Ai! Reduza um pouco essa luz, por favor! Diante da Luz da Verdade tão intensa, as forças me fogem e não vou poder voltar ao meu palácio. Reduza a luz, por caridade!

Vimalakirti - Você é um fracote! Ha, ha, ha! Está bem! Está bem! Vou diminuir um pouco a claridade. Assim está bom para você?

E assim, o demônio Papiyas e as feiticeiras retornam ao castelo. Finalmente, Manjusri, enviado como representante de Sakyamuni, chega ao palácio onde Vimalakirti está descansando...


Do livro: "A Verdade da Vida, volume 32"; pp. 75-86