"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

quinta-feira, outubro 29, 2015

Reverenciar a Vida - 3/3

- Masaharu Taniguchi - 


Conforme relatei, conheci a Verdade ouvindo uma voz proveniente do céu, que soou como o ruído de um vagalhão e assim afirmou: "O homem é filho de Deus; a matéria não existe". Durante algum tempo, sentia-me renascido e tão feliz, que tudo ao meu redor parecia resplandecer. Porém, ainda estava longe de viver a Verdade na vida prática. O meu despertar ainda não se manifestava em atos concretos.

Nessa época, eu trabalhava como tradutor na firma americana Vacuum Oil Company. Como havia estudado inglês quando cursava a faculdade de Letras da Universidade de Waseda, eu tinha bom conhecimento de inglês literário, mas nessa empresa tinha de traduzir livros técnicos referentes a máquinas e peças, e isso era um serviço bastante complicado e difícil para mim. Nessa firma, havia diversos departamentos de publicidade, e fazia traduções de documentos referentes a máquinas estrangeiras. O serviço de tradução era sujeito à rigorosa supervisão por parte de outros setores da empresa, principalmente o departamento técnico e o departamento de vendas. Com base nos documentos referentes às máquinas, traduzidos por mim e meus colegas, elaboravam-se manuais com explicações tais como: "Levando-se em conta a estrutura desta máquina, nestes pontos é imprescindível o uso de um óleo que forme uma película extremamente resistente à pressão". Os engenheiros mecânicos do departamento técnico da empresa apresentavam esses manuais aos engenheiros de várias fábricas que eles visitavam. Também com base naqueles documentos, elaboravam-se guias práticos, que eram oferecidos aos engenheiros de fábricas clientes. Portanto, se fosse feita uma tradução errônea de algum termo e os especialistas descobrissem isso, haveria um grande problema. Um tradutor que trabalhava nessa empresa antes de mim fora demitido por causa de uma palavra que apareceu com erro num documento traduzido. E o erro não foi de tradução, e sim de tipografia. Além disso, nessa empresa havia rivalidade e inveja entre os vários departamentos, e o relacionamento entre os funcionários era bastante difícil.

Como vocês sabem, ao traduzirmos textos escritos em inglês, frequentemente nos deparamos com preposições ou expressões idiomática peculiares, que, traduzidas para a língua japonesa, não fazem sentido, e sendo assim, melhor seria deixarmos de traduzi-los, do que tentarmos uma tradução forçada, apegando-nos demais ao texto original. Porém, naquela empresa, se fizéssemos uma tradução livre, que consiste em transmitir o significado do texto sem nos prendermos a cada palavra e cada frase, alguém poderia indicar determinada palavra em inglês, e perguntar: "Onde está a tradução desta palavra, no texto em japonês?". E, se constatasse que essa palavra não fora traduzida, poderia apontar esse fato ao gerente geral americano, e então haveria um grande problema. Por isso, nós, tradutores, tínhamos de ter o máximo cuidado com cada palavra e cada frase do texto original, procurando traduzi-las o mais fielmente possível e, além disso, fazer com que a redação em japonês fosse perfeita. Tanto nos esforçávamos nesse sentido, que nos textos por nós traduzidos não havia omissão de nenhuma frase do original em inglês. Aqueles textos poderiam até ser usados nos livros de inglês para os exames de admissão nos colégios, que trazem numa página as frases em inglês, e na página oposta a tradução em japonês, palavra por palavra. A impressão dos manuais também era feita de tal modo que, comparando o original em inglês com o livro em japonês, podia se constatar que uma frase contida numa determinada página e linha do original aparecia no livro traduzido, exatamente na mesma página e mesma linha,

Por esses fatos, vocês podem imaginar como era desgastante o meu trabalho naquela empresa. Todos os dias, ao voltar para casa mais ou menos às 7 horas da noite, estava física e mentalmente exausto e mal conseguia me manter de pé. Embora desejasse empreender a obra de iluminar o mundo, publicando uma revista para divulgar o caminho da Verdade que eu havia encontrado, faltava-me ânimo para isso, devido à limitação da energia física. Hoje sei que essa limitação era proveniente do fato de que, apesar de ter conhecido a Verdade, ainda não a estava vivendo concretamente na vida cotidiana. Eu havia, de fato, conhecido a Verdade, pela Voz divina que soara em minha mente e atingira minha alma como um relâmpago, porém ainda não estava vivendo a Verdade na vida prática. Intelectualmente, havia conquistado a liberdade ilimitada, mas na vida prática via-me tolhido pela limitação da energia física. Ainda não tinha assimilado totalmente a Verdade.

Sem conseguir superar as limitações do plano material, deixava-me levar por ideias comodistas, tais como: "Quando minha situação econômica melhorar, quanto tiver mais tempo e melhor disposição física, vou lançar uma revista de cultura moral para divulgar o caminho da Verdade que encontrei. Até lá, vou continuar trabalhando como assalariado e economizar ao máximo o meu ordenado. Quando tiver economizado o suficiente, vou me demitir da firma e iniciar o trabalho de publicação da revista para divulgar a Verdade. Revistas desse tipo não se difundem rapidamente. Portanto, terei de estar em condição econômica razoável para poder manter a revista com meus próprios recursos na fase inicial, talvez por meio ou um ano". Essa era a minha atitude mental, da qual hoje me envergonho, pois percebo que pensava assim por falta de coragem e determinação.

Conforme relatei antes, arranjei emprego nessa firma americana logo depois que voltei a Kobe, minha terra natal, após ter perdido praticamente tudo no grande terremoto de Tóquio, ocorrido em setembro de 1923. Como não tinha roupa para ir trabalhar, tive que mandar reformar um conjunto de "melton" preto que meu pai adotivo usara havia vinte anos. Minha esposa e minha filha – ainda bebê – também precisavam de roupas. Leva-se considerável tempo para conseguir juntar móveis, utensílios domésticos, roupas, etc., a partir da "estaca zero". À custa de muito trabalho, fui reconstruindo minha vida, pouco a pouco. Justamente quando a situação havia melhorado bastante e eu já visualizava a possibilidade de iniciar em breve o trabalho de publicação da revista, entrou um ladrão na minha casa. Foi num domingo de agosto. Eu e minha esposa tínhamos saído para um passeio, levando nossa filhinha. Quando voltamos para casa no fim da tarde, constatamos que um ladrão havia esvaziado a cômoda, levando todas as nossas roupas e todo o dinheiro que eu havia economizado com tanto sacrifício. Mais uma vez, tive de recomeçar praticamente da estaca zero. Durante dois anos e meio, trabalhei com afinco, economizando dinheiro para concretizar o plano de publicar a revista. Quando tinha economizado uma quantia considerável, novamente entrou ladrão em minha casa e levou tudo. Isso aconteceu no dia 13 de dezembro de 1929.

E justamente ao sofrer o segundo roubo, despertei de verdade. Aquele incidente fez com que o "despertar temporário" que eu havia conseguido se tornasse definitivo. Até então, embora eu pensasse ter despertado, na realidade não havia alcançado o verdadeiro despertar. Assim fora o meu despertar inicial. Uma voz misteriosa, que parecia ter vindo do espaço cósmico e ressoado em minha mente me fizera compreender que "o homem é filho de Deus" e que "a doença, os sofrimentos, as desgraças, a miséria, enfim, todos os males não passam de ilusão, não existem de verdade!". Havia aceito docilmente essa Verdade, mas não a estava vivendo na vida prática e me apoiava em outras coisas. Isto é, havia compreendido que o ser humano é Filho de Deus, mas na vida prática necessitava de apoio material. Em vez de confiar na força interior proveniente da Imagem Verdadeira da minha própria Vida, buscava apoio em elementos do mundo exterior, tais como dinheiro e outros bens materiais. Pensava que não seria possível colocar em prática o plano de publicar uma revista para a difusão da Verdade enquanto não tivesse economizado o suficiente para mantê-la com meus próprios recursos, pelo menos durante seis meses. Em outras palavras, pensava em trilhar o caminho da vida, apoiando-me no salário, economias, etc. Quem mantém tal postura mental ainda não alcançou o verdadeiro despertar. Era o meu caso.

Alcançar o verdadeiro despertar é conscientizar a perfeição e a força infinita do nosso interior, e deixar de buscar apoio em elementos exteriores. É confiar plenamente na grande força vital que existe dentro de nós próprios. Até então, eu buscava apoio em coisas materiais. Percebi o erro e tomei a decisão de passar a confiar plenamente na Vida do meu interior. Lembrei-me da seguinte afirmação de Confúcio: "Se eu conhecer de manhã o Caminho da Verdade, não importa morrer ao entardecer". Minha ilusão consistia em pensar que, em primeiro lugar, precisava garantir minha subsistência e somente depois, quando tivesse dinheiro suficiente e mais saúde, iniciar o trabalho de divulgação da Verdade. Eu julgava que minha capacidade física fosse limitada e, como resultado da concretização dessa ideia, tinha a saúde tão precária, que as companhias de seguro recusavam-se a segurar minha vida. Apesar da saúde frágil, tinha de trabalhar o dia todo, traduzindo desinteressantes livros técnicos. Por que me cansava tanto, se naquela época já havia conhecido a Verdade e compreendido que o ser humano, sendo filho de Deus, não adoece nem se cansa? É que o meu despertar era apenas superficial. Isto é, embora tivesse conhecido a Verdade, não a havia assimilado completamente.

Ainda que despertemos para a Verdade, enquanto não a assimilarmos com todo o nosso ser, o seu efeito não se manifesta concretamente. Era isso que ocorria comigo: ainda estava arraigada em minha mente a ideia de que "quanto mais se trabalha, mais o corpo se cansa" e "o cansaço pode provocar adoecimento". Em outras palavras, eu ainda confundia a vida fenomênica com a Vida da Imagem Verdadeira. Por isso, pensava que não seria possível conciliar meu emprego com o trabalho de publicação da revista para a divulgação da Verdade, e resignava-me à condição em que me encontrava, acreditando que não havia outra alternativa para garantir minha sobrevivência. Aquele que se sujeita à condições ainda não conhece realmente a sua própria Vida, que não depende de condição alguma para se sustentar. "Se eu conhecer de manhã o Caminho da Verdade, não importa morrer ao entardecer" – esta afirmação de Confúcio expressa o estado espiritual de quem tem consciência da Vida, que não depende de nenhuma condição ou circunstância para existir. Quem pensa que o ser vivo depende do corpo físico para se manter vivo, jamais poderá proferir tal afirmação. Somente aqueles que têm consciência de que a Vida existe independentemente da sobrevivência ou não do corpo físico, podem afirmar com serenidade que a morte não tem nenhuma importância. A Verdade é eterna. Portanto, quem vive o Caminho da Verdade, "viverá ainda que morra". Jesus disse: "Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá".

A Vida da Imagem Verdadeira é absoluta: não depende de nada, sustenta-se por si mesma, sem precisar de nenhum apoio exterior. Ela se sustenta por si só, ainda que nada exista no aspecto fenomênico, tal como o "dedo que se levanta, mesmo não existindo na forma fenomênica", citado num episódio conhecido como "o mestre Gutei e seu aprendiz". Mesmo que no aspecto fenomênico nada pareça existir, a Vida tem tudo dentro de si próprio. Algumas pessoas pensam que a Seicho-No-Ie é uma seita vulgar, que se ocupa somente em curar doenças. Mas a Vida que a Seicho-No-Ie reverencia não é a vida do corpo físico. Se têm ocorrido inúmeros casos de cura dos adeptos, é porque a Seicho-No-Ie os conduz ao despertar, ou seja, torna-os conscientes da Vida indestrutível que transcende o corpo físico. Ocorre então uma intensa vibração da Vida e, como "efeito colateral", ocorre a cura. Embora sejam citado muitos casos de cura, a Seicho-No-Ie não é uma seita que tenha como finalidade curar doenças.

O primeiro item das Sete Declarações Iluminadoras diz: "Declaramos transcender todo sectarismo religioso e, reverenciando a Vida, viver em fiel obediência à Lei da Vida". A Vida a que se refere essa declaração não é a limitada vida fenomênica que sucumbe à doença, à miséria e à morte; mas sim a Vida simbolizada no "dedo que se levanta, mesmo tendo sido cortado no plano fenomênico", conforme o episódio "o mestre Gutei e seu aprendiz". É a Vida que transcende o corpo e se mantém intacta, mesmo que se destrua o corpo físico.

De certo modo, eu "destruo" o corpo das pessoas que vêm à Seicho-No-Ie em busca de cura. Naturalmente não lhes destruo o corpo com uma arma, mas com o poder da palavra. Às pessoas que buscam a cura da enfermidade do corpo, afirmo energeticamente: "O corpo não existe!". Comumente, acredita-se que o corpo existe. Por isso as pessoas se apegam a ele, e, quando adoecem, buscam a salvação do corpo. Estando apegadas ao corpo, impedem que a Vida se manifesta livremente. E a Vida não se manifestando livremente, não ocorre a cura. Porém, diante da minha energética afirmação de que "o corpo não existe", as pessoas compreendem que o corpo, embora pareça ter existência própria, na verdade não existe. Ao compreenderem isso, deixam de se apegar ao corpo; e então a Vida passa a se manifestar livremente e ocorre a cura da doença.

Até ser roubado pela segunda vez, eu planejava iniciar a publicação da revista para a difusão da Verdade quando minha condição financeira melhorasse, o que significava que ainda não havia me conscientizado de que a Vida não depende de nenhuma condição. Porém, despertei de verdade quando, pela segunda vez, entrou ladrão em minha casa e levou toda a minha economia. Pode-se dizer que esse ladrão me cortou o apoio chamado "boa condição econômica", do mesmo modo que o mestre zen Gutei cortou o dedo fenomênico de seu aprendiz, no episódio acima mencionado. Fiquei sem apoio material. E, assim como aquele aprendiz, tinha de "levantar o dedo, sem o possuir no plano fenomênico", isto é, reerguer-me sem qualquer apoio material. Devido à dura jornada de trabalho na firma, estava exausto, mas precisava encontrar forças para me erguer. Não havia outra saída. E justamente aquele momento crucial fez com que eu alcançasse o verdadeiro despertar e tomasse a firme decisão de começar a trabalhar para a divulgação da Verdade, mesmo não tendo vigor físico nem dinheiro. Tomei essa decisão no dia 13 de dezembro de 1929. Quando deixei de tentar me apoiar em coisas materiais, a minha força interior passou a se manifestar, e a partir desse ponto o caminho abriu-se diante de mim. Sinto que, no desenrolar de todos os bons e maus acontecimentos por que passei, houve a ajuda dos espíritos de meus antepassados. Foram eles que me conduziram a uma situação crucial, a fim de que eu pudesse alcançar o verdadeiro despertar. Se vocês querem alcançar o despertar, bem como obter êxito nesta vida, devem reverenciar os espíritos de seus ancestrais, para que possam receber naturalmente a orientação e proteção deles. 

No budismo zen, existem os Koans, que são "questões para meditação". Quase sempre, a questão apresentada é extremamente difícil, impossível de ser solucionada com a sabedoria e discernimento comuns, porque se refere a uma situação aparentemente "sem saída", em que a pessoa envolvida se vê premida por duas ou mais forças antagônicas. Um dos koans frequentemente apresentados no zen budismo é aquele intitulado "Produzir o som do bater das palmas, usando apenas uma das mãos". Como se pode notar, trata-se de uma questão aparentemente sem solução. Para bater palmas é preciso usar ambas as mãos. Mas a exigência é não usá-las. E isso é impossível. Se quisermos atender à exigência de "usar apenas uma das mãos", não será possível produzir o som do bater de palmas. E se quisermos atender à exigência de "produzir o som", teremos de usar ambas as mãos. O que fazer? É uma situação em que nos vemos pressionados por duas exigências contraditórias. Para solucionar uma situação "sem saída", não adiante recorrer à inteligência limitada da mente presa ao aspecto fenomênico. É preciso transcender o aspecto fenomênico.

No zen budismo, isso é feito no nível da ideia, por meio da solução do Koan apresentado. Mas, na Seicho-No-Ie, transcende-se o aspecto fenomênico, na vida prática. Por exemplo: se um paraplégico me procura para receber orientação espiritual, pergunto: "O que deve fazer um paraplégico para andar sem as muletas?". Essa pergunta é um Koan aplicado à vida prática. Enquanto acreditar que é incapaz de andas sem se apoiar em muletas, a pessoa estará presa ao aspecto fenomênico. Se a pessoa não sabe a resposta, ordeno energeticamente: "Jogue as muletas!". Geralmente a pessoa replica: "Mas se jogar as muletas, eu caio!". Então digo: "Não importa que o corpo caia. Dentro de você existe algo que jamais cairá nem sucumbirá". A pessoa poderá cair e ficar estendida. Porém, ao compreender que seu "Eu verdadeiro" não é o corpo carnal sujeito à queda, mas sim "um ser que se mantém firme mesmo que o corpo caia", a pessoa muda completamente a sua visão. Ela deixa de se apegar ao corpo, deixa de buscar desesperadamente a cura da doença. Compreende que seu "Eu verdadeiro" não é o corpo carnal, mas sim a própria Vida, que é capaz de se manter sem se apoiar em coisa alguma. Assim, a cura ocorre quando a pessoa, mesmo vendo-se encurralada numa situação de dilema, transcende o fenômeno e apreende a Imagem Verdadeira da Vida.

Constatando a ocorrência de muitos casos de cura na Seicho-No-Ie, algumas pessoas pensam que nos empenhamos exclusivamente em curar doenças e comentam que a Seicho-No-Ie não é uma doutrina religiosa elevada. Devo esclarecer que a cura de doenças é um "efeito colateral" do despertar. O despertar consiste em transcender o aspecto fenomênico justamente numa situação de extrema dificuldade, quando parece não haver nenhuma saída. Portanto, uma vez que a pessoa tenha conseguido o despertar, por meio da religião, é natural ocorrer a cura. Este é o princípio fundamental da cura de doenças pela leitura do livro A Verdade da Vida.

Lendo esse livro, as pessoas transcendem o aspecto fenomênico e superam as situações aparentemente sem saída que às vezes ocorrem na vida prática. Nele consta o relato de minha vida, no qual narro como alcancei a salvação, transcendendo o aspecto fenomênico no momento mais difícil de minha vida, quando me encontrava numa situação aparentemente sem saída. Naquela época, não conseguia "caminhar com minha própria força". Meu corpo não estava tolhido, mas minha vida sim, e eu pensava que só poderia caminhar se contasse com o auxílio de uma "bengala", ou seja" de condições tais como: disponibilidade de tempo, melhor salário, bastante economia, etc. Eu ia trilhando a muito custo o caminho da vida, apoiando-me no modesto salário e na pequena economia, os quais constituíam a minha "bengala". Porém, quando um ladrão entrou em minha casa e me arrebatou essa "bengala", despertei da ilusão e me tornei capaz de sustentar-me com minha própria força". No momento crucial é que se abre o caminho da salvação – eis o ensinamento da Seicho-No-Ie.

A Seicho-No-Ie ensina que os atos norteados pela inteligência do eu fenomênico frequentemente levam a situações dilemáticas em que, ao beneficiar um lado da vida, é inevitável prejudicar o outro lado dela. Tais situações provocam angústias e aflições que podem se manifestar também sob forma de doenças. Para resolver situações dilemáticas, é preciso transcender o aspecto fenomênico e compreender, pela experiência, o que é o "dedo que se levanta, mesmo sem existir", o "entrevado que anda sem as muletas", o "som do bater de palmas, produzido por apenas uma das mãos", etc. Mesmo que se fique sem os dedos, as muletas, a mão, enfim, todo e qualquer apoio material, ainda é possível levantar os dedos, caminhar, ou bater as palmas – quando desperta para esta Verdade, o ser humano conhece a verdadeira liberdade da Vida.


Do livro: "A Verdade da Vida, vol. 33, pp. 25-39

terça-feira, outubro 27, 2015

Reverenciar a Vida - 2/3

- Masaharu Taniguchi - 


Até despertar para a Verdade, passei por muitas angústias e sofrimentos. Eu tinha uma ideia errônea a respeito da Vida. Influenciado pelas ideias de Schopenhauer e Darwin, eu pensava: "Para sobrevivermos, é inevitável sacrificar os outros. Somos seres perversos e cruéis que, para garantir nossa vida, destruímos a dos outros". Angustiado com essa visão de vida sombria, passei a buscar o caminho que conduzisse para uma vida harmoniosa. 

Por essa época, conheci a seita Ittoen, fundada pelo mestre Tenko Nishida. Fiquei impressionado com os seus ensinamentos e frequentei-a durante algum tempo. Soube que, no passado, o mestre Tenko Nishida trabalhou como capataz numa mina de carvão situada na província de Hokkaido. Sua posição era de intermediário entre o capitalista e os operários. Com o decorrer do tempo, ele passou a refletir acerca dessa situação: "Os capitalistas, sem fazer nenhum esforço e vivendo confortavelmente, ganham muito dinheiro, ao passo que os operários, desgastando-se num trabalho árduo e arriscando a própria vida nos locais perigosos da mina, só recebem modestos salários. Não posso continuar ganhando o meu sustento, servindo como representante dos que lucram muito sem fazer nada e pressionando ainda mais os operários que levam uma vida tão sofrida. Se, para ganhar o pão de cada dia, é inevitável submeter-me à lei da selva e oprimir os fracos, ajudando os poderosos, prefiro renunciar à vida". Assim pensando, demitiu-se e voltou para sua casa, na província de Shiga. 

E, tomando a decisão de nunca mais obter seu sustento por meio de atividades que impliquem em oprimir e prejudicar os outros, permaneceu durante três dias no caramanchão (construção utilizada em diversos espaços públicos, tais como parques, jardins, etc.), praticando o jejum. No terceiro dia, ouviu o choro de um bebê nas proximidades, e, como ele próprio estava faminto, pensou: "Com certeza, o pobrezinho está com fome e quer mamar". Daí a pouco, o bebê parou de chorar, e o sr. Nishida, percebendo que o pequenino fora atendido pela mãe, refletiu: "No ato de amamentação da mãe, a mãe e o bebê estão em perfeita harmonia, apesar de ser uma relação em que uma das partes é 'aquele que suga' e a outra é 'aquela que é sugada'. Não se trata, em absoluto, de uma relação em que um prejudica o outro. Se o bebê não sugar o leite da mãe, ela ficará com os seios intumescidos e sentirá dores; e se a mãe não conceder o leite ao bebê, ele definhará e poderá até morrer. No ato da amamentação, beneficiam-se mutuamente a mãe, que dá o leite, e o o bebê, que suga o leite. Essa é a verdadeira harmonia. Aquele bebê chorou porque estava com fome, e logo apareceu outra pessoa pronta a acudí-la, ou seja, a mãe. Eu também vou chorar para ser acudido". Assim pensando, o sr. Nishida deixou o caramanchão. 

Naturalmente, ele não saiu por aí, chorando de verdade; mas foi caminhando pelas ruas, buscando em sua alma a ajuda dos céus, como uma criancinha que busca o colo da mãe. À certa altura, viu muitos grãos de arroz espalhados no chão e catou-os. Nesse momento, passou uma senhora da vizinhança, carregando um balde 'água. "Que sorte!", pensou o sr. Nishida, e pediu-lhe que cedesse um pouco de água para lavar o arroz. Então, essa senhora não só concordou em ceder-lhe a água, como também convidou-o à sua casa e preparou-lhe uma canja com aquele punhado de arroz. Após servir-se dessa refeição, o sr. Nishida ofereceu-se para executar alguma tarefa em sinal de agradecimento. Constatando a eficiência do sr. Nishida, essa senhora perguntou-lhe se ele não poderia trabalhar durante algum tempo na loja que ela possuía. Ele concordou. Decorrido um mês, ela pediu-lhe que permanecesse mais algum tempo, e confidenciou: "Antes de o senhor vir trabalhar para mim, esta loja estava à beira da falência. Isto porque, após a morte do meu marido, os empregados da loja passaram a me tratar com pouco caso e tornaram-se muito negligentes. Mas depois que o senhor veio e deu um exemplo de dedicação e eficiência, eles passaram a trabalhar com afinco, e a loja se salvou da falência. Nem sei como lhe agradecer". Foi assim que o sr. Nishida iniciou uma vida dedicada ao "trabalho em benefício dos outros" que deu origem à Ittoen. 

Tomado de grande admiração pela Ittoen, frequentei-a assiduamente durante uma fase de minha vida, chegando a praticar a mendicância religiosa. Nessa fase, fui trabalhar numa casa de massas onde, juntamente com o sr. Tanino, membro da Ittoen, executava serviços humildes, inclusive o de lavar os mictórios. Tendo decidido fazer o possível para viver sem prejudicar os outros, eu levava uma vida de extrema simplicidade: possuía apenas uma pequena maleta contendo uma toalha e uma escova de dentes, e trajava um modesto quimono, amarrado na cintura com um pedaço de corda; e julgava estar vivendo como São Francisco de Assis. Mesmo assim, continuava sentindo peso na consciência. Não consegui deixar de pensar que, apesar de levar uma vida extremamente modesta, ainda causava dano a outros seres vivos, principalmente aos mais fracos, pois, no simples ato de respirar, ou no ato de beber água, estava matando os seres microscópicos contidos nesses elementos.

Contudo, nós, seres humanos, não podemos viver sem respirar ou sem beber água. Somos, portanto, predadores que sacrificam outros seres vivos para garantir a própria subsistência. Atormentado por essa ideia, cheguei a pensar que, não sendo possível sobreviver sem sacrificar outros seres vivos, seria preferível renunciar à minha própria vida. Porém, refleti que renunciar à vida seria matar a mim mesmo, e isso também seria a destruição de uma vida. "Não devo matar-me, nem matar outros seres vivos" – assim pensei, e ansiei por encontrar um meio de manter minha vida sem destruir a de outros seres.

Houve uma época em que a seita Ittoen criou seu próprio departamento de confecções e passou a vender, na cidade de Kyoto, roupas com preços muito mais baixos que os do mercado. Por causa disso, muitos alfaiates e lojas de confecções de Kyoto perderam seus fregueses e ficaram em dificuldade. O fato de a seita Ittoen ter criado um departamento de confecções e passado a vender roupas a preços muito baixos pode dar a impressão de que ela prestou um grande benefício à sociedade. Porém, isso acabou prejudicando muito alfaiates e lojas de confecções. Ao considerar esse fato, concluí que também o modo de viver da Ittoen não consegue evitar disputas e, portanto, não concretiza a verdadeira harmonia. Assim ponderando, não me converti totalmente à Ittoen. 

Foi nessa época que escrevi um livro de ensaios, sob o título Shodo-e (Buscando o caminho sagrado), o qual foi publicado por volta de agosto de 1923, pela editora Shinko-sha. Esse livro tinha como tema principal a teoria budista de "Criação do mundo pela ilusão". Eu apresentava, nesse livro, o seguinte ponto de vista: "Não é possível que Deus onipotente, onisciente e infinitamente misericordioso tenha criado este mundo imperfeito e cruel, onde é inevitável a destruição dos fracos pelos mais fortes. Este mundo surgiu a partir da ilusão, e é movido pela força cármica". Minha vida, nessa época, era triste e sombria. Mente sombria atrai destino sombrio. Assim, perdi praticamente tudo no grande terremoto de Tóquio, ocorrido em 1º de setembro de 1923, e voltei para Kobe, minha terra natal. Ali, passei a praticar a concentração mental todos os dias. 

Certo dia, durante a concentração mental, ouvi uma voz que veio do alto e soou como o ruído de um vagalhão: "O homem é filho de Deus" – proclamou a voz solene, como se fosse a voz do próprio Universo; e prosseguiu, soando como um vagalhão ou uma catarata: "O homem é filho de Deus. E este mundo é originalmente perfeito. A matéria não existe; a infelicidade e a pobreza também não existem. Tudo isso parece existir, mas não passa de projeção da mente em estado de ilusão. Eliminando-se as ilusões, extinguem-se todos os males manifestados no plano fenomênico como projeção da mente". Ouvindo isso, compreendi que a vida que vivemos neste mundo, ou seja, a vida fenomênica sujeita à cruel "lei da selva" – a lei do mais forte – não é a Vida verdadeira, e sim projeção de nossa própria mente. Compreendi que a Vida Verdadeira, a Vida da Imagem Verdadeira, é a que existe de verdade – não é mera projeção da mente e não está sujeita à lei da selva. É a Vida plena de harmonia, que não precisa empreender lutas cruéis para se manter. Esta, sim, é a nossa Vida verdadeira, que jamais se extingue. É esta a Vida que a Seicho-No-Ie reverencia.

Ouvindo a Voz misteriosa e solene que soou do alto e ecoou em minha mente como o ruído de um vagalhão, emergi da ilusão e compreendi que este mundo, em sua essência, é a Terra Pura – ou seja, o Paraíso – e todos nós, seres humanos, somos filhos de Deus (ou "seres búdicos", na linguagem do budismo). Compreendi que tanto eu próprio como todas as pessoas e todas as criaturas, estamos vivos graças a Vida de Deus que flui em nós, e que na linguagem do budismo, somos todos manifestações da Vida de Buda. Conta-se que Rinzai, um grande mestre Zen budista que viveu na China, no século IX, no instante em que alcançou o despertar espiritual, afirmou o seguinte: "Mesmo que se busque por todo o país, não se encontrará sequer uma pessoa que não esteja salva, pois, na essência todos são seres búdicos". Creio que Rinzai alcançou naquele momento o mesmo estado espiritual que eu alcancei quando aquela voz solene soou-me "como o ruído de um vagalhão".

A partir daquele instante, minha visão do mundo mudou completamente. Este mundo, que antes eu só conseguia ver com os olhos físicos e me parecia feio e cruel, revelou ser um mundo puro e luminoso, onde todos os seres convivem em perfeita harmonia e a própria Natureza é imagem de equilíbrio e harmonia. Tenho conhecido a Verdade, surgiu em mim o desejo de transmiti-la de algum modo a outras pessoas. Contudo, eu próprio ainda não era capaz de viver, na prática, a Verdade.

Continua...

Do livro: "A Verdade da Vida, vol. 33, pp. 19-25

domingo, outubro 25, 2015

Reverenciar a Vida - 1/3

- Masaharu Taniguchi -


Na Seicho-No-Ie, alcançam-se graças milagrosas pela leitura do livro A Verdade da Vida. Porém, isso é uma espécie de "efeito colateral". O objetivo principal da Seicho-No-Ie não é a obtenção de graças milagrosas, mas sim o despertar espiritual. Em outras palavras, a Seicho-No-Ie visa despertar a humanidade para a Imagem Verdadeira (aspecto e natureza originais) da Vida. Por essa razão, falamos constantemente acerca da Imagem Verdadeira. Uma vez explicado "o que é Imagem Verdadeira", torna-se fácil compreender os ensinamentos da Seicho-No-Ie.

O termo "Imagem Verdadeira" parece simples; mas segundo o Zen budismo, "Imagem Verdadeira não é algo que se transmite por meio da palavra escrita ou falada, e sim pela comunicação direta de mente para mente". Por isso, considerava-se muito difícil explicar "o que é Imagem Verdadeira". Nesta palestra, tentarei explicar, em curto espaço de tempo o que é "Imagem Verdadeira". Portanto, talvez alguns consigam entender, e outros não. Aqueles que assimilam os ensinamentos da Seicho-No-Ie alcançam muitas graças milagrosas, e isto se deve ao fato de que a Seicho-No-Ie prega a Verdade de tal modo, que as pessoas conseguem compreender facilmente "o que é Imagem Verdadeira". 

Devido à maneira simples e compreensível com que a Seicho-No-Ie explica a Imagem Verdadeira, até as pessoas que levam uma vida agitada no mundo atual conseguem alcançar facilmente o despertar espiritual. Então, como reflexo de nos tornarmos conscientes da plena liberdade da Vida, resultante desse despertar espiritual, passam a ocorrer na vida dessa pessoas fatos que, considerados com base no senso comum, parecem fenômenos estranhos ou milagrosos. Esses fenômenos são, por assim dizer, "efeitos colaterais" do despertar espiritual. Isto é, embora o objetivo da Seicho-No-Ie seja "despertar as pessoas para a Imagem Verdadeira" e não a realização de milagres, estes acontecem naturalmente como consequência do despertar.

Como é do conhecimento da maioria, não iniciei a Seicho-No-Ie com  a intenção de fundar uma seita religiosa. Nos princípios de 1930, publiquei pela primeira vez uma revista de cultura moral denominada Seicho-No-Ie, movido pelo ideal de divulgar à humanidade a Verdade que eu alcançara pelo despertar espiritual. Ao redigir artigos para essa revista, não tinha em mente promover cura de doenças, melhora da situação, lucro financeiro, obtenção de bom emprego, etc. Porém, à medida que a revista ia sendo difundida, aumentava o número de leitores que afirmavam ter recebido graças milagrosas. Assim, em dezembro de 1934 foi fundada uma sociedade anônima denominada Sociedade para a Difusão do Pensamento Iluminador com a finalidade de organizar os artigos publicados na revista Seicho-No-Ie e formar a coleção  A Verdade da Vida. Como foi possível iniciar tal empreendimento? No início, não passava de uma pequena empresa, com um capital de 250.000 ienes. Sua fundação foi possível graças à união de muitas pessoas que investiram dinheiro com o intuito de publicar exclusivamente obras de minha autoria. Essas pessoas tinham a certeza de que poderiam manter a empresa, mesmo sem publicar obras de nenhum outro autor. Creio que somente esse fato é suficiente para comprovar que as palavras da Verdade contidas da revista Seicho-No-Ie tinham o grande poder de movimentar pessoas.

Mas, afinal, o que é a Seicho-No-Ie e por que ela movimenta as pessoas de tal maneira? A Seicho-No-Ie não tem forma concreta. Na parte inicial do volume 1 de A Verdade da Vida constam "As Sete Declarações Iluminadoras". A primeira delas é a seguinte: "Declaramos transcender todo sectarismo religioso e, reverenciando a Vida, viver em fiel obediência à Lei da Vida".

Esta é a primeira declaração da Seicho-No-Ie, feita logo no início, antes mesmo de se tornar uma sociedade religiosa, como se apresenta agora. Talvez vocês pensem que a Seicho-No-Ie seja uma seita religiosa. Mas a declaração de que transcendemos todo sectarismo religioso já constava na contracapa do primeiro número da revista Seicho-No-Ie, de aspecto modesto, publicado em 1930. Desde o princípio manifestei publicamente o meu propósito de "transcender todo sectarismo religioso e, reverenciando a Vida, viver em fiel obediência à Lei da Vida", e até hoje venho mantendo essa mesma postura. 

Eu próprio considerava a revista Seicho-No-Ie como sendo de cultura moral e esperava que o público a acolhesse como tal. Porém, para minha surpresa, muitas pessoas alcançaram graças milagrosas por meio de sua leitura, razão pela qual ela não podia ser classificada como mera revista de cultura moral, de filosofia ou de literatura; assim, o público passou a considerá-la revista de cunho religioso., E, como se tratava de algo inédito, consideraram a Seicho-No-Ie como uma nova religião, e muitas pessoas tornaram-se devotas. Diante desse desenrolar dos acontecimentos, sinto-me, ao mesmo tempo, agradecido e um tanto constrangido.

A Seicho-No-Ie, coerente com a declaração de "transcender todo o sectarismo religioso", reverencia a essência de todas as crenças religiosas, ou seja, a Verdade comum a todas as religiões. Em última análise, todas as religiões que se mantêm até hoje, apesar das vicissitudes pelas quais passaram ao longo dos anos, pregam, em "linguagem religiosa" peculiar, a mesma Verdade preconizada pela Seicho-No-Ie. Excetuam-se, é lógico, certas seitas que pregam inverdades e, quando desmascaradas, acabaram se arruinando. Todas as religiões conduzem à mesma Verdade que a Seicho-No-Ie prega, quando se busca a sua essÊncia, sem se ater a expressões e atitudes sectárias que elas ostentem.

Mas, afinal, em que consiste a Verdade pregada pela Seicho-No-Ie? Para compreendê-la é fundamental entender o que significa "reverenciar a Vida", que consta no item 1 das Sete Declarações Iluminadoras. No budismo existe o termo Muryo-ju, que significa Vida infinita (muryo = infinita; ju = Vida). Jesus Cristo também ensinou que a Vida é eterna e exortou os homens a reverenciá-la, dizendo: "Aquele que crê em mim, tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida." (João, 6:47-48).

O que é Vida? Certamente, vocês todos têm consciência de estarem vivos. Sim, vocês estão vivos. Estão vivos porque têm Vida. Mas a Vida não está no corpo carnal em si. Suponhamos que se decepe um membro de um ser vivo e que nele se busque a Vida. Naturalmente, não a encontrará. Decepando-se sucessivamente outros membros e o tronco e analisando-os, também não se constatará em nenhuma dessas partes a presença da Vida. Pode ser que se constate a presença da "vida celular", mas ela não é Vida organizada que mantém vivo o ser. A primeira declaração da Seicho-No-Ie é no sentido de reverenciar a Vida, essa Força invisível e misteriosa que nos mantém vivos, e isso corresponde a "reverenciar muryo-ju" na linguagem do budismo, e a reverenciar o "pão da Vida", na linguagem do cristianismo. 

A palavra Vida, devido à sua ambiguidade, tem sido usada com diversos significados segundo o ponto de vista de vários filósofos e religiosos, e isso tem causado interpretações errôneas. Afinal, o que é essa energia misteriosa chamada Vida, que nos mantém vivos? Segundo Schopenhauer, e a "vontade irracional". Essa vontade seria a vida, que se empenha numa feroz luta pela existência. De acordo com essa teoria, pela "vontade irracional" incoerente e contraditória, uma vida luta contra a outra, a vida da espécie se confronta com a vida individual, a vida mais forte persegue, domina e acaba tragando a vida mais fraca – e por sim ela própria se extingue. A maioria das pessoas pensa da mesma forma. Também na Teoria da Evolução, de Darwin, a vida é tratada como algo sujeito à lei da selva, na qual os mais fortes devoram os mais fracos. Se nos propusermos a reverenciar a Vida partindo de tal ideia, teríamos que nos sujeitar à lei da selva.

Porém, a Vida que reverenciamos não é a vida manifestada no plano fenomênico, à qual se referem Schopenhauer, Darwin e muitos outros. Na Seicho-No-Ie, chamamos de "vida fenomênica" à Vida manifestada no plano fenomênico. Afirmamos que a vida fenomênica é apenas "manifestação da Vida" e não a Vida em si, que existe verdadeiramente. À Vida que existe verdadeiramente, chamamos de Imagem Verdadeira da Vida. Mesmo aqueles que são considerados grandes pensadores confundem a vida fenomênica com a Vida da Imagem Verdadeira. A vida verdadeira (A Imagem Verdadeira da Vida) existe por trás da vida fenomênica, mantendo-se intacta mesmo quando a vida fenomênica se extingue, e plena de harmonia mesmo quando a vida fenomênica se empenha na luta pela existência. Essa Vida é aquilo que, na linguagem do budismo, se chama "natureza búdica do ser"; na linguagem do cristianismo, poderia se chamar "natureza divina" ou "Cristo eterno" e, na linguagem do xintoísmo, é chamado de Kakurimi (Ser oculto, ou Ser invisível), como se pode constatar do Kojiki (Livro de Mitologia Japonesa). É o "Deus invisível" de que fala a doutrina cristã. A Seicho-No-Ie ensina a reverenciar esse Deus absoluto, invisível, e prega que, essencialmente, todas as religiões veneram o Deus único e verdadeiro.

Continua...


Do livro: "A Verdade da Vida, vol. 33", pp. 13-19

quinta-feira, outubro 22, 2015

O poder da palavra

Sathya Sai Baba


Cada pensamento e sentimento que emana de você é um reflexo de sua verdade interior. Infelizmente, ele se converte em falsidade pelo uso inadequado da fala. A língua é um dos cinco sentidos. Os sentidos são a causa das mudanças em nós. Eles são responsáveis pelo pecado ou o mérito que obtemos. A violência (Himsa) não se limita a ferir ou magoar os outros; na verdade, agir de forma contrária a suas próprias palavras também é violência. Lembre-se disto sempre: na verdade, não pode haver maior ahimsa (não-violência) do que usar nossa fala de uma maneira sagrada.

As palavras têm tremendo poder. Elas podem incitar emoções e podem acalmá-las. Elas comandam, enfurecem, revelam ou confundem. São forças poderosas que trazem à tona grandes reservas de energia e sabedoria. Tenha, portanto, fé no nome do Senhor e repita-o sempre que puder.

O som dos mantras (hinos védicos) tem o poder de transformar os maus impulsos e as más tendências. A palavra “mantra” significa aquilo que salva quando voltado para a mente. Mantenha sempre o mantra na mente: isto afastará o falar desenfreado, a conversa inútil, a intriga e o escândalo. Fale somente quando for totalmente necessário. Fale o menos possível.

Tudo o que você fala é um reflexo dos pensamentos internos. Tudo o que você faz é um reflexo da ação interior. Assim, agir de acordo com seu impulso interior é Dharma (Retidão). Falar o que você sente dentro de si é Sathya (Verdade). Refletir sobre o que você experimenta em seu coração é Shanti (Paz). Compreender adequadamente as sugestões do coração é Ahimsa (Não-violência). Consideração por tudo que emana do coração é Prema (Amor). Os cinco valores são, portanto, reflexos dos sentimentos que emanam do coração. Ser verdadeiramente humano significa ter completa harmonia entre pensamento, palavra e ação. Se houver divergência entre pensamento, palavra e ação, qual é o resultado? Ação infrutífera.


terça-feira, outubro 20, 2015

"Aquele que fala contigo..."

- Núcleo -


"Disse Jesus ao que era cego: Crês tu no Filho de Deus?
Ele respondeu, e disse: Quem é ele, Senhor, para que nele creia?
E Jesus lhe disse: Tu já o tens visto, e é aquele que fala contigo." (João 9:35-37)


A questão essencial é: Quem é o Filho de Deus para que Nele possamos crer?

O Filho de Deus respondeu presencialmente ao que era cego: É aquele que fala contigo!

Embora esta resposta tenha sido dada pelo Filho de Deus há aproximadamente dois mil anos, trata-se em verdade de uma revelação divina de validade atemporal.

Para aqueles que deixaram de ser cegos, a resposta à questão "Quem é o Filho de Deus para que Nele possamos crer" ainda continua sendo a mesma: É aquele que fala contigo!

Assim como de nada adianta “ter olhos e não ver”, também não adianta “ter ouvidos e não ouvir” que o Filho de Deus É aquele que fala contigo! E não ouvir nada do que Ele diz!

Assim, a questão agora não é com quem o Filho de Deus fala, mas sim, quem ouve o que está sendo dito! Pois, o próprio Cristo já revelou que Ele É aquele que fala contigo!

Perceba algo que está sendo enfatizado nesta revelação divina ao que era cego: Ele fala!

Deixar a condição dos que “têm olhos e não vêem” [ou seja, deixar a condição daquele que era  cego] é perceber que o Cristo já realizou o milagre em você e perceber que Ele fala contigo!

Enquanto a sua mente disser que Ele não fala com você, ou seja, enquanto continuar dando foco à percepção [mental] de que você não ouve a voz do Filho de Deus em você, não estará dando foco à percepção [consciencial] de que: Ele fala! Pois, Ele É aquele que fala contigo!

Atente ao fato de que esta é uma “percepção consciencial” que está sendo compartilhada com você! Ou seja, algo de validade atemporal e impessoal está sendo percebido e compartilhado. Note que o ensinamento do Núcleo é centrado nas próprias percepções e não em personagens que tem as percepções. 

A percepção consciencial é como uma interface entre o personagem e o Ser Real, ela está ao alcance do personagem mas pertence ao Ser Real e é o que possibilita a percepção da nossa real identidade. Por isso quando Simão Pedro respondeu que Jesus era em realidade o Cristo, o Filho do Deus Vivo, Jesus enfatizou que aquela percepção de Sua real identidade não veio da “carne e sangue”, ou seja, não veio da mente de Simão Pedro, porque a mente e os personagens estão na representação, mas aquela percepção veio da Realidade na qual está o Pai, enfim, veio dAquele que está no céu, a Realidade subjacente à representação! [Mateus 16: 15-16]

Essa passagem bíblica evidencia que os personagens podem ter “percepções conscienciais”, ou seja, os personagens podem perceber a Realidade; e evidencia também que esta percepção não vem de suas mentes, mas do próprio Ator, o Ser Real que subjaz a todos os personagens. E essa passagem revela também o quanto Jesus enfatizou esta percepção compartilhada por Simão Pedro, a ponto de declarar que sobre esta “pedra” [sobre esta percepção sólida como Pedra, ou seja, fundada na Realidade que é o Pai, o Ser Real] iria edificar sua Eclésia [comunidade dos que percebem o Real]. É para que todos percebam a realidade de Deus que as comunidades espirituais são criadas. Elas normalmente emergem em torno de personagens despertos que são aqueles que percebem, desfrutam e compartilham o que percebem da Realidade de Deus e possibilitam que outros personagens também percebam o Real, e que percebendo desfrutem essa percepção, e que a desfrutando a compartilhem com todos.

Sobre Céu e Terra há toda uma simbologia bíblica. Alguns personagens despertos compartilharam suas percepções a esse respeito. Vamos a elas!

Em Gênesis 1: 1 está escrito: “No Princípio, criou Deus os céus e a terra”.

Deus é próprio Princípio Divino no qual tudo expressa o que Ele É.

A palavra Princípio não deve ser entendida em termos temporais como “início dos tempos”, mas como Origem de tudo o que É, da mesma forma como está escrito em: “No Princípio era o Verbo”, significando que o Verbo, a Palavra, a Substância divina, expressa a Si mesmo, manifesta a própria origem ou Princípio divino e existe atemporalmente no Ser, em sua própria Realidade e Consciência.

Assim, criou Deus “no Princípio”, ou seja, criou em Si mesmo, em Sua própria Consciência, céu e terra; Realidade e Representação.

As duas criações divinas são, portanto, o céu, a “Realidade divina” e a terra, a “representação divina”.

A natureza de tudo que é criado na “Realidade divina” é eternidade; e, daquilo que é criado na “Representação divina” é a efemeridade.

Assim, observa-se que o homem criado à “Imagem e Semelhança” de Deus é descrito no capítulo 1 do Gênesis. Este é o homem real, eterno, é o chamado “Eu Verdadeiro”, a real identidade humana.

Em contraposição a esta real identidade humana, o homem criado na representação divina, terra, como descrito em Gênesis 2:7, foi formado do “barro”, ou seja, foi formado da própria substância da “representação divina”. Assim, sendo o homem formado da própria “representação divina” ele é também uma “representação divina” e,  portanto, efêmero como tudo na terra ou “representação divina”.

Importa ainda observar que o próprio “Deus” descrito no capítulo 2, que formou o homem do barro, não é o mesmo Deus que criou o homem a Sua Imagem e semelhança, mas sim, o “Senhor Deus”, que é o Senhor que atua como a Lei da representação divina, a Lei de causa e efeito.

Vale lembrar que dois personagens despertos, Masaharu Taniguchi e Joel Goldsmith compartilharam a mesma percepção consciencial de que Deus, Aquele Ser que é Amor e Vida Eterna, está descrito no capítulo 1 do Gênesis. Na Representação divina Ele aparece como “Senhor Deus” e atua como Lei, a Lei que rege a representação, a Lei de causa e efeito, como está descrito no capítulo 2 do Gênesis.

Na Representação divina Aquele que aparece como “Senhor Deus” fez a “árvore da Vida” e fez também a “árvore do conhecimento do bem e do mal”.

Sendo Deus Aquele que na representação divina aparece como “Lei de causa e efeito”, pelo fruto da “árvore da Vida” se faz perceptível a Realidade divina, e pelo fruto da “árvore do conhecimento do bem e do mal”, se faz perceptível a Representação divina. Desta forma, causa e efeito assim se relacionam: o fruto da “árvore da Vida” é a percepção da Consciência do Ser, que é unitária e a tudo vê como uma expressão do próprio Ser. Ao passo que o fruto da “árvore do conhecimento do bem e do mal” é a percepção da mente do personagem, que é dual, e a tudo vê como separado de si.

O que se deve notar é que embora tenha Deus criado céu e terra, Realidade e representação divinas, como descrito em Gênesis 1:1, as duas árvores e seus consequentes frutos, que representam as duas percepções, aparecem apenas na “representação divina”; ou seja, no céu [na Realidade divina] não há “árvore do conhecimento do bem e do mal”, não há “percepção mental”. É preciso adentrar à “representação divina” para se acessar á “árvore do conhecimento do bem e do mal”.

Nesse sentido alguns ensinamentos absolutistas afirmam que a realidade desconhece a ilusão. De fato, é impossível ao homem criado à “Imagem e Semelhança” do Criador, conforme descrito em Gênesis 1:27 [o Eu Verdadeiro], ser iludido pelo fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Assim, é evidente que a dualidade é uma ficção, é algo aparente e ocorre apenas quando o ator divino atua na “representação divina” – terra – assumindo uma identidade aparente, a identidade de um personagem, como se tivesse sido formado do “barro da terra”, como está descrito em Gênesis 2:7; ou seja, como se tivesse sido formado da substância [barro] da própria terra [representação divina], ou seja, o ator divino assume a identidade de um personagem na representação divina e passa a ver tudo como separado de si, o que faz da representação algo bastante realístico para a mente do seu próprio personagem.

Vale notar que Joel Goldsmith observou que através de Moisés a humanidade teve acesso ao “Senhor Deus”, isto é, ao Deus da representação divina, e assim a humanidade aprendeu como viver sob a Lei de Causa e Efeito, como se beneficiar da Lei que rege a terra. E observou que através de Jesus a humanidade teve acesso ao Deus Verdadeiro, ao Deus que é Vida Eterna e Amor.

Por sua vez, na representação Jesus declara ser o Filho de Deus e nos ensina como podemos ascender da Lei para a Graça! Ele afirma que não veio para revogar a Lei, mas sim para cumpri-la! E o cumprimento da Lei, Jesus revela que está condensado em dois mandamentos que são: Amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo!

O que Jesus está nos revelando é por si só algo divino e raramente enfatizado nos ensinamentos espirituais de quaisquer tradições do mundo! Ele está nos fazendo ver que mesmo estando imersos na representação é possível transcendermos a Lei de Causa e Efeito não a rejeitando ou a negando mas sim a cumprindo integralmente acessando a percepção da Consciência do Ser, a árvore da Vida, que é unitária e a tudo vê como uma expressão do próprio Ser.

Então, como os ramos são membros do próprio Ser que é a Videira, Jesus nos ensina a vê-lo de forma unitária, como partes do mesmo Ser único, revelando que ele é a Videira e nós somos os ramos!  E para ativarmos essa visão unitária, a visão da “árvore da vida” que está em nós ele ensina que: “O reino de Deus está dentro de vós.” Jesus também revela que: “Ninguém vai ao Pai senão por mim.” Todo seu ensinamento espiritual é no sentido de acessarmos essa “árvore da Vida” em nós, a fim de que possamos colher os seus frutos, que é percepção da Realidade Divina na qual semeador e ceifeiro são Um.

Amar é perceber de forma unitária. Por isso a ênfase na percepção de unidade se condensa naqueles dois mandamentos que são: Amar e amar!

Amar a Deus… sobre todas as coisas;
Amar ao próximo… como a ti mesmo.

A percepção que se deve ter destes dois mandamentos é essa:

Amar a Deus sobre [é perceber Sua onipresença subjacente a todas as aparências e interagir com Aquele que subjaz a] todas as coisas;

Amar ao próximo como [é perceber que Deus é Aquele que subjaz ao próximo como subjaz] a ti mesmo.

Deus é Amor. Sendo amor, Deus ama. Deus percebe. Por perceber que é amor, Deus ama. Amar é a forma como Deus percebe e age. No Núcleo é reiteradamente enfatizado o principio divino de que: “Não há percepção sem ação”. Se o Deus Verdadeiro é Amor e se Seu reino está EM nós, não há como acessar este reino EM nós sem amar, sem perceber de forma unitária, que é a forma de percebê-lO.

Por isso Jesus enfatizou os dois mandamentos e veio cumprir a Lei revelando como acessarmos a “arvore da Vida”, a visão de unidade representada pela parábola da Videira e os ramos.

É importante ainda observar que Jesus ora a Deus não para que nos tire deste mundo, desta representação, mas que nos livre do mal, da visão dual que é produzida pela árvore do conhecimento de bem e mal, pela qual Deus é visto apenas como o “Senhor Deus”, a Lei de causa e efeito, que castiga os maus e recompensa os bons. Por isso, a “figueira que não dá bons frutos”, Jesus mesmo a seca!

Por fim, se acessarmos a árvore do conhecimento de bem e do mal estaremos agindo sob os efeitos dos frutos dessa árvore, a saber, estaremos vendo apenas a representação e agindo “em pecado”, ou como enfatizou Masaharu Taniguchi, estaremos agindo com a visão encoberta (tsumi).

Nesse sentido, sabendo que os personagens que queriam testá-lo estavam agindo “em pecado”, ou seja, “com a visão encoberta”, Jesus disse: “Aquele que não estiver em pecado atire a primeira pedra”. Narra a Bíblia que nenhum deles foi capaz de atirar a pedra, pois, a palavra de Jesus foi dirigida aos próprios atores por traz daqueles divinos personagens. A Consciência divina de cada um deles lhes tornava conscientes de que seus personagens “agiam em pecado”, e que apenas o próprio personagem Jesus naquele contexto agia com a visão descoberta. Jesus deu ali uma lição prática de como acessar a “árvore da Vida”, a percepção unitária que está em nós, a percepção que fez com que cada um daqueles presentes naquela cena visse sobre si o que viam no “outro”.

Em síntese, mesmo estando na representação temos acesso direto à “arvore da Vida”, a essa percepção unitária que nos dá acesso ao reino de Deus, à certeza de que: “nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração.”

Enfim, Céu é a Realidade, aquilo manifestado pela atividade da Consciência do Ser – É fruto da “árvore da vida”, fruto da percepção consciencial.

Terra é a Representação, aquilo gerado pelo pensamento da mente do personagem – É fruto da “árvore do conhecimento de bem e mal”, fruto da percepção mental.

Dando foco à “árvore da vida”, a interface que está na representação mas que pertence ao Ser Real, você acessa em você mesmo, no Reino de Deus em você, a percepção do Filho de Deus, a percepção unitária, consciencial, dAquele que fala contigo!

Um último detalhe contido nesta passagem, não menos importante, é este: Disse Jesus ao que era cego: Crês tu no Filho de Deus?Note bem, o milagre já havia sido realizado, aquele divino personagem que era cego já havia sido curado por Jesus. Da mesma forma o mesmo já aconteceu com você, o milagre já se realizou em você, pois você tem acesso a esta percepção que agora está sendo compartilhada, assim como o cego já podia ver, você também já pode perceber! Você já pode perceber que O Filho de Deus É aquele que fala contigo.

Que todos os que eram cegos mas que agora podem ver, [ou seja, que todos os que não percebiam mas agora podem perceber] e que perguntam: “Quem é ele, Senhor, para que nele creia?” desfrutem a percepção da presença de Quem em si mesmos, no Reino de Deus, diz: Tu já o tens visto [já o tens percebido], Ele É aquele que fala contigo.

Namastê.


sábado, outubro 17, 2015

Experiência e Representação...

- Núcleo - 

Divinos personagens,

Sobre a postagem anterior, aquele que aparece como Mooji disse:

"Embora você seja essencialmente Consciência, experimentalmente você é uma 'pessoa'..."

Eis uma revelação divina cuja profundidade não deve deixar de ser notada por todos! O sentido deste comentário é enfatizar este ponto. 

Observe com muita atenção a percepção que Mooji está compartilhando!

Ele diz: "Você é essencialmente Consciência". Isso é tudo a ser dito sobre a Verdade, sobre Aquilo que É; nada mais haveria pra ser dito. É a Verdade e ponto. Jesus disse: "Eu Sou a Verdade". No Oriente se diz: "Eu Sou Aquilo". Sobre a Realidade não há nada mais a ser dito. 

Mas Mooji foi além! Ele revelou algo mais... 

Ele disse: "experimentalmente você é uma 'pessoa'..."

Eis o ponto a ser notado! Para os que acompanham os textos do Núcleo postados neste blog, essa é uma das sutilezas, um detalhe importante a ser cuidadosamente notado que está explícito no item 13 do esquema de duas colunas do ensinamento do Núcleo, no qual "experiência" está na coluna que expressa aspectos relacionados à pessoa, ao personagem, à mente, que percebe de forma dual, e não ao Ser, à Consciência, que percebe de forma unitária. 

Por isso Mooji diz: "Se você está percebendo a partir da posição ou identidade de uma 'pessoa', você sempre estará atrasado." 

Ou seja, identificando-se a si mesmo como pessoa [personagem] você terá uma "experiência", uma experiência de separação do Ser, e estará "atrasado", ou seja, fora de foco, fora do Agora. 

Mas é impossível estar separado do Ser [o que só é evidente a partir da percepção do Ser]! A menos que você esteja se percebendo a partir da posição ou identidade de uma "pessoa". A "representação" torna possível a "experiência de separação do Ser". Estando consciente da "Representação" você estará no mundo mas não será do mundo, você terá a experiência mas não será subjugado por ela, você estará no sonho mas não estará subjugado pelo que estará experimentando no sonho, pois em todo tempo saberá que é o sonhador!

É o que percebo, desfruto e compartilho.
Namastê!


quinta-feira, outubro 15, 2015

Aquele que está verdadeiramente aqui

- Mooji -

Algumas pessoas sentem que eu as estou ignorando.
Mas é só que eu não vejo você quando você está na pessoalidade.
Eu só vejo você quando você está se fundindo com a presença.
Somente então é que você entra em foco para mim.
E não é calculado.
Algo responde assim espontaneamente.

Como presença, eu subitamente vejo você em todo o lado.
E não é a sua presença, como pessoa, que eu vejo.
É a sua sua ausência, como pessoa, que me atrai.
Quando "você" está ausente pessoalmente, então eu sei Quem está aqui.
Eu amo Aquele que está verdadeiramente aqui.
Então você está mais perto do que o seu corpo pode conseguir.
Na verdade, nós não estamos próximos ou perto - nós somos Um.

Você pergunta: "O que fazer com as vasanas, as tendências latentes na mente? Elas vêm tão rápido, que não há espaço para observá-las."

Mas no puro estado de Ser, tudo está sendo automaticamente convertido, de negativo para positivo, de feio para belo, sem a intenção da mente. 
Tal é a Graça do Ser.
Ele não tem que acompanhar a velocidade dos reflexos negativos e condicionamento.
De facto, tal negatividade apenas se relaciona com aquele que está condicionado, a "pessoa".
A Consciência não é e não pode ser condicionada.
Se você está percebendo a partir da posição ou identidade de uma "pessoa", você sempre estará atrasado.

Embora você seja essencialmente Consciência, experimentalmente você é uma 'pessoa', porque é onde a sua identidade é viril.
E como "pessoa" você não tem poder.
Mas se você é Consciência, você nunca pode estar atrasado.
Nada é tão rápido que escape da Consciência.
A Consciência não tem de responder ou reagir a seja o que for.
Não existe nada com o qual ela possa ser comparada.
É a Consciência Suprema!
Ela não tem concorrentes, porque tudo está funcionando dentro do seu domínio e pela sua Graça.
É seu Ser incontestável.

Reconheça e seja um com ele.


terça-feira, outubro 13, 2015

Mantra Divino


Caros Amigos, apresento-lhes hoje este singelo, precioso, e maravilhoso mantra. É um mantra pequeno, mas que expressa uma Verdade de pureza e beleza incomensuráveis... e que não tenho palavras para descrever. Apenas agradeço profundamente a Deus por ser a Verdade tudo o que esse mantra expressa. Obrigado por sua Presença, obrigado por sua Graça, obrigado por sua Bondade, obrigado por sEu cuidado carinhoso, por Se revelar em tudo, e por ser a Fonte maravilhosa de tudo o que é. Convido todos a ouvirem este canto, atentos, se deixando envolver, meditando, contemplando, agradecendo, conscientizando e dando vida ao mantra, sentindo no Núcleo do seu ser o significado de cada palavra (e de cada pausa, espaço, silêncio) que o compõe. É a Verdade! Namastê. 


Ó Divino!
Tu és minha Mãe e Tu és meu Pai.
Tu és meu irmão e Tu és meu Amigo.
Tu és meu Conhecimento e Tu és a minha Riqueza.
Tu és o Todo de tudo, o Senhor de todos os senhores.





sábado, outubro 10, 2015

Tozan e os dois quilos de linho (Osho) - 2/2

- Osho -
Continuação... (veja a primeira parte, clicando aqui)


O mestre Tozan estava pesando linho no armazém.
Um monge aproximou-se dele e perguntou: "O que é Buda?"
Tozan disse: "Este linho pesa dois quilos".


Muitas coisas estão implícitas nesta história: primeiro, um mestre zen não é um recluso, ele não renunciou à vida; sim, ao contrário, ele renunciou à mente e entrou na vida.

Existem dois tipos de sannyasins (renunciantes, buscadores da verdade) no mundo: um tipo renuncia à vida e entra na mente completamente. São pessoas contrárias à vida, que fogem do mundo e vão para o Himalaia, para o Tibete. Elas renunciam à vida para serem completamente absorvidos pela mente; são a maioria, porque renunciar à vida é fácil, renunciar à mente é difícil.

Qual é a dificuldade? Se você quiser fugir daqui, pode fugir! Você pode deixar a esposa, os filhos, a casa, o trabalho, e ir para o Himalaia. Isso irá aliviá-lo porque você deixou para trás todo o fardo, pessoas e atividades que demandavam o gasto de suas energias. E o que você vai fazer no Himalaia? A energia toda vai se tornar mente: você vai repetir Ram, Ram, Ram, você vai ler os Upanishads e os Vedas, e você vai pensar em verdades profundas. Você vai pensar de onde veio o mundo, para onde o mundo vai, quem criou o mundo, por que ele criou o mundo, o que é bom e o que é mau. Você vai contemplar e pensar grandes coisas! A energia de toda a sua vida que estava envolvida em outras coisas será liberada delas, e agora será absorvida na mente. Você vai se tornar uma mente.

E as pessoas vão respeitá-lo porque você renunciou à vida. Você é um grande homem! Os tolos irão reconhecê-lo como um grande homem: os tolos podem reconhecê-lo somente se você for o maior deles e eles vão lhe prestar respeitos.

Mas o que aconteceu? Você renunciou à vida apenas para ser a mente. Você renunciou o corpo inteiro só para ser a cabeça – e a cabeça era o problema! Você salvou a doença, e renunciou a tudo. Agora a mente vai se tornar um tumor canceroso. Ela vai fazer um japa, mantra, austeridades... vai fazer tudo, e então a coisa toda vai se tornar um ritual. É por isso que as pessoas religiosas fazem rituais: ritual significa um fenômeno repetitivo. Porque a mente gosta de repetição, a mente cria um ritual.

Em sua vida cotidiana, também, a mente cria um ritual. Você ama, você se encontra com amigos, você vai a festas, tudo é um ritual, tem que ser feito repetido. Você tem um programa para todos os sete dias, e o programa é fixo... isso tem sido assim desde sempre. Você se tornou um robô, não vivo. A mente é um robô. Se você der muita atenção à mente ela vai absorver toda a sua energia.

Mas um mestre zen pertence à outra categoria de sannyasin. Eles renunciam à mente e vivem a vida; eles não renunciam à vida e vivem a mente – é justamente o contrário. Eles simplesmente renunciam à mente porque ela é repetitiva – e vivem a vida. Eles podem estar vivendo a vida de um chefe de família, pois podem ter uma esposa, podem ter filhos, vão trabalhar na fazenda, vão cuidar do jardim, vão cavar buracos, vão pesar linho no armazém...

Um hindu não pode entender por que um homem iluminado deve pesar o linho – por que? por que uma atividade tão comum? Mas um mestre zen renuncia à mente, vive a vida em sua totalidade. Ele abandona a mente e se torna simples existência.

Então, a primeira coisa a lembrar: se você renuncia à mente e vive a vida, você é um verdadeiro buscador da verdade; mas se você renuncia à vida e vive a mente, você é um falso buscador.

O caminho verdadeiro envolve paradoxos, e esta é a segunda coisa para lembrar: verdade, amor, vida, meditação, êxtase, felicidade, tudo o que é verdadeiro, belo e bom, sempre existe como um paradoxo: estar no mundo e não ser do mundo; estar com as pessoas e, ainda assim, sozinho; movendo-se e não se movendo; vivendo uma vida normal, e no entanto não se identificar com ela; trabalhar como todo mundo está trabalhando, mas permanecendo distante lá no fundo. Estar no mundo e não ser do mundo – eis o paradoxo. E quando você atinge esse paradoxo, o maior pico acontece a você: você experiencia a mais elevada realidade.

Os mestres zen vivem uma vida muito comum – muito etérea, espiritual, mas no mundo. Eles são pessoas mais belas do que qualquer outras. Nada como o Zen existe sobre a Terra, porque eles atingiram o mais elevado paradoxo.

"O mestre Tozan estava pesando linho no armazém."

Uma pessoa iluminada, um buda, pesando linho? Você teria simplesmente virado as costas. Por que fazer uma pergunta a esse homem? Se ele soubesse alguma coisa não estaria pesando linho. Porque você tem o conceito de um santo, um sábio, como algo extraordinário, muito além de você, em algum lugar no céu, sentado num trono de ouro, sem que você possa alcançá-lo. Ele é muito diferente: de tudo o que você pensa, ele é exatamente o oposto.

Um mestre zen não é de forma alguma extraordinário – e ainda assim ele é extraordinário. Ele vive uma vida muito comum assim como você, e ainda assim ele não é você. Ele não está em algum lugar no céu, ele está aqui, mas ainda assim além de você. Pesando linho, mas exatamente como Buda sob a árvore Bodhi. Na Índia, ninguém pode conceber a ideia de Mahavira pesando linho ou Buda pesando linho – impossível! Isso seria quase profano. O que Buda estaria fazendo num armazém? Que diferença haveria entre você e ele? Você também pesa linho, ele também está pesando linho, então qual é a diferença?

A diferença não está fora – e diferenças interiores não produzem nenhuma diferença no que diz respeito ao exterior. Você pode ir e se sentar sobre uma árvore bodhi – nada vai acontecer. E quando o interior muda, para que se preocupar com o exterior? Continue a fazer o que você estava fazendo. Continue a fazer o que se apresenta a você. Continue a fazer o que quer que seja a vontade do todo.

O mestre Tozan estava pesando linho no armazém.
Um monge aproximou-se dele e perguntou: "O que é Buda"...

No Budismo, essa é a maior pergunta a se fazer – assim como "o que é a verdade?" ou "o que é Deus?". Por que no Budismo Deus não é um conceito, Buda é Deus, nenhum outro deus existe. Buda é a mais elevada realidade, o pico mais alto, nada existe além dele. A verdade, Deus, o absoluto, brahman – seja qual for o nome que você dê a ele, Buda é isso.

Assim, quando um monge pergunta: "O que é Buda?", ele está perguntando o que é a verdade? o que é o Tao? O que é brahman? O que é esse um entre muitos? Qual é a realidade básica? Qual é o núcleo central da existência? Ele está perguntando tudo isso.

Tozan disse: "Este linho pesa dois quilos."

Absurdo. Irrelevante. Parece ser completamente inútil porque o homem estava perguntando: "O que é Buda?". E esse Tozan parece louco. Ele não está falando sobre Buda absolutamente, ele não respondeu à pergunta absolutamente – e no entanto respondeu. Esse é o paradoxo. Se você começar a viver esse paradoxo, a sua vida se tornará uma sinfonia, ela irá se tornar uma síntese cada vez maior de todos os opostos. Em você, então, todos os opostos se dissipam.

Tozan disse: "Este linho pesa dois quilos."

Uma coisa ele disse: que esta vida muito comum é Buda, essa vida muito comum é a verdade, essa vida muito comum é brahman, o reino de Deus. Não há outra vida senão essa; não existe aquilo, apenas isto. Os hindus dizem: "aquilo existe, isto é ilusão". Tozan disse: "Isto é verdade, aquilo é ilusão. Este momento é a verdade, e não peça por nada extraordinário."

Os buscadores sempre pedem algo extraordinário, porque o ego só se sente realizado quando algo extraordinário é dado. Você procurou um mestre e fez perguntas, e se ele diz essas coisas você vai pensar que ele é louco, ou está brincando, ou não é um homem digno de responder às suas perguntas. Você simplesmente vai fugir. Por que? Porque ele despedaça o seu ego completamente. Você estava perguntando sobre Buda, você estava desejando Buda, você gostaria de ser o próprio Buda – daí a pergunta. E esse homem diz: "Que absurdo você está perguntando! Nem vale a pena responder! Este linho pesa dois quilos. Isso é mais importante do que qualquer buda. Este momento, este linho é toda a existência. Nesses dois quilos de linho está centrado todo o ser do mundo – aqui e agora. Não se desvie, não faça perguntas filosóficas. Olhe para este momento."

Tozan fez uma coisa maravilhosa. Tozan é um Buda. Tozan pesando o linho é Buda pesando o linho – e a realidade é uma só! Tozan é Buda, e o linho também é Buda, e naquele momento ele pesava dois quilos. Essa era a verdade, a facticidade do momento. Mas se você está cheio de filosofia, vai achar que esse homem é louco, e você irá embora.

Isso aconteceu com Arthur Koestler, um dos intelectos mais sagazes do Ocidente. Ele se perdeu completamente. Quando ele foi para o Japão estudar o Zen, ele pensou: essas pessoas são simplesmente loucas – ou então estão brincando, não levam nada a sério. Ele escreveu um livro, Contra o Zen. O Zen parece absurdo. Se você não sabe a linguagem do Zen, ele é absurdo; se você se identificou demais com o pensamento lógico, ele é absurdo. É ilógico – que coisa mais ilógica você poderia encontrar em alguém perguntando "O que é Buda", e a pessoa respondendo que: "Este linho pesa dois quilos"?

Você pergunta sobre o céu e eu respondo sobre a terra, você pergunta sobre Deus e eu falo sobre uma rocha – não acontece um encontro. E ainda assim há um encontro – mas muitos olhos perspicazes são necessários, não intelectualmente astuciosos, mas sentindo-se totalmente perceptivos; não identificados com o raciocínio, mas esperando olhar, observar, testemunhar o que está acontecendo. Não aja com preconceito, mas fique com os olhos abertos. Koestler é preconceituoso... um intelecto muito sagaz pode resolver as coisas de forma muito lógica na tradição de Aristóteles, mas não sabe de nada, não sabe que existe o mundo absolutamente não aristotélico do Zen, onde dois mais dois não são necessariamente quatro; às vezes eles são cinco, às vezes eles são três – tudo é possível. Nenhuma possibilidade é descartada, todas as possibilidades permanecem em aberto, infinitamente abertas. e cada vez que dois e dois se encontram, algo mais acontece. O mundo continua aberto, desconhecido; não se pode esgotá-lo.

Veja: superficialmente esse homem é louco, mas lá no fundo não dá pra encontrar um homem mais saudável do que esse Tozan. Mas Koestler não vai perceber, e Koestler é um intelecto agudo, muito lógico; apenas algumas pessoas podem competir com ele em inteligência, mas ele não percebe. Neste mundo, a inteligência é um meio; naquele mundo a inteligência torna-se uma barreira. Não seja muito sábio, caso contrário você vai perder a sabedoria real. Olhe para este Tozan sem nenhum preconceito, sem nenhuma mente própria. Simplesmente olhe o fenômeno. O que está acontecendo?

Um monge discípulo pergunta: "O que é Buda?". E um mestre zen vive no momento. Ele está sempre aqui e agora, ele está sempre em casa; sempre que você vier vai encontrá-lo presente, ele nunca está ausente. Ele permanece neste momento. As árvores, o céu, o Sol, as pedras, os pássaros, as pessoas – o mundo inteiro está concentrado neste momento. Este momento é vasto. Não é apenas uma marca no seu relógio; o momento é infinito, porque neste momento, tudo existe. Milhões de estrelas, milhões de novas estrelas estão nascendo... muitas estrelas antigas vão morrer, toda essa extensão infinita de tempo e espaço se encontra neste momento. Assim, como indicar este momento? – e Tozan estava pesando linho –, como indicar este momento, trazer o monge para o aqui e agora? Como colocar esse filosófico questionamento de lado? Como chocá-lo e despertá-lo para este momento, e neste momento?

Isso é um choque – porque ele devia estar se questionando sobre Buda em sua mente, pensando: "Qual é a realidade de um buda? O que é a verdade". E ele deve estar esperando alguma resposta muito profunda, algo muito soberbo: "Este mestre é iluminado, então ele deverá dizer algo muito grandioso". Ele nunca esperou que seria uma coisa tão comum, uma pergunta tão comum e absurda. Ele deve ter ficado chocado.

Nesse choque você pode acordar por um instante, por uma fração de segundo. Quando você está chocado não consegue continuar pensando. Se a resposta não for algo revelante, o pensamento pode continuar, porque é isso que a mente pede: relevância. Se algo relevante for respondido para a pergunta, o pensamento pode continuar; mas se for dito algo que não se esperava, algo que seja absolutamente absurdo, descontínuo, e impactante, a mente não pode continuar. De repente a mente fica chocada, e a continuidade é rompida. Logo ela vai começar de novo, porque a mente vai dizer: "Isso é um absurdo".

Por um instante o monge deve ter ficado chocado, mas apenas por um instante. Se você não consegue encontrar relevância, imediatamente a mente vai dizer: "Isso é um absurdo!". Se você encontra relevância, a continuidade continua. Se há algo de absurdo, por uma fração de segundo existe uma descontinuidade, a mente não é capaz de lidar com o que foi dito. Mas logo se recupera, ela vai dizer que é um absurdo; a continuidade se reinicia.

Mas o choque, e a afirmação da mente de que é um absurdo, não são simultâneos. Há uma lacuna. Nesse intervalo, o satori é possível. Nesse intervalo, você pode ser despertado, você pode ter um vislumbre. Teria sido maravilhoso se a oportunidade tivesse sido aproveitada. Maravilhoso é esse homem Tozan, incomparável. Você não consegue encontrar um homem desses em qualquer outro lugar. E que resposta espontânea! Não é pré-fabricada, não é de modo algum uma resposta pronta; ninguém nunca tinha dito isto, e não há porque dizer isto agora. Ninguém jamais disse: "este linho pesa dois quilos", em resposta a uma pergunta sobre o estado de Buda.

Tozan é espontâneo, ele não está respondendo a partir da memória; pelo contrário, ele conhece as escrituras, ele era um grande estudioso antes de se iluminar... Ele sabe de cor todas as palavras de Buda, discutiu sobre a filosofia por muitos anos, ele sabe o que o monge está pedindo, ele sabe o que ele está esperando, mas ele é simplesmente espontâneo, pesando o linho.

Basta tentar imaginar e ver Tozan pesando o linho. Nesse momento o que pode ser mais espontâneo do que indicar a realidade do momento, a facticidade da existência? Ele simplesmente disse: "Este linho pesa dois quilos", e pronto!

Ele não diz nada sobre Buda, não há necessidade. Esse é o estado de Buda. Esse ser espontâneo é o estado de Buda. Esse ser verdadeiro com o momento é a condição de Buda.

O que ele diz é apenas uma parte; o que ele deixa de dizer é o todo. Se você despertar nesse momento você vai ver Buda pesando o linho – e o linho pesa dois quilos. O que ele está indicando? Ele não está dizendo muito, mas ele está indicando muito, e por não dizer muito ele está criando uma possibilidade: você pode, por um único instante, ficar consciente de toda a existência que está lá concentrada neste Tozan.

Sempre que um buda acontece no mundo, toda a existência encontra um centro ali. Então todos os rios caem nele, todas as montanhas se curvam para ele, e todas as estrelas se movem em torno dele. Onde quer que haja um homem iluminado, toda a existência converge para o seu ser. Ele se torna o centro.

Tozan pesando o linho nesse momento era o Buda: toda a existência convergindo, fluindo para Tozan, e Tozan pesando o linho – e o linho pesando dois quilos. Esse momento é tão real: se você acordar, se você abrir os olhos, o satori é possível. Tozan é espontâneo, ele não tem respostas prontas, ele responde ao momento.

Um homem iluminado vive no momento: se você pergunta, ele responde – mas ele não tem respostas fixas. Ele é a resposta. Então, qualquer coisa que aconteça naquele momento, simplesmente acontece; ele não manipula isso, ele não pensa sobre isso, sobre o que você está perguntando. Você simplesmente pergunta, e todo o ser dele responde. Naquele momento aconteceu de Tozan estar pesando o linho, e naquele momento aconteceu de o linho pesar dois quilos; e quando o monge perguntou "O que é Buda?", no ser de Tozan dois quilos de linho era a realidade. Ele estava pesando; no ser de Tozan dois quilos eram o fato. Ele simplesmente disse: dois quilos de linho.

Parece absurdo na superfície. Se você vai cada vez mais fundo, você descobre uma relevância que não é uma relevância lógica, e você encontra uma coerência que não é uma coerência da mente, mas do ser. Entenda, tente entender a diferença. Se na próxima vez que você procurar Tozan, ele estiver cavando um buraco no jardim, e você perguntar "O que é Buda?", ele vai lhe dar a resposta. Ele vai dizer: "Olhe para este buraco", ele vai dizer: "Ele está pronto, agora a árvore pode ser plantada". Da próxima vez, se você voltar, e se ele estiver saindo para um passeio com seu cajado, ele pode dizer: "Este cajado é de se fazer caminhada".

Qualquer coisa que esteja ali no momento será a resposta, porque um buda vive momento a momento – e se você começar viver momento a momento, você se torna um buda. Esta é a resposta: viva momento a momento e você se torna um buda. Buda é aquele que vive momento a momento, que não vive no passado, que não vive no futuro, que vive aqui e agora. Buda é uma qualidade de estar presente no aqui e agora – e a condição de buda não é um objetivo, você não precisa esperar, você pode se tornar simplesmente aqui e agora.

Falando, eu sou um buda, porque só o falar está acontecendo. Se só o ouvir estiver acontecendo aí do outro lado, com você, você é um buda ao ouvir. Tente captar um vislumbre do momento, neste momento. Este momento não é Tozan pesando o linho. Neste momento você não perguntou "O que é Buda?".

Neste momento você pode despertar. Você pode olhar, você pode agitar a mente um pouco, criar uma descontinuidade, e de repente você entende... o que Arthur Koestler não entendeu. Se você também é muito inteligente, você não vai entender. Não seja muito inteligente, não tente ser muito inteligente, porque há uma sabedoria que é atingida por aqueles que se tornam tolos; há uma sabedoria que é alcançada por aqueles que se tornam como loucos; há uma sabedoria que só é alcançada quando você se torna inocente.

Tozan é belo. Se você pode ver, e se você pode ver que a resposta não é um absurdo, você já viu, você entendeu. Mas se o entendimento permanece intelectual, não vai ser de muita utilidade. Eu expliquei isso a você, você entendeu, mas se o entendimento permanece intelectual – você entende com a mente –, mais uma vez você não vai entender. Koestler pode ser contra o Zen, e você pode ser a favor dele, mas nenhum de vocês dois vai entender. Não é uma questão de ser a favor ou contra, é uma questão de entendimento não mental. Se ele surge do coração, se você sente isso, não pense; se ele toca todo o seu ser, se ele penetra, e não é apenas uma coisa verbal, e não é apenas filosofia, mas torna-se uma experiência, isso vai transformá-lo.

Eu estou falando sobre essas histórias apenas para chocá-lo e tirá-lo da sua mente, apenas para levar você para um pouco mais perto do seu coração – e se você está pronto, então vá ainda mais a fundo. Quanto mais para baixo você for, mais fundo irá chegar... e, em última instância, a profundidade e a altura são a mesma coisa.

Basta por hoje.


quarta-feira, outubro 07, 2015

Tozan e os dois quilos de linho (Osho) - 1/2

- Osho -

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O mestre Tozan estava pesando linho no armazém.
Um monge aproximou-se dele e perguntou: "O que é Buda?"
Tozan disse: "Este linho pesa dois quilos".


A religião não está preocupada com perguntas e respostas filosóficas. Embora pareçam profundas, elas são tolas, e uma pura perda de vida, tempo, energia e consciência, porque você pode continuar perguntando e respostas poderão ser dadas – mas dessas respostas só irão surgir mais perguntas. Se no começo havia apenas uma pergunta, no final, através dessas muitas respostas, haverá um milhão de perguntas.

A filosofia não resolve nada. Ela promete, mas nunca resolve nada, todas essas promessas ainda não foram cumpridas. Ela continua prometendo, mas a experiência que pode resolver os enigmas da mente não pode ser alcançada através da especulação filosófica.

Buda era absolutamente contra a filosofia – nunca houve um homem mais contra a filosofia do que Buda. Através de sua própria experiência amarga, ele veio a entender que todas as profundezas da filosofia são apenas superficiais. Mesmo o maior filósofo permanece tão comum quanto qualquer um; nenhum problemas foi resolvido, nem mesmo tocado. Ele tem muito conhecimento, muitas respostas, mas continua a ser o mesmo velho homem... nenhuma nova vida lhe aconteceu. E o cerne, o núcleo da questão é que a mente é uma faculdade questionadora: ela pode fazer qualquer tipo de pergunta, e então pode se enganar respondendo-as. Mas você é quem pergunta, e você é aquele que as resolve.

A ignorância gera perguntas e a ignorância cria respostas – a mesma mente cria/atua em ambos os sentidos. Como pode uma mente questionadora chegar a uma resposta? No fundo, a própria mente é a pergunta.

Assim, a filosofia tenta responder às perguntas da mente e a religião parece a própria base. A mente é a pergunta, e a menos que a mente seja descartada a resposta não será revelada a você – a mente não vai permitir, a mente é a barreira, o muro. Quando não existe mente, você é um ser experienciando; quando a mente existe, você é um ser verbalizando.

Numa escola pequena aconteceu: havia uma criança muito burra, ela nunca fazia nenhuma pergunta e a professora também não dava atenção a ela. Mas um dia ela ficou muito animada quando a professora estava explicando um determinado problema de aritmética, escrevendo alguns número na lousa. A criança ficou muito animada, levantando a mão várias vezes; ela queria perguntar algo. Quando a professora terminou o problema, ela apagou os números na lousa, e ficou muito feliz vendo que pela primeira vez essa criança estava querendo perguntar alguma coisa, e ela disse: "Estou feliz que queira perguntar alguma coisa. Vá em frente, pergunte!".

A criança ficou de pé e disse: "Estou muito preocupado, e a pergunta não parava de vir à minha cabeça. Hoje eu decidi perguntar: para onde é que essas drogas de números vão quando a senhora os apaga?".

A questão é muito filosófica, todas as perguntas são assim. Muitos perguntam para onde vai um buda quando morre, a pergunta é a mesma. Onde está Deus? A pergunta é a mesma. O que é a verdade? A pergunta é a mesma. Mas você não pode sentir a idiotice escondida nelas, porque elas parecem muito profundas, e têm uma longa tradição – as pessoas as fazem desde sempre, e pessoas que você acha muito maravilhosas têm se preocupado com elas: teorizando, encontrando respostas, sistemas de criação... mas todo o esforço é inútil, porque só a experiência pode lhe dar a resposta, não o pensar. E se você continuar pensando, você vai ficar cada vez mais louco, e a resposta estará ainda mais longe.

Buda diz: Quando a mente para de questionar, a resposta acontece. É porque você está tão preocupado com as perguntas que a resposta não pode penetrar em você. Você está com um problema tão grande, você está tão perturbado, tão tenso que a realidade não pode entrar em você – você está tremendo tanto por dentro, tremendo de medo, com a neurose, com perguntas e respostas tolas, com sistemas, filosofias, teorias; você está entupido de coisas.

O Mulá Nasrudin estava passando por uma aldeia com seu carro. Multidões estavam reunidas, e ele ficou preocupado. Ninguém estava nas ruas, todo mundo estava recolhido num lugar qualquer. Então ele viu um policial e perguntou: "O que houve? Algo errado? O que aconteceu? Eu não vejo pessoas em lugar nenhum, trabalhando, circulando nas lojas.... elas estão reunidas em multidões!"

O policial não podia acreditar no que estava ouvindo, e disse: "O que você está perguntando? Houve um terremoto agora! Muitas casas caíram, muitas pessoas estão mortas!". Então o policial disse: "Eu não posso acreditar que você não tenha sentido o terremoto!".

Se um terremoto está acontecendo dentro de você o tempo todo, então um terremoto de verdade não será capaz de afetar você. Quando você está em silêncio, imóvel, então a realidade acontece. E o questionamento é um tremor dentro de você. Questionamento significa dúvida, dúvida significa tremor. Questionar significa que você não confia em nada – tudo se tornou uma pergunta, e quando tudo é uma pergunta existe muita ansiedade. Você já observou a si mesmo? Tudo se torna uma pergunta. Se você está infeliz, você faz perguntas. Mesmo se você estiver feliz, você faz perguntas – "Por que?". Você não pode acreditar que é feliz.

As pessoas me procuram quando passam por uma meditação profunda e têm vislumbres. Elas me procuram muito perturbadas porque – elas dizem – algo está acontecendo e não podem acreditar que isso está acontecendo a elas. Elas não acreditam que essa felicidade possa acontecer, deve haver algum mal entendido. As pessoas me dizem: "Você está me hipnotizando? Porque alguma coisa está acontecendo!". Elas não podem acreditar que podem ser felizes, alguém deve tê-las hipnotizado. Elas não podem acreditar que conseguem ficar em silêncio – "Por que? Por que eu estou em silêncio? Alguém deve estar me pregando uma peça!".

A confiança não é possível para uma mente questionadora. Assim que ocorrer uma experiência, a mente cria uma pergunta: "Por que?". A flor está lá, e se você confia, você vai sentir uma beleza, uma floração de beleza, mas a mente diz: "Por que? Por que essa flor é chamada de beleza? O que é beleza?"... você vai se desviar. Você está apaixonado, e a mente pergunta: "Por que, o que é o amor?".

Contam que Santo Agostinho disse: "Eu sei o que é o tempo, mas, quando as pessoas me perguntam, tudo se perde, eu não posso responder. Eu sei o que é amor, mas se você me pergunta 'O que é o amor', eu fico perdido, não posso responder. Eu sei o que Deus é, mas você me pergunta e eu fico perdido". E Agostinho está certo, porque a partir de profundidades não se pode perguntar, não se pode questionar. Você não pode colocar um ponto de interrogação num mistério. Se você colocar o ponto de interrogação, o ponto de interrogação se torna mais importante; então a pergunta encobre todo o mistério. E se você pensa que quando você tiver resolvido a pergunta vai viver o mistério, você nunca irá vivê-lo.

O questionamento é irrelevante na religião. A confiança é relevante. Confiar significa avançar para a experiência, rumo ao desconhecido, sem perguntar muito – passar por ela para conhecê-la.

Se eu digo a você que está uma bela manhã lá fora, você começa a me questionar sobre isso aqui dentro, fechado nesta sala, e você gostaria que todas as suas perguntas fossem respondidas antes de dar um passo lá para fora. Como posso lhe dizer, se você nunca soube o que é uma manhã? Só pode ser dito em palavras aquilo que você já conhece. Como posso dizer que há uma luz, uma bela luz se infiltrando entre as árvores, que todo o céu está cheio de luz, se você sempre viveu na escuridão? Se os seus olhos estão acostumados apenas com o escuro, como eu posso explicar a você o que é a luz?

Você vai perguntar: "O que você quer dizer? Você está tentando nos enganar? Vivemos a vida toda e nunca conhecemos nada sobre a luz. Primeiro responda nossas perguntas, e então se estivermos convencidos podemos sair com você, caso contrário parece que você está nos desviando do caminho, nos desviando da nossa vida protegida".

Mas como a luz pode ser descrita se você não sabe nada sobre ela? Mas é isso o que você está pedindo: "Convença-nos sobre a divindade, então vamos meditar, então vamos orar, então vamos buscar. Como podemos buscar antes dessa convicção? Como podemos sair em busca, quando não sabemos para onde estamos indo?"

Isso é desconfiança. E por causa dessa desconfiança você não consegue avançar rumo ao desconhecido. O conhecido se apega a você, e você se apega ao conhecido – e o conhecido é o passado morto. Ele pode parecer aconchegante porque você viveu nele, mas ele está morto, ele não está vivo. A vida é sempre o desconhecido batendo à sua porta. Siga com ela. Mas como você pode seguir sem confiança? E mesmo pessoas que duvidam pensam que têm confiança.

Uma vez aconteceu: O Mulá Nasrudin me disse que estava pensando em se divorciar da esposa. Eu perguntei: "Por que? Por que tão de repente?"
Nasrudin disse: "Eu duvido da fidelidade dela".
Então eu lhe disse: "Espere, vou perguntar à sua esposa".
Então eu disse à esposa dele: "Nasrudin está espalhando para todo mundo boatos de que você não é fiel, e ele está pensando em divórcio, então o que houve?"
A esposa disse: "Isso é demais. Nunca ninguém me insultou assim. E digo a você: eu já fui fiel a ele dezenas de vezes!".

Não é uma questão de dezenas de vezes – você também confia, mas dezenas de vezes? Essa confiança não pode ser muito profunda, é apenas utilitária. Você confia sempre que sente valer a pena. Mas sempre que o desconhecido bate você nunca confia, porque você não sabe se ele vai valer a pena ou não. A fé e a confiança não são uma questão de utilidade – elas não são utilitárias, você não pode usá-las. Se você quiser usá-las, você as mata. Elas não são de modo algum utilitárias. Você pode apreciá-las, pode usufruir delas, mas elas não valem a pena.

Elas não valem a pena nos termos deste mundo. Pelo contrário, o mundo inteiro vai olhar para você como um tolo, porque o mundo acha uma pessoa sábia somente quando ela duvida, o mundo acha que uma pessoa é sábia somente quando ela questiona, o mundo acha que uma pessoa é sábia somente quando ela avança um passo com convicção, e antes de estar convencida ela não dá nenhum passo. Essa é a astúcia, a inteligência do mundo – e o mundo chama essas pessoas de sábias!

Elas são tolas – pelo menos no que diz respeito ao Buda. Porque através da sua chamada sabedoria, elas perdem o mais grandioso, e o mais grandioso não pode ser utilizado. Você pode se fundir com ele, você não pode usá-lo. Ele não tem nenhuma utilidade, não é uma mercadoria; é uma experiência, é um êxtase. Você não pode vendê-lo, você não pode fazer negócio com ele – pelo contrário, você se perde nele completamente. Você nunca mais será o mesmo novamente. Na verdade, você nunca pode voltar: é um ponto sem retorno. Se você for, você vai. Você não pode voltar atrás, não há como voltar atrás. É perigoso.

Assim, apenas as pessoas muito corajosas podem entrar no caminho. A religião não é para os covardes. A religião é apenas para os muito corajosos, para aqueles que podem dar o passo mais perigoso – e o passo mais perigoso é o do conhecido para o desconhecido; o passo mais perigoso é o da mente para a não-mente, do questionamento para o não questionamento, da dúvida para a confiança.

Antes de entrar nesta pequena mas bela história, mais algumas coisas devem ser entendidas. Primeira: você só será capaz de compreender quando conseguir dar um salto, quando conseguir construir uma ponte, de alguma forma, do conhecido para o desconhecido, da mente para a não-mente. Segunda coisa: a religião não é uma questão de pensar; não é uma questão de pensar corretamente, que se pensar corretamente você vai se tornar religioso – não! Quer você ache certo ou errado, você permanecerá não religioso. As pessoas pensam que se você pensar corretamente vai se tornar religioso, e se pensar equivocadamente você vai se desviar.

Mas eu digo a você que, se você pensar, você vai errar – de maneira certa ou errada, não importa. Se você não pensar, só então você estará no caminho. Pense e você se perderá. Você já partiu numa viagem longa, você não está mais aqui e agora; o presente está perdido – e a realidade está apenas no presente.

Com a mente, você continuará se perdendo. A mente tem um mecanismo: ela se move em círculos, círculos viciosos. Tente observar a sua própria mente: a vida tem sido uma jornada, ou ela está apenas se movendo em círculos? Você está realmente avançando, ou apenas se movendo em círculos? Você repete a mesma coisa, vezes e vezes sem conta. Anteontem você estava com raiva, ontem você estava com raiva, hoje você está com raiva... e existe uma grande possibilidade de que amanhã você também vá ficar com raiva. E você sente que a raiva é diferente? Anteontem foi a mesma coisa, ontem foi a mesma coisa, hoje é a mesma coisa – a raiva é a mesma. As situações podem ser diferentes, as desculpas podem ser diferentes, mas a raiva é a mesma coisa! Você está avançando? Você está indo a algum lugar? Há algum progresso? Você está andando em círculos, chegando a lugar nenhum. o círculo pode ser muito grande, mas como você pode avançar, se anda em círculos?

Ouvi, uma vez, andando numa tarde... dentro de uma pequena casa, uma criança choramingava e dizia à mãe: "Mãe, eu estou farto de andar e círculos". A mãe disse: "Ou você cala a boca, ou eu prego no chão o seu outro pé também". Você ainda não está farto. Um pé está pregado na terra e, como essa criança, você está se movendo em círculos. Você é como um disco de vinil quebrado: o mesmo verso se repete, ele continua se repetindo.

Por que essa repetição? A mente é repetitiva, é um disco quebrado; a própria natureza dela é justamente a de um disco quebrado. Você não pode mudá-la. Um disco quebrado pode ser reparado, mas a mente não pode, porque a própria natureza da mente é repetir. No máximo você pode fazer círculos maiores, e com círculos maiores, você pode ter alguma impressão de estar avançando; com círculos maiores você pode enganar a si mesmo de que as coisas não estão se repetindo.

O círculo de uma pessoa compreende apenas 24 horas. Se você é inteligente, você pode fazer um círculo de 30 dias; se você é ainda mais inteligente, você pode fazer um círculo de um ano; e se você for ainda mais inteligente, você pode fazer um círculo de uma vida inteira... mas o círculo permanece o mesmo. Não faz nenhuma diferença. Maior ou menor, você anda no mesmo sulco, você volta para o mesmo ponto.

Devido a esse entendimento, os hindus chamaram a vida de uma roda – sua vida, é claro, não é a vida de um buda. Buda é aquele que saltou para fora da roda. Você se apega à roda, você se sente muito seguro lá – e a roda se move. Desde o nascimento até a morte ela completa um círculo. Nascimento novamente, morte novamente. Você vai e vem, e você faz muitas coisas – sem sucesso. Onde você se perde? Você se perde no primeiro passo.

A natureza da mente é a repetição, e a natureza da vida não é a repetição. A vida é sempre nova, sempre. A novidade é a natureza da vida, o Tao; nada é velho, não pode ser. A vida nunca se repete, ela simplesmente se torna a cada dia nova, a cada momento nova – e a mente é velha, por isso a mente e a vida nunca se encontram. A mente simplesmente se repete, a vida nunca se repete. Como podem a mente e a vida se encontrar? É por isso que a filosofia nunca compreende a vida.

Todo o esforço da religião é: como descartar a mente e passar para a vida, como abandonar o mecanismo repetitivo e entrar no mesmo sempre novo, sempre vivo fenômeno da existência. Esse é o ponto principal desta bela história: Tozan e os dois quilos de linho.

Continua...