- Masaharu Taniguchi -
Até despertar para a Verdade, passei por muitas angústias e sofrimentos. Eu tinha uma ideia errônea a respeito da Vida. Influenciado pelas ideias de Schopenhauer e Darwin, eu pensava: "Para sobrevivermos, é inevitável sacrificar os outros. Somos seres perversos e cruéis que, para garantir nossa vida, destruímos a dos outros". Angustiado com essa visão de vida sombria, passei a buscar o caminho que conduzisse para uma vida harmoniosa.
Por essa época, conheci a seita Ittoen, fundada pelo mestre Tenko Nishida. Fiquei impressionado com os seus ensinamentos e frequentei-a durante algum tempo. Soube que, no passado, o mestre Tenko Nishida trabalhou como capataz numa mina de carvão situada na província de Hokkaido. Sua posição era de intermediário entre o capitalista e os operários. Com o decorrer do tempo, ele passou a refletir acerca dessa situação: "Os capitalistas, sem fazer nenhum esforço e vivendo confortavelmente, ganham muito dinheiro, ao passo que os operários, desgastando-se num trabalho árduo e arriscando a própria vida nos locais perigosos da mina, só recebem modestos salários. Não posso continuar ganhando o meu sustento, servindo como representante dos que lucram muito sem fazer nada e pressionando ainda mais os operários que levam uma vida tão sofrida. Se, para ganhar o pão de cada dia, é inevitável submeter-me à lei da selva e oprimir os fracos, ajudando os poderosos, prefiro renunciar à vida". Assim pensando, demitiu-se e voltou para sua casa, na província de Shiga.
E, tomando a decisão de nunca mais obter seu sustento por meio de atividades que impliquem em oprimir e prejudicar os outros, permaneceu durante três dias no caramanchão (construção utilizada em diversos espaços públicos, tais como parques, jardins, etc.), praticando o jejum. No terceiro dia, ouviu o choro de um bebê nas proximidades, e, como ele próprio estava faminto, pensou: "Com certeza, o pobrezinho está com fome e quer mamar". Daí a pouco, o bebê parou de chorar, e o sr. Nishida, percebendo que o pequenino fora atendido pela mãe, refletiu: "No ato de amamentação da mãe, a mãe e o bebê estão em perfeita harmonia, apesar de ser uma relação em que uma das partes é 'aquele que suga' e a outra é 'aquela que é sugada'. Não se trata, em absoluto, de uma relação em que um prejudica o outro. Se o bebê não sugar o leite da mãe, ela ficará com os seios intumescidos e sentirá dores; e se a mãe não conceder o leite ao bebê, ele definhará e poderá até morrer. No ato da amamentação, beneficiam-se mutuamente a mãe, que dá o leite, e o o bebê, que suga o leite. Essa é a verdadeira harmonia. Aquele bebê chorou porque estava com fome, e logo apareceu outra pessoa pronta a acudí-la, ou seja, a mãe. Eu também vou chorar para ser acudido". Assim pensando, o sr. Nishida deixou o caramanchão.
Naturalmente, ele não saiu por aí, chorando de verdade; mas foi caminhando pelas ruas, buscando em sua alma a ajuda dos céus, como uma criancinha que busca o colo da mãe. À certa altura, viu muitos grãos de arroz espalhados no chão e catou-os. Nesse momento, passou uma senhora da vizinhança, carregando um balde 'água. "Que sorte!", pensou o sr. Nishida, e pediu-lhe que cedesse um pouco de água para lavar o arroz. Então, essa senhora não só concordou em ceder-lhe a água, como também convidou-o à sua casa e preparou-lhe uma canja com aquele punhado de arroz. Após servir-se dessa refeição, o sr. Nishida ofereceu-se para executar alguma tarefa em sinal de agradecimento. Constatando a eficiência do sr. Nishida, essa senhora perguntou-lhe se ele não poderia trabalhar durante algum tempo na loja que ela possuía. Ele concordou. Decorrido um mês, ela pediu-lhe que permanecesse mais algum tempo, e confidenciou: "Antes de o senhor vir trabalhar para mim, esta loja estava à beira da falência. Isto porque, após a morte do meu marido, os empregados da loja passaram a me tratar com pouco caso e tornaram-se muito negligentes. Mas depois que o senhor veio e deu um exemplo de dedicação e eficiência, eles passaram a trabalhar com afinco, e a loja se salvou da falência. Nem sei como lhe agradecer". Foi assim que o sr. Nishida iniciou uma vida dedicada ao "trabalho em benefício dos outros" que deu origem à Ittoen.
Tomado de grande admiração pela Ittoen, frequentei-a assiduamente durante uma fase de minha vida, chegando a praticar a mendicância religiosa. Nessa fase, fui trabalhar numa casa de massas onde, juntamente com o sr. Tanino, membro da Ittoen, executava serviços humildes, inclusive o de lavar os mictórios. Tendo decidido fazer o possível para viver sem prejudicar os outros, eu levava uma vida de extrema simplicidade: possuía apenas uma pequena maleta contendo uma toalha e uma escova de dentes, e trajava um modesto quimono, amarrado na cintura com um pedaço de corda; e julgava estar vivendo como São Francisco de Assis. Mesmo assim, continuava sentindo peso na consciência. Não consegui deixar de pensar que, apesar de levar uma vida extremamente modesta, ainda causava dano a outros seres vivos, principalmente aos mais fracos, pois, no simples ato de respirar, ou no ato de beber água, estava matando os seres microscópicos contidos nesses elementos.
Contudo, nós, seres humanos, não podemos viver sem respirar ou sem beber água. Somos, portanto, predadores que sacrificam outros seres vivos para garantir a própria subsistência. Atormentado por essa ideia, cheguei a pensar que, não sendo possível sobreviver sem sacrificar outros seres vivos, seria preferível renunciar à minha própria vida. Porém, refleti que renunciar à vida seria matar a mim mesmo, e isso também seria a destruição de uma vida. "Não devo matar-me, nem matar outros seres vivos" – assim pensei, e ansiei por encontrar um meio de manter minha vida sem destruir a de outros seres.
Houve uma época em que a seita Ittoen criou seu próprio departamento de confecções e passou a vender, na cidade de Kyoto, roupas com preços muito mais baixos que os do mercado. Por causa disso, muitos alfaiates e lojas de confecções de Kyoto perderam seus fregueses e ficaram em dificuldade. O fato de a seita Ittoen ter criado um departamento de confecções e passado a vender roupas a preços muito baixos pode dar a impressão de que ela prestou um grande benefício à sociedade. Porém, isso acabou prejudicando muito alfaiates e lojas de confecções. Ao considerar esse fato, concluí que também o modo de viver da Ittoen não consegue evitar disputas e, portanto, não concretiza a verdadeira harmonia. Assim ponderando, não me converti totalmente à Ittoen.
Foi nessa época que escrevi um livro de ensaios, sob o título Shodo-e (Buscando o caminho sagrado), o qual foi publicado por volta de agosto de 1923, pela editora Shinko-sha. Esse livro tinha como tema principal a teoria budista de "Criação do mundo pela ilusão". Eu apresentava, nesse livro, o seguinte ponto de vista: "Não é possível que Deus onipotente, onisciente e infinitamente misericordioso tenha criado este mundo imperfeito e cruel, onde é inevitável a destruição dos fracos pelos mais fortes. Este mundo surgiu a partir da ilusão, e é movido pela força cármica". Minha vida, nessa época, era triste e sombria. Mente sombria atrai destino sombrio. Assim, perdi praticamente tudo no grande terremoto de Tóquio, ocorrido em 1º de setembro de 1923, e voltei para Kobe, minha terra natal. Ali, passei a praticar a concentração mental todos os dias.
Certo dia, durante a concentração mental, ouvi uma voz que veio do alto e soou como o ruído de um vagalhão: "O homem é filho de Deus" – proclamou a voz solene, como se fosse a voz do próprio Universo; e prosseguiu, soando como um vagalhão ou uma catarata: "O homem é filho de Deus. E este mundo é originalmente perfeito. A matéria não existe; a infelicidade e a pobreza também não existem. Tudo isso parece existir, mas não passa de projeção da mente em estado de ilusão. Eliminando-se as ilusões, extinguem-se todos os males manifestados no plano fenomênico como projeção da mente". Ouvindo isso, compreendi que a vida que vivemos neste mundo, ou seja, a vida fenomênica sujeita à cruel "lei da selva" – a lei do mais forte – não é a Vida verdadeira, e sim projeção de nossa própria mente. Compreendi que a Vida Verdadeira, a Vida da Imagem Verdadeira, é a que existe de verdade – não é mera projeção da mente e não está sujeita à lei da selva. É a Vida plena de harmonia, que não precisa empreender lutas cruéis para se manter. Esta, sim, é a nossa Vida verdadeira, que jamais se extingue. É esta a Vida que a Seicho-No-Ie reverencia.
Ouvindo a Voz misteriosa e solene que soou do alto e ecoou em minha mente como o ruído de um vagalhão, emergi da ilusão e compreendi que este mundo, em sua essência, é a Terra Pura – ou seja, o Paraíso – e todos nós, seres humanos, somos filhos de Deus (ou "seres búdicos", na linguagem do budismo). Compreendi que tanto eu próprio como todas as pessoas e todas as criaturas, estamos vivos graças a Vida de Deus que flui em nós, e que na linguagem do budismo, somos todos manifestações da Vida de Buda. Conta-se que Rinzai, um grande mestre Zen budista que viveu na China, no século IX, no instante em que alcançou o despertar espiritual, afirmou o seguinte: "Mesmo que se busque por todo o país, não se encontrará sequer uma pessoa que não esteja salva, pois, na essência todos são seres búdicos". Creio que Rinzai alcançou naquele momento o mesmo estado espiritual que eu alcancei quando aquela voz solene soou-me "como o ruído de um vagalhão".
A partir daquele instante, minha visão do mundo mudou completamente. Este mundo, que antes eu só conseguia ver com os olhos físicos e me parecia feio e cruel, revelou ser um mundo puro e luminoso, onde todos os seres convivem em perfeita harmonia e a própria Natureza é imagem de equilíbrio e harmonia. Tenho conhecido a Verdade, surgiu em mim o desejo de transmiti-la de algum modo a outras pessoas. Contudo, eu próprio ainda não era capaz de viver, na prática, a Verdade.
A partir daquele instante, minha visão do mundo mudou completamente. Este mundo, que antes eu só conseguia ver com os olhos físicos e me parecia feio e cruel, revelou ser um mundo puro e luminoso, onde todos os seres convivem em perfeita harmonia e a própria Natureza é imagem de equilíbrio e harmonia. Tenho conhecido a Verdade, surgiu em mim o desejo de transmiti-la de algum modo a outras pessoas. Contudo, eu próprio ainda não era capaz de viver, na prática, a Verdade.
Continua...
Do livro: "A Verdade da Vida, vol. 33, pp. 19-25
2 comentários:
Texto esclarecedor!
"VIDA por trás da situação de vida" - usando esta frase emprestada do Eckhart Tolle.
Grato, Amigo Gustavo!
Obrigado por nos acompanhar, SERgio!
Em minha opinião, o verdadeiro aprofundamento, o clímax do texto, está na última parte.
Vale a pena a leitura das três partes!
Grato por seu comentário.
Namastê!
Postar um comentário