Eckhart Tolle
Tenho aqui duas traduções, que são as minhas favoritas neste momento. Vamos usar a de Stephen Mitchel, um livro sobre o Tao Te Ching, que é muito recente; e outra que tenho há muito tempo e que gosto muito é a de Gia-fu Feng e Jane English, eles o traduziram juntos. Essa é uma outra belíssima tradução. Hoje estarei usando a versão de Stephen Mitchell.
As primeiras duas linhas do Tao Te Ching são muito famosas, algumas vezes eu já as citei. Mesmo aí as traduções variam.
As duas primeiras linhas:
"O Tao que se pode expressar
não é o Tao eterno"
O que isso quer dizer é que não se pode falar sobre a realidade transcendental. Qualquer coisa que se diga a cerca dessa Realidade Última, é falso. Entretanto ele continua falando sobre isso. Como pode ser isso, então? Ele está dizendo para que nós não fiquemos presos a essas palavras, para que não creiamos nessas palavras, nesses conceitos; dessa forma elas não se converterão em crença. A Verdade é infinitamente maior que qualquer descrição que façamos dela, ou sobre ela.
Estas duas linhas são muito importantes: "O Tao que pode ser expressado (ou contado, ou falado) não é o Tao eterno". E, agora que isso está dito, posso contá-lo a vocês! Porque o Tao está em ti, e o único lugar em que podes descobri-lo é em você mesmo. O livro mostra a forma de descobrir Quem você é, mais além daquilo que você acredita ser, mais além daquilo que a sua mente está te dizendo quem você é.
O mais próximo que podemos chegar nessa definição de Tao é que ele é indefinível. E é isso que encontramos nas próximas linhas que vou ler agora; vocês devem escutar não só com a cabeça, mas com todo o seu ser. Porque não se pode entender só com a mente. Se puderem sentir o poder que existe nessas palavras, é porque estão sentindo o seu próprio poder, além da atividade mental.
"Já existia algo perfeito e sem forma antes do nascimento do Universo.
É sereno, vazio, solitário, imutável, infinito.
Eternamente presente. É a mãe do Universo.
Por não encontrar um nome apropriado, lhe dei o nome de Tao."
Notem que ele começa dizendo: "Havia algo perfeito e sem forma, antes do Universo nascer." Antes que surgisse a forma - antes do Big Bang -, podemos dizer. Reparem que ele usa o verbo no passado. E na seguinte linha ele diz: "é sereno, vazio, solitário". Não está se referindo ao que existia antes do nascimento do universo, e sim a Algo que permanece existindo fora do tempo, em ti mesmo. Isso que estava ali antes do Big Bang, segue sendo presente em você. É a Vida única, não-manifestada, a Consciência única, sem a qual não existirias. É a essência de quem és.
E claro, se dissermos isso a qualquer cientista materialista, ele dirá: "Mas que absurdo!". Ou se dizemos isso a alguém muito fechado, ele dirá: "Isso não faz sentido. Algo existir antes do Universo? Do que você está falando?".
Muito sabiamente, Mitchell cita um dos grandes cientistas, Albert Einstein. O que ele teria a dizer sobre isso? Einstein utilizou enormemente o pensamento, mas um pensamento que estava enraizado no silêncio. O pensamento, por certo, é uma parte essencial do Tao. Seu pensamento estava enraizado no Tao, no silêncio que está além do ruído mental. Deste lugar, dessa dimensão, surgiam os descobrimentos de Einstein. Ele não estava preso em seu ruído mental, como a maioria dos cientistas que negam a realidade do transcendental.
Einstein estava conectado com a realidade, e disse:
"O sentimento religioso dos cientistas toma a forma de um extasiado assombro, ante a harmonia da lei natural, que revela uma inteligência de tal superioridade que, comparada a esta, todos pensamentos sistemáticos dos seres humanos são apenas reflexo absolutamente insignificante. Este sentimento é o valor central da minha vida e do meu trabalho."
O reconhecimento de que existe uma Vasta Inteligência que está por trás de toda a criação. Isso está na flor. Isso a cria. Está em ti e em mim, inundando todo o espaço que nos rodeia. Surge através do cérebro humano, e este lhe dá forma; quando o cérebro não opera, deixa de mover-se através dessa forma. Trata-se da própria Consciência que você é.
Isto demonstra que Einstein estava conectado com essa dimensão, e por isso tinha essa inspiração em seu pensamento, por isso obteve descobrimentos repentinos.
Agora chegamos a algo um pouco mais amplo, está escrito em poucas linhas... nós iremos vendo aos poucos, umas linhas de cada vez.
Como viver Isso? Como estar em contato com Isso?
Irei ler a primeira sessão, e logo veremos mais detalhadamente algumas linhas. Ouçamos não só com o a mente intelectual, mas sentindo com todo nosso ser.
"Podes deslocar sua mente de suas inquietações e deixá-la nas mãos da unidade?
Podes deixar que seu corpo se torne tão sutil, como o de um bebê recém-nascido?
Podes limpar sua visão interior, até que somente vejas a luz?
Podes amar aos demais e guiá-los sem impor sua própria vontade?
Podes lidar com assuntos importantes, deixando que eles sigam seus caminhos?
Podes tomar distância de sua própria mente e entender tudo?
Dar a luz e nutrir?
Ter sem possuir?
Agir sem expectativas?
Guiar sem tentar controlar?
Esta é a suprema virtude.
Virtude significa "Poder". O poder flui através de você, se vives dessa maneira, se se transformar nisso. Se te das conta de que és uno com isso.
Vamos ao início: "Podes deslocar sua mente de suas inquietações...". Se prestar atenção em sua própria mente, verás que isso é o que você faz. Você vai de uma coisa a outra, de um pensamento a outro, e continua e continua indefinidamente... Chamamos isso de "voz em nossa cabeça".
"Podes deslocar sua mente de suas inquietações e deixá-la nas mãos da unidade?" Em outras palavras: É possível a você se sentar por um momento em silêncio, e não dar atenção a cada pensamento que diz: "Siga-me eu lhe mostrarei o caminho! Sou um pensamento importante!"? E uma vez que siga a um pensamento, chega outro e outro... é uma corrente que não termina. É assim que a maioria das pessoas vivem, imersos continuamente em sua tagarelice mental.
Vemos isso, inclusive, na literatura do século 20. Há um livro que se chama "A Corrente da Consciência", de James Joyce. Nele, você encontra trinta páginas seguidas sem nenhuma pontuação. A autora observava sua própria mente e anotava o funcionamento. Fazia sem nenhuma pausa, sem nenhum ponto, nem vírgulas, nem nada... "normal". (risos...)
Se você entende esse processo... é surpreendente que as pessoas não se percam nele, pois estão tão identificadas com a excessividade de pensamentos, que se convertem nisso. Elas dizem: "eu penso, eu sou isso." Na verdade são os próprios pensamentos que dizem isso, eles que dizem: "eu penso" (risos...)
E é assim que as pessoas perdem a vasta dimensão interior que está por baixo dos pensamentos, e é por isso que o Tao Te Ching diz para não darmos muita importância a esses pensamentos, e encontremos um descanso. E é por isso que o momento presente é tão importante, porque é ele que pode te tirar dessa corrente de pensamentos. Apenas se tornando atento a este momento. Não há muito no que pensar, basta permanecer sentado (atento) aqui.
O que poderia ser acrescentado a este momento, para que ele se torne melhor, e que já não esteja aqui? Ao olhar uma flor, porque agregar pensamentos a ela? Ou, ao olhar um outro ser humano, porque agregar pensamentos a esta percepção tão linda? Deixe nas mãos da Unidade. Quando deixa de estar sob o controle dos pensamentos e te dás conta de que existe um lugar dentro de ti que transcende ao pensamento, você se conecta com a Unidade. É somente através do pensar que surge a ilusão de separação. E é então começas a nomear as coisas - isso, aquilo, julgando as coisas... Não significa que já não possa mais fazê-lo, é apenas que já não estás preso a isso.
"Podes deixar que seu corpo se torne tão sutil, como o de um bebê recém-nascido?"
Quando você está imerso em pensamentos, seu corpo se torna rígido, pois ele espelha o que está se passado na mente. E, na maioria das vezes, o que se passa na mente é problema que a própria mente está criando. "Preciso pensar nisso, e naquilo..." Quanto mais problemático for um pensamento - e todo pensamento é problemático -, menos vida haverá em seu corpo. O fluxo de energia corporal diminui. Você se torna rígido, tenso, você se reprime.
"Podes deixar que seu corpo se torne tão sutil, como o de um bebe recém-nascido?". Lembre-se que esta é uma tradução livre; se você for levado em conta uma tradução mais literal, o que se diz aqui é: "Você pode concentrar seu Chi, ou energia vital, até que seu corpo se torne tão sutil como o de um recém-nascido?"
Este ensinamento pode ser chamado de Consciência Corporal. Pode você se interiorizar? Levar sua atenção até o interior do corpo, e sentir que você está vivo por dentro? Pode sentir a vitalidade em suas mãos? Pode sentir a vitalidade em seus pés? Pode sentir a vitalidade que inunda todo o corpo? Isso te tira da mente. Mesmo sentados aqui, vocês conseguem sentir isso?
Essa é uma prática taoista muito antiga, ela existe há milhares de anos, é quase tão antiga quanto o Tao Te Ching. Trata-se de respirar dos calcanhares até encima. É dito: "Você pode respirar dos calcanhares até encima?". Claro que não, porque não se podem aspirar com os pés. Mas o que eles querem dizer é para você dirigir sua atenção aos seus pés e imaginar que está respirando daí, que respiras pelos calcanhares. Isso é feito para torná-lo consciente. Comece na parte inferior de todo o seu campo energético. Quando imaginas que respiras desde os seus pés, a energia começa a fluir de baixo até encima. Ao imaginar que realmente se está respirando com os calcanhares, a energia da respiração fluirá pelo corpo. Uma prática muito antiga. (...)
"Podes limpar sua visão interior, até que somente vejas a luz?"
Aí dentro parece que existe algo obscuro, embora haja apenas luz. É somente a mente que "cria" o escuro. Então, o que significa "limpar a visão interior, até que só se veja a luz"?
Por "luz", está se referindo à Luz da Consciência. E "limpar a visão interior" significa silenciar a mente até o ponto em que se torne consciente da própria consciência. Até que você se torne consciente de que você é Consciência. E então você constata que essa Verdade é a que sempre permanece.
Este capítulo, em essência, trata sobre como estar no mundo e, ao mesmo tempo, conectado com a Fonte. Neste momento pode ser útil que te percebas como uma pessoa que não tem passado e um futuro. O que resta de você, aqui e agora, sem isso? O que resta é a Consciência, apenas sua presença. É simplesmente uma presença. Não uma opinião, ou memória. É a luz da consciência, e também é o Tao. Você não pode capturar isso, não pode convertê-la em um objeto de conhecimento e dizer: "Ah, aí está! Ali está, posso vê-la. É a luz da consciência!". Não! Você é a Luz da Consciência e, através dela, pode-se ver tudo. Não pode vê-la, nem tocá-la. Ela subjaz a tudo. É isso que cada um de nós somos em realidade. Dizer "sua presença"... isso não é de todo correto. Porque não existe uma presença para ser "sua", tu mesmo és isso. Há uma unidade nisso. Ao dizer "sua presença" parece que existe uma presença de um lado e a presença de outro por outro lado. Essa linguagem parece criar uma dualidade. E é por isso que o Tao Te Ching nos aponta como a mente, a linguagem, cria uma espécie de ilusão de separação.
"Podes amar aos demais e guiá-los sem impor sua própria vontade?"
Impor sua vontade, conforme outras traduções - já que estamos vendo distintas versões -, quer dizer: "Você pode viver neste mundo sem ser astuto?". Eu falo sobre isso em um dos meus livros, de como o ego é engenhoso, no sentido de que tenta levar vantagem para si mesmo, ou para "nós". Ele tem seus pequenos planos, tenta usar as pessoas. A maioria dos políticos são engenhosos, são espertos, apenas uns poucos são inteligentes.
Não se envolver em discussões inúteis... não se identificar com posições mentais de "estar certo" todo o tempo: "eu estou certo você está errado!". Essa energia te deixa afasta completamente de si mesmo; não discuta inutilmente. Esteja disposto a escutar, em um estado de abertura. Não se identifique com suas opiniões, já que assim acaba por se opor às opiniões dos outros.
"Podes lidar com assuntos importantes, deixando que eles sigam seus caminhos?"
Encontrei uma outra tradução, mais próxima da original, que em lugar de dizer "deixando que eles tomem seu caminho", diz: "convertendo-se em feminino". Podes lidar com os assuntos mais importantes, convertendo-se em feminino?
O princípio da feminilidade - e às vezes a palavra feminilidade é usada como sinônimo de Tao. Poderíamos dizer que o princípio feminino é o de "permitir ser", que é assim (neste instante E. Tolle faz movimento de "braços abertos") e o masculino é assim (faz movimento de "braços fechados"). De acordo com este ensinamento, o gênero feminino expressa o Tao mais claramente do que o masculino. É mais fácil de expressar o Tao através da forma feminina do que da masculina.
Se és masculino terás que descobrir a feminilidade (a receptividade) em si mesmo para ser uno com o Tao. Deves descobrir essa receptividade e permitir que a realidade seja aquilo que é. Quando digo "permitir a este momento ser como é", essa é a feminilidade. Não lute com aquilo que é: permita que seja, que haja aceitação.
Às vezes vêem-se estátuas de Kuan Nin com as mãos estendidas, como as da Virgem Maria. Todas são expressões da feminilidade. Tudo é acolhido, tudo é Universal.
Podes tu ser esse acolhimento, em qualquer situação?
Isso gera muitas discussões. Alguma mulher pode dizer: "Não gosto dessa ideia, quero ser poderosa!". Sem se dar conta de que o poder da feminilidade é enorme. O poder desse "permitir ser" é muito maior do que aquele que interfere.
Continua...
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