"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)
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quarta-feira, julho 22, 2020

A Natureza adora se ocultar (Osho)


“É melhor que as coisas não aconteçam às pessoas
Exatamente como elas querem.
A menos que você espere o inesperado,
Jamais encontrará a verdade,
Pois é árduo descobri-la,
É árduo atingi-la.
A natureza adora se ocultar.
O senhor cujo oráculo está em Delfos
Nem fala nem encobre – mas dá sinais.”

(Heráclito, 500 a.C)



- OSHO - 

A existência não tem linguagem e, se você depender da linguagem, não poderá haver comunicação com a existência. A existência é um mistério, você não pode interpretá-la. Se você interpretar, errará o alvo. A existência pode ser vivida, mas não pensada. Ela é mais como a poesia e menos como a filosofia. Ela é um sinal, uma porta. Ela mostra, mas nada diz.

É por isso que, por meio da mente, não há acesso à existência. Se você pensar sobre ela, pode continuar a pensar e a pensar, sobre isto e aquilo, mas nunca a alcançará – porque a barreira é precisamente o pensar.

Olhe, perceba, sinta, toque – e você estará mais próximo. Mas não pense. No momento em que entra o pensamento, você saiu da trilha e caiu num mundo particular. O pensar é um mundo particular, ele lhe pertence. Então você fica fechado, encapsulado, aprisionado dentro de si mesmo. Se não pensar, você deixa de estar, deixa de ficar fechado. Se não pensar, você se abre, fica poroso; a existência flui em você e você nela.

Mas a tendência da mente é interpretar. Antes de perceber algo, você já o interpretou. Você me ouve – mesmo antes de eu dizer algo, você já está pensando algo a respeito. É assim que o ouvir se torna impossível.

Você precisará aprender a ouvir. Ouvir significa estar aberto, vulnerável, receptivo, mas você não está de maneira nenhuma pensando. O pensar é uma ação positiva, o ouvir é passividade: você se torna como um vale, como um útero, e recebe. Se você puder ouvir, então a natureza fala – mas não é uma linguagem. A natureza não usa palavras. O que a natureza usa? Heráclito diz que ela usa sinais. Uma flor está presente – qual o sinal que ela transmite? Ela não está dizendo coisa nenhuma, mas você pode dizer realmente que ela não está dizendo coisa nenhuma? Ela está dizendo muito, mas não está usando nenhuma palavra – uma mensagem sem palavras.

Para ouvir a ausência de palavras, você precisará não ter palavras, porque somente semelhante pode ouvir semelhante. Ao sentar-se ao lado de uma flor, não seja um ser humano, seja uma flor; ao sentar-se ao lado de uma árvore, não seja um ser humano, seja uma árvore; ao tomar banho num rio, não seja um ser humano, seja um rio. E então, milhões de sinais serão transmitidos a você, e não se trata de uma comunicação, mas de uma comunhão. A natureza fala, fala em milhares de línguas, mas não em linguagem. Ela fala por meio de milhões de direções, mas você não pode consultar um dicionário a respeito, não pode perguntar a um filósofo o que ela quer dizer. No momento em que você começa a pensar o que ela quer dizer, já está se extraviando.

Um homem muito instruído, um crítico, foi visitar Picasso. Ele olhou para as pinturas de Picasso e disse: “São bonitas, mas o que você quer dizer com elas? Por exemplo, esta pintura, o que ela quer dizer?”

Picasso deu de ombros e disse: “Olhe para fora da janela – o que aquela árvore quer dizer? E aquele pássaro cantando? E qual é o sentido do alvorecer? E, se este todo existe sem significar coisa nenhuma, por que minhas pinturas precisam ter algum significado?”

Por que você pergunta pelo significado? Você quer interpretar, quer dar um padrão linguístico, quer comunicar, e não comungar. Não, a natureza não quer dizer coisa nenhuma. Ela está presente em sua glória total. Ela é um significado, mas não quer dizer coisa nenhuma. O significado é existencial. Olhe, observe, sinta, penetre nela, deixe que ela penetre em você – mas não faça perguntas. Se você quer fazer perguntas, entre numa universidade; você não pode entrar no Universo. Se você quer entrar no Universo, não pergunte – não há ninguém para lhe responder. Você precisará ter uma qualidade de ser totalmente diferente e, somente então, estará em contato com ele.

Há um relato sobre um mestre zen – um fenômeno muito raro, inacreditável, porque a mente se assusta – que estava fazendo uma pintura no palácio do rei. E o rei repetidamente lhe perguntava se ela já estava pronta.

O mestre dizia: “Espere um pouco mais, espere um pouco mais”.

Passaram-se anos e o rei disse: “Está levando muito tempo. Você não deixa nem mesmo eu dar uma olhada” – porque ele trancava o quarto em que pintava – “e estou ficando velho. Estou cada vez mais curioso para saber o que você está pintando. A pintura ainda não está pronta?”

O mestre respondeu: “A pintura está pronta, mas estou esperando você – você não está pronto. A pintura ficou pronta há muito tempo, mas esse não é o ponto. A menos que você esteja pronto, para quem eu a mostrarei?

A existência está aí, pronta, sempre esperando. A cada momento, a cada curva da estrada, logo na esquina, ela está sempre esperando e esperando. Ela tem uma paciência infinita – mas você não está pronto.

Diz-se que finalmente o rei ficou pronto e o pintor disse: “Tudo bem, chegou a hora”. Eles entraram no quarto – ninguém mais teve permissão de entrar. A pintura era realmente maravilhosa. Era difícil dizer se era realmente uma pintura – ela parecia real. O mestre fez uma pintura de colinas e vales que pareciam tridimensionais, como se existissem de fato. Entre as colinas havia um pequeno caminho levando a algum lugar.

Agora vem a parte mais intricada da história. O rei perguntou: “Esse caminho vai dar aonde?”

O pintor disse: “Ainda não andei por ele, mas espere, vou ver”. Ele entrou no caminho e desapareceu além das colinas e nunca mais voltou.

É isto o que significa um mistério: ele diz muitas coisas sem nada dizer.

Se você for à natureza para descobrir aonde ela vai dar, não fique de fora para perguntar, porque assim nada pode ser feito. Você precisa penetrar nela. Se você penetrar, nunca voltará, porque o próprio movimento em direção à existência... e você perde o seu ego, você desaparece. Você atingirá o objetivo, mas nunca voltará para relatar a história. O pintor nunca voltou. Ninguém voltou, ninguém pode voltar, porque quanto mais existencial você se tornar, mais seu ego se perderá.

A existência abre milhões de portas para você, mas você fica de fora e quer saber algo à respeito de fora. Na natureza, não existe fora. Tudo está dentro... porque como algo pode existir fora da natureza? O todo é o interior. E a mente está tentando o impossível, está tentando ficar de fora, observar, perceber o que ela significa. Não, você precisa participar, precisa entrar nela, se integrar e se dispersar como uma nuvem – em algum lugar desconhecido.

Agora preste atenção nestas palavras de Heráclito:

“É melhor que as coisas não aconteçam às pessoas exatamente como elas querem...”

Por que? Por que não seria melhor? Porque tudo o que você deseja está errado, pois você está errado – como você pode desejar ou querer algo certo? Para desejar algo certo, em primeiro lugar, você precisa estar certo. A partir da ignorância, tudo o que for desejado o levará a um inferno cada vez mais profundo, porque um desejo é parte de você, ele vem de você. Como algo diferente pode vir? Tudo o que vier será você. É por isso que seus desejos criam cada vez mais problemas. Quanto mais você desejar, mais problemas criará. Quanto mais satisfizer seus desejos, mais estará em dificuldades. Mas não há retorno, você precisa seguir em frente. Daí a insistência de todos os que sabem: para encontrar a existência, o primeiro ponto é entrar num estado de ausência de desejos.

Nada está errado em desejar; desejar, em si, é belo... se um Buda desejar. Mas você desejar? Como você pode desejar algo que o conduzirá ao estado de graça? Não – porque o desejo vem de você, ele é parte de você. Ele é uma continuidade e, se você estiver errado, o desejo estará errado. Ele continuamente repetirá você – em diferentes situações, é claro, em diferentes mundos, em diferentes planetas, em diferentes vidas, mas seu desejo repetirá você. Seu desejo não pode transformá-lo. É por isso que digo às pessoas: “Se você tem intenção de ser iniciado, se tem a intenção de dar um salto no desconhecido, não pense a respeito – deixe isso comigo”. Por que a ênfase em deixar comigo? Somente para que você não o deseje. Deixe que seja algo que não venha de você, porque tudo o que vier de você será você – modificado, colorido de maneiras diferentes, mas será você.

Se você for um negociante e deseja moksha, a libertação, isso será um negócio, e não pode ser de outra maneira. Você estará procurando lucros – no outro mundo, é claro, mas tudo o que vier de sua mente será a partir do seu passado. E uma quebra é necessária, uma completa cisão é necessária, uma cisão intransponível.

Esse é o significado de ir até um mestre e se entregar. O que você entrega? Você entrega o seu desejar – o que mais você pode entregar? Você não tem mais nada. Você diz: “Agora não desejarei. Agora diga algo e o farei”. Você está permitindo que uma outra coisa entre em seu passado. Se você disser: “Sim, estou convencido, estou pronto a ser iniciado”, a iniciação será inútil. Se a iniciação acontecer a partir da sua convicção, ela não tem sentido. Mas este é o problema: primeiro você gostaria de ser convencido, primeiro gostaria de argumentar a respeito. Sua mente gosta de decidir.

Pessoas me procuram e dizem: “A menos que o desejo nasça em nós, como poderemos dar o salto?” Mas o problema é precisamente esse. Continuamente você tem desejado a partir de você mesmo, por muitas vidas, e isso não o levou a lugar nenhum – não pode levar. Você pode perceber o ponto? Você está errado, você deseja, e o desejo está errado. É isto. Você está errado, você acredita, e a crença está errada.

Você ouviu falar do rei Midas? Tudo o que ele tocava transformava-se em ouro. Tudo o que você toca, mesmo se for ouro, imediatamente se transforma em poeira. A questão não é um desejo correto ou incorreto. A questão não é um ato correto ou incorreto. Não existe tal coisa como um ato correto ou incorreto, e não existem desejos corretos ou incorretos. Existe somente um ser que deseja. Se ele for ignorante, tudo o que vier dele será incorreto. E, se o ser que deseja não for ignorante, algo totalmente diferente nasce a partir dele.

Lembre-se: o ser importa, e somente o ser importa – e nada mais.

“É melhor que as coisas não aconteçam às pessoas exatamente como elas querem...”

Pare de querer! Você tem vivido em infernos porque tem desejado. Pare de desejar! Pare de desejar e as portas se abrem. O desejo reforça a sua mente.

Tente entender a natureza do desejo. Desejar significa projetar o seu passado no futuro. E o futuro é desconhecido, e tudo o que você pedir será a partir do passado. Todo desejo repetirá continuamente o passado. Como você pode desejar o desconhecido? Como pode desejar o que está no futuro? Você não o conhece. O futuro é o desconhecido, o passado é o conhecido. Se você desejar será a partir do passado.

Mulla Nasruddin estava em seu leito de morte. Alguém lhe perguntou: “Se você nascer de novo, gostaria de viver de modo novo, ou gostaria de ter a mesma vida?”

Mulla ruminou bastante e, finalmente, abriu os olhos e disse: “Sempre quis partir o cabelo ao meio. Essa seria a única mudança. Eu sempre penteio o cabelo para a direita, e sempre quis parti-lo ao meio. Quanto ao resto, tudo seria igual ao que é”.

Parece estúpido, mas é assim que acontece. Se você pensar, se um outra chance for dada a você, o que você faria? Todas as mudanças que você gostaria de fazer não seriam mais do que o pedido de Mulla. Elas seriam apenas partir o cabelo ao meio. Você gostaria de ter uma outra mulher – mas que diferença faria? Você gostaria de ter outra profissão. Que diferença isso faria? Não seria mais do que partir o cabelo ao meio.

Você não pode pedir o passado, e o futuro é desconhecido. Por você ficar pedindo o passado, caminha num círculo vicioso. Esse círculo é o mundo, o sansar, o ir e vir, o nascer de novo e o morrer de novo. Repetidamente você faz a mesma coisa. Nenhuma mudança básica! Não pode haver, porque tudo o que você pensar, pensa a partir do conhecido. O conhecido é o seu passado. Então, o que fazer? Não deseje. Deixe que o futuro venha sem desejá-lo. O futuro virá – ele não precisa ser desejado. Ele já está vindo! Você não precisa forçar as suas projeções sobre ele. Seja passivo, não seja ativo a respeito. Deixe que ele venha. Não peça nada – esse é o significado da ausência de desejo. Não se trata de sair do mundo, de renunciar ao mundo e ir para o Himalaia – todas essas coisas são imaturas.

Partir, renunciar, significa não desejar – e esperar sem qualquer desejo, apenas esperar: “Tudo o que acontecer, serei uma testemunha”. Se você puder esperar sem desejar, tudo acontecerá a você – e acontecerá a partir da totalidade, do todo, do próprio Deus. Se você pedir, se desejar, acontecerá, mas acontecerá a partir de você mesmo. Você se fecha em si mesmo e nunca permite que a existência lhe aconteça.

“É melhor que as coisas não aconteçam às pessoas exatamente como elas querem...”

Heráclito diz: “É bom que as coisas não aconteçam como você quer.” Essa é a única possibilidade para o seu despertar. Por isso ele diz que é bom – porque, se todo desejo fosse satisfeito, você ficaria completamente em coma, pois em você não haveria mais perturbação. Você desejou riquezas e as riquezas estão aí; você desejou belas mulheres e belas mulheres estão aí; você desejou sucesso e o sucesso está aí; você desejou uma escada para alcançar o paraíso e a escada está aí. Você ficaria em coma, estaria num sonho. Se tudo fosse satisfeito, você jamais tentaria procurar a verdade. Não haveria intervalo para você... porque somente a miséria, dukkha, a infelicidade, o inferno que você cria à sua volta o ajudará a despertar. Isso o chacoalha para acordá-lo.

Na mitologia hindu está escrito que, num paraíso de deuses, todos os desejos são satisfeitos imediatamente, sem nenhum intervalo de tempo. Na concepção hindu do paraíso, existem árvores que satisfazem os desejos, kalptarus. Você se senta sob elas e deseja qualquer coisa, e sem nenhum intervalo de tempo... aqui você deseja e aqui recebe. Nem mesmo um único momento é perdido. Você pede uma bela mulher e ela aparece. Mas esses deuses devem estar vivendo em sonhos, devem estar vivendo drogados.

Os hindus dizem que do paraíso não há caminho que leve à verdade. Isso é muito belo. Eles dizem que, se um deus deseja se libertar completamente, terá de vir à terra. Por que? Porque no paraíso não existe infelicidade, não existe miséria para despertar alguém. Trata-se de um sono longo e tranqüilo, onde os sonhos são continuamente satisfeitos. Se todo sonho é satisfeito, porque o sonhador deveria abrir os olhos? Mesmo os deuses precisam vir à terra, e somente então podem ser libertados. Essa é uma concepção rara. Os cristãos não têm esse tipo de concepção; o paraíso deles é a última coisa. Mas os hindus dizem que ele não é a última coisa – ele é apenas um estado de sono bom e belo. Bom, belo, longo, muito longo, pode durar milhares de anos, mas é um estado de sonho. Para os deuses serem libertados, eles precisam descer de volta à terra. Por que à terra? Porque na terra existe miséria, dor, angústia... e somente a angústia é necessária. Somente isso pode sobressaltá-los e tirá-los de sua soneca.

“É melhor que as coisas não aconteçam às pessoas exatamente como elas querem...”

Uma coisa ou outra sempre sai errada, e isso é belo! Se nada sair errado, se tudo o que acontecer for o que você gostaria que acontecesse, quem desejaria a verdade, quem procuraria a existência, quem desejaria a liberdade, a liberdade total, moksha? Ninguém!

Por meio das drogas, as pessoas estão tentando ser como deuses do paraíso hindu. Você fuma maconha ou haxixe, ou toma LSD, e entra num estado de sonho, um belo estado de sonho, e fica sob uma árvore que satisfaz seus desejos. As drogas são contra a verdade, porque a verdade necessita de um despertar – despertar do passado, despertar dos sonhos, despertar de seus desejos para perceber toda a falsidade que você criou à sua volta e para abandoná-la. E abandoná-la sem nenhum esforço, apenas perceber que ela está errada e abandoná-la.

Lembre-se: se você fizer muito esforço para abandoná-la, o próprio esforço o torna feio. A compreensão não precisa realmente de muito esforço. Você compreende algo, percebe a realidade e o abandona. Você não pode perceber que está infeliz devido a seus desejos? Isso é algo para argumentar, algo a se convencer? Você não pode perceber isso? É muito claro que a partir dos desejos você criou um inferno. Então, por que se esforçar? Num puro e intenso momento de compreensão, por que não abandoná-los imediatamente? E, se você puder abandoná-los imediatamente, terá uma beleza e uma graça. Você não encontrará essa graça nos pretensos monges. Por todo o mundo, você não encontrará essa graça nos monges católicos, hindus e jainistas, porque eles estão tentando abandonar os desejos. O próprio esforço de abandonar mostra que eles ainda estão apegados; senão, por que se esforçar? Eles gostariam de parar de desejar, mas esse também é um desejo – e por isso há esforço. Eles se apegam e gostariam de abandonar os desejos. Eles não atingiram um momento de compreensão, um momento de verdade.

Todo o meu esforço para com você é levá-lo a um momento de compreensão no qual o esforço seja inútil. O entendimento é tão intenso, tão ardente, que tudo simplesmente se incendeia. Você percebe, e sua própria percepção se torna o abandonar.

Isso é possível, aconteceu comigo e pode acontecer com você. De maneira nenhuma sou excepcional; sou apenas uma pessoa comum. Se aconteceu comigo, uma pessoa comum, por que não com você? Simplesmente faça uma busca intensa em direção à compreensão. Compreensão é transformação, é mutação, é revelação. A compreensão liberta.

Preste atenção nestas palavras:

“É melhor que as coisas não aconteçam às pessoas
exatamente como elas querer.
A menos que você espere o inesperado,
jamais encontrará a verdade,
pois é árduo descobri-la
e é árduo atingi-la.”

Deixe que estas palavras entrem no seu coração:

“A menos que você espere o inesperado, jamais encontrará a verdade...”

Porque a verdade não pode ser sua expectativa. Tudo o que você esperar será uma mentira, uma projeção, uma parte de sua mente. Não, a verdade não pode ser prevista. Ela o toma de surpresa. Na realidade, ela vem quando você não espera por ela. Ela é uma iluminação repentina.

A expectativa significa que o seu conhecido se projeta no futuro, no desconhecido. Por isso, digo que, se você for cristão, hindu, budista ou jainista, errará o alvo – pois o que significa ser cristão? Significa uma expectativa cristã, significa um Deus visto por meio de olhos cristãos, significa uma concepção, uma filosofia. O que significa ser hindu? Significa um sistema de crença. Isso lhe dá uma expectativa, você espera um Deus, espera a verdade. A verdade será de uma certa maneira, o Deus será de uma certa maneira – a face, a figura, a forma, o nome que você esperou. Sua expectativa é a barreira, porque Deus é o inesperado, a verdade é o inesperado. Ela nunca foi teorizada, nunca foi trazida à linguagem e não pode ser forçada em palavras; ninguém jamais conseguiu e jamais conseguirá. Ela permanece o inesperado! Ela é uma estranha.

Sempre que Deus bater à sua porta, você não encontrará uma face familiar, não. Ele é o não-familiar, o estranho. Você nunca pensou sobre ele, nunca ouviu falar sobre ele, nunca leu sobre ele. Apenas o estranho... E, se você não pode aceitar o estranho, se pedir o familiar, a verdade não é para você. A verdade é uma estranha, ela vem sem dar aviso de que está vindo, ela vem quando você não está esperando, não está aguardando.

Lembre-se disto: as pessoas meditam continuamente, e isso é uma necessidade, mas a verdade nunca ocorre na meditação. Ela acontece fora. Mas a meditação ajuda-o, deixa-o alerta, faz com que você fique atento, faz com que você fique cada vez mais perceptivo e consciente. E subitamente, em algum lugar... ela acontece em momentos inesperados, você não pode entender o motivo de Deus escolher momentos tão inesperados.

Uma monja está carregando água, a alça de bambu quebra e o pote de barro cai e a água escorre... e, repentinamente, ela desperta. O que aconteceu? Por quarenta, cinqüenta anos ela meditou e ele nunca veio – porque meditação significa que você está esperando, está observando algo que irá acontecer. Sua mente está presente, funcionando muito sutilmente – muito, muito sutilmente, você pode até não detectar onde ela está. Você pode achar que agora tudo está em silêncio, nenhum pensamento, mas isso também é um pensamento. Você sente silêncio absoluto, mas mesmo essa impressão de que agora existe um silêncio absoluto e que logo a porta irá se abrir... isso é um pensamento. Quando você fica absolutamente silencioso, mesmo esse pensamento não está presente, que “Estou silencioso”. Mas isso significa que você não deve estar “meditando”. E este é o paradoxo: medite tanto quanto puder para trazer um momento de meditação não-meditativa.

Isso aconteceu com a monja. Ao carregar água, ela não estava preocupada com Deus; a alça de bambu era velha e ela estava preocupada com o bambu. Ela o segurava dessa e daquela maneira, com receio de que ele quebrasse a qualquer momento. E o pote era de barro e ele quebraria. Ela de maneira nenhuma estava à porta da verdade, e a porta estava aberta porque ela meditou por quarenta anos. Assim, a porta estava aberta, mas ela não estava lá... Subitamente, o bambu rompeu, o porte caiu e quebrou e a água fluiu. Foi um choque! Por um momento, mesmo essa preocupação de dissolveu. O que tinha de acontecer, aconteceu. Agora ela está em um momento não-meditativo e Deus está presente, e aconteceu.

Sempre acontece dessa maneira – e tais momentos a pessoa nunca espera. Quando você espera, você perde, porque você está presente em sua expectativa. Quando você não espera, acontece, porque o eu não está presente – ninguém está presente. Quando sua casa está totalmente vazia, tão vazia a ponto de você nem estar ciente de que “estou vazio”... porque esse tanto já será uma perturbação suficiente... Quando mesmo o vazio é jogado fora, ele vem.

“A menos que você espere o inesperado...”

Abandone todas as suas noções sobre Deus. Todas elas são falsas. Deixe que Deus mesmo diga quem Ele é a você. Você deve ter ouvido os hindus dizerem que as noções cristãs são falsas, os cristãos dizerem que as noções hindus são falsas, os jainistas dizerem que as noções cristãs e hindus são falsas, os budistas dizerem que as noções jainistas, cristãs e hindus são falsas – digo que todas as noções são falsas. Não que a minha noção esteja correta – não! Noção, como tal, é falsa, porque ela faz uma teoria a partir do desconhecido, o que não é possível. Todas as teorias são falsas, sem exceção. Todas as teorias são falsas – absolutamente, categoricamente, incluindo as minhas – porque o inesperado permanece o inesperado.

“A menos que você espere o inesperado,
jamais encontrará a verdade,
pois é árduo descobri-la
e é árduo atingi-la”


Na realidade, não é árduo atingi-la e não é árduo descobri-la. Por sua causa, é árduo atingi-la e descobri-la – pois como colocar essa mente de lado? A mente é sutil, ela permanece mesmo ao colocá-la de lado. Ela diz: “Tudo bem, não estarei aqui”. Mas isso também é mente. Ela diz: “Agora, deixe que Deus bata à porta. Eu não estou”. Mas isso também é a mente. A mente diz: “Meditarei, abandonarei todos os pensamentos”. Ela diz: “Olhe, abandonei todos os pensamentos. Olhe! Estou vazia”. Mas isso também é mente. Esse é o problema, tudo o que você faz, a mente está por lá.

Perceba o ponto – nenhum esforço ajudará. Apenas perceba o ponto – a mente existe por meio de pretensões... Perceba o ponto! Por que digo para perceber o ponto? Porque, se você perceber o ponto, não haverá pretensão. Se você não perceber o ponto, a mente poderá enaltecer-se: “Estou aqui sem pretensões”. Perceba o ponto! O vazio é necessário, não a pretensão de que estou vazio. A consciência é necessária, não a pretensão de que sou a consciência – porque sempre que surge o “eu”, você entrou na noite escura da mente. Quando o “eu” não está presente, há luz, tudo fica claro. Uma clareza, uma percepção infinita – você pode perceber amplamente, pode perceber o todo.

Dessa maneira, a única coisa que pode ser feita é observar as artimanhas da mente. E não tente fazer o oposto. Por exemplo, sua mente está repleta de pensamentos – não tente lutar contra os pensamentos, porque esse lutador é a mente. E, se você lutar, a mente alegará o oposto: “Olhe! Abandonei todos os pensamentos. Agora, onde está Deus? Onde está a iluminação?” Não faça o oposto, não crie uma luta, porque com a luta vem a pretensão.

Simplesmente observe e relaxe. Simplesmente observe e divirta-se com as artimanhas da mente. Divirta-se, elas são tão belas! Quão enganadoras, quão ilusórias! Como elas insistem em vir sem parar! Os hindus sempre dizem que elas são como a cauda de um cão. Mesmo se ela for mantida na reta por doze anos, no momento em que o esforço for interrompido, a cauda se curva novamente.

Um dia eu conversava com uma criança e ela disse: “Estamos nos esforçando para endireitar um amigo – porque ele não acredita em Santa Clara”. Num outro dia ele continuou: “Depois de sete dias de esforço, ele se rendeu e afirmou que agora acredita nela”. Mas, no dia seguinte, o menino disse: “Precisamos nos esforçar mais”.

Perguntei: “O que aconteceu? Ontem você disse que ele tinha se endireitado. Então, pra que se esforçar agora?”

O menino respondeu: “Ele deu pra trás de novo – nós o endireitamos, mas ele sempre dá para trás”.

Essa é a natureza da mente. Não há o que fazer. Essa é a natureza da mente – entenda-a, e isso é tudo. O entendimento é suficiente. Se não for assim, fica difícil... Você pode insistir, mas a mente o seguirá como uma sombra, e tudo o que você alegar será uma alegação da mente. É por isso que todos os sábios dizem: “Os que alegam que sabem, não sabem. Os que dizem que atingiram, não atingiram”. Por que? Porque a própria alegação é perigosa.

“A menos que você espere o inesperado
jamais encontrará a verdade,
pois é árduo descobri-la
e é árduo atingi-la.
A natureza adora se ocultar.”


Esse é um jogo de esconde-esconde. Ele é belo assim como é! A natureza não está na superfície, ela está oculta no centro. A natureza é como as raízes das árvores, ela fica na profundidade do solo – o mais essencial está oculto. Nunca considere que a árvore é o mais essencial. Ela é apenas a periferia de onde vêm as flores, as folhas, os frutos; ela é a periferia. A árvore verdadeira existe no subsolo, no escuro; ela está oculta no útero escuro da terra. Pode-se cortar a árvore e uma nova árvore brotará, mas corte as raízes e tudo desaparece.

Você não está na superfície de sua pele; essa é a periferia. Você é o subsolo profundo e oculto. E Deus não está na superfície. A ciência aprende cada vez mais sobre a superfície, aprende cada vez mais sobre a pele. Não importa o quão fundo a ciência vá, ela nunca vai realmente fundo, porque ela aprende de fora. De fora pode-se aprender somente sobre a pele. O real está oculto no interior, no santuário mais íntimo. Também em você ele está oculto no santuário mais íntimo. Você vive na periferia e assim o perde. E a existência tem um centro – o centro está oculto.

“A natureza adora se ocultar(...)”

Por que? Por que a natureza adora se ocultar? Porque esse é um jogo. Em sua infância você deve ter brincado de esconde-esconde. Para Heráclito, a existência é um jogo, é uma leela, uma brincadeira. Ela se oculta, e isso é belo! – e você precisa descobrir. E no próprio esforço de descobrir, você cresce.

Existem dois tipos de pessoa. Um chamo de não-descobridoras: elas permanecem na periferia. E as descobridoras: elas caminham e direção ao centro. As pessoas que vivem na periferia são mundanas. O mundo dos negócios é periferia, a política é periferia, sucessos e conquistas são periferia. Elas não são descobridoras, não são aventureiras. Mesmo se forem para a lua, isso não é uma aventura, porque elas permanecem na periferia. A aventura verdadeira é religiosa, é caminhas para o próprio centro do ser.

Primeiro você precisa entrar em você mesmo, porque você é um mundo em miniatura. Você caminha para o seu centro e, a partir desse centro, tem o primeiro vislumbre de como as coisas são. O real está oculto. Na periferia estão as ondas, os sonhos; na periferia há apenas uma representação. Na profundidade, no âmago mais profundo da existência, está o oculto. Heráclito o chama de harmonia oculta.

Caminhe em direção ao ser, ao centro, à própria base. Procure sempre as raízes, e não se deixe enganar pelas folhagens. Mas você é enganado pelas folhagens – se uma pessoa é bonita na superfície, você se apaixona; você se apaixonou pela folhagem. Mas a pessoa pode não ser bonita por dentro, ela pode ser absolutamente feia – e você caiu na armadilha. Há uma graça interior quando a luz brilha por dentro e chega também na periferia; não se pode ver de onde ela está vindo. Você pode ver uma pessoa bonita e, ainda assim, feia, e pode ver justamente o oposto também acontecendo: uma pessoa feia e, ainda assim, bonita.

Quando uma pessoa feia é bela, não se pode encontrar a fonte, onde ela está, porque a pele as superfície, a estrutura e a fisiologia não são atraentes – mas algo interior o atrai. Quando acontece da pessoa ser bela na superfície e também no ser interior, trata-se de algo muito misterioso. Então, o que acontece é carisma. Algumas vezes você sente um carisma à volta de uma pessoa – carisma significa que existe alguma harmonia oculta entre a superfície e o centro; a personalidade tem um magnetismo, algo do divino. Esse encontro da periferia com o centro é uma harmonia oculta.

“A natureza adora se ocultar(...)”

Por que? Porque somente por meio do ocultar-se o jogo pode continuar; do contrário, o jogo cessará. O jogo continua, ele é eterno.

E lembre-se também disto: mesmo se você encontrar, o jogo continua, mas então ele também tem uma qualidade diferente. Nunca ache que o jogo terminará quando você encontrar o âmago mais profundo. Não, o jogo continua. Agora com consciência, muitas vezes você se afasta do centro oculto; com consciência, você dá uma chance para a natureza se ocultar novamente – mas agora é proposital. É como duas crianças brincando, e uma sabe onde a outra está escondida. Para dar certa qualidade ao jogo, ela procura em todos os lugares e corre por toda parte, exceto naquele lugar. Ela sabe onde a outra está escondida, ela poderia pegá-la de cara, mas fica dando voltas.

Os budas continuam a jogar, mas o jogo muda. Agora eles sabem, agora não há ansiedade, não há desejos, nada a ser atingido. Agora, trata-se de um simples jogo. Não há objetivo nele – ele continua.

Assim, há duas possibilidades. Um jogo ignorante... é isso o que está acontecendo com você. Por você ser ignorante, você leva o jogo muito a sério – a seriedade se torna uma doença – e fica triste a respeito. Pessoas me procuram... se elas meditam e não alcançam, ficam muito sérias e frustradas. Eu digo para não ficarem sérias e frustradas, porque este é todo o ponto a ser entendido: trata-se de um jogo! Não há pressa para terminá-lo; ele não é um negócio. Deixe que ele se estenda tanto quanto possível. Por que tanta pressa? Por que ficar tão tenso? A infinidade está à frente, um tempo eterno está à frente, não há pressa. Você sempre estará presente e o jogo sempre estará presente – ele sempre existiu e sempre existirá. Tome-o com leveza... leve-o numa boa! Ele está sempre na esquina, a qualquer momento pode ser descoberto.

Mas por que tanta pressa? Relaxe – se você puder relaxar, chegará mais cedo ao centro. E, se estiver com pressa, permanecerá na superfície, pois uma mente apressada e tensa não pode se dirigir aos reinos mais profundos do ser. Somente a paciência o ajuda a se estabelecer na essência, na verdadeira essência.

“A natureza adora se ocultar(...)”

É belo a natureza adorar se ocultar. A natureza não é exibicionista. Ela não é exibicionista. A impressão de que ela consiste na folhagem é apenas uma maneira de se ocultar. De uma maneira sutil, Deus está se ocultando na flor. Se você simplesmente perceber a flor, errará o alvo.

Um poeta inglês, Tennyson, disse corretamente: “Se eu puder entender uma flor em sua totalidade, compreenderei Deus”. Ele está certo! Se você puder entender uma pedrinha na praia em sua totalidade, compreenderá Deus, pois esses são todos os esconderijos. Uma flor é um esconderijo, uma pedrinha também é um esconderijo. Ele está oculto em todos os lugares – milhões de formas. Onde você estiver, ele estará presente em todas as formas à sua volta. Qualquer forma pode passar a ser uma porta. Ao ter prontidão para entrar, ao não ter expectativa, ao não desejar, ao não pedir ou projetar algo, repentinamente a porta se abre.

“(...) O senhor cujo oráculo está em Delfos nem fala nem encobre – mas dá sinais.” 

Em Delfos há um velho santuário grego, e as pessoas costumavam ir ao oráculo de Delfos par fazer perguntas. Mas o oráculo de Delfos nunca disse nada, ele simplesmente dava sinais. Heráclito o usa como uma parábola. Ele diz que Deus, o total, o todo, nunca fala em termos de sim ou não – ele simplesmente dá sinais. Ele é poético, ele lhe dá símbolos. Não tente interpretá-los. Se você interpretar, perderá. Apenas observe e deixe o sinal penetrar mais fundo em você e ser impresso em seu coração. Não tente encontrar o significado imediatamente, pois quem descobrirá o significado? Se você encontrar o significado, ele será o seu significado. Apenas deixe o sinal, o símbolo, ser impresso em seu coração e, algum dia, a vida revelará o significado. Você simplesmente vive com ele, simplesmente deixa que ele esteja presente.

Por exemplo, você vem a mim e pergunta: “como a minha meditação está indo?” Você me pergunta e eu sorrio. Eu lhe dei um sinal. O que você fará com isso? Você pode interpretar. Essa é a primeira tendência da mente. Você pensará: “Tudo bem, ele sorriu, e isso significa que estou chegando lá. Ele disse sim e tudo está indo bem. Estou no caminho certo”. Seu ego fica satisfeito. Se você estiver numa disposição de ânimo positiva, essa será a interpretação. Mas, se você estiver numa disposição de ânimo negativa, pensará: “Ele sorriu – ele não disse sim e apenas foi gentil, mas não estou indo a lugar nenhum”.

Das duas maneiras você errou o alvo, pois, se houvesse um sim a ser dito, eu o teria dito. Eu não o teria colocado numa tal dificuldade para encontrar a interpretação. Se houvesse um sim a ser dito, eu o teria dito; se houvesse um não a ser dito, eu também o teria dito. Mas eu simplesmente lhe sorri, não disse nem sim nem não. Na realidade, eu nada lhe disse – eu lhe dei um sinal. Não o interprete! Deixe que esse sorriso penetre fundo em seu coração, deixe que esse sorriso esteja presente. Algumas vezes lembre-se dele, coloque-o de volta no coração, deixe que ele se dissolva em você e não tente encontrar o significado – e isso ajudará na sua meditação. Um dia, subitamente, num profundo estado meditativo, você começará a sorrir da mesma maneira que eu sorri, porque esse momento será o momento da compreensão. Então, você poderá sorrir, pois saberá qual era o significado.

A vida é sutil. O “sim” e o “não” não podem ser usados. A vida é tão sutil que, se você disser sim, você o falsifica, e, se disser não, você o falsifica também. A linguagem é muito pobre, ela conhece somente duas coisas, sim e não. E a vida é muito rica, ela conhece infinitas posturas e posições entre o sim e o não – infinitas gradações. Trata-se de um espectro de milhões e milhões de cores. Sim e não são muito pobres – você nada diz com eles. Sim e não significam que você dividiu a vida em preto e branco. Mas a vida tem milhões de cores, ela é um arco-íris.

Na realidade, o preto e o branco não são cores. Tirando o preto e o branco, todas as cores existem. Você precisa entender isso. O preto é a ausência de todas as cores, ele não é uma cor. Quando nenhuma cor está presente, o vazio é escuro; em si mesmo, ele não é uma cor. É por isso que o preto não é muito encontrado na natureza. Ele é uma ausência. E o branco também não é uma cor, mas uma mistura de todas as cores, elas viram branco; ele não é uma cor. Branco é um pólo, preto é outro. A presença de todas as cores é o branco, a ausência de todas as cores é o preto. Entre essas duas polaridades, existem cores reais – verde, vermelho, amarelo e todas as suas variações, milhões de variações.

Quando lhe sorrio, não estou dizendo preto ou branco, sim ou não – estou lhe dando uma cor no espectro, uma cor real. Não tente interpretar, pois se o fizer, dirá que é preto ou branco, e não se trata de nenhum dos dois. A cor está em algum lugar no meio, e ela é tão sutil que palavras não podem expressá-la. Se palavras pudessem expressá-la, eu lhe daria uma palavra e não o teria colocado desnecessariamente em dificuldade.

Você me procura, diz algo e eu não respondo. Algumas vezes acontece de você vir me ver e eu nem mesmo lhe faço uma pergunta e simplesmente o esqueço. Eu interpelo outros e deixo você de lado. Você interpretará isso: “Por que?” Não interprete, simplesmente deixe esse ato entrar fundo em você. Algum dia, numa disposição de ânimo muito meditativa, o significado florescerá. Estou pondo sementes em você, e não lhe dando palavras e teorias.

Quando eu me for, por favor, lembre-se de mim como um poeta, e não como um filósofo. A poesia precisa ser entendida de maneira diferente – você precisa amar a poesia, e não interpretá-la. Você precisa repeti-la muitas vezes, de tal modo que ela se misture com o seu sangue, com os seus ossos, com a sua própria medula. Você precisa recitar poesia muitas vezes, de tal modo que possa sentir todas as nuanças, as suas formas sutis. Você precisa sentar-se simplesmente e deixar a poesia entrar em você, para que ela passe a ser uma força viva. Você a digere e depois se esquece dela; ela entra cada vez mais fundo e o transforma.

Deixe que eu seja lembrado como um poeta. É claro, não estou escrevendo poesias em palavras. Estou escrevendo num veículo mais vivo – em você. E é isso o que toda a existência está fazendo.

Heráclito diz: “O senhor cujo oráculo está em Delfos nem fala nem encobre – mas dá sinais.”

Um sinal não deve ser interpretado, um sinal deve ser vivido. Sua mente terá a tentação de interpretá-lo. Não seja tentado pela mente; apenas diga a ela: “Isso não lhe diz respeito, não é para você. Vá brincar com outras coisas. Deixe que isso penetre mais fundo em meu ser”. E é isso o que faço quando me comunico com você.

Não estou me comunicando com sua mente, mas com você como ser, como ser luminoso, como deus encarnado, como uma possibilidade, como uma potencialidade infinita. Estou me comunicando com o seu futuro, e não com o seu passado. Seu passado é lixo – jogue-o fora! Não o carregue. Estou me comunicando com o seu futuro, o inesperado, o desconhecido. Aos poucos você será capaz de ouvir esta música, a música do desconhecido, a música em que todos os opostos desaparecem e surge uma harmonia oculta.

Sim, a natureza adora se ocultar, porque ela é um mistério. Ela não é uma questão, não é um quebra-cabeça a ser resolvido. Ela é um mistério a ser vivido, desfrutado, celebrado.



Osho

quarta-feira, abril 29, 2015

A Verdade de Quem você é (Gangaji)




‎"QUEM É VOCÊ REALMENTE?

Qualquer pensamento que você teve sobre si mesmo, por mais desinflado ou inflado, não é quem você é. É simplesmente um pensamento. 

A verdade de quem você é não pode ser pensada, porque ela é a fonte de todos os pensamentos.

A verdade de quem você é não pode ser nomeada ou definida.

Palavras como alma, luz, Deus, verdade, 'self', consciência universal ou divindade, mesmo que capazes de evocar o êxtase da verdade, são totalmente inadequadas como descrição da imensidade de que você realmente é.

Independente de como você se identifica: como criança, adolescente, uma mãe, um pai, uma pessoas mais velha, uma pessoa mais saudável, uma pessoa doente, uma pessoa que sofre ou uma pessoa iluminada, sempre por trás de tudo isso está a verdade de você mesmo. Ela não é estranha para você. Ela está tão próxima que você não consegue acreditar que é você.

A verdade de quem você é, é intocada por qualquer conceito sobre quem você é, seja ignorante ou iluminado, sem valor ou grandioso.

A verdade de quem você é, é livre de tudo isso. Você é livre e tudo que bloqueia sua realização desta liberdade é seu apego a alguma idéia sobre quem você é.

Este pensamento não impede que você seja a verdade de quem você é. Você já é isso!

Ele apenas separa você de realização de quem você é.

Convido você a deixar sua atenção mergulhar naquilo que sempre esteve aqui esperando abertamente por sua própria autorrealização.

Quem é você realmente?

Você é alguma imagem que aparece em sua mente? Você é alguma sensação que aparece em seu corpo?

Você é alguma emoção que passa por sua mente e corpo?

Você é algo que alguém disse que você é ou uma rebelião contra algo que alguém disse que você é?

Estas são algumas das muitas vias de erros de identificação. Todas essa definições vêm e vão, nascem e depois morrem. A verdade de quem você é não vem e vai. Ela está presente do nascimento, durante toda uma vida e após a morte.

Descobrir a verdade sobre quem você é não é apenas possível, é o seu direito de nascença. Qualquer pensamento que esta descoberta não seja para você, agora não é o tempo, você não é digno, você não está pronto, você já sabe quem é, são apenas truques da mente.

Está na hora de investigar este pensamento sobre “eu”, e ver qual é a sua validade real. Nesta investigação existe uma abertura para que a consciência inteligente que você é finalmente reconheça a si mesma. A pergunta mais importante que você jamais pode perguntar-se é: Quem sou eu?

De certa forma esta tem sido uma questão implícita perguntada em cada etapa de sua vida. Toda atividade, seja individual ou coletiva, é motivada em sua raiz por uma busca de auto-definição.

Tipicamente, você busca por uma resposta positiva a esta pergunta e foge de uma resposta negativa.

Quando esta questão se torna explícita, o impulso e o poder da pergunta direcionam a busca pela verdadeira resposta, que é aberta, viva e cheia de insights cada vez mais profundos.

Você experimenta tanto o sucesso como a fracasso.

Após um certo estágio, cedo ou tarde, você percebe que quem você é, independente da definição, não é satisfatório.

Se esta questão não for verdadeiramente respondida, não apenas convencionalmente respondida, você vai continuar com fome de saber.

Porque, independente de como você tenha sido definido por outros bem intencionados ou não e independente de como você tenha definido a si mesmo, nenhuma definição pode trazer certeza duradoura.

O momento em que se reconhece que esta pergunta é crucial. Ele é muitas vezes referido como o momento de amadurecimento espiritual. A partir deste ponto você pode conscientemente investigar quem você realmete é.

Em seu poder e simplicidade a questão: “quem sou eu?” lança a mente de volta a raiz da identificação pessoal: a suposição básica “ eu sou alguém”.

Ao invés da automaticamente aceitar esta suposição como a verdade, você pode investigar mais profundamente. Não é difícil ver que este pensamento inicial 'eu sou alguém' leva a todos os tipos de estratégias: ser alguém melhor, alguém mais protegido, alguém com mais prazer, mais conforto e mais realização. Mas quando este pensamento muito básico é questionado, a mente encontra o eu, que se assume estar separado daquilo que ela vinha procurando.

Isso é chamado de autoinvestigação.

A pergunta mais básica: 'quem sou eu?' é aquela que é a mais negligenciada.

Passamos a maior parte dos nossos dias dizendo a nós mesmos ou aos outros, que somos alguém importante, alguém sem importância, alguém grande, alguém pequeno, alguém jovem ou alguém velho, sem nunca realmente questionar esta suposição mais básica.

Quem você realmente é?

Como você sabe que É quem você é? Isso é verdade? Realmente?

Quando você voltar sua atenção para a questão: 'quem sou eu?', talvez você veja uma entidade que tem seu rosto e seu corpo. Mas quem está ciente deste entidade? Você é o objeto ou você é a percepção do objeto? Objeto vem e vai. O pai, a criança, o amante, o abandono, o iluminado, o vitorioso, o derrotado. Todas estas identificações vem e vão.

A percepção destas identificações está sempre presente. A identificação errada de si mesmo como alguém objeto dentro da percepção leva a extremo prazer ou extrema dor e ciclos intermináveis de sofrimento.

Quando você está disposto a parar a identificação errada e descobrir direta e completamente que você é a própria percepção e não estas definições impermanentes, a busca por você mesmo nos pensamentos termina.
Quando a pergutna: “quem?” é perseguida de forma inocente, pura, por todo caminho de volta a sua origem, surge uma enorme e espantosa realização. Não há absolutamente nehuma entidade ali. Há apenas o indefinível e ilimitado reconhecimento de si mesmo, como inseparável de qualquer outra coisa. 

Você está livre.

Você está completo. Você é infinito. Não há nenhum fundo em você, nenhum limite em você.

Qualquer idéia sobre você aparece em você e desaparecerá de volta em você.

Você é percepção e percepçãp é consciência.

Deixe todas as autodefinições morrerem neste momento. Deixe todas irem, e veja o que resta. Veja o que nunca nasce e o que não morre.

Sinta o alívio de se desfazer da carga de definir a si mesmo.

Experiencie a efetiva não-realidade da carga.

Experiencie a alegria que está aqui.

Descanse na paz infinita de sua verdadeira natureza, antes que qualquer pensamento de 'eu' surja."


(Gangaji, do livro "O diamante no seu bolso")


Gangaji

quarta-feira, novembro 23, 2011

Beijando o sapo (Gangaji)



Gangaji: Oi.

Questão: Oi. Quero lhe perguntar sobre uma experiência que tive. Há momentos em que tenho a experiência de uma imensidão que simplesmente não tem limites e, realmente, não tem nada a ver comigo...

G: Ah! Espere um momento. Vamos devagar. Que declaração! Ser capaz de fazer uma declaração como esta é algo muito bonito. E saber, reconhecer, que "realmente, não tem nada a ver comigo."

Q: Meu sofrimento geralmente aparece quando vivencio uma personalidade que tem muitos problemas.

G: Personalidade significa problemas. É uma palavra-código para problemas. Até mesmo personalidades encantadoras.

Q: Mas o que faço com a personalidade?

G: Que tal se não fizer nada com a personalidade?

Q: Ela simplesmente vai continuar sendo infeliz.

G: Creio que você jamais deixou de "fazer algo" com a personalidade. Acho que você lutou contra a personalidade, mudou a personalidade, jurou que nunca teria aquela personalidade, experimentou outras personalidades, adaptou a personalidade, ou tentou disfarçar a personalidade. Não fazer nada com a personalidade é ter um encontro real com o que está motivando e controlando a personalidade. No momento em que estávamos falando, era um medo enorme. Para todo mundo, geralmente, em algum momento, é o medo: um medo enorme, um medo divino. Se, neste momento, você não fizer nada com a sua personalidade; se você não a consertar, não a negar, não cair no sono e ignorá-la, não ceder a ela, não contar alguma história a si mesma sobre ela, o que acontece?

Q: Ela desaparece.

G: Que mistério!

Q: Mas o que é isso? É aí que preciso de ajuda.

G: Quando ela está presente é quando você não tem que fazer nada. Quando ela desaparecer, faça tudo que você quiser. Isso é tão sutil, mas se for dito um pouco mais explicitamente, torna-se um dogma. E esse não é o objetivo. Senão, teremos "Eu não faço nada", "Eu não sou nada, você também?"

Q: Há um poema sobre isso. É mais ou menos assim: "Eu não sou nada, você também? Mas não conte a ninguém, porque vão querer formar um clube dos nadas."

G: Sim. Há um segredo escondido em seu coração, que sabe que não é absolutamente nada. E estamos em uma época na qual, de alguma maneira, pode-se falar disso em público.

(O grupo exclama: "Viva!")

G: Viva! É uma celebração. Então, os hábitos da personalidade que aparecem no tempo e desaparecem no tempo, são reconhecidos como o que são realmente: insetos. Você pode ver a luz através da nuvem de insetos; você não pega a espingarda e tenta eliminá-los. Isso não funciona. E, se tentar, você será uma destas pessoas que carregam uma espingarda. E o que vamos fazer com você? É possível simplesmente ficar quieto. Na quietude, o que está debaixo da personalidade e o desejo de mudar a personalidade se encontram. Você tem consciência disso?

Q: Sim.

G: Que foi?

Q: Há uma repulsa, uma aversão a essa personalidade.

G: Sim, é um certo ódio, não é? Você está disposta a simplesmente deixar a sua consciência penetrar o ódio e senti-lo totalmente? Você está disposta a sentir o ódio sem contar uma história sobre ele? Este é o desafio. A história do autodesprezo é conhecida; em vez disso, mergulhe a sua consciência completamente no autodesprezo pré-verbal, sem lutar contra ele. E, se estiver lutando, pare de lutar e simplesmente deixe sua consciência afundar mais profundamente nesta repulsa.

Q: Há uma convicção de que eu sou má.

G: Este é um "insight" que surgiu da exploração. Isso é bom, mas estou mais interessada na experiência direta da própria repulsa. Então, digamos que você é má, que esta convicção está correta. Você é má e isso é repulsivo. O que significa isso quando é acolhido? Não consertado, mas acolhido. O que você está sentindo?

Q: Não tenho certeza.

G: O que você está sentindo, sem contar uma história? Simplesmente diga a verdade: neste momento, o que está aqui?

Q: Apenas um bloqueio…

G: Isto é uma teoria.

Q: Não sei.

G: A repulsa está presente? Antes você soube imediatamente quando ela estava presente. Não teve de questioná-la. Agora você pode criá-la novamente. Há um forte apego a este autodesprezo como identidade.

Q: Sim, sim.

G: "Isto é realmente o âmago do meu ser, isto é o que tem que mudar para esta expansão ilimitada, que não tem nada a ver comigo, ficar permanentemente na minha vida." Estou dizendo que, se simplesmente penetrar neste âmago e sentir a repulsa completamente, você descobrirá que no âmago da repulsa está a expansão ilimitada e perfeita. A repulsa se transforma imediatamente em expansão. Mas isto exige a sua disposição, a sua vontade de conhecê-la completamente. É como beijar o sapo. Você sabe que, para uma jovem princesa, um sapo é uma coisa asquerosa. Mas este é o requisito. Você conhece a história? Você é a jovem princesa. E nós estamos conversando sobre o sapo que vive dentro de você, que é o seu Ser Amado perfeito, mas que lhe parece tão nojento. Portanto, a sua velha e sábia fada-madrinha está lhe dizendo para entrar e beijar o sapo. Você chegou bem perto; na verdade, por um momento, você nem conseguiu achar o sapo e, então, começou a fazer o que você faz, subconsciente ou conscientemente, para criar a "sapice", o caráter reptílico, a repugnância, o lamaçal e a feiúra. Perfeito. Isto é o que está esperando pelo seu abraço. Isso é o que tem que ser libertado. O ilimitado, a verdade de quem que você é, já é livre. A "sapice" está aparecendo em você para ser libertada, e o seu beijo a libertará. Não a sua rejeição, nem a sua agressão. Você já tentou isto e ela não larga você, porque ela precisa de você para se libertar. O que é que há, o que você está sentindo? Está certo, isso é bom; isso é muito bonito.

Q: (Soluçando.) É muito bonito. Obrigada.

G: São boas novas, não? Sim, boas novas. Não é a sua beleza que precisa ser libertada; é a sua feiúra, que você mantém escondida. Aquilo que não pode ser exposto. Um simples beijo que é um reconhecimento, um encontro; que é, no mínimo, uma ausência de rejeição. Apenas um "Tudo bem, você está aí, então entre." Muito bom, obrigada por vir aqui falar comigo.

sexta-feira, março 18, 2011

Encarando a morte - Gangaji

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Gangaji


"Você está morrendo agora, neste momento. Tudo que você pensa que é está morrendo agora, neste exato momento. Você como um corpo individual, como o mundo; você, como experiência, está morrendo neste instante. Há muitas mortes todos os dias. Há a morte de cada momento e a morte que vem todas as noites, quando você adormece. Há morte quando um relacionamento termina ou quando um filho deixa o lar. Mas a morte de que quero falar é a morte física. Em nossa cultura, esta morte é geralmente a mais evitada, a mais negada. Ela nos apavora; temos tanto medo de não ser nada.

Bhavo morreu. Ele se retirou silenciosamente, enquanto dormia, tendo ao seu lado três amigos; eu estava indo à sua casa para vê-lo. Estar com ele, durante as semanas que antecederam a sua morte, e naquela manhã, com seu corpo morto, foi um grande presente. Não foi uma teoria sobre a morte; foi a realidade de estar em um quarto com a morte. A morte se aproximando claramente, e então a morte presente, levando consigo a energia vital. Foi estar com um corpo quando não se faz nada para embelezá-lo: quando ele está mortalmente pálido. Simplesmente o fato nu e cru da morte da forma. A disposição de estar presente com a morte nua revela a absoluta e inegável beleza e presença daquilo que está eternamente vivo. Bhavo se foi, o que conhecíamos da forma de Bhavo se foi; ele foi cremado e agora é apenas cinzas. Desapareceu. Todos nós teremos lembranças de Bhavo, lembranças de sua personalidade gentil, de suas irritações, do universo completo de Bhavo.

A presença que animava a forma de Bhavo é exatamente a mesma presença que anima a sua forma e anima todas as formas. Despertar para si mesmo como essa presença é a disposição de conhecer a morte em todas as formas, inclusive esta que você chama de sua.

Ele deixou uma dádiva enorme para aqueles de nós que se dispuseram a acompanhá-lo em seu sofrimento físico até o fim. Sua morte teve um grande valor, porque ele sabia que ela estava vindo. Ele não estava negando a morte. Isto não quer dizer que ele não estivava combatendo a sua enfermidade; ele lutou, fez tudo que ele e seus médicos consideravam possível. Não se trata de não combater a doença. Trata-se de saber que você está combatendo a doença, mas a morte virá quando vier. E ter a capacidade, como ele teve, de encarar o fim. Ele ouviu: "Perdemos a luta. A luta acabou", e na manhã seguinte estava morto.

Muitas pessoas iniciam a busca espiritual procurando alcançar realização, mas a verdadeira realização espiritual é alcançada por meio da perda consciente de tudo. O que significa perder tudo? Na morte, perdemos tudo: nossas famílias, nossos entes queridos, nossa história, nosso passado, nosso futuro. Na disposição de perder tudo conscientemente, revela-se a verdade de nosso próprio ser.

Felizmente, Bhavo não teve que esperar que a enfermidade tomasse conta do seu corpo para encarar esta perda. Assim, ele pôde morrer livre, morrer em paz; perdendo algo muito precioso, mas ganhando mais do que jamais se pode perder. Nós, que estivemos com ele naquele dia, com seu corpo morto e pálido, sentimos uma incognoscível, incompreensível alegria de ser. Bhavo, com sua morte, foi um presente para nós. A verdade é que ele foi um presente para nós antes disso, porque ele havia encarado a morte muito tempo antes da morte física chegar. Tanto sua vida como sua morte foram, em última instância, relativa e absolutamente o mesmo presente.

Todos vão morrer um dia; isso é garantido pelo nascimento. Contudo, neste momento, você tem a oportunidade de encarar a morte antes de seu corpo morrer, para reconhecer seu amor e apego à forma física, e deixar este apego morrer. A identificação equivocada com a forma física precisa morrer. E, nesta morte, você desperta para a verdade de quem você realmente é. Se você estiver disposto a parar um instante e morrer para esse apego, é bem provável que lhe sobrará algum tempo para descobrir "Como é a vida depois de eu ter encarado a morte?" Então você poderá passar o resto da sua vida compartilhando a sua descoberta conosco. Há tamanha fome, tamanha sede do néctar que brota deste reconhecimento.

Para morrer assim, primeiro é preciso descobrir o mecanismo de resistência. Por exemplo, qual é o pensamento que sustenta a crença de que "Não posso encarar a morte neste momento", ou "Está bem, mas e se..."? A resistência a encarar a morte surge do medo e do pensamento de que "Não vou mais existir". Compreendo esse medo. Muito já disseram e eu repito: "Você é a existência". Não estou pedindo que você acredite no que eu digo; estou encorajando você a realmente encarar o medo da não-existência, a mergulhar na incognoscível possibilidade de não existir. Normalmente negamos esta possibilidade porém, investigar realmente e perguntar: "Quem ou o quê não vai existir?" é auto-investigação.

Pode-se dizer que você é Consciência Radiante; que você é a Luz, a Verdade, Deus ou a Beleza. Entretanto, você precisa reconhecer a si mesmo por si mesmo.

Você é o corpo? Sei que o corpo está obviamente impregnado de você, portanto não estou dizendo que você está separado do corpo.

Você está disposto a morrer agora mesmo, a morrer para quem você foi; a morrer para quem você pensa que é e quem você pensa que será?

Agora, o que permanece?"


quarta-feira, maio 12, 2010

Abandonando sua história


Gangaji


Você se conta histórias? São histórias sobre o que você tem ou não tem, sobre o que você precisa ou não precisa? São histórias sobre a sua liberdade, seu aprisionamento, suas carências, sua generosidade, suas mágoas, suas alegrias? São histórias sobre quem você é, sobre o que é alguma outra pessoa? São histórias sobre o que precisa mudar, sobre o que precisa permanecer como é, ou sobre o que está certo ou errado?

Será que você está disposto a parar de contar sua história pessoal? Está disposto a contar a verdade sobre se você está mesmo disposto ou não?

Seja lá o que for que você se conte, por mais horrível ou grandioso, não passa de uma história. Como história, como uma destilação da experiência, poderá ser a verdade relativa, mas não é a verdade final. Histórias aparecem, mudam e desaparecem. Quer a sua história trate de quanto você é bom ou mau, mesmo assim ela aparece e desaparece. A verdade final nada tem a ver com emoções, bioquímica ou mudanças de circunstâncias. Ela é imutável e incondicional.

Você pode parar de contar a sua história em menos de um instante. Nem que seja uma história boa, pare de se esbaldar em contá-la, e a verdade poderá ser imediatamente vivenciada. Você não poderá vivenciar a verdade, se continuar a contar a sua história, e não poderá continuar a contar a sua história, se estiver vivenciando a verdade. É óbvio, não é?

Pare de contar a sua história agora mesmo! Não depois, quando a história melhorar ou piorar, mas agorinha mesmo. Quando você pára de contar a sua história agora mesmo, você pára de adiar a constatação da verdade que está além da história. Todo esforço, toda dificuldade e todo sofrimento contínuo estão em resistência ao "parar". Essa resistência nutre-se da esperança de que a história vá lhe dar o que você tanto almeja, a esperança de que, se você puder consertar a história e fazer as mudanças necessárias, você obterá o que quer.

Quando você parar de contar a história sobre mim, sobre ele, ela, eles, nós, poderá conhecer em menos de um segundo as verdadeiras profundezas do que significa ser o que você é. Então, qualquer história que apareça ou desapareça não atingirá quem você é.

Quando você sonha à noite, o seu sonho tem um início, um meio e um fim. Parece real naquele momento, mas, quando se acorda, você sabe que era evidentemente um sonho. Da mesma forma, você pode acordar do sonho da sua vida. Pode acordar antes de terminar a história sobre você, já que todas as histórias por fim terminam. Acordar dentro da história é o que se chama de “sonho lúcido” ou “sonho vívido”.

Normalmente, você acorda de manhã e retoma a história sobre quem você é. Você pode até fazer alguma prática de meditação, mas a prática real é a história corrente sobre quem você é. A energia e a emoção geradas pela história dão origem a infinitas variações de frustração, deleite, dor ou prazer, todas a orbitar em torno desta prática da história sobre “mim”.

Contar a sua história pessoal é a religião primária da maioria das pessoas no planeta. A história pessoal localiza-se num corpo, numa tribo, numa nação, numa religião, em “nós”. É por isso que o planeta está em guerra constante e você está em guerra constante consigo mesmo. Se puder reconhecer qual é a sua história, então a história será consciente e não mais inconsciente. Você poderá ver qual é a história, e poderá decidir parar de segui-la como se ela fosse realidade.

A possibilidade é reconhecermos que todas as nossas histórias, por mais complexas e estratificadas que sejam, por mais profundamente implantadas em nossa estrutura genética, são apenas histórias. A verdade sobre quem você é não é uma história. A vastidão e a proximidade desta verdade precede a todas as histórias. Quando você ignora a verdade sobre quem você é por fidelidade a alguma história, você perde uma oportunidade preciosa de auto-reconhecimento.

Como um meio de expor a sua própria história particular, você pode se perguntar honesta e diretamente: Qual é a minha história? Expor a história não tem o propósito de livrar-se dela ou segui-la. O propósito é ver quais histórias você está contando sobre quem você pensa que é ou quem você acha que deveria ser.

Quaisquer que sejam as suas respostas, será que você consegue considerar a possibilidade de que tudo é apenas uma história? Não está certa, não está errada, não é real. Experimente a possibilidade da irrealidade dela. Deixe a sua consciência cair de volta naquele espaço onde não há história, onde não há pensamento. Se surgir um pensamento, veja que ele está simplesmente passando. Não é certo nem errado. É apenas um pensamento, que nada tem a ver com a verdade essencial sobre quem você é.


segunda-feira, janeiro 25, 2010

Como estar no aqui?

Gangaji
Gangaji


Pergunta: Minha principal pergunta vem da experiência deste divino estado de Amor.

Gangaji: O Mar divino de Amor.

P: Sim. É lindo. Esta experiência de amor transcende tudo.

G: Você tem muita, muita sorte.

P: Por que eu iria querer vivenciar qualquer outra coisa além deste amor? Nas relações com os outros, pondo restrições na relação, tornando o amor condicional... Por que eu iria querer me envolver em algo assim?

G: Quer que eu lhe diga por quê? Eu sei por quê.

P: Sim.

G: Quer dizer, melhor ir simplesmente direto ao ponto, não?

P: Porque eu gosto de ficar nesta caverna.

G: Sim, e porque você tem que descobrir que, no centro dela, está este mesmo Amor. A única razão pela qual você quer vivenciar qualquer outra coisa além do Amor, é para descobrir que é tudo Amor. Você ouviu? Se aceitar a teoria de que você se colocou numa posição horrível (ou que Deus ou o destino o fizeram), você pode vivenciar esta condição horrível, este estado limitado, como algo menor que o divino Mar de Amor. E você pode descobrir que mesmo na experiência de limitação está o amor divino: dentro desta 'Leela', deste jogo; dentro deste mistério chamado vida, está este princípio unificador. Que todos descubram a si mesmos como sendo apenas Aquilo, como Tudo. Isto vem direto do mestre. Agora que você tem a sua resposta, o que vai fazer com ela?

P: Bem, estou procurando um meio de ficar neste estado.

G: Aha! Isto é excelente, porque essa é a pergunta: "Como eu permaneço neste estado?" Mas esta pergunta garante que ele não permanecerá. Se você realmente ouvir isto, ouvirá o que eu disse. Esta mesma pergunta, por mais legítima e natural que seja, é a garantia da saída, porque naquele momento você está se separando do Amor. Você está atribuindo o Amor, o Mar divino de Amor, a uma onda em particular, em vez da totalidade do Mar. Então, não é de admirar que você pergunte: "Onde está o Mar, onde está o Mar?" E então…

P: Bem, eu fiquei neste estado durante uma semana e meia.

G: Uma semana e meia. Meu Deus, um iogue regular, hmm? Escute, uma semana e meia é muito tempo. Poderia acontecer em um segundo. Para algumas pessoas aqui, aconteceu durante uma fração de segundo, e elas nem se lembram; porém, sabem que aconteceu, porque há um eco em seu coração. E é só isso que tem que acontecer. Então, o resto de sua vida pode ser dedicado a descobrir aquilo (não naquela forma, não com aquelas qualidades; não com os mesmos fenômenos, e não naquele estado físico, emocional ou mental específico, por mais belo que tenha sido). Descubra-o aqui, neste plano, neste momento normal. O segredo é parar de buscar. Então esta pergunta: "Como eu consigo isso? Como encontro isso? Como mantenho isso?" não tem aonde ir. E aqui está uma descoberta, uma descoberta indizível. Eu realmente não posso falar sobre esta descoberta, porque falar sobre ela daria a ela uma certa forma. E você então imaginaria que é isso que você tem que buscar. Mas isso está bem aqui. Sempre está aqui, COMO AQUI É. O presente incrível de Papaji e de Ramana é que esta simplicidade torna irrelevantes todos as questões de prática, de preparação, karma, bondade, maldade, escolha ou ausência de escolha. Neste momento, pare e vivencie o que está aqui."

domingo, outubro 25, 2009

Mergulhe em sua "grande desilusão"


Gangaji


Gangaji - Há um determinado nó na investigação espiritual que precisa ser desfeito, que necessita ser desemaranhado. Ele não é novo. Você certamente já ouviu falar dele. Trata-se da tendência e o hábito de buscar a verdade, a perfeição ou a realização fora de si mesmo. É importante compreender como isso acontece. E talvez esta compreensão possa ser o meio de desatar este nó tão apertado.

No decorrer de uma vida, pode ocorrer um momento precioso e importante, no qual se reconhecem os maus hábitos, os vícios, o horror, a violência e a imundície que temos chamado de "eu". É um grande choque, um grande abalo; isso é muito importante, caso contrário, o horror e a imundície simplesmente continuam a ser acumulados, em nome e a serviço da exultação de "mim" e da "minha história". Este reconhecimento é um choque espiritual, e pode haver (e geralmente há) um grande estremecimento, seguido de um desejo de descobrir o que é verdadeiro, o que é real, o que é puro, o que é sagrado, o que é livre. Portanto, a busca começa "lá fora".

Temos muitos exemplos primorosos de "lá fora". Em todas as épocas, houve sábios, santos, messias, homens e mulheres para quem podemos apontar e dizer: "Está presente neles. Por que não consigo chegar lá?" Então, há muitas tentativas de consertar o que se percebe como revoltante e limitado, para que possa ser mais como o que se imagina que é puro e sagrado. Todos vocês já tentaram isso. Isso não é nenhuma novidade, certo? Há esforço e trabalho, um sentido de estar ganhando terreno, e uma sensação de estar perdendo terreno, até que, finalmente, ocorre um outro grande choque espiritual. Eu o chamo de "a grande desilusão". Quando se reconhece que TODA tentativa de consertar o caráter, a personalidade, os hábitos ou os vícios nem sequer toca aquele o abismo de separação entre quem você é e a própria perfeição, há uma grande desilusão. Um abismo enorme aparece então. Este é o anseio da alma por Deus. E você vê claramente que todo o esforço, a luta, a áspera escalada, com todos os seus ganhos, ainda não tocaram a profundeza deste anseio. Isto é crucial. Esta é a noite escura da alma. É o reconhecimento de que "Eu nunca conseguirei fazer isso. Eu tentei, trabalhei duro, mas jamais conseguirei fazê-lo."

Há muitos caminhos que podem desviá-lo deste momento. Você pode encorajar a si mesmo com pensamentos como este: "Sim, você pode fazer isso. Espere e Deus virá até você. Esforce-se mais. Não desanime."

Mas, em vez de seguir qualquer um destes atalhos, eu o convido a deixar-se cair no fio desta espada de dois gumes: a desilusão e o anseio. Caia bem no meio, para que a espada dilacere este sentido de um abismo de separação. Caia direto dentro do abismo. Recuse-se a seguir qualquer caminho que possa lhe trazer conforto ou esperança ou, a estas alturas, até uma crença. Na verdade, disponha-se a encarar a espada, e deixe que ela dilacere o seu coração.

Este é o verdadeiro convite do satsang. É um convite radical: aceitar não se mover diante do anseio, da desilusão, para descobrir: Quem sou eu, realmente? O que está aqui realmente? É aceitar ver o que existe em um nível mais profundo do que a percepção; o que é mais profundo do que se percebe com os sentidos. É aceitar morrer. Todo o condicionamento é para não morrer. Todo o apoio, a esperança e a crença são de que "Eu não vou morrer", ou "Se eu morrer, irei para o céu, onde me encontrarei com minha avó, ou meus amigos que já foram antes de mim". Por debaixo de todas estas esperanças e crenças está este anseio. Convido você a mergulhar neste anseio. Não na história do anseio, mas no próprio anseio. Ele não está separado da desilusão. A verdadeira desilusão é sagrada: a ilusão é destruída. E o que não pode ser imaginado, o que não se sujeita à estimulação da mente é revelado.

É maravilhoso encontrar alguém, ou viver um momento que abala a ilusão e, embora isto mereça ser reverenciado, é muito importante ver como a mente individual cria um abismo de separação. Todos os grandes mestres disseram que "Você e eu somos um", "Eu e meu pai somos um" ou "Tudo é o mesmo Ser." É irônico como a mente transforma isto em uma ilusão de separação: "Ele e seu pai são um", "Ela e eles são o mesmo", ou "Tudo é um, menos eu; eu fui excluído." Isso soa familiar, não é? Esses hábitos do pensamento são fortes e são reforçados mais ainda, mesmo com as melhores intenções. Com a disposição de parar de alimentar estes hábitos de pensamento, o anseio e a desilusão são encarados diretamente, assim como Cristo na cruz encarou o aparente abandono de Deus.

Isto é oferecido a todos. De alguma maneira, você aceitou o convite até um certo ponto. Mas há sempre mais. Vá mais fundo, penetre mais profundamente, até você, finalmente, não conseguir encontrar distinção entre dentro e fora, entre pai e filho, entre Deus e alma, entre mim e você. Esta é a possibilidade revelada pelo convite ao satsang. Isto é possível para você também. Não se limita ao Buda ou a Cristo. Não se limita a Ramana. Não se limita a Gangaji. Não se limita a nada, e este é o maior ensinamento. Ela é ilimitada. A presença de Deus é onipresente; está em toda parte, o tempo todo.

Esta é a promessa de todos os grandes ensinamentos. É a mensagem que o guru do meu guru transmitiu a ele. É a mensagem que meu guru transmitiu a mim. É a mensagem que é livremente transmitida a você. É a mensagem que vem do mais íntimo do seu ser. A disposição de entrar está em simplesmente receber o que já existe no mais íntimo do seu ser. Não um outro dia, mas agora mesmo: sempre agora. E eu lhe dou as boas-vindas. Dou-lhe as boas-vindas ao entrar. O que parece estar fora também está dentro.

P - "Duas semanas atrás eu não sabia o que era satsang nem quem era Gangaji. Mas quando vi o seu vídeo e olhei em seus olhos, o anseio foi preenchido. Não vi uma forma, vi meu coração."

G - Que sorte que o anseio estava tão perto, que já não estava mais escondido. De alguma maneira, ele eclodiu para encontrar a si mesmo.

P - "Quarenta e tantos anos de anseio..."

G - Quarenta milhões de anos! Muito mais do que esta vida, na verdade. Você nem precisa acreditar em reencarnação. Nossos genes são codificados pelas vidas de nossos ancestrais e os desejos, realizações e decepções de, pelo menos, quarenta milhões de anos.

P - "O que você acaba de dizer foi perfeito. Descreveu esta jornada. Há duas semanas, fiquei apavorada quando tive que encarar completamente o terror de cair sobre aquela espada... E foi... Todo o terror passou. A idéia de que somos este pequeno conceito imaginado é uma grande mentira. Até aquele momento, o terror era apenas um pensamento, apenas uma história, algo pelo que eu tinha que passar. Estou tão contente."

G - Eu estou tão contente! Que boas novas!

P - "Aquela profundeza me aterrorizava, porque eu não sabia quem eu era; estava com tanto medo de vivenciar o que estava do outro lado. Isto aconteceu em conseqüência de um ajuste de contas com o fato de ter sido abandonada. Eu tinha imaginado que morreria e, num certo sentido, morri. Mas o jeito é passar por isso. Estou tão grata por ter confiado o suficiente, e ter visto que o convite era para receber, para render-me àquilo que somos. Até aquele momento de entrega, doce rendição, eu nunca tinha vivido a entrega em minha vida. Por isso estou tão agradecida, porque ouvi o seu chamado. Eu não percebo você na forma. Vejo meu coração em você."

G - Sim, seu coração aí e seu coração aqui. Estas são boas novas para todo o planeta. As reverberações destas boas novas são imensas. O cosmos inteiro participa deste despertar.

P -"Então, agora eu caminho como amante, em vez de tentar ser amada e o meu anseio mais profundo (porque ele se aprofunda cada vez mais) é que aqueles que tiverem contato comigo também perceberão você em mim."

Aleluia! Isso mesmo. Que todos os seres despertem para si mesmos.

O repouso é profundo.

Sim.

Eu te amo.

Namastê.

quinta-feira, julho 23, 2009

As profundezas da simplicidade


Gangaji


G: A Realidade é - não o que você pensa que é, não o que você imagina que é, e não é o que tem sido dito para você. Isto é, não é o que você acredita é, não é o que você desejaria que fosse, não é o que você teme que seja, - mas o que é simplesmente é. O que é, é , além do que pode ser pensado.

G: Para realizar o que é, uma implacável investigação é necessária, sobre o que é transitório e o que é imutável. Quando eu falo em implacabilidade, não quero significar luta ou esforço. Verdadeira implacabilidade é sem tensão. Tem que ser sem tensão. Uma disciplina que é relaxada e implacável é possível à todo momento. (Por conta da Realidade Absoluta, que é além de todas as coisas).

D: Eu tenho querido este tipo de disciplina.

G: Até querer é muito esforço. Querer é um pensamento, uma complicação, e um adiamento.

D: Muita gente diz que a iluminação é difícil.

G: O grande debate: É o acordar difícil ou fácil? Essa questão é similar ao debate: É o acordar gradual ou instantâneo? Em qualquer época há um grande debate, e o povo que está debatendo se mantêm ocupado. Por estarem ocupados, em lugar de justamente estarem aqui, estarem neste momento, o acordar é adiado. Esqueça difícil e fácil. Quem você é não é tocado por isso. Se não é difícil e nem fácil descobrir quem você é, se acordar é mais próximo que dificuldade ou facilidade, então para que?

G: Quem você é, está fora de medidas. Eu normalmente aponto para a facilidade de se acordar porque eu falo com muita gente que se pega a idéia de dificuldade. Se eu encontro alguém apegado a idéia de que é fácil...

D: Você dirá que é difícil.

G: Talvez, porque a solução é revelada quando há a quebra do apego a qualquer idéia. Quando a discussão interna cessa, a mente fica quieta. No silêncio, onde esta a facilidade ou a dificuldade?

D: Você tem falado que a dificuldade está na resistência em experimentar diretamente o que está surgindo.

G: Sim, eu tenho dito que o que faz qualquer coisa difícil é o seu 'não querer experimentar' totalmente o que é. O que faz qualquer coisa fácil é o seu querer experimentar totalmente todas as coisas.

G: O que eu aponto é imensamente simples. É mais imediato que a memória e mais próximo que a sua própria respiração. Pare de respirar e ainda está presente. Respire a respiração, e isto está presente. Esqueça tudo, e isto está presente. Relembre algo, e está presente. Boas experiências... presente. Más experiências... presente. Negando... presente. Afirmando... presente. Discussões sublimes... presente. Discussões mundanas... presente. Todos os sentimentos, sensações, pensamentos, emoções... presente. Sem sentimentos, sem sensações, sem pensamentos, sem emoções... presente.

Você vê como é simples? Você não está separado do seu verdadeiro ser. Diga me qualquer experiência que você percebeu onde a consciência não estava presente. Somente esse simples reconhecimento pode fazer acabar a habitual procura por você mesmo em algum outro lugar.

Quando a procura acaba, a revelação daquilo que tem sempre estado presente fica evidente. Isto não passa a estar presente ou cresce em presença, é simplesmente sempre presente.

D: Isto é muito simples para a minha mente entender.

G: Pare de procurar em sua mente por totalidade. Quando sua mente começa sua habitual agitação, trate essa agitação como um alarme do dharma, e relaxe. Você não encontrará você em sua mente. Sua mente está em você.

Acordar é experenciado como complicado somente porque você acredita profundamente que é revelado em complicação. Quando você está pronto para ser simples, você colocará de fora suas idéias. Você pára de cozinhar em complicação.

Se você tem levado uma vida complicada, comece direto pelo núcleo desta complicação, bem no centro, onde nada está acontecendo. Se você gostar do que se revelará neste centro, se você se sentir atraído pelo que é revelado, então traga todas as suas complicações para este centro. Talvez surjam complicações enormes, mas quando complicações encontram simplicidade, elas não podem se misturar. A complicação se dissolve. Complicação não pode vencer a verdadeira simplicidade. A simplicidade é muito profunda. Ela absorve todas as coisas. Complicação somente surge como subproduto de atividade mental. Simplicidade é uma emanação da verdade.

Eu sei que muita gente tem receio da simplicidade. Eles tem uma idéia ou uma imagem de que a simplicidade os levará a estupidez.

Simplicidade não é estupidez. Ela é profunda sabedoria.

Eu entendo o medo da simplicidade, mas esse medo somente continua se você o alimenta com mais complicações. Tudo o que é requerido é a sua prontidão para ficar quieto, para ser aquilo que você é em seu centro. Não quem você imagina que você é, não aquilo que dizem que você é. Qualquer nome é por demais complicado. Até a palavra “simples” é muito complicada, porque você pode ter alguma idéia do que simples significa, e qualquer idéia é muito complicado.

Reconheça a complicação de dar um nome, de pensar o passado, elaborar o futuro. Agora ponha de fora todos os nomes. Ponha-me de lado. Ponha-se de lado. Ponha de lado o tempo. Ponha complicação de lado. Ponha simplicidade de lado.

D: Você pode dizer algo sobre como viver em simplicidade?

G: O que é que você realmente quer? Não o que tem sido dito que você quer, e não o que você pensa que quer, mas o que você realmente quer?

D: Eu quero ser capaz de relaxar.

G: Maravilhoso. Então relaxe.

(risos)

G: Sim, isso mesmo! Facilmente, imediatamente. Rir é o melhor método de relaxamento. Ninguém tem que te ensinar como rir.

(mais risos)

G: Isto está perfeito! Essa é a perfeita, imediata yoga de relaxamento. Nesse relaxamento você realizou?

D: Eu senti uma abertura. Se eu justamente sempre saio disso eu perco isso?

G: A imagem ou pensamento de perder é uma tensão da mente. Obviamente, o tensionamento da mente é um hábito forte que vem sendo apoiado pela família, professores e cultura há um longo tempo. Quando este hábito aparecer, relaxe. Na abertura, não há limites. Tudo que se procura com um esforço da mente é encontrado na abertura da mente.

Este é um grande segredo, uma grande ironia. Toda busca, todo esforço, toda luta para encontrar seu verdadeiro ser, é naturalmente revelado na abertura, no simples relaxamento. Continue rindo. Não há tempo para complicar as coisas quando você esta rindo.

O relaxamento físico é muito agradável e, obviamente, se você está fisicamente relaxado há também algum relaxamento mental. Para um profundo relaxamento mental, reconheça que seguir um pensamento necessita de algum esforço, alguma atenção.

Não entre em transe, nem adormeça. Reconheça onde o sono profundo e a vigilância absoluta se encontram.

Usualmente em vigília nós estamos condicionados a seguir os pensamentos: esse é o tempo de planejar, tempo de lembrar de “mim” e “minha estória”; o que eu devo fazer; o que não devo fazer; e o que preciso fazer melhor.

Este dialogo é usualmente chamado de estado acordado. No estado do sono profundo, toda essa conversação cessa. Não há “mim”. Não há relacionamentos. Traga juntos a pura presença do sono profundo à absoluta vigília do estado acordado, e permita que a mente relaxe enquanto se mantém alerta. Para revelar o seu ser para o seu ser é necessário que não haja pensamentos, não haja nomes, não haja formas.

Eu estou apontando para a inteligência no seu máximo potencial, acordada para si mesma. Quando a atenção está livre e aberta, a mente não pode encobrir a Fonte.

D: Ontem, durante a meditação um pequeno click aconteceu. E os “meus” e “mim” e “minhas” todos desapareceram.

G:Um pequeno click? Este click é o fim do mundo.

D: Houve justo um relaxando acontecendo – sem fogo, sem explosão.

G: No centro do fogo, há um limpo e vazio espaço. Isto é paz. Este é o EU do fogo.

D: De algum modo parece tão simples.

G: Sim. O que é mais simples do que o claro centro do fogo? Isto é tão simples e ainda não há fim para as cores que surgem disto. Não há chama, não há queima, não há manifestação de fogo, não há forma de vida, sem aquilo que habita o centro de todas as coisas – a pura e simples presença do eterno ser.