- Masaharu Taniguchi -
O IMACULADO PARAÍSO BÚDICO
Um canto soa através das árvores, no princípio distante, e depois torna-se mais próximo...
Discípulo A - Alguém está cantando.
Discípulo B - É mesmo! Quem será?Ouve-se a voz entoando o Canto da Vida Eterna:
"Este corpo é como o arco-íris.
O arco-íris não é perene
e em breve desaparece.
Este corpo é como a bolha.
A bolha não é perene
e em breve desaparece.
Este corpo é como a miragem.
A miragem não é perene
e em breve desaparece.
Este corpo é como o eco.
O eco não é perene
e em breve desaparece.
Este corpo é como o relâmpago.
O relâmpago não é perene
e em breve desaparece.
Este corpo é como a nuvem.
A nuvem não é perene
e em breve desaparece.
Este corpo é como a correnteza.
A correnteza é inconstante
e se escoa sem parar.
Este corpo é como a bananeira:
parece que é sólido,
mas não tem consistência.
Este corpo é como o fogo:
parece que transmite calor,
mas a tudo consome e se extingue.
Este corpo é como o sonho:
parece que é real,
mas é irreal e efêmero.
Este corpo vem da ilusão:
parece ter substância,
mas é vazio e efêmero.
Este corpo é desamparado;
parece ter amparo,
mas logo se desmorona.
Este corpo não possui mente;
embora pareça possuí-la,
não a possui, tal qual entulho.
Este corpo não tem vida;
como palha carregada pelo vento,
é arrastado pela força do carma.
Este corpo é impuro;
embora pareça formoso,
está repleto de impurezas.
Este corpo é transitório;
embora pareça duradouro,
um dia terá de morrer.
Não é existência verdadeira
o que some como a bolha,
o arco-íris, a miragem, o eco.
Não tomeis por vosso Eu
o que não é existência verdadeira;
jamais o considereis vosso Eu.
O que é efêmero não é o vosso Eu.
O que morre não é o vosso Eu.
O que desaparece não é o vosso Eu.
O que é eterno, eis o Eu!
O que é imortal, eis o Eu!
O que é universal, eis o Eu!"
Discípulo A - Quem está cantando é o discípulo de Vimalakirti.
Discípulo B - Ah! É por isso que aquele canto soou tão sublime!
Discípulo B - Ah! É por isso que aquele canto soou tão sublime!
Discípulo A - Senti-me como se estivesse ouvindo o sermão do venerando Sakyamuni – "Este corpo é como o eco, que não é duradouro e em breve se extingue." Realmente, o eco se apaga em breves instantes. Já não se ouve o eco daquele canto.
Discípulo B - "Este corpo não tem vida; como palha carregada pelo vento, é arrastado pela força do carma". É isso mesmo. Cada manhã, varremos as folhas secas deste pomar, mas no dia seguinte o chão está novamente coberto delas. Assim é o desenrolar do carma. As folhas secas que cobriam o chão ontem não são as mesmas que o cobrem hoje; e as folhas que cobrem o chão hoje não mais estarão aqui amanhã, e em seu lugar haverá outras folhas secas... As árvores, embora pareçam desenvolver-se a cada novo dia, na verdade está fenecendo um pouco a cada dia que passa, a cada folha seca que se desprende e cai no chão. Quem não percebe isso não conhece a Verdade. Este mundo é transitório. Todas as coisas deste mundo são transitórias.
Discípulo A - Quem é superior: o venerando Sakyamuni ou o grande Vimalakirti?
Discípulo B - Claro que o venerando Sakyamuni é superior. Ele é o Iluminado. Não há neste mundo ninguém que possa se igualar a ele.
Katyayana - Eu, pessoalmente, acho que é imensurável a grandiosidade de Vimalakirti. Sei que a grandiosidade do venerando Sakyamuni está acima de minha imaginação. Nós, discípulos, estamos sempre ao lado dele e o observamos de perto, e por isso não podemos conhecer a sua real grandiosidade, do mesmo modo que não podermos ver o topo de uma montanha estando ao pé dela. Quanto ao grande Vimalakirti, podemos observá-lo à distância, assim como observamos de longe a cordilheira do Himalaia, e parece-me que a sua grandiosidade se destaca dos outros. Por isso, embora não possamos comparar sua grandiosidade com a do venerando Sakyamuni, de quem não podemos ter a visão geral por estarmos demasiadamente perto, imagino que Vimalakirti seja tão grandioso quanto o venerando Sakyamuni.
Discípulo B - "Este corpo não tem vida; como palha carregada pelo vento, é arrastado pela força do carma". É isso mesmo. Cada manhã, varremos as folhas secas deste pomar, mas no dia seguinte o chão está novamente coberto delas. Assim é o desenrolar do carma. As folhas secas que cobriam o chão ontem não são as mesmas que o cobrem hoje; e as folhas que cobrem o chão hoje não mais estarão aqui amanhã, e em seu lugar haverá outras folhas secas... As árvores, embora pareçam desenvolver-se a cada novo dia, na verdade está fenecendo um pouco a cada dia que passa, a cada folha seca que se desprende e cai no chão. Quem não percebe isso não conhece a Verdade. Este mundo é transitório. Todas as coisas deste mundo são transitórias.
Discípulo A - Quem é superior: o venerando Sakyamuni ou o grande Vimalakirti?
Discípulo B - Claro que o venerando Sakyamuni é superior. Ele é o Iluminado. Não há neste mundo ninguém que possa se igualar a ele.
Katyayana - Eu, pessoalmente, acho que é imensurável a grandiosidade de Vimalakirti. Sei que a grandiosidade do venerando Sakyamuni está acima de minha imaginação. Nós, discípulos, estamos sempre ao lado dele e o observamos de perto, e por isso não podemos conhecer a sua real grandiosidade, do mesmo modo que não podermos ver o topo de uma montanha estando ao pé dela. Quanto ao grande Vimalakirti, podemos observá-lo à distância, assim como observamos de longe a cordilheira do Himalaia, e parece-me que a sua grandiosidade se destaca dos outros. Por isso, embora não possamos comparar sua grandiosidade com a do venerando Sakyamuni, de quem não podemos ter a visão geral por estarmos demasiadamente perto, imagino que Vimalakirti seja tão grandioso quanto o venerando Sakyamuni.
Discípulo A - Por que você diz isso? O que você tanto admira em Vimalakirti?
Katyayana - Certa vez, fui fazer pregação nas ruas. Seguindo os ensinamentos do venerando Sakyamuni, preguei o seguinte: Este mundo é transitório. Não há sequer uma coisa neste mundo que seja perene. O que está vivo, um dia terá de morrer; o que nasceu, um dia perecerá. Também as coisas materiais, como estas roupas que trazemos no corpo, sendo meros produtos fabricados, desgastar-se-ão e se rasgarão com o passar do tempo. Aliás, desde já elas estão em processo de desgaste, e dia chegará em que não mais suportarão o uso. O mesmo ocorre com todos os bens materiais. Aquele que possui bens é fadado a sofrer, na ânsia de evitar a perda de suas posses. A maioria das pessoas apega-se a coisas transitórias, esperando que elas durem para sempre, e sofre devido à ânsia de conservá-las consigo eternamente. Mas o próprio ser humano também é transitório: está vivo hoje, mas poderá estar morto amanhã. Mesmo que os bens materiais fossem perenes, a própria pessoa que os possui é transitória e fadada a morrer. E quanto maior a quantidade de bens que a pessoa possui, maior será o sofrimento de sua alma quando chegar a hora da morte. Todos os seres e todas as coisas são transitórios. Tudo que é do mundo fenomênico não é existência verdadeira, não passando de produto do carma. Tanto o "eu" fenomênico como as "coisas" fenomênicas, às quais se apega o "eu" fenomênico, não têm existência real. Quando despertamos para esta Verdade e abandonamos totalmente o apego, encontramos a verdadeira paz. Essa paz e plenitude, a que chamamos Nirvana, constituem o estado de suprema graça. Em suma, eu estava explicando assim o significado da transitoriedade, do sofrimento, do nada e da "anulação do ego", sem saber que no meio da multidão que me ouvia encontrava-se Vimalakirti.
Katyayana - Certa vez, fui fazer pregação nas ruas. Seguindo os ensinamentos do venerando Sakyamuni, preguei o seguinte: Este mundo é transitório. Não há sequer uma coisa neste mundo que seja perene. O que está vivo, um dia terá de morrer; o que nasceu, um dia perecerá. Também as coisas materiais, como estas roupas que trazemos no corpo, sendo meros produtos fabricados, desgastar-se-ão e se rasgarão com o passar do tempo. Aliás, desde já elas estão em processo de desgaste, e dia chegará em que não mais suportarão o uso. O mesmo ocorre com todos os bens materiais. Aquele que possui bens é fadado a sofrer, na ânsia de evitar a perda de suas posses. A maioria das pessoas apega-se a coisas transitórias, esperando que elas durem para sempre, e sofre devido à ânsia de conservá-las consigo eternamente. Mas o próprio ser humano também é transitório: está vivo hoje, mas poderá estar morto amanhã. Mesmo que os bens materiais fossem perenes, a própria pessoa que os possui é transitória e fadada a morrer. E quanto maior a quantidade de bens que a pessoa possui, maior será o sofrimento de sua alma quando chegar a hora da morte. Todos os seres e todas as coisas são transitórios. Tudo que é do mundo fenomênico não é existência verdadeira, não passando de produto do carma. Tanto o "eu" fenomênico como as "coisas" fenomênicas, às quais se apega o "eu" fenomênico, não têm existência real. Quando despertamos para esta Verdade e abandonamos totalmente o apego, encontramos a verdadeira paz. Essa paz e plenitude, a que chamamos Nirvana, constituem o estado de suprema graça. Em suma, eu estava explicando assim o significado da transitoriedade, do sofrimento, do nada e da "anulação do ego", sem saber que no meio da multidão que me ouvia encontrava-se Vimalakirti.
Disípulo A - Ah! Então o grande Vimalakirti estava lá? Isso é interessante!
Katyayana - Pois é! Eu estava fazendo pregação, quando alguém, no meio da multidão, chamou meu nome. Olhando para o lado de onde veio a voz, fiquei surpreso ao descobrir, no meio das pessoas, o rosto de Vimalakirti sorrindo para mim.
Discípulo B - E o que ele lhe disse? Irmão Katyayana, você, que é considerado o mais hábil argumentador entre os dez principais discípulos do venerando Sakyamuni, certamente não se deixou derrotar pelos argumentos de Vimalakirti, não é?
Katyayana - Vimalakirti me disse: "O que você está pregando é a Verdade sobre coisas fenomênicas e não a Verdade sobre a Essência absoluta do ser, sobre a existência verdadeira. Não se pode conduzir as pessoas à compreensão do que é a perene Essência do ser, falando-lhes sobre coisas transitórias. Os fenômenos transitórios não são existências reais, assim como não é existência real a "mente fenomênica" que apreende tais fenômenos. Por mais que você fale sobre as coisas fenomênicas, que são existências falsas, com a "mente fenomênica" que também é existência falsa, as pessoas não irão compreender a Essência absoluta do mundo e dos seres. Você deve apreender com a mente eterna a Essência eterna do ser e pregar isso aos outros. Senão, seu mestre Sakyamun ficará decepcionado com você".
Mesmo sendo eu considerado o mais hábil argumentador dos dez principais discípulos do venerando Sakyamuni, naquele momento vi-me incapaz de revidar as palavras de Vimalakirti. De fato, minha pregação consistia basicamente em falar da transitoriedade e do fenômeno. Em outras palavras, eu analisava minuciosamente as coisas fenomênicas e nisso baseava meu argumento. Vimalakirti estava com razão, quando disse que não se pode conduzir as pessoas à compreensão da Essência do ser, pregando-lhes tão somente a transitoriedade do fenômeno. Confesso que Vimalakirti me deu uma lição,
Sariputra - A mim também ele deu uma lição, certa vez.
Discípulo B - O que!? Você também ficou sem argumento diante de Vimalakirti? Ele deu uma lição até a você, que é considerado o mais sábio dos dez principais discípulos do venerando Sakyamuni?
Sariputra - Se deu! Foi numa ocasião em que eu estava absorto na prática do Zen, num bosque. De olhos cerrados, estava concentrado para contemplar a Essência perfeita dos seres, quando senti alguém tocar a minha cabeça. Abri os olhos, e vi Vimalakirti a meu lado. Incomodado, bradei: "Não me perturbe, estou praticando o Zen! Vá embora daqui!".
Então Vimalakirti replicou calmamente: "A prática do Zen não consiste necessariamente em ficar imóvel, de olhos fechados. Se você ficou assustado com o toque de minha mão em sua cabeça, ainda tem muito a aprender a respeito da prática do Zen. A verdadeira prática do Zen consiste em atingirmos, mesmo sem a concentração meditativa, o estado de plenitude espiritual que nos permite agir com a máxima serenidade e naturalidade, em qualquer situação; consiste em transcendermos o mundo dos sentidos e tornarmo-nos invulneráveis, versáteis e livres de todo e qualquer empecilho."
Assim explicou. E disse mais: "A prática do Zen não consiste necessariamente na introspecção ou na meditação sobre o mundo exterior, nem requer isolamento no monte ou no bosque. Manifestar naturalmente a Verdade e a Luz, mesmo vivendo no meio urbano e efetuando afazeres banais – isto é a verdadeira prática do Zen. Sublimar as paixões, em vez de negá-las – isto é a verdadeira prática do Zen". E disse mais ainda: "A prática do Zen não consiste necessariamente em ficar imóvel e silencioso. Agir do modo mais acertado para cada circunstância, imobilizando o oponente ou enfrentando-o audaciosamente quando necessário, e fazer isso sem perder a serenidade – isto é a verdadeira prática do Zen".
Discípulo B - E como você reagiu a essas palavras?
Sariputra - Não pude opor nenhum argumento. Percebi que eu não estava à altura de discutir com Vimalakirti. Ciente da superioridade dele, achei a atitude mais sábia naquela circunstância era reder-me docilmente, e foi o que fiz.
Discípulo A - Em que circunstância curiosa você foi manifestar a sua célebre sabedoria, irmão Sariputra!
Maudgalyayana - Acho-o sábio justamente por ser ele capaz de agir assim. Para falar a verdade, eu também tive que me curvar aos argumentos de Vimalakirti, certa ocasião.
Discípulo B - Você também, irmão Maudgalyayana? Dentre os discípulos do venerando Sakyamuni, você é o que tem o poder extra-sensorial mais desenvolvido. Então, porque não leu os pensamentos mais recônditos de Vimalakirti para derrota-lo com seus argumentos?
Sariputra - Conte-nos o seu caso, para que nos sirva de lição.
Maudgalyayana - Está bem. Certo dia, eu estava pregando sermão nas adjacências do Castelo de Vaisali. Eu pregava quão execráveis são a matança, a cobiça, a luxúria, a gula, a cólera, a ignorância, a mentira, a perfídia, a hipocrisia, as maledicências, etc. A certa altura, alguém no meio da multidão gritou: "Mas você próprio está falando mal dos outros. Você só vê maldade no ser humano. Fazer esse tipo de pregação é o mesmo que cometer o pecado de maledicência!".
Olhei surpreso para a direção de onde vinha a voz, e avistei Vimalakirti, que prosseguiu dizendo: "Ao fazer sermão, basta transmitir os ensinamentos, basta falar a Essência absoluta e perfeita do homem. Não se deve fazer do homem mundano, do homem pecador, o objeto do sermão. Em sua essência, ninguém é mal; não existem pessoas más. A Essência do homem é absoluta e perfeita. Ela não tem nome, e não há palavras que a possam explicar ou descrever. As palavras são meios pelos quais explicamos ou descrevemos as coisas fenomênicas, portanto não podem explicar a Essência absoluta e perfeita do homem. A Essência não possui forma e é infinita como firmamento. Ela é como o céu sem nuvens. O céu com nuvens parece mutável, mas o céu completamente sem nuvens parece perfeitamente imutável. Não há meio de se explicar a Essência absoluta e perfeita do homem, que não é toldada pelas vicissitudes fenomênicas. A Essência do homem não tem aspecto definido, não aumenta nem diminui, é indestrutível, não pode ser captada pelos sentidos. O firmamento, em bora pareça imóvel, é dinâmico. Assim também é a Essência do homem. Por ser invisível e imaterial, não podemos descrevê-la nem ouvi-la. Explicar a invisível e imaterial Essência ao homem fenomênico, que não é existência verdadeira, é como se um mágico falasse à "imagem ilusória" criada por ele mesmo. A "imagem ilusória" toma o aspecto que o mágico desejar, em conformidade com as palavras dele. Portanto, ao pregarmos sermão, não devemos fazê-lo como se estivéssemos nos dirigindo a pecadores. Em vez de falar de pecados e maldades, fale da virtude e do bem. Em vez de aconselhar as pessoas a se guardarem contra os pecados, pregue o Grande Veículo (*parte do budismo que prega a Essência absoluta, perfeita e transcendental do homem que está salvo desde o princípio) e enalteça as graças búdicas bem como o mérito de Buda, da Verdade e das pessoas que praticam os ensinamentos".
Quando Vimalakirti terminou de falar, olhei ao redor e constatei que ninguém mais estava olhando para mim. Todos olhavam para Vimalakirti, aplaudindo-o e reverenciando-o. Nunca me senti tão embaraçado como daquela vez.
Maudgalyayana - Está bem. Certo dia, eu estava pregando sermão nas adjacências do Castelo de Vaisali. Eu pregava quão execráveis são a matança, a cobiça, a luxúria, a gula, a cólera, a ignorância, a mentira, a perfídia, a hipocrisia, as maledicências, etc. A certa altura, alguém no meio da multidão gritou: "Mas você próprio está falando mal dos outros. Você só vê maldade no ser humano. Fazer esse tipo de pregação é o mesmo que cometer o pecado de maledicência!".
Olhei surpreso para a direção de onde vinha a voz, e avistei Vimalakirti, que prosseguiu dizendo: "Ao fazer sermão, basta transmitir os ensinamentos, basta falar a Essência absoluta e perfeita do homem. Não se deve fazer do homem mundano, do homem pecador, o objeto do sermão. Em sua essência, ninguém é mal; não existem pessoas más. A Essência do homem é absoluta e perfeita. Ela não tem nome, e não há palavras que a possam explicar ou descrever. As palavras são meios pelos quais explicamos ou descrevemos as coisas fenomênicas, portanto não podem explicar a Essência absoluta e perfeita do homem. A Essência não possui forma e é infinita como firmamento. Ela é como o céu sem nuvens. O céu com nuvens parece mutável, mas o céu completamente sem nuvens parece perfeitamente imutável. Não há meio de se explicar a Essência absoluta e perfeita do homem, que não é toldada pelas vicissitudes fenomênicas. A Essência do homem não tem aspecto definido, não aumenta nem diminui, é indestrutível, não pode ser captada pelos sentidos. O firmamento, em bora pareça imóvel, é dinâmico. Assim também é a Essência do homem. Por ser invisível e imaterial, não podemos descrevê-la nem ouvi-la. Explicar a invisível e imaterial Essência ao homem fenomênico, que não é existência verdadeira, é como se um mágico falasse à "imagem ilusória" criada por ele mesmo. A "imagem ilusória" toma o aspecto que o mágico desejar, em conformidade com as palavras dele. Portanto, ao pregarmos sermão, não devemos fazê-lo como se estivéssemos nos dirigindo a pecadores. Em vez de falar de pecados e maldades, fale da virtude e do bem. Em vez de aconselhar as pessoas a se guardarem contra os pecados, pregue o Grande Veículo (*parte do budismo que prega a Essência absoluta, perfeita e transcendental do homem que está salvo desde o princípio) e enalteça as graças búdicas bem como o mérito de Buda, da Verdade e das pessoas que praticam os ensinamentos".
Quando Vimalakirti terminou de falar, olhei ao redor e constatei que ninguém mais estava olhando para mim. Todos olhavam para Vimalakirti, aplaudindo-o e reverenciando-o. Nunca me senti tão embaraçado como daquela vez.
Maha-Kasyapa - Eu também tenho um caso para lhes contar. Certa vez, eu estava percorrendo as ruas da cidade para cumprir a mendicância religiosa, escolhendo justamente os bairros mais pobres.
Discípulo B - Por que percorreu comente os bairros pobres?
Maha-Kasyapa - Porque não tenho tempo para fazer a mendicância religiosa em todas as casas da cidade.
Discípulo B - O que quero saber é: por que escolheu somente os pobres para pedir esmola? Os recursos daquelas pessoas são limitadíssimos; se derem esmola aos que praticam mendicância religiosa, elas ficarão ainda mais pobres.
Maha-Kasyapa - Antes, eu também pensava assim, e um dia expus minha dúvida ao venerando Sakyamuni. Então ele me disse: "Os pobres são pobres devido a seus carmas: como resultado de não terem acumulado boas ações na existência anterior, nasceram em lares pobres. Se uma aldeia é assolada pela fome, é porque seus habitantes não acumularam, em sua existência anterior, boas ações que dão origem à felicidade. Portanto, percorrer bairros pobres e até mesmo aldeias assoladas de fome para cumprir mendicância religiosa é um ato de caridade que resulta na salvação daquela gente; é um ato que faz aquela gente praticar boas ações, que resultarão em sua prosperidade futura". Foi por isso que eu estava percorrendo os bairros pobres, fazendo a mendicância religiosa.
A certa altura, ouvi alguém chamar atrás de mim. Voltei-me e reconheci Vimalakirti, o qual me disse: "Não se deve pedir esmolas somente aos pobres, esquecendo-se dos ricos. A riqueza e a pobreza se alternam devido a causas mediatas e imediatas. Quem é rico hoje, poderá tornar-se pobre amanhã; e quem é pobre hoje, poderá tornar-se rico amanhã. Além disso, há os que são felizes mesmo sendo pobres, e os que sofrem justamente por serem ricos. A pobreza ou a riqueza atuais não servem de base para coisa alguma. Por isso, não se deve buscar intencionalmente os pobres para cumprir a mendicância religiosa. É preciso manter sempre o ponto de vista imparcial e efetuar a mendicância religiosa de acordo com a solicitação que brota naturalmente do Eu verdadeiro. Ao comer do prato que lhe for doado por alguém, não pense estar ingerindo um alimento material. O alimento doado é a concretização do espírito caridoso do doador, é a materialização do amor e da piedade. Portanto, ao mastigar o alimento que lhe for doado, pense na inexistência da matéria; e ao ingeri-lo, pense que está assimilando a sua essência, que são a piedade e o amor do doador.
Ao receber um prato de comida, ore para que o doador mantenha sempre esse mesmo desprendimento em relação a coisas materiais e nunca venha a sofrer vicissitudes resultantes de carmas. Ao entrar numa aldeia, aja com espontaneidade, segundo a sua natureza búdica, e apareça sob a forma mais adequada a cada lugar; mesmo andando de porta em porta praticando a mendicância religiosa, não o faça com a mentalidade de um mendigo. Faça da mendicância religiosa um ato de fé e amor. Seja qual for o alimento que lhe for doado, não se deixe influenciar negativa ou positivamente pelo seu aspecto, aroma, sabor, etc., pois a matéria não tem existência real. A matéria é como uma miragem: não possui natureza própria nem atribuída. Ao receber um prato de comida, faça uma breve prece oferecendo o alimento às divindades, às almas dos mestres predecessores e às almas de todas as pessoas do mundo, e só então sirva-se dele. Ao servir-se do alimento com essa atitude mental, você não estará ingerindo comida material, nem estará se alimentando às custas dos outros. Estará transcendendo a matéria e as paixões mundanais. Mesmo ingerindo o alimento material, não estará se alimentando da matéria. Isso é viver a Verdade.
Viver a Verdade não é permanecer no mundo profano, nem fugir dele; não é isolar-se numa montanha, nem misturar-se propositadamente com a massa popular. Viver a Verdade consiste em transcender o sagrado e o profano, ou seja, viver em harmonia com o mundo profano sem perder a natureza búdica de si mesmo. Fazer a mendicância religiosa com esse estado espiritual é que se diz 'fazer a mendicância religiosa com sentimento de amor imparcial'. E como este mundo é um lugar onde tudo é reflexo da mente, quando se faz a mendicância religiosa amando igualmente todas as pessoas, o doador também faz sua doação com sentimento de amor imparcial. Aquele que faz a doação com esse estado espiritual não espera nenhuma retribuição. Assim, não há quem faz favor, nem quem recebe favor, e ambos se fundem num só ser, sentindo: 'eu e você somos um'. Na verdade, todos os seres constituem um só ser em sua essência. Despertar esse sentimento de unidade é a finalidade da mendicância religiosa".
Assim me explicou Vimalakirti, e senti como se ele me despertasse. Fiquei admirado com a sabedoria dele. Oh! Vejam, o venerando Sakyamuni acaba de chegar.
Todos os discípulos - Seja bem-vindo, venerando Mestre.
Sakyamuni - Salve, meus caros irmãos! Encontrei casualmente com o sr. Hoosháku, e como ele me disse que queria conhecer o mundo búdico, trouxe-o para cá juntamente com seus familiares.
Todos os discípulos - Sejam bem-vindos.
Sariputra - Então o senhor é Hoosháku, o famoso milionário. Muito prazer em conhecê-lo. Façam o favor de entrar, senhores, se bem que a nossa morada não passa de uma casa rústica e sem capacidade para comportar muitas visitas...
Hoosháku - Ora, o senhor está sendo modesto. Este jardim é lindo! Só de olhar este belo jardim, sinto-me como se estivesse vendo o paraíso. É verdade que na morada de homens santos há uma atmosfera de pureza e santidade.
Sariputra - É muito gentil, sr. Hoosháku. Mas o fato é que nossa morada é apenas uma casa feia e sem nenhum conforto.
Uma voz dos céus - Sariputra, não diga que este lugar é feio e sem conforto. No mundo búdico, não há sequer um lugar que seja feio e sem conforto. Ele é perfeito, não há fealdade, desconforto, sujeira, etc. em lugar algum.
Sariputra - (Olhando para cima) Quem é você? Quem falou comigo? Apresente-se!
A voz dos céus Eu sou Brahma.
Sariputra - O senhor diz que é Brahma? Então, mostre-se a mim!
A imagem de Brahma aparece no alto do cenário. No princípio seu contorno é vago, mas pouco a pouco vai adquirindo nitidez e finalmente surge a imagem clara de Brahma, envolta em luz, que fala em tom solene:
Brahma - Sariputra, eu estou aqui, mas você não consegue ver-me. O paraíso está aqui, mas como você poderá vê-lo, se não abrir os olhos de sua mente? Eu, Brahma, constatei que este mundo terreno de Sakyamuni é puro e belo desde o princípio.
Sariputra - O senhor está dizendo que este jardim, de terreno pedregoso e chão coberto de folhas secas, é tão belo quanto o paraíso? Essa afirmação soa-me estranha, senhor. Vendo este jardim, constato que o terreno é pedregoso, vicejam espinheiros e há muitas coisas feias. As folhas secas se espalham por todo lado, e a gente não consegue manter o chão limpo, por mais que o varra...
Brahma - Cale-se, Sariputra. Se você enxerga o aspecto pedregoso, os espinheiros e as coisas feias, é porque em sua própria mente há "pedras", "espinhos" e "coisas feias". Veja mundo ao seu redor com a mente do "Eu verdadeiro" (mente que apreende o Mundo Absoluto, perfeito, belo e pleno de harmonia, bem como a essência perfeita de todos os seres). Este mundo apresenta-se harmonioso na mesma medida da harmonia que há em sua mente.
Sariputra - ...o senhor diz isso, mas...
Sakyamuni - (interrompendo Sariputra) Não há o que discutir, Sariputra. Veja com seus próprios olhos como é majestosa e bela esta terra búdica.
Sakyamuni, então, remove com o pé uma pedra mais próxima, e dali surgem raios luminosos multicolores. E assim revela-se o Aspecto Verdadeiro do mundo perfeito criado por Buda, de infinita beleza e majestade. A luz que emana de Sakyamuni torna-se mais intensa. Todos ali presente curvam-se diante dele, com profundo respeito.
Sakyamuni - Sariputra, veja como é belo o Aspecto Verdadeiro deste meu mundo! Lembre-se: Por mais belo que seja o Aspecto Verdadeiro do mundo, você não poderá enxergar essa beleza se não abrir os olhos da mente. Mesmo que o Sol esteja brilhando no céu, o cego não consegue vê-lo. Se um cego diz que não há luz alguma, isso não significa que o Sol esteja obscurecido. O mundo que se apresenta aos olhos de cada pessoa nada mais é que reflexo de sua própria mente. Assim como uma beldade precisa de espelho para mirar-se nele e aplicar cosméticos para realçar sua beleza, precisamos do espelho chamado "mundo exterior" para que, vendo nele o reflexo de nossa atitude mental, procuremos melhorar a nós mesmos. Graças ao espelho, o rosto da beldade pode se tornar ainda mais belo. Da mesma forma, graças ao espelho chamado "mundo exterior", nossa mente pode tornar-se mais aprimorada.
Como vocês estão vendo, nosso mundo búdico é infinitamente belo e majestoso, repleto de bênçãos, felicidade e prosperidade. Mas, dependendo da mente de quem o vê, ele pode parecer feio. Aqueles que estão com a mente áspera só conseguem ver pedras e espinheiros ao seu redor. É uma pena. Se abrissem os olhos da mente, poderiam ver o Aspecto Verdadeiro, tão belo e majestoso...
Continua...
Do livro: "A Verdade da Vida, vol. 32"; pp. 23-42
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