Masaharu Taniguchi
O pensamento básico do budismo é o da budificação do homem. Se o homem fosse um ser que não se realizasse como Buda, o budismo não teria razão de ser. Budismo significa "ensinamento de Buda", mas significa também "ensinamento que realiza o homem como Buda". Praticando o ensinamento de Buda, o homem se realiza como Buda. Em outras palavras, budismo é a doutrina que "ensina o homem a se realizar como Buda". Concluindo, o budismo deve ser religião de budificação do homem.
Afirmei que o budismo é o ensinamento pelo qual o homem se realiza como Buda. Mas não basta que isso seja apenas uma especulação filosófica ou teórica, pois seria o mesmo que pregar sobre a composição nutritiva dos alimentos, mas não ter o que comer. A realização do homem como Buda não pode ser apenas teoria. É preciso ensinar como realiza-lo, e o homem, praticando esse ensinamento, deve realizar-se como Buda.
Quando se fala que o homem pode ser salvo pela religião, é preciso compreender em que consiste essa salvação. Há pessoas que vão aos templos para orar, pedindo cura de doença ou melhora de situação financeira. Se elas receberem graças, livrando-se das dores físicas ou das dificuldades financeiras, poderemos dizer que foram realmente salvas, mas esses resultados podem ser obtidos por médicos, assistentes sociais ou entidades beneficentes. Isso não constitui especialmente uma salvação pela religião. A salvação do homem pela religião deve ser uma salvação mais básica, essencial. Dizendo em termos modernos, essa salvação consiste em democratizar o homem. Democratizar consiste no fato de o homem tornar-se verdadeiramente livre e independente, sem ser dominado por nada; consiste em ser dono de si próprio; ser dono, não apenas de si próprio, mas das circunstâncias e do momento. Isto é, consiste na liberdade absoluta, e não em ser dominado por pessoas, ou por circunstâncias, ou por ocasiões. Se o homem não alcançar essa liberdade absoluta, não adiantará obter e acumular bilhões de reais em barras de ouro, pois isso vai pesar muito, vai dar trabalho para guardar e trazer preocupação com a possibilidade de roubo. Isso será um empecilho a tolher a liberdade do homem e um constante risco de agressão. Isso não constitui, de modo algum, liberdade absoluta do homem.
Creio que, com isso, o leitor compreendeu que a liberdade absoluta do homem não se obtém por meio de dinheiro ou outros bens recebidos exteriormente. A verdadeira liberdade deve vir de dentro, do interior do próprio homem. A liberdade dada por outros pode ser roubada por outros. A liberdade que está sempre sujeita a perigo de ser roubada por outrem não é uma liberdade absoluta e inviolável.
A salvação pela religião consiste em dar ao homem a liberdade perfeita e absolutamente inviolável, que não pode ser roubada jamais. Eu disse "dar a liberdade", mas esse dar não é de fora pra dentro. O ensinamento é dado de fora, mas a liberdade interior é estimulada pelo ensinamento e se manifesta. Esta é a salvação pela religião.
O ser humano sempre busca a liberdade. Os reformistas sociais e militantes políticos procuram promover a libertação do ser humano por meio de reforma ou de revolução dos sistemas e organismos externos. Isso constitui libertação externa. Contudo, se não for desenvolvida a liberdade de dentro do ser humano, a liberdade dada de fora só causará confusão.
Vou relatar um episódio. Dois detentos foram libertados e colocados fora do presídio, mas não sabiam onde conseguir emprego, nem como obter comida. Então, um praticou assalto, foi novamente preso e mandado para o presídio. O outro voltou espontaneamente ao presídio e pediu para ficar preso de novo. Isso mostra que a libertação externa não é suficiente para tornar o ser humano verdadeiramente livre. Se não for desenvolvida a liberdade inata do interior, o mundo exterior refletirá a privação interna, e a pessoa projetará novamente em seu mundo exterior um ambiente privado de liberdade.
Bem, já disse que todo o ser humano busca a liberdade. Por quê? É porque, dentro do ser humano, se aloja a liberdade fundamental. Se não fosse assim, ele não buscaria a liberdade. Ou melhor, nem conheceria a liberdade. Justamente porque aloja em seu interior a liberdade inata, ele procura manifestá-la e avança, rompendo os obstáculos que porventura surjam no caminho. Essa liberdade interior inata ou liberdade fundamental interior é chamada Buda (liberto). Na Sutra do Nirvana existe a seguinte frase: "A libertação é Buda". Aquele que conseguiu liberar plenamente a liberdade fundamental inata, que ele próprio amarrava com suas cordas mentais, é chamado liberto ou Buda.
O mestre Kobo-Daishi (fundador da seita Shingon, no Japão), cita em sua obra Sokunshin-gi (variante) o trecho da Avatamsaka Sutra que diz "busca tornar-se Buda percorrendo todo o Universo, sem saber que sempre foi Buda de corpo e alma", e escreve que o ser humano, já dotado de liberdade fundamental, isto é, plenamente livre das amarras e realizado como Buda, ainda perambula buscando tornar-se Buda.
Fazer as pessoas compreenderem que já são Budas (libertas) de corpo e alma, desde o princípio – nisto consiste a salvação pela religião.
Pois bem. Referi-me acima à obra variante do Sokunshin-gi (significado de "este corpo, assim mesmo como é"). Além dessa obra, estão compiladas no 11º volume da Grande Coleção do mestre Kobo mais seis variantes. Existem opiniões de que essas variantes não são de autoria do mestre Kobo, mas, aqui, o importante não é a autoria da obra. Seja quem for o autor, o importante é que a obra fala da Verdade: "Este corpo é Buda, assim mesmo como é". O próprio fato de o homem ter alcançado o pensamento e a fé de que "Este corpo é Buda, assim mesmo como é" – isto constitui a prova de que o ser humano traz Buda em seu interior, desde o princípio.
A expressão "assim mesmo como é" pode ser usada na expressão "A é B, assim mesmo como é". Isso significa que A é o mesmo que o B, sem tirar nem pôr nada. Existem expressões como "Um ordinário e Buda são a mesma pessoa" ou "Um ordinário e um santo são a mesma pessoa". Se olharmos uma pessoa como ordinária, ela parecerá ordinária; se a olharmos como Buda, veremos que ela é Buda; ela é Buda, assim mesmo como é.
Ouvindo esta explicação, algumas pessoas poderão ficar meio confusas, pensando: "Parece que entendi, mas também parece que não entendi bem". Quando se diz "Este corpo é Buda, assim mesmo como é", o importante é entender a que se refere "este corpo". Por exemplo, quando digo "Eu sou Taniguchi", o problema é entender a quem se refere esse "eu". Se alguém apontar o meu braço e perguntar "Você é Taniguchi?", o braço não irá responder que ele é Taniguchi, pois não passa de braço de Taniguchi. Esse "de" é uma preposição que indica o possuidor. Se fizermos a mesma pergunta à minha perna, à minha mão, ao meu tronco, ou mesmo ao meu cérebro, nem este último responderá que é Taniguchi. "Taniguchi" não é cérebro, nem músculo, nem medula óssea, nem pele, nem órgãos internos, nem mesmo o conjunto de tudo isso; tampouco é o corpo vital e fisiológico formado por esses elementos.
Suponhamos que alguém resolva sacrificar o seu corpo carnal em benefício da humanidade, tal como Jesus Cristo. Creio que ele sentirá satisfação pelo seu ato humanitário, transcendendo a perda física. Isso porque o corpo carnal é uma propriedade sua, e não ele mesmo. Por não se esclarecer essa questão é que surge a dúvida: "Como é que um medíocre preso à ilusão pode ser Buda, assim mesmo como ele é?". O mestre Dogen (fundador da seita Soto, do zen-budismo), ao ler o Daizô-kyô (coleção de todas as sutras) e encontrar a expressão "o homem é, por natureza, puro desde o princípio", teve a dúvida: "Por que o homem cai em ilusão, se é puro desde o princípio?". Então, para resolver essa questão, ele foi à China estudar melhor o ensinamento de Buda. Também o mestre Kobo foi à China procurando resolver a questão: "Como pode tornar-se Buda puro, este homem em ilusão?". A colocação dessas duas questões parecem diferentes, mas, na essência, a questão é uma só: "Como unificar um medíocre impuro e Buda, que é puro".
O mestre Dogen, estando na China, encontrou o mestre Nyojô. Este, certa feita, admoestou em voz alta um monge que cochilava: "Para o aprimoramento no zen-budismo, deves alcançar o estado de total liberdade e desprendimento do corpo e da mente; no entanto, ficas simplesmente a dormir!". Ouvindo isso, sem querer, Dogen atingiu casualmente o maravilhoso estado de libertação do corpo e da mente, e compreendeu que, estando com o corpo e mente livres, ele já era Buda puro, assim mesmo como é, sem pôr nem tirar nada.
O mestre Kobo, também na China, aprendeu do mestre Keika o método de concentração mental e compreendeu que, quando entra no estado de completa concentração, ele já é Buda puro, por natureza, e se realiza como Buda, assim mesmo como é. E voltou ao Japão trazendo inúmeros materiais sobre segredos do budismo esotérico.
Ambos os casos citados mostram que o homem é Buda puro por natureza, desde o princípio. Ambos os mestres alcançaram a solução, isto é, o método para enxergar o homem búdico e puro: acalmar a mente agitada e concentrá-la; Tanto a meditação zen, do mestre Dogen, como a concentração mental do mestre Kobo são métodos para conseguir o mesmo objetivo.
Cont...
Do livro, "A Verdade da Vida, vol. 39", pp. 177-183
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