"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

sábado, abril 02, 2011

Você está além do espaço e do tempo


Nisargadatta Maharaj


Pergunta: Você continua dizendo que eu nunca nasci e que nunca morrerei. Se é assim, como é que vejo o mundo como alguém que nasceu e que, certamente, morrerá.

Maharaj: Você acredita desse modo porque você nunca questionou sua crença de que você é o corpo, o qual, obviamente, nasce e morre. Enquanto vivo, o corpo atrai a atenção e fascina tão completamente que raramente alguém percebe sua verdadeira natureza. É como ver a superfície do oceano e esquecer completamente a imensidade mais abaixo. O mundo é só a superfície da mente e a mente é infinita. O que chamamos pensamento são apenas ondulações da mente. Quando a mente está serena, reflete a realidade. Quando ela está imóvel em toda sua extensão, ela se dissolve e apenas a realidade permanece. Esta realidade é tão concreta, tão real, tão mais tangível que a mente e a matéria que, comparado com ela, mesmo o diamante é suave como manteiga. Esta impressionante realidade torna o mundo irreal, nebuloso, irrelevante.

P: Com tanto sofrimento no mundo, como pode vê-lo como irrelevante? Que frieza!

M: É você quem é insensível, não eu. Se seu mundo é tão cheio de sofrimento faça algo a respeito, não acrescente mais a ele através da ambição e da indolência. Eu não estou limitado por seu mundo ilusório. Em meu mundo, as sementes do sofrimento, do desejo e do temor não são semeadas, e o sofrimento não cresce. Meu mundo está livre dos opostos, de discrepâncias mutuamente destrutivas; prevalece a harmonia; sua paz é como uma rocha; esta paz e o silêncio são o meu corpo.

P: O que você diz lembra-me o dharmakaya de Buda.

M: Pode ser. Não precisamos afastarmos pela terminologia. Simplesmente veja a pessoa que você se imagina ser como uma parte do mundo que percebe dentro de sua mente, e olhe de fora para a mente, a qual você não é. Depois de tudo, seu único problema é a ansiosa auto-identificação com qualquer coisa que perceba. Abandone este hábito, lembre que você não é o que percebe, utilize o seu poder de distanciamento alerta. Veja-se em tudo quanto vive e seu comportamento expressará sua visão. Uma vez que compreenda que não há nada neste mundo que possa ter por próprio, você olha o mundo de fora como olha para uma peça em um palco, ou uma imagem na tela, admirando e apreciando, mas realmente impassível. Enquanto você imagina ser algo tangível e sólido, uma coisa entre coisas, existindo realmente no tempo e no espaço, de breve duração e vulnerável, naturalmente estará ansioso para sobreviver e crescer.

Mas quando você se conhece como além do tempo e do espaço, em contato com eles apenas no ponto do aqui e agora - de qualquer forma todo-penetrante e todo-abarcante, inacessível, inalcançável e invulnerável -, não terá mais medo algum. Conheça-se tal como é contra o medo; não há outro remédio.

Você tem que aprender a pensar e sentir desse modo, ou permanecerá indefinidamente no nível pessoal do desejo e do temor, ganhando e perdendo, crescendo e decaindo. Um problema pessoal não pode ser resolvido em seu próprio nível. O próprio desejo de viver é o mensageiro da morte, da mesma forma que o desejo de ser feliz é a essência da aflição. O mundo é um oceano de dor e de medo, de ansiedade e desespero. Os prazeres são como os peixes, poucos e ligeiros, chegam raramente e depressa se vão. Um homem de pouca inteligência acredita contra a evidência, que é uma exceção e que o mundo lhe deve felicidade. Mas o mundo não pode dar o que não tem; irreal até a medula, é de nenhuma utilidade para a felicidade real. Não pode ser de outra forma. Buscamos o real porque estamos infelizes como o irreal. A felicidade é nossa própria natureza e não descansaremos até que a encontremos. Mas raramente sabemos onde buscá-la.

Uma vez que tenha entendido que o mundo é apenas uma visão errada da realidade, e não é o que parece ser, você é livre de suas obsessões. Apenas o que é compatível com seu ser real pode fazê-lo feliz e o mundo, como você o percebe, é sua clara negação. Mantenha-se tranqüilo e observe o que chega à superfície da mente. Rejeite o conhecido, dê as boas vindas ao até agora desconhecido e rejeite-o em seu devido tempo. Assim você chega a um estado em que não há conhecimento, apenas ser, e o próprio ser é o conhecimento. O conhecimento mediante o ser é o conhecimento direto. Está baseado na identidade do que vê e do visto. O conhecimento indireto é baseado na sensação e na memória, na proximidade do que percebe e sua percepção, confinado ao contraste entre os dois. O mesmo acontece com a felicidade. Geralmente você deve estar triste para conhecer a alegria, e alegre para conhecer a tristeza. A verdadeira felicidade não tem causa e não pode desaparecer por falta de estimulação. Não é o oposto da aflição e inclui toda aflição e todo sofrimento.

P: Como pode alguém permanecer feliz entre tanto sofrimento?

M: Não se pode evitar, a felicidade é irresistivelmente real. Como o sol no céu, suas expressões pode estar nubladas, mas nunca está ausente.

P: Quando temos problema, somos obrigados a sentir-nos desgraçados.

M: O único problema é o temor. Saiba que é independente e permanecerá livre do temor e de suas sombras.

P: Qual a diferença entre felicidade e prazer?

M: O prazer depende das coisas, a felicidade não.

P: Se a felicidade é independente, porque não estamos sempre felizes?

M: Enquanto acreditarmos que necessitamos coisas para fazer-nos felizes, também devemos acreditar que, na ausência delas, delas devemos ser miseráveis. A mente sempre se desenvolve de acordo com suas crenças. Daí a importância de convencer-se de que não é necessário ser incitado para a felicidade; que, ao contrário, o prazer é uma distração e uma perturbação, pois que meramente aumenta a falsa convicção de que se necessita ter e fazer coisas para ser feliz, quando na realidade é exatamente o oposto. Mas porque falar de felicidade em absoluto? Você não pensa nela exceto quando está infeliz. Um homem que diz: “agora sou feliz”, está entre duas aflições, passado e futuro. Esta felicidade é uma mera excitação causada pelo alívio da dor. A felicidade real é absolutamente consciente de si mesma. Isto é melhor expresso negativamente como: “não há nada errado comigo; não tenho nada a preocupar-me”. No final das contas, o propósito final de todo sadhana é alcançar um ponto onde esta convicção em vez de ser apenas verbal, esteja baseada em uma experiência real e sempre presente.

P: Que experiência?

M: A experiência de estar vazio, sem estar acossado pelas recordações e pelas experiências; é como a felicidade dos espaços abertos, de ser jovem, de ter toda a energia e tempo para fazer coisas, para descobrir, para a aventura.

P: O que fica por descobrir?

M: O universo exterior e a imensidade interior tal como são na realidade, na grande mente e no coração de Deus. O significado e o propósito da existência, o segredo do sofrimento, da vida redimida da ignorância.

P: Se ser feliz é o mesmo que estar livre do temor e da preocupação, não se pode dizer que a ausência de problemas é a causa da felicidade?

M: Um estado de ausência, de inexistência, não pode ser uma causa; a preexistência de uma causa está implícita em sua noção. Seu estado natural, no qual nada existe, não pode ser uma causa do vir-a-ser; as causas estão ocultas no grande poder misterioso da memória. Mas o seu verdadeiro lar está no nada, no vazio de todo conteúdo.

P: O vazio e o nada, que apavorante!

M: Sua face está mais alegre quando você vai dormir! Descubra por você mesmo o estado de sono vigilante, e você o achará em total harmonia com sua natureza real. As palavras apenas podem lhe dar uma idéia, e a idéia não é a experiência. Tudo o que posso dizer é que a verdadeira felicidade não tem causa e o que não tem causa é impassível. O que não quer dizer que seja perceptível, como o prazer. O que é perceptível é a dor e o prazer; o estado de liberdade da aflição só pode ser descrito negativamente. Para conhecê-lo diretamente, você deve ir além da mente aplicada à causalidade e à tirania do tempo.

P: Se a felicidade não é consciente e a consciência não é feliz, qual é a conexão entre a duas?

M: A consciência, sendo um produto das condições e das circunstâncias, depende delas e muda de acordo com elas. O que é independente, incriado, eterno e imutável, e ainda assim sempre novo e fresco, está além da mente. Quando a mente pensa nele, ela se dissolve e só a felicidade permanece.

P: Quando tudo desaparece, nada fica.

M: Como pode haver nada sem alguma coisa? O nada é só uma idéia, depende da recordação de algo. O puro ser é independente da existência, a qual é definível e descritível.

P: Por favor, fale-nos: a consciência continua além da mente, ou ela termina com a mente?

M: A consciência vai e vem, a Consciência brilha imutavelmente.

P: O que é consciente na Consciência?

M: Quando há uma pessoa, também há consciência. O “eu sou”, a mente, a consciência denotam o mesmo estado; se você diz “eu sou consciente”, apenas significa: “eu sou consciente de pensar no fato de ser consciente”. Na Consciência não há “eu sou”.

P: O que me diz sobre o testemunhar?

M: Testemunhar é da mente. A testemunha combina com o testemunhado. No estado de não-dualidade toda separação cessa.

P: E você? Continua na Consciência?

M: A pessoa, o “eu sou este corpo, esta mente, esta cadeia de recordações, este punhado de desejos e temores” desaparece, mas fica algo que você pode chamar identidade. Ele me habilita a tornar-me uma pessoa quando necessário. O amor cria suas próprias necessidades, mesmo tornar-se uma pessoa.

P: É dito que a realidade se manifesta como existência, consciência e bem-aventurança. Elas são absolutas ou relativas?

M: São relativas entre si e dependem uma da outra. A realidade é independente de suas expressões.

P: Qual é a relação entre a realidade e suas expressões?

M: Nenhuma relação. Na realidade tudo é real e idêntico. Como nós dizemos, saguna e nirguna são um só um parabrahman. Só existe o supremo. Em movimento, é saguna; imóvel, é nirguna. Mas é apenas a mente que se move ou não. O real está além, você está além. Uma vez que tenha entendido que nada perceptível ou concebível pode ser você mesmo, você é livre de sua imaginação. Ver tudo como imaginação nascida do desejo é algo necessário para a auto-realização. Nós perdemos o real por falta de atenção, e criamos o irreal pelo excesso de imaginação. Você deve entregar seu coração e sua mente para essas coisas e remoê-las repetidamente. É como cozinhar alimentos. Deve mantê-los no fogo durante algum tempo antes que estejam prontos.

P: Não estou sob o influxo do destino, do meu karma? Que posso fazer contra ele? O que sou e o que faço estão pré-determinados. Mesmo minha assim chamada “livre escolha” é pré-determinada; apenas não estou consciente disso e imagino-me livre.

M: Novamente, tudo depende de como olhar. A ignorância é como uma febre, ela o faz ver coisas que não existem. O karma é o tratamento prescrito pelo divino. Dê a ele boas vindas e siga as instruções fielmente e você se curará. O paciente deixará o hospital depois de recuperar-se. Insistir na imediata liberdade de escolha e de ação meramente adia a recuperação. Aceite seu destino e complete-o; este é o mais curto caminho para a libertar-se do destino, embora não do amor e de suas compulsões. Atuar a partir do desejo e do temor é escravidão, atuar a partir do amor é liberdade.


(Eu Sou Aquilo - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj – cap. 94 - Ed. Advaita)


4 comentários:

Anônimo disse...

morre o corpo, onde manifesta-se a
realidade? Qual a necessidade da essência estar retornando ao corpo?
Por que não fica no "uno"? Por que
estar sempre trilhando o caminho do reencarnar? Quem acessou o "vazio" tomará novamente o ego e terá que novamente acessar o "vazio"? Qual a finalidade disso tudo? Por que tanta coisa irrevelada? A terra como matéria é uma irrealidade? Este mundo não é uma criação somente do homem ou do ego do homem? Deus não participa desse caos? Para que servem as orações, se estamos desconexos? Para que orar? É difícil destruir o ego quando se vê uma favela fétida e suas criaturas miseráveis. Pode uma criatura miserável e sofredora, destruir o ego? Deus e o acesso a realidade, não sinalizam incensos, harmonia de ambiente, cores vibrantes e limpeza? O certo é os "ditos iluminados, como boa parte do povo indiano, viverem com seus egos na sujeira e imundice?(Deus e a realidade apreciam a sujeira, imundice ou a harmonia, beleza, etc...) agradeço.

Templo disse...

"Deus e a realidade apreciam a sujeira, imundície ou a harmonia, beleza, etc..."


Não.

Deus não aprecia a sujeira nem a imundície. Esse pensamento sobre Deus é a sua crença.

Deus não participa desse caos, dessa imundície, Ele sequer enxerga a existência disso. Se Ele pudesse tomar conhecimento de imundícies, essas imundícies não seriam ilusões, seriam reais.

Deus é a resposta para o sumiço de todo o caos e sujeira, mas não há relação alguma entre Ele e tais coisas.

Abraço.

Anônimo disse...

agradeço, desculpe pelas palavras incovenientes. Podes comentar o restante do que foi exposto?

Templo disse...

Olá,

A resposta pra suas várias perguntas é praticamente a mesmas, todas elas comportam a mesma idéia.

Imagine o oceano e a onda. O Oceano é a totalidade, é a verdade. A onda é só uma forma adquirida na superfície da água. Se você puder entender a idéia de que o oceano não conhece nenhuma "onda" - porque ele não produz ondas - você terá condições de entender a resposta para suas perguntas.

O Oceano é apenas o mar, quieto e imóvel. Ele é água pura em estado assentado e sereno. As ondas são produzidas por fatores aheios ao oceano. O "vento" sopra as águas, então elas assumem a forma.

Com a Realidade e o mundo humano ocorre algo semelhante. O mundo humano onde ocorre todas essas coisas que você enumerou é como as ondas "sopradas" pelo vento. O oceano não as produz; para ele, elas nao existem.

Com Deus e o mundo ocorre o mesmo. A "essência" nunca retorna para o corpo, porque o corpo material é produto do mundo fenomênico, que aos olhos do Oceano existe. Então, é uma ilusão pensar assim em termos dualistas. A pessoa precisa aprender a mudar o direcionamento de suas perguntas. Enquanto stiver levantando questões envolvendo aspecto dual, ela está indo na direção errada. Não existe respostas para essas perguntas. A resposta é algo o qual o buscador menos espera - e ela ada tem a ver com a pergunta. Mas, se ele encontra a resposta, verá que ela "por acréscimo" soluciona as dúvidas que tinha até então.

Quem disse que existe reencarnação?
Quem disse que existe "ego" pra ser "destruído" ou para "acessar" ou não o "vazio"? E mais, quem disse que existe "acesso" a realidade?
E quem disse que existe "mundo" que é uma criação do homem?
Quem disse que estamos "desconexos"? E o que a oração tem a ver com tal situação?
Por que levar tais coisas em consideração?

O problema é que a nossa mente sempre quer resolver todos os problemas, enquanto que na verdade ela não pode resolver nada. É por isso que não existe respostas, nos moldes que ela espera receber. É por isso que a resposta é algo que ela menos espera.

Em última análise, a resposta para tudo isso é: Deus. Mas não o "deus" que fomos ensinados a conceber e acreditar. É o Deus que está além de todos os conceitos mentais. Esse Deus não conhece mente. A mente e tudo o que existe nela não existe aos olhos d'Ele. Quando Deus aparece, imediatamente a irrealidade desaparece, porque ambas jamais ocupam um mesmo lugar no espaço. E, sendo Deus tudo, não sobra espaço algum para realidade material existir. Conclusão: Só existe Deus e o mundo humano não existe. O despertar é esse.

Grande Abraço.