Nisargadatta Maharaj
Pergunta: Meu amigo é um alemão e eu nasci na Inglaterra, de pais franceses. Estou na Índia há mais de um ano, vagando de Ashram em Ashram.
Maharaj: Alguma prática espiritual (sadhana)?
P: Estudos e meditação.
M: Sobre o que você medita?
P: Sobre o que leio.
M: Bom.
P: O que você está fazendo, senhor?
M: Estou sentado.
P: E o que mais?
M: Estou falando.
P: Do que você fala?
M: Você quer uma conferência? Melhor perguntar algo que realmente toque você, sobre o qual tenha sentimentos fortes. A menos que você esteja emocionalmente envolvido, você poderá argumentar comigo, mas não haverá nenhum entendimento real entre nós. Se você disser: ‘Nada me preocupa. Não tenho problemas’, para mim está bem, podemos ficar calados. Mas, se algo realmente o toca, então há sentido em falar.
Devo perguntar-lhe? Qual o propósito de sua movimentação de um lugar para outro?
P: Para encontrar pessoas, para tentar entendê-las.
M: Que pessoas você está tentando entender? O que busca exatamente?
P: A integração.
M: Se você quer integração, deve conhecer a quem você quer integrar.
P: Por conhecer pessoas e observá-las, chega-se a conhecer a si mesmo também. As duas coisas vão juntas.
M: Não vão juntas necessariamente.
P: Uma melhora a outra.
M: Não funciona deste modo. O espelho reflete a imagem, mas a imagem não melhora o espelho. Você não é nem o espelho nem a imagem no espelho. Tendo aperfeiçoado o espelho de modo que ele reflita correta e verdadeiramente, você poderá girá-lo e ver nele um reflexo verdadeiro de você – verdadeiro na medida em que o espelho puder refletir. Mas o reflexo não é você – você é o que vê o reflexo. Entenda claramente – você não é o que percebe, seja o que for que perceba.
P: Sou o espelho e o mundo a imagem?
M: Você pode ver ambos, a imagem e o espelho. Você não é nenhum dos dois. Quem você é? Não siga fórmulas. A resposta não está em palavras. O mais próximo que você pode dizer com palavras é: Eu sou o que faz a percepção possível, a vida além do experimentador e de sua experiência.
Agora você pode separar-se tanto do espelho quanto da imagem no espelho e permanecer completamente só, tudo por si mesmo?
P: Não, eu não posso.
M: Como sabe que não pode? Há tantas coisas que você está fazendo sem saber como as faz. Você digere, faz circular o sangue e a linfa, move seus músculos – tudo sem saber como. Do mesmo modo, você percebe, sente, pensa sem saber o porquê e o como disto. Similarmente, você é você mesmo sem saber disto. Não há nada errado com você como o Ser; é o que é com perfeição. É o espelho que não é claro e verdadeiro e, então, dá a você imagens falsas. Você não precisa corrigir-se – apenas ponha em ordem sua ideia de si mesmo. Aprenda a separar-se da imagem e do espelho, lembre sempre: não sou nem a mente nem suas ideias; faça isto pacientemente e com convicção, e certamente chegará à visão direta de si mesmo como a fonte do ser, do conhecer, do amor, a qual é eterna, universal e que a tudo permeia. Você é o infinito enfocado em um corpo. Agora, você vê apenas o corpo. Tente seriamente e chegará a ver apenas o infinito.
P: A experiência da realidade, quando chegar, durará?
M: Toda experiência é necessariamente transitória. Mas o fundamento de toda experiência é imóvel. Nada que possa ser chamado um fato durará. Mas alguns fatos purificam a mente e outros a mancham. Os momentos de profundo discernimento e amor universal purificam a mente, enquanto os desejos e lágrimas, invejas e cólera, cegas crenças e arrogância intelectual poluem e embotam a psique.
P: A autorrealização é tão importante?
M: Sem ela, você será dominado por desejos e temores, repetindo-os incessantemente em um sofrimento interminável. A maioria das pessoas não sabe que pode haver um fim para a dor. Mas, uma vez que tenham ouvido as boas novas, obviamente, ir além de todo conflito e luta será a tarefa mais urgente que poderão fazer. Você sabe que pode ser livre e, agora, é capaz disto. Ou você permanece para sempre faminto e sedento, desejando, buscando, tomando à força, aferrando-se, sempre perdendo e sofrendo, ou sai sinceramente em busca do estado da eterna perfeição a qual nada pode ser adicionado e da qual nada pode ser retirado. Todos os desejos e medos estão ausentes nela, não porque foram abandonados, mas porque perderam seus significados.
P: Até aqui eu o tenho seguido. Agora, o que se espera que eu faça?
M: Não há nada a fazer. Apenas seja. Nada faça. Seja. Nada de escalar montanhas e sentar em cavernas. Nem sequer eu digo: ‘Seja você mesmo’, visto que não se conhece. Apenas seja. Tendo visto que você não é nem o mundo ‘exterior’ dos perceptíveis, nem o mundo ‘interior’ do que pode ser pensado, que você não é nem o corpo nem a mente – apenas seja.
P: Seguramente, há graus de realização.
M: Não há nenhum passo para a autorrealização. Não há nada gradual nela. Acontece repentinamente e é irreversível. Você se volta para uma nova dimensão desde a qual as dimensões anteriores são vistas como meras abstrações. Exatamente como ao amanhecer você vê as coisas como elas são, assim, após a autorrealização, você vê tudo como é. O mundo de ilusões é deixado para trás.
P: As coisas mudam no estado de realização? Elas se tornam coloridas e cheias de significado?
M: A experiência é totalmente correta, mas não é a experiência da realidade (sadanubhav), mas da harmonia (satvanubhav) do universo.
P: Todavia, há progresso.
M: Apenas pode haver progresso na preparação (sadhana). A realização é repentina. O fruto amadurece lentamente, mas cai repentinamente e sem retorno.
P: Estou física e mentalmente em paz. O que mais eu necessito?
M: O seu pode não ser o estado final. Você reconhecerá que retornou a seu estado natural pela completa ausência de todo desejo e medo. Depois de tudo, na raiz de todos os desejos e medos está o sentimento de não ser o que você é. Da mesma forma que uma junta deslocada dói apenas enquanto está fora de lugar, e é esquecida logo que for colocada em ordem, assim, todo interesse próprio é um sintoma de distorção mental que desaparece logo que se está no estado normal.
P: Sim, mas qual é o sadhana para alcançar o estado natural?
M: Aferre-se ao sentido ‘Eu sou’ com a exclusão de tudo o mais. Quando a mente assim se tornou completamente silenciosa, ela brilha com uma nova luz e vibra com novo conhecimento. Tudo vem espontaneamente, você necessita apenas continuar no ‘Eu sou’. Exatamente como quando sai do sono ou de um estado de êxtase você se sente descansado e, mesmo assim, não pode explicar porquê e como chegou a sentir-se tão bem, da mesma maneira, na realização, você se sente completo, pleno, livre do complexo prazer-dor e, ainda assim, nem sempre capaz de explicar o que aconteceu, o porquê e o como. Você só pode pô-lo em termos negativos: ‘Nada mais está errado comigo’. É apenas por comparação com o passado que você sabe que está fora dele. De qualquer forma – você é exatamente você mesmo. Não tente comunicá-lo a outros. Se pode fazê-lo, não é a coisa real. Seja silencioso e observe-o expressando-se em ação.
P: Se você pudesse dizer-me em que me converterei, poderia ajudar-me a observar meu desenvolvimento.
M: Como pode alguém dizer a você o que deve tornar-se quando não há vir-a-ser? Você meramente descobre o que você é. Todo amoldar-se a um padrão é uma penosa perda de tempo. Não pense nem no passado nem no futuro, apenas seja.
P: Como posso apenas ser? As mudanças são inevitáveis.
M: As mudanças são inevitáveis no mutável, mas você não está sujeito a elas. Você é o fundo imutável contra o qual as mudanças são percebidas.
P: Tudo muda, o fundo também muda. Não há a necessidade de um fundo imutável para notar as mudanças. O ser é momentâneo – é meramente o ponto onde o passado encontra o futuro.
M: É certo que o ser baseado na memória é momentâneo. Mas tal ser exige uma continuidade uniforme por trás dele. Você conhece pela experiência que há intervalos em que o ser é esquecido. O que o traz de volta à vida? O que o desperta de manhã? Deve existir um fator constante unindo os intervalos na consciência. Se você observar cuidadosamente, você achará que mesmo sua consciência diária existe em lampejos, com intervalos interpondo-se todo o tempo. O que há nos intervalos? Que pode existir senão seu ser real que é eterno; a mente e a inconsciência são um para ele.
P: Existe algum lugar particular que possa aconselhar-me a ir para a realização espiritual?
M: O único lugar adequado é seu interior. O mundo exterior não pode nem ajudar nem obstruir. Nenhum sistema, nenhum padrão de ação levará você à sua meta. Abandone todo trabalho por um futuro, concentre-se totalmente no agora, esteja interessado apenas em sua resposta a cada movimento da vida como ele acontecer.
P: Qual a causa do impulso de andar a esmo?
M: Não há causa. Você meramente sonha que você anda a esmo. Em poucos anos, sua permanência na Índia parecerá como um sonho para você. Você sonhará alguns outros sonhos de qualquer maneira. Compreenda que não é você que se move de sonho para sonho, mas o sonho que flui diante de você, e que você é a testemunha imutável. Nenhum acontecimento afeta seu ser real – esta é a verdade absoluta.
P: Não posso mover-me fisicamente e manter-me interiormente estável?
M: Pode, mas com que propósito? Se você for sério, perceberá que, no fim, ficará cansado de andar sem rumo, e se arrependerá da perda de energia e tempo. Para encontrar seu ser, você não necessita dar um único passo.
P: Há alguma diferença entre a experiência do Ser (atman) e do Absoluto (brahman)?
M: Não pode haver experiência do Absoluto, pois ele está além de toda experiência. Por outro lado, o ser é o fator experimentador de cada experiência e, assim, em certo modo, valida a multiplicidade de experiências. O mundo pode estar cheio de coisas de grande valor, mas não há ninguém para comprá-las, elas não têm preço. O Absoluto contém todas as coisas que podem ser experimentadas, mas sem o experimentador elas nada são. O que faz a experiência possível é o Absoluto; o que a faz real é o Ser.
P: Nós não alcançamos o Absoluto através de uma gradação de experiências? Começando com a mais grosseira, terminamos com a mais sublime.
M: Não há experiência sem que seja desejada. Pode existir gradação entre desejos, mas entre o desejo mais sublime e a liberdade de todos os desejos há um abismo que deve ser cruzado. O irreal pode parecer real, mas é transitório. O real não tem medo do tempo.
P: Não é o irreal a expressão do real?
M: Como pode ser? É como dizer que a verdade se expressa em sonhos. Para o real, o irreal não existe. Parece ser real apenas porque você acredita nele. Ponha-o em dúvida e ele cessa. Quando você está enamorado de alguém, você lhe dá realidade – você imagina que seu amor é todo-poderoso e eterno. Quando isto termina, você diz: ‘Eu pensei que era real, mas não era’. A impermanência é a melhor prova da irrealidade. O que é limitado no tempo e espaço, e aplicável a apenas uma pessoa, não é real. O real é para todos e para sempre.
Acima de todas as coisas, você aprecia a si mesmo. Você não iria aceitar nada em troca de sua existência. O desejo de ser é o mais forte de todos os desejos e só desaparecerá com a realização de sua verdadeira natureza.
P: Mesmo no irreal há um toque de realidade.
M: Sim, a realidade que você lhe dá tomando-o por real. Tendo-se convencido, você é limitado por sua convicção. Quando o sol brilha, as cores aparecem. Quando ele se põe, elas desaparecem. Onde estão as cores sem a luz?
P: Isto é pensar em termos de dualidade.
M: Todo pensamento está na dualidade. Na identidade, nenhum pensamento sobrevive.
Maharaj: Alguma prática espiritual (sadhana)?
P: Estudos e meditação.
M: Sobre o que você medita?
P: Sobre o que leio.
M: Bom.
P: O que você está fazendo, senhor?
M: Estou sentado.
P: E o que mais?
M: Estou falando.
P: Do que você fala?
M: Você quer uma conferência? Melhor perguntar algo que realmente toque você, sobre o qual tenha sentimentos fortes. A menos que você esteja emocionalmente envolvido, você poderá argumentar comigo, mas não haverá nenhum entendimento real entre nós. Se você disser: ‘Nada me preocupa. Não tenho problemas’, para mim está bem, podemos ficar calados. Mas, se algo realmente o toca, então há sentido em falar.
Devo perguntar-lhe? Qual o propósito de sua movimentação de um lugar para outro?
P: Para encontrar pessoas, para tentar entendê-las.
M: Que pessoas você está tentando entender? O que busca exatamente?
P: A integração.
M: Se você quer integração, deve conhecer a quem você quer integrar.
P: Por conhecer pessoas e observá-las, chega-se a conhecer a si mesmo também. As duas coisas vão juntas.
M: Não vão juntas necessariamente.
P: Uma melhora a outra.
M: Não funciona deste modo. O espelho reflete a imagem, mas a imagem não melhora o espelho. Você não é nem o espelho nem a imagem no espelho. Tendo aperfeiçoado o espelho de modo que ele reflita correta e verdadeiramente, você poderá girá-lo e ver nele um reflexo verdadeiro de você – verdadeiro na medida em que o espelho puder refletir. Mas o reflexo não é você – você é o que vê o reflexo. Entenda claramente – você não é o que percebe, seja o que for que perceba.
P: Sou o espelho e o mundo a imagem?
M: Você pode ver ambos, a imagem e o espelho. Você não é nenhum dos dois. Quem você é? Não siga fórmulas. A resposta não está em palavras. O mais próximo que você pode dizer com palavras é: Eu sou o que faz a percepção possível, a vida além do experimentador e de sua experiência.
Agora você pode separar-se tanto do espelho quanto da imagem no espelho e permanecer completamente só, tudo por si mesmo?
P: Não, eu não posso.
M: Como sabe que não pode? Há tantas coisas que você está fazendo sem saber como as faz. Você digere, faz circular o sangue e a linfa, move seus músculos – tudo sem saber como. Do mesmo modo, você percebe, sente, pensa sem saber o porquê e o como disto. Similarmente, você é você mesmo sem saber disto. Não há nada errado com você como o Ser; é o que é com perfeição. É o espelho que não é claro e verdadeiro e, então, dá a você imagens falsas. Você não precisa corrigir-se – apenas ponha em ordem sua ideia de si mesmo. Aprenda a separar-se da imagem e do espelho, lembre sempre: não sou nem a mente nem suas ideias; faça isto pacientemente e com convicção, e certamente chegará à visão direta de si mesmo como a fonte do ser, do conhecer, do amor, a qual é eterna, universal e que a tudo permeia. Você é o infinito enfocado em um corpo. Agora, você vê apenas o corpo. Tente seriamente e chegará a ver apenas o infinito.
P: A experiência da realidade, quando chegar, durará?
M: Toda experiência é necessariamente transitória. Mas o fundamento de toda experiência é imóvel. Nada que possa ser chamado um fato durará. Mas alguns fatos purificam a mente e outros a mancham. Os momentos de profundo discernimento e amor universal purificam a mente, enquanto os desejos e lágrimas, invejas e cólera, cegas crenças e arrogância intelectual poluem e embotam a psique.
P: A autorrealização é tão importante?
M: Sem ela, você será dominado por desejos e temores, repetindo-os incessantemente em um sofrimento interminável. A maioria das pessoas não sabe que pode haver um fim para a dor. Mas, uma vez que tenham ouvido as boas novas, obviamente, ir além de todo conflito e luta será a tarefa mais urgente que poderão fazer. Você sabe que pode ser livre e, agora, é capaz disto. Ou você permanece para sempre faminto e sedento, desejando, buscando, tomando à força, aferrando-se, sempre perdendo e sofrendo, ou sai sinceramente em busca do estado da eterna perfeição a qual nada pode ser adicionado e da qual nada pode ser retirado. Todos os desejos e medos estão ausentes nela, não porque foram abandonados, mas porque perderam seus significados.
P: Até aqui eu o tenho seguido. Agora, o que se espera que eu faça?
M: Não há nada a fazer. Apenas seja. Nada faça. Seja. Nada de escalar montanhas e sentar em cavernas. Nem sequer eu digo: ‘Seja você mesmo’, visto que não se conhece. Apenas seja. Tendo visto que você não é nem o mundo ‘exterior’ dos perceptíveis, nem o mundo ‘interior’ do que pode ser pensado, que você não é nem o corpo nem a mente – apenas seja.
P: Seguramente, há graus de realização.
M: Não há nenhum passo para a autorrealização. Não há nada gradual nela. Acontece repentinamente e é irreversível. Você se volta para uma nova dimensão desde a qual as dimensões anteriores são vistas como meras abstrações. Exatamente como ao amanhecer você vê as coisas como elas são, assim, após a autorrealização, você vê tudo como é. O mundo de ilusões é deixado para trás.
P: As coisas mudam no estado de realização? Elas se tornam coloridas e cheias de significado?
M: A experiência é totalmente correta, mas não é a experiência da realidade (sadanubhav), mas da harmonia (satvanubhav) do universo.
P: Todavia, há progresso.
M: Apenas pode haver progresso na preparação (sadhana). A realização é repentina. O fruto amadurece lentamente, mas cai repentinamente e sem retorno.
P: Estou física e mentalmente em paz. O que mais eu necessito?
M: O seu pode não ser o estado final. Você reconhecerá que retornou a seu estado natural pela completa ausência de todo desejo e medo. Depois de tudo, na raiz de todos os desejos e medos está o sentimento de não ser o que você é. Da mesma forma que uma junta deslocada dói apenas enquanto está fora de lugar, e é esquecida logo que for colocada em ordem, assim, todo interesse próprio é um sintoma de distorção mental que desaparece logo que se está no estado normal.
P: Sim, mas qual é o sadhana para alcançar o estado natural?
M: Aferre-se ao sentido ‘Eu sou’ com a exclusão de tudo o mais. Quando a mente assim se tornou completamente silenciosa, ela brilha com uma nova luz e vibra com novo conhecimento. Tudo vem espontaneamente, você necessita apenas continuar no ‘Eu sou’. Exatamente como quando sai do sono ou de um estado de êxtase você se sente descansado e, mesmo assim, não pode explicar porquê e como chegou a sentir-se tão bem, da mesma maneira, na realização, você se sente completo, pleno, livre do complexo prazer-dor e, ainda assim, nem sempre capaz de explicar o que aconteceu, o porquê e o como. Você só pode pô-lo em termos negativos: ‘Nada mais está errado comigo’. É apenas por comparação com o passado que você sabe que está fora dele. De qualquer forma – você é exatamente você mesmo. Não tente comunicá-lo a outros. Se pode fazê-lo, não é a coisa real. Seja silencioso e observe-o expressando-se em ação.
P: Se você pudesse dizer-me em que me converterei, poderia ajudar-me a observar meu desenvolvimento.
M: Como pode alguém dizer a você o que deve tornar-se quando não há vir-a-ser? Você meramente descobre o que você é. Todo amoldar-se a um padrão é uma penosa perda de tempo. Não pense nem no passado nem no futuro, apenas seja.
P: Como posso apenas ser? As mudanças são inevitáveis.
M: As mudanças são inevitáveis no mutável, mas você não está sujeito a elas. Você é o fundo imutável contra o qual as mudanças são percebidas.
P: Tudo muda, o fundo também muda. Não há a necessidade de um fundo imutável para notar as mudanças. O ser é momentâneo – é meramente o ponto onde o passado encontra o futuro.
M: É certo que o ser baseado na memória é momentâneo. Mas tal ser exige uma continuidade uniforme por trás dele. Você conhece pela experiência que há intervalos em que o ser é esquecido. O que o traz de volta à vida? O que o desperta de manhã? Deve existir um fator constante unindo os intervalos na consciência. Se você observar cuidadosamente, você achará que mesmo sua consciência diária existe em lampejos, com intervalos interpondo-se todo o tempo. O que há nos intervalos? Que pode existir senão seu ser real que é eterno; a mente e a inconsciência são um para ele.
P: Existe algum lugar particular que possa aconselhar-me a ir para a realização espiritual?
M: O único lugar adequado é seu interior. O mundo exterior não pode nem ajudar nem obstruir. Nenhum sistema, nenhum padrão de ação levará você à sua meta. Abandone todo trabalho por um futuro, concentre-se totalmente no agora, esteja interessado apenas em sua resposta a cada movimento da vida como ele acontecer.
P: Qual a causa do impulso de andar a esmo?
M: Não há causa. Você meramente sonha que você anda a esmo. Em poucos anos, sua permanência na Índia parecerá como um sonho para você. Você sonhará alguns outros sonhos de qualquer maneira. Compreenda que não é você que se move de sonho para sonho, mas o sonho que flui diante de você, e que você é a testemunha imutável. Nenhum acontecimento afeta seu ser real – esta é a verdade absoluta.
P: Não posso mover-me fisicamente e manter-me interiormente estável?
M: Pode, mas com que propósito? Se você for sério, perceberá que, no fim, ficará cansado de andar sem rumo, e se arrependerá da perda de energia e tempo. Para encontrar seu ser, você não necessita dar um único passo.
P: Há alguma diferença entre a experiência do Ser (atman) e do Absoluto (brahman)?
M: Não pode haver experiência do Absoluto, pois ele está além de toda experiência. Por outro lado, o ser é o fator experimentador de cada experiência e, assim, em certo modo, valida a multiplicidade de experiências. O mundo pode estar cheio de coisas de grande valor, mas não há ninguém para comprá-las, elas não têm preço. O Absoluto contém todas as coisas que podem ser experimentadas, mas sem o experimentador elas nada são. O que faz a experiência possível é o Absoluto; o que a faz real é o Ser.
P: Nós não alcançamos o Absoluto através de uma gradação de experiências? Começando com a mais grosseira, terminamos com a mais sublime.
M: Não há experiência sem que seja desejada. Pode existir gradação entre desejos, mas entre o desejo mais sublime e a liberdade de todos os desejos há um abismo que deve ser cruzado. O irreal pode parecer real, mas é transitório. O real não tem medo do tempo.
P: Não é o irreal a expressão do real?
M: Como pode ser? É como dizer que a verdade se expressa em sonhos. Para o real, o irreal não existe. Parece ser real apenas porque você acredita nele. Ponha-o em dúvida e ele cessa. Quando você está enamorado de alguém, você lhe dá realidade – você imagina que seu amor é todo-poderoso e eterno. Quando isto termina, você diz: ‘Eu pensei que era real, mas não era’. A impermanência é a melhor prova da irrealidade. O que é limitado no tempo e espaço, e aplicável a apenas uma pessoa, não é real. O real é para todos e para sempre.
Acima de todas as coisas, você aprecia a si mesmo. Você não iria aceitar nada em troca de sua existência. O desejo de ser é o mais forte de todos os desejos e só desaparecerá com a realização de sua verdadeira natureza.
P: Mesmo no irreal há um toque de realidade.
M: Sim, a realidade que você lhe dá tomando-o por real. Tendo-se convencido, você é limitado por sua convicção. Quando o sol brilha, as cores aparecem. Quando ele se põe, elas desaparecem. Onde estão as cores sem a luz?
P: Isto é pensar em termos de dualidade.
M: Todo pensamento está na dualidade. Na identidade, nenhum pensamento sobrevive.
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