Ramana Maharshi
Discípulo: Que caracteriza a permanência no Conhecimento (Jnana)?
Mestre: O estado de completa e inalterável absorção da mente no Eu Real. É o estado em que o Jnani permanece espontaneamente. Assim como toda pessoa normal consciente de seu corpo sabe que não é bode, nem boi ou outro animal qualquer, mas sim um ser humano, o Jnani, por sua Consciência Natural, sabe que não é coisa alguma desde o grosseiro corpo físico (inclusive) até o sutil nasa, mas sim, o Atman, que é Sat-Chit-Ananda (Existência-Consciência-Felicidade).
Discípulo: Em que grau de evolução espiritual o Aspirante se torna Jnani?
Mestre: No 4º (Satwâpatti) auto-realização.
Discípulo: Nesse caso, qual é a significação dos 3 últimos graus?
Mestre: O 4º, 5º, 6º e 7º indicam simplesmente diferentes aspectos da libertação enquanto o Jnani está vivo: não significam diferenças de Jnâna (experiência) ou moksha (libertação). Em relação à Jnâna e a moksha não há a mínima distinção nesses quatro estados.
Discípulo: Se a libertação é comum a esses quatros estados, como pode o Varishta ser possível em destaque?
Mestre: Unicamente pelo fato da experiência ser ininterrupta, o que se deve a excelência dos méritos do Varishta.
Discípulo: Se todos desejam essa experiência ininterrupta, por que nem todas as classes de Jnânis alcançam esse estado?
Mestre: Isso não é consequência de desejo ou esforço. Sua causa é unicamente o prarabdha. Perdido o ego inteiramente no 4º estado, não resta individualidade para fazer esforços ou desejar. Não podem ser jnânis aqueles que continuam a esforçar-se. Ao exaltarem o Varishta, as escrituras não falam das outras classes como sendo diferentes dos Jnanis.
Discípulo: Algumas criaturas declaram que o estado supremo é aquele em que toda atividade dos sentidos e da mente é completamente eliminada. Se assim é, como tal estado pode ser compatível com a condição de uma pessoa em plena experiência dos sentidos e da mente?
Mestre: Se tal fosse o critério acertado para julgar-se a natureza do estado supremo, este nada apresentaria de excepcional, sendo nessa hipótese, comparável ao estado de sono profundo (no qual não funcionam os sentidos nem a mente). Ademais, se tal estado fosse a natureza transitória, e não contínua ou interrupta, isto é, se não subsistisse enquanto os sentidos e a mente estivessem funcionando, como se poderia considerá-lo natural e permanente?
De acordo com o prarabdha, o referido estado pode ocorrer a uns poucos durante algum tempo mais ou menos limitado ou subsistir até o momento da morte. Do contrário, os grandes Sábios que foram os videntes dos mantras védicos, ou os autores das obras originárias do Vedanta, e até mesmo o próprio Iswara (Deus) estariam na categoria dos ignorantes. Esse estado não seria de absoluta perfeição se só existisse quando a mente e os sentidos estivessem inativos. Os Sábios declararam como final somente, o Sahaja Nirvikalpa Sthiti (estado de tranqüilidade natural permanente).
Discípulo: Qual a diferença entre o sono ordinário e o sono desperto (jagrat-sushupti)?
Mestre: No primeiro não há atividade mental nem consciência, enquanto que no segundo subsiste somente a Consciência.
Discípulo: Como pode o Atman ser turiya (o quarto estado) e turiyatita (estar além do quarto estado)?
Mestre: Turiya significa o quarto ente. Os experimentadores – visva do estado de vigília, taijasa do estado de sonho e prajna do estado de sono profundo – que se alternam, não são o Atman. Este tem que ser diferente daqueles, e é sua testemunha; por isso se diz que é o quarto. Na auto-realização os outros três experimentadores desaparecem completamente, nada deixando para ser testemunhado, e assim, sem mais ser testemunha, o Atman permanece puro, como sempre. Daí o dizer-se que o Atman é também turiyatita.
Discípulo: Que utilidade tem as escrituras para o Jnâni?
Mestre: O Jnâni brilha como aquilo a que se referem todos os atributos enumerados pelas escrituras. Logo, para ele, os textos sagrados não têm utilidade alguma.
Discípulo: A posse de poderes super-humanos (siddhis) se relaciona de algum modo com a libertação?
Mestre: Só a Atmavichâra conduz à Libertação. Todos os siddhis são meras criações de maya (a ilusão universal). O único poder verdadeiro, permanente, é a auto-realização. A atividade de maya, que se manifesta como poderes taumatúrgicos transitórios, não é siddhi algum.
Tais “siddhis” são desejados e adquiridos por indivíduos que ambicionam fama e prazeres. Entretanto, alguns, graças ao seu prarabdha, podem possui-los involuntariamente. Sabei que o melhor de todos os siddhis (ganhos) é ser uno com o Ser Supremo. Esta é a mais alta forma de libertação, conhecida como; sayujva.
Discípulo: Se a libertação é isso, como podem algumas escrituras que consideram o Jiva (OU SER INDIVIDUAL) unido ao corpo declarar que ela consiste em não se deixar este morrer, mas conservá-la eternamente vivo?
Mestre: Qualquer consideração sobre a libertação e os meios de alcançá-los só teria valor do ponto de vista mais elevado - se realmente existisse prisão. A verdade é que o jiva não está preso a nenhum dos quatro estados. O Vedanta e o Sidshanta declaram com veemência, que o vocábulo “prisão”é irreal. Que significado pode ter a “libertação”? É tão inútil procurar-se determinar a natureza e as características da libertação quanto seria a tentativa de caracterizar o filho de uma mulher estéril ou de saber o tamanho e a cor dos chifres de uma lebre.
Discípulo: Queria dizer que o que os Sábios antigos e as escrituras têm dito sobre a natureza e as características da prisão e da libertação e inconsistente, descabido e falso?
Mestre: Não. Tais afirmações não são inconsistentes nem descabidas nem falsas. O emprego do termo “libertação”, o qual foi “fabricado” pelo conhecimento e a erudição, justifica-se por servir para dissipar a falsa e ilusória idéia de ”prisão e “libertação” - significa isso e nada mais. Aliás, o fato das características e a natureza serem descritas diversamente por diferentes pessoas constitui testemunho concludente de que a idéia de libertação é produto de pura imaginação.
Discípulo: Com que autoridade se nega a existência da prisão e da libertação?
Mestre: Sua falsidade é confirmada pela experiência e não por mera afirmação dogmática das escrituras.
Discípulo: Em que experiência se baseia essa negação?
Mestre: As noções de prisão e libertação são meras modificações ou vikâras da mente. Não têm individualidade própria e, portanto, não podem funcionar por si mesmas. No entanto, possuem uma fonte. Pesquisai-a. Verificareis que sua fonte é o próprio “eu” que a investiga. E, então, se perguntar seriamente “Quem sou eu?”, essa pesquisa terminará na anulação do “eu” ilusório, restando o Eu Real, tão claro como uma groselha (fruta).
Discípulo: Se a prisão e a libertação não são reais, por que devem persistir a miséria e a confusão?
Mestre: A miséria e a confusão pertencem unicamente ao não ser, nada tendo a ver com o Eu Real.
Discípulo: É possível a todos o reconhecimento de Ser Real sem dúvida alguma?
Mestre: Certamente.
Discípulo: Como?
Mestre: Todos os seres humanos sabem, por experiência, que nunca cessaram de existir, nem mesmo quando em estado de sono profundo, desmaio etc., em que todo o universo sensível e insensível deixou de existir para eles. Em outras palavras: a própria existência, a todo o momento e a despeito de tudo, é fato de experiência direta e inabitável. Portanto, somente aquele Ser Puro, que é o mesmo para todos, e que é conhecido por experiência direta como sempre presente, é o estado natural e primário de cada um. Tudo o mais é ilusão.
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