- Masaharu Taniguchi -
Força absoluta que transcende o eu e o outro
E a Seicho-No-Ie, a que escola pertence? A da força própria ou a da força alheia? Logicamente não pertence à escola da força própria. E também há partes que não pertencem à força alheia. A Seicho-No-Ie pode ser caracterizada como pertencente à escola da força absoluta, pois afirma que este mundo se originou de um único Deus, de um único Buda, adotando, portanto, a salvação absoluta que rompe a barreira entre o eu e o outro. A comumente dita salvação por meio da força alheia reconhece a existência do pecado, e, depois de aprender o meio de se conectar com a força externa de liberdade infinita, se purifica passando pelo dispositivo de filtragem do pecado denominado expiação, integrando-se assim na imaculada água da vida. Entretanto, a Seicho-No-Ie apresenta à humanidade apenas a translúcida água genuína da Verdade "O homem é filho de Deus, filho de Buda", dizendo: "Esta é a água da Vida. Bebam, por favor". E ainda explica: "Os senhores pensam que a água da Vida do homem é uma água turva, mas estão enganados".
Pensavam, até agora, que a água da Vida estava suja e, por isso, necessitavam de filtro e outros diversos esforços para purificá-la. Entretanto, essa água parece estar turva, mas não está. Suja é a poeira que ela contém, pois a água em si é produto da combinação H²O que é, desde o início, pura e translúcida. Não está translúcida porque a poeira não é translúcida. A água em si é sempre translúcida.
Ao sabermos que a água é desde o início pura e translúcida, mesmo sem passar por algum processo de filtragem ou purificação, e compreendemos verdadeiramente que nós próprios somos essa água pura, conscientizaremos que, mesmo estando turva, ela é, desde o início, translúcida. Descobri, assim, que a água jamais esteve turva.
Assim como o que está turvo não é a água em si, mas a poeira, se compreendermos que é o pecado que está maculado, pois o homem é desde o princípio puro e imaculado, concluiremos que somos originalmente limpos e puros, como a água translúcida, não precisando de dispositivo de filtragem nem de qualquer outro esforço para efetuarmos a purificação. Compreenderemos que somos naturalmente Budas (iluminados), algo infinitamente puro. Aqui ocorre a total separação entre o homem e o pecado. Pensávamos até agora que pecado + natureza búdica = homem, mas como se esclareceu que pecado = zero, isso resulta que é unicamente Luz.
Pensávamos que não conseguíamos viver sem matar outros seres vivos, mas isso não era verdade. Aparentemente parece que estamos matando seres vivos, mas, até hoje, jamais matamos um só ser vivo. Somos Vida que vive eternamente, e tanto eu, o outro como os micro-organismos, a essência da Vida de todos vive eternamente, desde a mais remota Antiguidade. A vida que se manifesta no corpo físico material não passa de sombra da verdadeira Vida. Mesmo que a sombra pareça desaparecer, a Vida não desaparece, e, mesmo que a sombra pareça estar em dissenção, ela não está em dissenção. Esclareceu-se que a Imagem Verdadeira das existências é de total harmonia. Aquilo que parece ser pecado, um mal, é semelhante à poeira dentro da água translúcida, que faz com que a água pareça turva. O que é turvo é apenas a poeira, e não o Eu. O Eu é, desde o princípio, uma água infinitamente pura, como a água destilada. Esse ser magnífico, perfeito e cristalino é o homem verdadeiro.
Portanto, aquele que parece estar vivendo matando outros seres vivos não é o Eu verdadeiro. Parece, por exemplo, que estou todos os dias tendo ataques de ira, mas esse eu não existia originalmente. Esse eu encolerizado é uma imagem falsa, que assim se apresenta devido à combinação de causas internas e externas, de modo similar à água pura que se mistura com a poeira e apresenta-se turva. Essa não é a verdadeira imagem da água. Mesmo que permaneça turva, a água em si jamais esteve turva, desde o início. Da mesma forma, o homem jamais cometeu um pecado, jamais se maculou. Quando compreendermos isso, mesmo estando dentro do pecado turvo, conseguiremos tomar consciência do Eu verdadeiramente puro. Assim, a nossa mente conseguirá a verdadeira serenidade. Quando o nosso estado mental se tornar tranquilo e sereno, cometeremos naturalmente menos pecados, assim como a água turva vai se tornando pura e translúcida pela decantação.
A água é pura desde o início
Entremente, é muito importante sabermos que a água é pura desde o início, esteja ela turva ou não. Se a água não fosse originalmente pura, ela deveria permanecer turva, mesmo após a sujeira afundar. A água pode se tornar limpa quando a sujeira afunda, unicamente porque ela é limpa desde o início. O que a torna turva é a sujeira e não a água em si. Este é o ponto crucial, e é por isso que insisto nele. Normalmente, as pessoas pensam que a água da Vida está turva, mas ela jamais esteve turva. Parece que está turva, simplesmente por causa da combinação de causas internas e externas.
Outro dia, quando lia a Sutra do Nirvana, encontrei uma parábola muito interessante. Dizia que havia um rei em certo local. Um dia, ele ouviu uma linda música que vinha não se sabe de onde. Por ser uma música agradável demais, o rei perguntou ao seu vassalo de onde vinha esse som. O vassalo respondeu "Estão tocando um instrumento musical. O som vem desse instrumento". Então o rei lhe ordenou que trouxesse esse som. O vassalo levou-lhe o instrumento, e o rei começou a procurar o som em todas as partes, arrancando todas as cordas e quebrando totalmente o corpo do instrumento. Não encontrando o som em parte alguma, o rei ficou profundamente irado e, dizendo "A música não se manifestou em parte alguma... você mentiu", puniu severamente o vassalo.
Como se vê, não adianta desmontar o instrumento musical, pois nele não se acha o som. O som é uma expressão da vibração da Vida. Essa vibração não se encontra dentro do instrumento musical, mas na mente do músico que o toca. Este corpo carnal é semelhante a um instrumento musical. Por mais que o dissequem à procura da Vida, ninguém a encontrará. Em suma, o corpo carnal não é a nossa Vida –a essência da corrente vital –, não sendo nada mais que um instrumento criado para que a corrente da Vida emita vibrações em contato com ele. E a verdadeira corrente da nossa Vida é uma existência amorfa. Não é totalmente amorfa, mas, observando-a com base no conceito de que possui forma aquilo que entra em contato com os cinco sentidos, é uma existência amorfa.A corrente da Vida amorfa, que vive perfeita e infinitamente desde a eterna Antiguidade, emite som em contato com esse instrumento musical. Portanto, a nossa Vida não é esta vida que está se movendo agora neste corpo carnal. A vida que se move agora neste corpo carnal nada mais é do que o som produzido por reflexo quando a nossa verdadeira Vida entra em contato com as cordas do instrumento musical (corpo carnal).
Há quem argumente dizendo: "Não é possível existir Vida sem se alimentar", mas a Vida não é em absoluto este corpo carnal que se movimenta. O som reproduzido pelo contato da Vida com o instrumento musical chamado corpo carnal é um fenômeno vital. Sim, a vida física é um fenômeno, e não a Vida em si. A Vida verdadeira é uma Realidade, mas, sendo o fenômeno vital consequência da combinação de causas internas e externas, é natural que o corpo carnal se desintegre juntamente com a desintegração dessas causas. Mesmo que o corpo se desintegre, o homem não se desintegra. Assim como a água translúcida e invisível se misturou com a poeira e se tornou turva, a Vida originariamente imaculada do homem manifestou temporariamente a imagem chamada corpo carnal. Manifeste ou não essa imagem, o homem é puro, imortal, algo semelhante ao vapor invisível que existe no espaço.
A água é sempre e ternamente límpida, mas, se tem aparência turva, pensa-se que a água é suja. O homem é eternamente saudável, mas é um erro pensar que o homem está doente quando o seu corpo carnal não estiver com saúde. Assim, como a água, mesmo estando turva, é límpida, o homem jamais se maculou, jamais ficou doente, mesmo que pareça maculado por pecados ou mergulhado em doenças.
Quando compreendermos isso, alcançaremos a verdadeira e infinita liberdade da Vida, desfazendo-se naturalmente o nó do apego às impurezas que, por meio da auto-sugestão, nos tirava a liberdade. Quando conseguirmos a verdadeira e infinita liberdade da Vida, a água turva irá se tornar límpida naturalmente. Posteriormente, o aspecto fenomênico também se tornará límpido. Se, porém, nos impacientarmos pela demora da água em se tornar límpida, ou ficarmos remexendo-a na tentativa de torna-la límpida, ela continuará sempre turva. Portanto, precisamos saber que, mesmo diante de fenômenos turvos do mundo fenomênico, o nosso Eu verdadeiro é tão límpido quanto é límpida a água destilada.
Negue os fenômenos, conscientizando-se da Imagem Verdadeira existente no âmago deles
Outro dia, uma senhora que chamarei de sra. I, veio de Yokohama e conversamos sobre diversos assuntos. E, durante essa conversa, ela me disse o seguinte, com muita seriedade e profunda reflexão: "Eu me dedico ao bem do próximo com toda a sinceridade, mas há ocasiões em que as pessoas duvidam de mim. De vez em quando uma gentileza minha feita com a melhor das intenções, é, ao contrário, interpretada de modo equivocado. Penso que isso ocorre porque ainda existem defeitos em alguma parte da minha mente".
Falei-lhe sobre diversos assuntos e, dentre eles, o seguinte: Este mundo fenomênico é, sem suma, semelhante à Lua refletida na água. Mesmo que a água pareça estar parada, sempre há alguma ondulação, e a Luz refletida parece imperfeita. De modo similar, no mundo fenomênico não existe uma só coisa que seja perfeita. Precisamos ter isso em mente como premissa. Ou seja, que o fato de termos nascido sobre a face terrestre com este corpo carnal fenomênico, em si, já demonstra imperfeição. E que significa isso? Significa que, ao nascermos neste mundo, ficamos restringidos pelo tempo e pelo espaço, e esse fato por si só já é uma imperfeição, se observado pelo prisma da liberdade infinita, isenta de qualquer restrição. Em consequência o homem, que vive sobre a face terrestre por mais iluminado que pareça ser ainda traz em si a atmosfera terrena, as ondas mentais semelhantes às dos homens em geral. Ocasionalmente, alguém pertencente ao mundo celestial, como Sakyamuni ou Jesus Cristo, nasce na Terra para salvar a humanidade. Mesmo nesse caso, a pessoa se manifesta reduzindo seu ser dentro dos limites de tempo e do espaço, e, portanto, não há alternativa senão descer sobre a Terra limitando suas faculdades. Então, significa que a imagem de todos os seres presentes sobre a face terrestre é imperfeita, que o fato de possuirmos um corpo de estatura pouco maior de 1,50 metro já é uma imperfeição. Uma estatura de 1,50 metro é bem mais incompleta que a de 3 metros, e é minúscula em comparação ao Universo infinito. O corpo carnal não é o homem verdadeiro, e sim um instrumento musical para o homem tocar, cuja imperfeição nem merece comparação. Até mesmo Sakyamuni, que possuía 33 virtuosas imagens, era imperfeito. Por mais superior que seja o Buda (iluminado) que se manifesta fenomenicamente, uma vez ocorrendo essa manifestação, sofre a restrição do tempo e do espaço, sendo inevitável a sua imperfeição. No caso de se manifestar em tamanho pequeno, sofre as restrições condizentes a essa pequenez. O que for grande sofre as restrições proporcionais a esse tamanho.
Quando pequenino, ouvi uma história que ignoro se foi verídica ou não. Eu nasci em Kobe, onde a atual região do rio Minato está repleta de cinemas. Antigamente, ali foram travadas guerras, pois o rio se enchia de água apenas na época de chuva, ficando seco o resto do ano. Havia três pontes feitas de barro e, numa delas, aparecia todas as noites um texugo que se divertia assustando os transeuntes com seus olhos arregalados. Certa noite, apareceu um massagista cego tocando apito. O texugo tentou assusta-lo mostrando-lhe os olhos arregalados, mas, como o massagista nada enxergava, perguntou: "Quem está aí?". O texugo arregalou ainda mais os olhos, porém o massagista continuou tranquilo dizendo: "Mas quem é você?". Pensando "Que homem teimoso!", o texugo esbugalhou cada vez mais os olhos, até que seus globos oculares saltaram para fora e ele acabou morrendo. Essa é certamente uma parábola que significa: se permanecermos tranquilos mesmo diante de algo assustador, ele acabará se autodestruindo, porque não existe originalmente.
Um dos familiares desse texugo resolveu, então, assustar as pessoas transformando-se num enorme monstro careca. Passou assim a assustar todas as noites os transeuntes. Certa noite, um monge budista passou pela ponte e, ao ver o texugo se transformar em grande monstro, disse: "Que monstro enorme você se tornou! Só consegue ficar grande? Não é capaz de se transformar em algo pequeno?". O texugo respondeu "Posso ficar pequeno" e ficou pequenino. "Não, ainda não está como eu quero. Você não consegue ficar do tamanho de um grão de feijão?, para que eu possa colocá-lo na palma da minha mão?", disse o monge, e o texugo ficou exatamente desse tamanho e subiu na palma da mão dele. O monge jogou-o imediatamente na boca e o comeu. Essa é uma história na qual se misturam realidade e ficção, mas vimos que até mesmo um texugo tem maior poder quando se transforma em algo grande e se torna vulnerável quando estiver pequenino.
Também ocorre o mesmo com Buda. Manifestando-se no mundo fenomênico limitado pelos fatores tempo e espaço, só consegue manifestar força correspondente. O mundo fenomênico é, em suma, projeção de ondas mentais. Enquanto projeção de ondas mentais, não existe em parte alguma uma imagem completa e perfeita igual a da Lua verdadeira. Por mais iluminada e erudita que seja uma pessoa, ela tem manchas ou rugas na pele, havendo imperfeições se comparada à saúde perfeita e infinita. Se alguém pensar, vendo esses aspeto fenomênico imperfeito, "Ele ainda não alcançou o despertar", significa que esse alguém é que não alcançou o despertar. Compreender que todas as coisas do mundo fenomênico são transitórias e que não há nada que seja perfeito, é uma face do despertar; e compreender que os fenômenos transitórios não existem originariamente, que a Imagem Verdadeira é perfeita e imortal, como a Lua é eternamente redonda e perfeita, independentemente da imagem refletida a água, é a outra face.
Então, na Lua refletida na água, no homem manifestado no corpo carnal, não existe nada que seja a Imagem Verdadeira? Não, numa parcela quebrada pela onda da imagem da Lua refletida na água existe um fragmento de luz, e, dentro dessa luz, está alojada a verdadeira Lua. Se o brilho da Lua estiver refletido numa gota de orvalho presente na extremidade de uma folha de pinheiro, nela está alojada a luz da Lua, pois, se não existisse originariamente a Luz, seu brilho não seria refletido nessa gota de orvalho. Aí também existe a luz da Lua. Despertar espiritualmente é compreender que dentro de uma gota d'água que se desfaz existe a luz que não se desfaz. É um erro menosprezar a imagem incompleta da Lua, dizendo que nela não existe a Lua porque não está redonda e perfeita. Até mesmo nesse fragmento da Lua está alojada a Lua cheia, e é por isso que ele brilha.
A iluminação espiritual consiste em saber que a matéria é o vazio, que os fenômenos não passam de sombras e, ao mesmo tempo, descobrir a luz da Imagem Verdadeira dentro de uma gota d'água fenomênica e reverenciá-la. Se pensarmos que a Lua não existe porque não vemos a Lua redonda e perfeita (que se reflete na água límpida e parada), não descobriremos nunca a Lua. Analogamente, enquanto pensarmos que uma pessoa que não se curou da doença não é filha de Deus ou não alcançou o despertar, não conseguiremos compreender a natureza divina originária que se aloja em nós. Mesmo dentro da doença, existe a Vida saudável. Mesmo no momento da morte, existe aí a Vida imortal. Saber que em toda parte existe a Vida eterna é a verdadeira iluminação. É esse o significado do que disse anteriormente: "Mesmo dentro da água turva, existe a água pura que jamais fica turva".
Iluminar-se espiritualmente é descobrir que até mesmo dentro das nossas células mortas, trocadas diariamente por novas, existe algo que vive eternamente. Perceber realmente algo que vive eternamente, mesmo dentro dessa morte; descobrir água pura e límpida dentro da água turva; descobrir o Eu verdadeiro, imaculado, dentro dos pecados – eis a iluminação da Seicho-No-Ie. Se atingirmos essa iluminação fundamental e mantivermos a mente serena, o mundo fenomênico, que é manifestação da mente, se tornará perfeito.
Isso porém é um efeito secundário, e, se antes disso desejarmos nos curar das doenças, tornar a água límpida, deixar sempre redonda a imagem da Lua, estaremos invertendo a ordem natural. Ao compreendermos primeiramente que somos Vida eterna e transcendermos a matéria e o corpo carnal, cientes de que a nossa Vida não é matéria nem corpo carnal, teremos pela primeira vez a eterna liberdade da Vida, a infinita perfeição e a satisfação do anseio à liberdade infinita que brota do nosso interior.
E a Seicho-No-Ie, a que escola pertence? A da força própria ou a da força alheia? Logicamente não pertence à escola da força própria. E também há partes que não pertencem à força alheia. A Seicho-No-Ie pode ser caracterizada como pertencente à escola da força absoluta, pois afirma que este mundo se originou de um único Deus, de um único Buda, adotando, portanto, a salvação absoluta que rompe a barreira entre o eu e o outro. A comumente dita salvação por meio da força alheia reconhece a existência do pecado, e, depois de aprender o meio de se conectar com a força externa de liberdade infinita, se purifica passando pelo dispositivo de filtragem do pecado denominado expiação, integrando-se assim na imaculada água da vida. Entretanto, a Seicho-No-Ie apresenta à humanidade apenas a translúcida água genuína da Verdade "O homem é filho de Deus, filho de Buda", dizendo: "Esta é a água da Vida. Bebam, por favor". E ainda explica: "Os senhores pensam que a água da Vida do homem é uma água turva, mas estão enganados".
Pensavam, até agora, que a água da Vida estava suja e, por isso, necessitavam de filtro e outros diversos esforços para purificá-la. Entretanto, essa água parece estar turva, mas não está. Suja é a poeira que ela contém, pois a água em si é produto da combinação H²O que é, desde o início, pura e translúcida. Não está translúcida porque a poeira não é translúcida. A água em si é sempre translúcida.
Ao sabermos que a água é desde o início pura e translúcida, mesmo sem passar por algum processo de filtragem ou purificação, e compreendemos verdadeiramente que nós próprios somos essa água pura, conscientizaremos que, mesmo estando turva, ela é, desde o início, translúcida. Descobri, assim, que a água jamais esteve turva.
Assim como o que está turvo não é a água em si, mas a poeira, se compreendermos que é o pecado que está maculado, pois o homem é desde o princípio puro e imaculado, concluiremos que somos originalmente limpos e puros, como a água translúcida, não precisando de dispositivo de filtragem nem de qualquer outro esforço para efetuarmos a purificação. Compreenderemos que somos naturalmente Budas (iluminados), algo infinitamente puro. Aqui ocorre a total separação entre o homem e o pecado. Pensávamos até agora que pecado + natureza búdica = homem, mas como se esclareceu que pecado = zero, isso resulta que é unicamente Luz.
Pensávamos que não conseguíamos viver sem matar outros seres vivos, mas isso não era verdade. Aparentemente parece que estamos matando seres vivos, mas, até hoje, jamais matamos um só ser vivo. Somos Vida que vive eternamente, e tanto eu, o outro como os micro-organismos, a essência da Vida de todos vive eternamente, desde a mais remota Antiguidade. A vida que se manifesta no corpo físico material não passa de sombra da verdadeira Vida. Mesmo que a sombra pareça desaparecer, a Vida não desaparece, e, mesmo que a sombra pareça estar em dissenção, ela não está em dissenção. Esclareceu-se que a Imagem Verdadeira das existências é de total harmonia. Aquilo que parece ser pecado, um mal, é semelhante à poeira dentro da água translúcida, que faz com que a água pareça turva. O que é turvo é apenas a poeira, e não o Eu. O Eu é, desde o princípio, uma água infinitamente pura, como a água destilada. Esse ser magnífico, perfeito e cristalino é o homem verdadeiro.
Portanto, aquele que parece estar vivendo matando outros seres vivos não é o Eu verdadeiro. Parece, por exemplo, que estou todos os dias tendo ataques de ira, mas esse eu não existia originalmente. Esse eu encolerizado é uma imagem falsa, que assim se apresenta devido à combinação de causas internas e externas, de modo similar à água pura que se mistura com a poeira e apresenta-se turva. Essa não é a verdadeira imagem da água. Mesmo que permaneça turva, a água em si jamais esteve turva, desde o início. Da mesma forma, o homem jamais cometeu um pecado, jamais se maculou. Quando compreendermos isso, mesmo estando dentro do pecado turvo, conseguiremos tomar consciência do Eu verdadeiramente puro. Assim, a nossa mente conseguirá a verdadeira serenidade. Quando o nosso estado mental se tornar tranquilo e sereno, cometeremos naturalmente menos pecados, assim como a água turva vai se tornando pura e translúcida pela decantação.
A água é pura desde o início
Entremente, é muito importante sabermos que a água é pura desde o início, esteja ela turva ou não. Se a água não fosse originalmente pura, ela deveria permanecer turva, mesmo após a sujeira afundar. A água pode se tornar limpa quando a sujeira afunda, unicamente porque ela é limpa desde o início. O que a torna turva é a sujeira e não a água em si. Este é o ponto crucial, e é por isso que insisto nele. Normalmente, as pessoas pensam que a água da Vida está turva, mas ela jamais esteve turva. Parece que está turva, simplesmente por causa da combinação de causas internas e externas.
Outro dia, quando lia a Sutra do Nirvana, encontrei uma parábola muito interessante. Dizia que havia um rei em certo local. Um dia, ele ouviu uma linda música que vinha não se sabe de onde. Por ser uma música agradável demais, o rei perguntou ao seu vassalo de onde vinha esse som. O vassalo respondeu "Estão tocando um instrumento musical. O som vem desse instrumento". Então o rei lhe ordenou que trouxesse esse som. O vassalo levou-lhe o instrumento, e o rei começou a procurar o som em todas as partes, arrancando todas as cordas e quebrando totalmente o corpo do instrumento. Não encontrando o som em parte alguma, o rei ficou profundamente irado e, dizendo "A música não se manifestou em parte alguma... você mentiu", puniu severamente o vassalo.
Como se vê, não adianta desmontar o instrumento musical, pois nele não se acha o som. O som é uma expressão da vibração da Vida. Essa vibração não se encontra dentro do instrumento musical, mas na mente do músico que o toca. Este corpo carnal é semelhante a um instrumento musical. Por mais que o dissequem à procura da Vida, ninguém a encontrará. Em suma, o corpo carnal não é a nossa Vida –a essência da corrente vital –, não sendo nada mais que um instrumento criado para que a corrente da Vida emita vibrações em contato com ele. E a verdadeira corrente da nossa Vida é uma existência amorfa. Não é totalmente amorfa, mas, observando-a com base no conceito de que possui forma aquilo que entra em contato com os cinco sentidos, é uma existência amorfa.A corrente da Vida amorfa, que vive perfeita e infinitamente desde a eterna Antiguidade, emite som em contato com esse instrumento musical. Portanto, a nossa Vida não é esta vida que está se movendo agora neste corpo carnal. A vida que se move agora neste corpo carnal nada mais é do que o som produzido por reflexo quando a nossa verdadeira Vida entra em contato com as cordas do instrumento musical (corpo carnal).
Há quem argumente dizendo: "Não é possível existir Vida sem se alimentar", mas a Vida não é em absoluto este corpo carnal que se movimenta. O som reproduzido pelo contato da Vida com o instrumento musical chamado corpo carnal é um fenômeno vital. Sim, a vida física é um fenômeno, e não a Vida em si. A Vida verdadeira é uma Realidade, mas, sendo o fenômeno vital consequência da combinação de causas internas e externas, é natural que o corpo carnal se desintegre juntamente com a desintegração dessas causas. Mesmo que o corpo se desintegre, o homem não se desintegra. Assim como a água translúcida e invisível se misturou com a poeira e se tornou turva, a Vida originariamente imaculada do homem manifestou temporariamente a imagem chamada corpo carnal. Manifeste ou não essa imagem, o homem é puro, imortal, algo semelhante ao vapor invisível que existe no espaço.
A água é sempre e ternamente límpida, mas, se tem aparência turva, pensa-se que a água é suja. O homem é eternamente saudável, mas é um erro pensar que o homem está doente quando o seu corpo carnal não estiver com saúde. Assim, como a água, mesmo estando turva, é límpida, o homem jamais se maculou, jamais ficou doente, mesmo que pareça maculado por pecados ou mergulhado em doenças.
Quando compreendermos isso, alcançaremos a verdadeira e infinita liberdade da Vida, desfazendo-se naturalmente o nó do apego às impurezas que, por meio da auto-sugestão, nos tirava a liberdade. Quando conseguirmos a verdadeira e infinita liberdade da Vida, a água turva irá se tornar límpida naturalmente. Posteriormente, o aspecto fenomênico também se tornará límpido. Se, porém, nos impacientarmos pela demora da água em se tornar límpida, ou ficarmos remexendo-a na tentativa de torna-la límpida, ela continuará sempre turva. Portanto, precisamos saber que, mesmo diante de fenômenos turvos do mundo fenomênico, o nosso Eu verdadeiro é tão límpido quanto é límpida a água destilada.
Negue os fenômenos, conscientizando-se da Imagem Verdadeira existente no âmago deles
Outro dia, uma senhora que chamarei de sra. I, veio de Yokohama e conversamos sobre diversos assuntos. E, durante essa conversa, ela me disse o seguinte, com muita seriedade e profunda reflexão: "Eu me dedico ao bem do próximo com toda a sinceridade, mas há ocasiões em que as pessoas duvidam de mim. De vez em quando uma gentileza minha feita com a melhor das intenções, é, ao contrário, interpretada de modo equivocado. Penso que isso ocorre porque ainda existem defeitos em alguma parte da minha mente".
Falei-lhe sobre diversos assuntos e, dentre eles, o seguinte: Este mundo fenomênico é, sem suma, semelhante à Lua refletida na água. Mesmo que a água pareça estar parada, sempre há alguma ondulação, e a Luz refletida parece imperfeita. De modo similar, no mundo fenomênico não existe uma só coisa que seja perfeita. Precisamos ter isso em mente como premissa. Ou seja, que o fato de termos nascido sobre a face terrestre com este corpo carnal fenomênico, em si, já demonstra imperfeição. E que significa isso? Significa que, ao nascermos neste mundo, ficamos restringidos pelo tempo e pelo espaço, e esse fato por si só já é uma imperfeição, se observado pelo prisma da liberdade infinita, isenta de qualquer restrição. Em consequência o homem, que vive sobre a face terrestre por mais iluminado que pareça ser ainda traz em si a atmosfera terrena, as ondas mentais semelhantes às dos homens em geral. Ocasionalmente, alguém pertencente ao mundo celestial, como Sakyamuni ou Jesus Cristo, nasce na Terra para salvar a humanidade. Mesmo nesse caso, a pessoa se manifesta reduzindo seu ser dentro dos limites de tempo e do espaço, e, portanto, não há alternativa senão descer sobre a Terra limitando suas faculdades. Então, significa que a imagem de todos os seres presentes sobre a face terrestre é imperfeita, que o fato de possuirmos um corpo de estatura pouco maior de 1,50 metro já é uma imperfeição. Uma estatura de 1,50 metro é bem mais incompleta que a de 3 metros, e é minúscula em comparação ao Universo infinito. O corpo carnal não é o homem verdadeiro, e sim um instrumento musical para o homem tocar, cuja imperfeição nem merece comparação. Até mesmo Sakyamuni, que possuía 33 virtuosas imagens, era imperfeito. Por mais superior que seja o Buda (iluminado) que se manifesta fenomenicamente, uma vez ocorrendo essa manifestação, sofre a restrição do tempo e do espaço, sendo inevitável a sua imperfeição. No caso de se manifestar em tamanho pequeno, sofre as restrições condizentes a essa pequenez. O que for grande sofre as restrições proporcionais a esse tamanho.
Quando pequenino, ouvi uma história que ignoro se foi verídica ou não. Eu nasci em Kobe, onde a atual região do rio Minato está repleta de cinemas. Antigamente, ali foram travadas guerras, pois o rio se enchia de água apenas na época de chuva, ficando seco o resto do ano. Havia três pontes feitas de barro e, numa delas, aparecia todas as noites um texugo que se divertia assustando os transeuntes com seus olhos arregalados. Certa noite, apareceu um massagista cego tocando apito. O texugo tentou assusta-lo mostrando-lhe os olhos arregalados, mas, como o massagista nada enxergava, perguntou: "Quem está aí?". O texugo arregalou ainda mais os olhos, porém o massagista continuou tranquilo dizendo: "Mas quem é você?". Pensando "Que homem teimoso!", o texugo esbugalhou cada vez mais os olhos, até que seus globos oculares saltaram para fora e ele acabou morrendo. Essa é certamente uma parábola que significa: se permanecermos tranquilos mesmo diante de algo assustador, ele acabará se autodestruindo, porque não existe originalmente.
Um dos familiares desse texugo resolveu, então, assustar as pessoas transformando-se num enorme monstro careca. Passou assim a assustar todas as noites os transeuntes. Certa noite, um monge budista passou pela ponte e, ao ver o texugo se transformar em grande monstro, disse: "Que monstro enorme você se tornou! Só consegue ficar grande? Não é capaz de se transformar em algo pequeno?". O texugo respondeu "Posso ficar pequeno" e ficou pequenino. "Não, ainda não está como eu quero. Você não consegue ficar do tamanho de um grão de feijão?, para que eu possa colocá-lo na palma da minha mão?", disse o monge, e o texugo ficou exatamente desse tamanho e subiu na palma da mão dele. O monge jogou-o imediatamente na boca e o comeu. Essa é uma história na qual se misturam realidade e ficção, mas vimos que até mesmo um texugo tem maior poder quando se transforma em algo grande e se torna vulnerável quando estiver pequenino.
Também ocorre o mesmo com Buda. Manifestando-se no mundo fenomênico limitado pelos fatores tempo e espaço, só consegue manifestar força correspondente. O mundo fenomênico é, em suma, projeção de ondas mentais. Enquanto projeção de ondas mentais, não existe em parte alguma uma imagem completa e perfeita igual a da Lua verdadeira. Por mais iluminada e erudita que seja uma pessoa, ela tem manchas ou rugas na pele, havendo imperfeições se comparada à saúde perfeita e infinita. Se alguém pensar, vendo esses aspeto fenomênico imperfeito, "Ele ainda não alcançou o despertar", significa que esse alguém é que não alcançou o despertar. Compreender que todas as coisas do mundo fenomênico são transitórias e que não há nada que seja perfeito, é uma face do despertar; e compreender que os fenômenos transitórios não existem originariamente, que a Imagem Verdadeira é perfeita e imortal, como a Lua é eternamente redonda e perfeita, independentemente da imagem refletida a água, é a outra face.
Então, na Lua refletida na água, no homem manifestado no corpo carnal, não existe nada que seja a Imagem Verdadeira? Não, numa parcela quebrada pela onda da imagem da Lua refletida na água existe um fragmento de luz, e, dentro dessa luz, está alojada a verdadeira Lua. Se o brilho da Lua estiver refletido numa gota de orvalho presente na extremidade de uma folha de pinheiro, nela está alojada a luz da Lua, pois, se não existisse originariamente a Luz, seu brilho não seria refletido nessa gota de orvalho. Aí também existe a luz da Lua. Despertar espiritualmente é compreender que dentro de uma gota d'água que se desfaz existe a luz que não se desfaz. É um erro menosprezar a imagem incompleta da Lua, dizendo que nela não existe a Lua porque não está redonda e perfeita. Até mesmo nesse fragmento da Lua está alojada a Lua cheia, e é por isso que ele brilha.
A iluminação espiritual consiste em saber que a matéria é o vazio, que os fenômenos não passam de sombras e, ao mesmo tempo, descobrir a luz da Imagem Verdadeira dentro de uma gota d'água fenomênica e reverenciá-la. Se pensarmos que a Lua não existe porque não vemos a Lua redonda e perfeita (que se reflete na água límpida e parada), não descobriremos nunca a Lua. Analogamente, enquanto pensarmos que uma pessoa que não se curou da doença não é filha de Deus ou não alcançou o despertar, não conseguiremos compreender a natureza divina originária que se aloja em nós. Mesmo dentro da doença, existe a Vida saudável. Mesmo no momento da morte, existe aí a Vida imortal. Saber que em toda parte existe a Vida eterna é a verdadeira iluminação. É esse o significado do que disse anteriormente: "Mesmo dentro da água turva, existe a água pura que jamais fica turva".
Iluminar-se espiritualmente é descobrir que até mesmo dentro das nossas células mortas, trocadas diariamente por novas, existe algo que vive eternamente. Perceber realmente algo que vive eternamente, mesmo dentro dessa morte; descobrir água pura e límpida dentro da água turva; descobrir o Eu verdadeiro, imaculado, dentro dos pecados – eis a iluminação da Seicho-No-Ie. Se atingirmos essa iluminação fundamental e mantivermos a mente serena, o mundo fenomênico, que é manifestação da mente, se tornará perfeito.
Isso porém é um efeito secundário, e, se antes disso desejarmos nos curar das doenças, tornar a água límpida, deixar sempre redonda a imagem da Lua, estaremos invertendo a ordem natural. Ao compreendermos primeiramente que somos Vida eterna e transcendermos a matéria e o corpo carnal, cientes de que a nossa Vida não é matéria nem corpo carnal, teremos pela primeira vez a eterna liberdade da Vida, a infinita perfeição e a satisfação do anseio à liberdade infinita que brota do nosso interior.
Do livro: "A Verdade da Vida, vol. 36", pp. 105-116
3 comentários:
Olá, Gustavo!
Que texto exclarecedor! Principalmente a última parte.
Reverências!
Gratidão!
Gratidão, caro SERgio!
Há muitos textos excelentes de Masaharu Taniguchi ainda por vir.
Grande Abraço!
Namastê!
Muito obrigado, muito obrigado mesmo
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