"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

segunda-feira, julho 22, 2013

Iluminação pela via do Conhecimento - 5/5


 Swami Vivekananda
 

O jnane diz: A mente não existe, nem o corpo. Sua meditação, portanto, é a mais difícil, a negativa. Ele nega tudo, e o que fica é o Eu. O jnane deseja arrancar o universo do Eu pela mera força da análise. O jnane procura arrancar-se ao seu aprisionamento da matéria pela força da convicção intelectual. Este é o caminho negativo - o neti, neti - "isto não, isto não".

A felicidade está no corpo, na mente ou no Atman. Nos animais, e nos seres humanos inferiores, a felicidade está toda no corpo. Homem algum pode comer com a mesma satisfação com que come um cão ou um lobo esfaimados; portanto, no cão e no lobo a felicidade está inteiramente no corpo. Nos homens encontramos um plano mais alto de felicidade, o do pensamento. E no jnane há o mais alto plano de felicidade, no Eu, o Atman. Assim, para o filósofo, esse conhecimento do Eu é da maior utilidade, porque lhe dá a mais alta felicidade possível. Satisfação dos sentidos ou coisas físicas não podem ser da mais alta utilidade para ele, porque não encontra neles o mesmo prazer que encontra no conhecimento de si mesmo. E, afinal, o conhecimento é a única meta, e é, realmente, a maior felicidade que conhecemos. Todas as pessoas que trabalham, e lutam, e se esforçam como se fossem máquinas, não gozam realmente a vida, mas quem a goza é o homem instruído. Um ricaço compra um quadro, mas o homem que entende de pintura é quem o goza. E se o ricaço não tem conhecimento de arte, o quadro é inútil para ele. Torna-se o possuidor, apenas. Por todo o mundo, é o homem instruído quem goza a felicidade desse mundo. O ignorante nunca tem prazer. Precisa trabalhar para os outros, inconscientemente.

Não há senão um Atman: não pode haver dois. Vimos como em todo o universo há apenas uma Existência, e essa única Existência, quando vista através dos sentidos, é chamada mundo, o mundo da matéria. Quando é vista através da mente, é chamada mundo dos pensamentos e ideias. E quando é vista como é, então é o único Ser infinito. Deveis manter em vossas mentes o seguinte: não é que exista uma alma no homem, embora eu tivesse de aceitar isso, de início, como fora de dúvida, a fim de poder explicar. Mas há apenas uma Existência, e essa Existência é o Atman, o Eu. Quando isso é percebido através dos sentidos, através de imagens dos sentidos, é chamado corpo. Quando é percebido através do pensamento, é chamado mente. Quando é percebido através de sua própria natureza, é chamado o Atman, a única Existência.

Portanto, não existem três coisas numa só - o corpo, a mente, e o Eu - embora esse fosse um caminho conveniente para o curso da explicação. Mas tudo isso é Atman, e esse Ser único é às vezes chamado corpo, às vezes mente, e às vezes Eu, segundo os diferentes pontos de vista. Não há senão um único Ser, que os ignorantes chamam mundo. Dualismo e não-dualismo são expressões filosóficas muito boas, mas, em percepção perfeita, jamais vislumbramos o Real e o falso ao mesmo tempo. Todos nascemos monistas, não o podemos evitar. Sempre vislumbramos um. Suponhamos que vedes um de vossos amigos vindo em vossa direção, na rua, a uma certa distância. Vós o conheceis muito bem, mas, através da obscuridade do nevoeiro que tendes pela frente, pensais que se trata de um outro homem. Quando vedes vosso amigo como um outro homem, não vedes mais o vosso amigo, ele se desvaneceu. Estais vislumbrando apenas um. Suponhamos que o vosso amigo seja o Sr. A, mas quando vislumbrais o Sr. A como Sr., não vedes absolutamente o Sr. A. Em cada um dos casos vedes apenas um. Quando vos vedes como um corpo, sois corpo e nada mais, e esta é a percepção da vasta maioria da humanidade. Podem falar de alma, da mente, e de todas essas coisas, mas o que percebem é a forma física - tacto, paladar, visão, e assim por diante.

Entretanto, certos homens, em determinados estados de consciência, percebem-se como pensamento. Sabeis, naturalmente, a história de Sir Humphry Davy, que estava fazendo experiências diante de sua classe, com gás hilariante. Subitamente, um dos tubos se rompeu e o gás escapou, levando-o a respirá-lo. Por alguns momentos ele se manteve como uma estátua. Depois disse aos alunos que enquanto se sentiu naquele estado, percebera, realmente, que todo o mundo é feito de ideias. O gás, por algum tempo, levou-o a olvidar a consciência do corpo, e mesmo aquilo que ele estava vendo como corpo, começou a vislumbrar como ideias.

Quando a consciência se erguer ainda mais alto, quando esta pequena, insignificante consciência tiver desaparecido para sempre, o que é Realidade por trás dela, brilhará, e nós a veremos como a única Existência-Conhecimento-Bem aventurança, o único Atman, o Universal. "Um que é o próprio Conhecimento único, um que é a própria Bem-aventurança, para além de toda a comparação, para além de todo o limite, sempre livre, jamais aprisionado, infinito como o céu, imutável como o céu: tal como se manifestará em vosso coração, na meditação."

Como explica o advaitista as várias teorias de céus e infernos e essas várias ideias que encontramos em todas as religiões? Quando um homem morre, diz-se que vai para o céu ou para o inferno, para aqui ou para ali, ou que quando um homem morre, torna a nascer em outro corpo, seja no céu ou em outro mundo, algures.

Tudo isso não passa de alucinações. Falando com realismo, ninguém nasce nem morre. Não há céu, nem inferno, nem este mundo: todos os três realmente jamais existiram. Contai a uma criança uma porção de histórias de fantasmas, e fazei-a sair à rua, pela noite. Existe ali um pequeno toco de árvore. Que vê a criança? Um fantasma, com as mãos estendidas, pronto para agarrá-la.

Suponhamos que um homem vire a esquina, desejando encontrar sua namorada: vê naquele toco de árvore uma jovem. Um policial que venha da mesma esquina vê o toco transformado em ladrão. O ladrão o vê como um policial. Trata-se do mesmo toco de árvore, que foi visto de várias maneiras. O toco é a realidade, e as visões do toco são as projeções das várias mentes.

Há um Ser, um Eu, que nunca vem nem vai. Quando um homem é ignorante, deseja ir para o céu, ou para um lugar parecido. Durante toda a sua vida pensou e tornou a pensar nisso, e quando esse sonho terreno se desvanece, vê este mundo como um céu com anjos voando sobre ele. Se um homem deseja toda a sua vida encontrar-se com os seus antepassados, consegue encontrá-los, a partir de Adão, pois cria todos eles. Se um homem é ainda mais ignorante e está sempre assustado pelos fanáticos com ideias de inferno, com toda a sorte de castigos quando ele morrer, verá este mesmo mundo como um inferno. Tudo o que significa isso de nascer ou morrer é simplesmente um caso de mudanças no plano da visão. Nem vós vos moveis nem se move aquilo sobre o que projetais vossa visão. Sois os permanentes, os imutáveis. Como podeis ir e vir? Isso é impossível: sois onipresentes.

Estais onde estais. Esses sonhos, essas várias nuvens, movem-se. Um sonho segue-se ao outro, sem conexão. Não há lei de conexão neste mundo, mas pensamos que há uma grande quantidade de conexão. Todos vós lestes, provavelmente, Alice no País das Maravilhas, o mais maravilhoso livro infantil que foi escrito neste século. Quando eu o li, fiquei encantado, pois sempre tive a intenção de escrever um livro assim para as crianças. O que mais me agradou nele foi o que julgais ser o mais incongruente, pois ali não há conexão. Uma ideia vem e salta sobre a outra, sem qualquer conexão.

Quando fostes crianças, julgastes ser aquela a mais maravilhosa conexão. Assim, aquele homem tornou a apossar-se dos pensamentos de sua infância, que eram perfeitamente conexos, então, para ele, e compôs aquele livro infantil. E todos esses livros que os homens escrevem, tentando fazer as crianças engolirem suas próprias ideias de adultos, são tolices. Todos nós somos crianças crescidas, eis tudo. O mundo é a mesma coisa desconexa -- Alice no País das Maravilhas – sem qualquer conexão.

Como? Essa é a pergunta seguinte. Como podemos compreender isso? Como podemos romper este sonho, como acordaremos deste sonho que nos diz sermos pequeninos homens, pequeninas mulheres, e todas essas coisas?

Tal escravização tem de ser rompida. Como? "Esse Atman primeiro tem de ser ouvido, depois raciocinado, e depois meditado". Esse é o método do advaita jnane. A verdade tem de ser ouvida, depois se reflete sobre ela, e daí por diante precisa ser constantemente afirmada. Pensai sempre: "Eu sou Brama." Nunca digais: "Ó Senhor, sou um miserável pecador!" Quem vos ajudará? Sois o auxílio do universo. Quem, neste universo, pode ser de auxílio para vós? Onde está o homem, o deus, ou o demônio que vos ajude? Que pode prevalecer sobre vós? Sois o Deus do universo. Onde podereis encontrar auxílio? Jamais o auxílio veio de parte alguma a não ser de vós mesmos. Em vossa ignorância, cada prece foi respondida por algum Ser, mas vós mesmos, sem o saber, respondestes à prece. O auxílio veio de vós mesmos, e vós tivestes satisfação em imaginar que certo lugar alguém vos estava mandando auxílio. Não há auxílio para vós fora de vós mesmos: sois o Criador do universo. Como o bicho-da-seda, tecestes um casulo em torno de vós. Quem vos salvará? Rompei vosso casulo e saia dele como a bela borboleta, como alma liberta. Então, só então, vereis a Verdade. Dizei sempre convosco mesmos: "Eu sou Ele".

Essas são palavras que queimarão as escórias da mente, palavras que farão surgir as tremendas energias que já estão dentro de vós, o poder infinito que dorme em vossos corações. Tais coisas devem surgir através da verdade constantemente ouvida, e de nada mais. Donde houver pensamentos de fraqueza, não vos aproximeis. Evitai toda a fraqueza, se quiserdes ser um jnane.

Antes de começar a prática, limpai vossas mentes de todas as dúvidas. Lutai, raciocinai, argumentai, e quando tiverdes estabelecido em vossa mente que isso, apenas isso, pode ser a verdade, e nada mais, cessai de discutir. Fechai vossa boca. Não ouçais argumentos, nem argumenteis. Que adiantam mais argumentos? Estais satisfeitos, decidistes a questão. Que permanece, ainda? A verdade tem de ser compreendida. Portanto, por que perder tempo valioso em argumentos? A verdade agora tem de ser meditada, e cada ideia que vos dá forças deve ser aceita, e cada pensamento que vos enfraquece deve ser rejeitado.

O jnane diz: a mente não existe, o corpo não existe. Essa ideia de corpo e mente deve ir embora, deve ser expulsa, portanto é loucura pensar neles. Seria como tentar curar um mal pela aplicação de outro. Sua meditação é portanto a mais difícil, porque é a negativa: ele nega tudo, e o que fica é o Eu. Essa é a maneira mais analítica. O jnane deseja arrancar o universo do Eu pela pura força da análise. É muito fácil dizer: "Eu sou um jnane". Mas é muito difícil ser, realmente, um jnane. O caminho é longo; é, por assim dizer, como caminhar sobre o fio de uma navalha, e ainda assim não se desesperar. "Acordai, levantai-vos, e não pareis até que tenhais atingido à meta." Assim dizem os Vedas.

Portanto, que vem a ser a meditação para o que Ele deseja erguer-se acima de qualquer ideia de corpo ou mente, expulsar a ideia de que ele é o corpo. Por exemplo, quando eu digo: "Eu, Swamí", vem, imediatamente a ideia de corpo. Que devo fazer, então? Devo dar uma forte pancada à minha mente, e dizer: "Não, não sou o corpo, sou o Eu." Que importa venham a doença ou a morte numa forma das mais horríveis? Eu não sou o corpo. Por que fazer bonito o corpo? Para gozar a ilusão uma vez mais? Para continuar a escravização? Que ela se vá. Não sou o corpo. Esse é o caminho do jnane.

O jnane sente que não pode esperar, que deve alcançar a meta agora mesmo. E diz: "Sou livre através da eternidade, jamais estou preso. Sou o Deus do universo através de toda a eternidade. Quem poderá fazer-me perfeito? Eu já sou perfeito..."

Quando um homem é perfeito, vê perfeição nos outros. Quando vê imperfeições, é a sua própria mente que se projeta. Como pode ver imperfeições se não as tem em si mesmo? Assim, o jnane não faz caso da perfeição. Não existe qualquer perfeição para ele. Assim que se liberta, não vê o bem nem o mal. Quem vê o mal ou o bem? Quem os tem em si próprio. Quem vê o corpo? Quem pensa que é o corpo. No momento em que vos libertais da ideia de que sois o corpo, não vedes absolutamente o mundo. Ele se desvanece para sempre. O jnane procura arrancar-se dessa prisão de matéria pela força da convicção intelectual. Essa é a forma negativa - o neti, neti - "isto não, isto não".
 
 

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