"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

segunda-feira, abril 29, 2013

A Fábula da Centopéia (Osho)

 

Aquele que se tornou iluminado, aquele que uniu-se ao Tao, age sem impedimento... Você sempre age com impedimentos, o oposto está sempre ali criando o impedimento; você não é um fluxo.

Se você ama, o ódio está sempre ali como um impedimento. Se você se movimenta, alguma coisa está puxando você para trás, você nunca se move totalmente, alguma coisa sempre fica para trás, o movimento não é total. Você se move com uma perna, mas a outra perna não está se movendo. Como você pode se mover? O impedimento está lá.

E esse impedimento, esse movimento contínuo de apenas metade de você e o não-movimento da outra metade, é a sua angústia. Por que você sente tanta angústia? O que cria tanta ansiedade em você? Seja o que for que você faça, por que a felicidade não acontece para você? A felicidade somente pode acontecer para o todo, nunca para a parte.

Quando o todo se move sem qualquer impedimento, o próprio movimento é felicidade. A felicidade não é algo que vem de fora, é o sentimento que vem quando todo o seu ser se move, o próprio movimento do todo é felicidade. Não é algo acontecendo a você, é algo que surge de dentro de você, é uma harmonia no seu Ser.

Se você está dividido - e você está sempre dividido: metade se movendo, metade se contendo; metade dizendo sim, metade dizendo não; metade amando, metade odiando, você é um reino dividido - há um constante conflito em você. Você diz alguma coisa mas aquilo nunca é o que você quer dizer, porque o oposto está ali impedindo, criando um obstáculo.

Você já ouviu a estória da centopeia? A centopeia estava caminhando - uma centopeia tem cem pernas - é por isso que se chama centopeia. É um milagre andar com uma centena de pernas. Controlar duas já é tão difícil... Controlar cem pernas é realmente impossível, quase impossível, mas a centopeia consegue.

Uma raposa ficou curiosa - e as raposas são curiosas. No folclore a raposa é o símbolo da mente, do intelecto, da lógica. As raposas são seres muito lógicos. A raposa olhou, observou, analisou, ela não podia acreditar ao ver como a centopeia era capaz de andar com tantas pernas. Ela disse: "Espere, só uma pergunta! Como você consegue? Como você não se confunde e sabe qual pé pôr atrás de qual? Cem pernas! Como acontece essa harmonia, como você consegue andar tão bem?"

A centopeia disse: "Eu consigo andar, mas nunca pensei nisso. Dê-me algum tempo para pensar como eu faço".

Então ela fechou os olhos. Pela primeira vez ficou dividida: a mente como observadora e ela mesma como a coisa observada. Pela primeira vez a centopeia tornou-se duas. Ela costumava viver e andar, e sua vida era um todo; não havia um observador olhando para ela, ela nunca fora dividida. Ela era um ser integrado. Pela primeira vez surgiu a divisão. Ela estava olhando para si própria, pensando. Ela tinha se tornado o sujeito e o objeto, tinha se tornado duas, e então começou a andar. Foi difícil, quase impossível. Ela caiu - como pode você controlar cem pernas?

A raposa riu e disse: "Eu sabia que devia ser difícil, sempre soube."

A centopeia começou a chorar, as lágrimas inundaram os seus olhos. Ela disse: "Nunca foi difícil, mas você criou o problema. Agora eu nunca mais vou conseguir andar."

A mente tinha entrado em cena, ela entra em cena quando você está dividido. É por isso que Krishnamurti continua dizendo que, quando o observador se torna o observado, você está em meditação.

O oposto aconteceu com a centopeia. O todo se perdeu, se transformou em dois: o observador e o observado, divididos. o sujeito e o objeto; o pensador e o pensamento. Então tudo ficou perturbado, perdeu-se a felicidade, o fluxo de harmonia foi interrompido. E foi assim que ela ficou paralisada.

Sempre que a mente entra em cena, ela vem como uma força controladora, um gerente. Ela não é o mestre, ela é o gerente. E você não chega ao o mestre enquanto o gerente não for posto de lado. O gerente não vai permitir que você alcance o mestre, o gerente vai estar em pé diante da porta, controlando. E todos os gerentes administram mal - a mente tem feito um ótimo trabalho de má administração.

Pobre centopeia, ela sempre fora feliz. Não tinha problema nenhum. Vivia, cantava, amava, tudo, sem problema nenhum, porque não havia mente. Com a mente veio o problema - com a pergunta, com a indagação. E existem muitas raposas ao seu redor. Cuidado com elas: filósofos, teólogos, professores, todos eles são raposas. Eles levantam perguntas e criam perturbação.

Lao Tzu, o mestre de Chuang Tzu, disse: "Quando não existia nem um único filósofo, tudo estava resolvido, não haviam perguntas e as respostas estavam todas à disposição. Quando surgiram os filósofos, surgiram as perguntas e as respostas desapareceram." Sempre que existe uma pergunta, a resposta está muito longe. Sempre que você pergunta, nunca obtém a resposta, mas se você para de perguntar, você verá que a resposta sempre esteve ali.

Não sei o que aconteceu com essa centopeia. Se ela era tão tola quanto os seres humanos, está em algum hospital, aleijada, paralítica para sempre. Mas eu não acho que as centopeias sejam tão tolas. Ela deve ter deixado a questão de lado. Deve ter dito à raposa: "Guarde suas perguntas para si mesma, e me deixe andar em paz." Ela deve ter descoberto que essa divisão não lhe permitiria viver, porque a divisão causa morte. Indiviso, você é vida; dividido, você é morte. Quanto mais dividido, mais morto.

O que é felicidade? Felicidade é a sensação que surge em você quando o observador se torna o observado. Felicidade é a sensação que surge em você quando você está em harmonia, não fragmentado; quando você é um, não está desintegrado, é indiviso, uno. O sentimento não é algo que vem de fora. É a melodia que brota da sua harmonia interior.



sábado, abril 27, 2013

O Barco Vazio (Osho)


"Se um homem estiver atravessando um rio
E um barco vazio colidir com a sua própria embarcação,
Mesmo que ele seja um homem mal-humorado
Não vai ficar muito irritado.
Mas se vir um homem no outro barco, 
Ele vai gritar com ele  para que reme direito.
Se o seu grito não for ouvido, ele vai gritar de novo,
E mais uma vez começará a xingar.
Tudo porque há alguém no barco.
Se o barco estivesse vazio, Ele não estaria gritando
Nem ficaria com raiva.
Se você conseguir esvazia o seu barco
Ao atravessar o rio do mundo,
Ninguém vai se opor a você,
Ninguém vai tentar lhe fazer mal.
Quem pode se libertar do sucesso
E da fama, e descer e se perder
Em meio à massa humana?
Esse fluirá com o Tao, invisível,
Avançará com a própria vida
Sem nome e sem lar.
Aparentemente é um tolo.
Seus passos não deixam rastro.
Não tem nenhum poder.
Nada consegue, não tem reputação.
Como não julga ninguém,
Ninguém o julga.
Assim é o homem perfeito:
Seu barco está vazio."



Você veio até mim. Deu um passo perigoso. Correu um risco, porque perto de mim você pode se perder para sempre. Chegar mais perto vai significar a morte e não pode significar outra coisa. Sou como um abismo. Aproxime-se e você vai cair dentro de mim.  E para isso o convite foi feito. Você ouviu e veio.

Esteja ciente de que por meu intermédio você não vai ganhar nada. Por meu intermédio você só pode perder tudo – porque, a menos que você esteja perdido, o divino não poderá acontecer, a menos que você desapareça totalmente, o real não poderá surgir. Você é a barreira.

E você é tanto, e tem tanta teimosia, você é tão cheio de si mesmo que nada pode penetrar em você. As suas portas estão fechadas. Quando você desaparece, quando você não está, as portas se abrem. Então você se torna simplesmente como o céu vasto e infinito.

Essa é a sua natureza. Esse é o Tao.

Antes de começar a bela parábola de Chuang Tzu, O Baco Vazio, eu gostaria de contar outra história, porque isso vai definir a tendência desse retiro de meditação em que você está entrando.

Eu ouvi... 

Aconteceu uma vez, em algum tempo antigo, em algum país desconhecido, que um príncipe de repente enlouqueceu. O rei ficou desesperado – o príncipe era seu único filho, o único herdeiro do reino. Todos os magos foram chamados, os milagreiros, os médicos foram convocados, todo esforço foi feito, mas em vão. Ninguém conseguiu ajudar o jovem príncipe, que continuou louco.

No dia em que ficou louco, ele jogou fora as suas roupas, ficou nu e passou a viver debaixo de uma grande mesa. Ele achou que tinha se tornado um galo. Por fim, o rei teve que aceitar o fato de que o príncipe não se recuperaria. Ele tinha ficado permanentemente insano, pois todos os especialistas tinham fracassado.

Mas, um dia, mais uma vez a esperança raiou. Um sábio, um sufi, um místico, bateu na porta do palácio e disse: “Peço uma chance de curar o príncipe.” O rei ficou desconfiado, porque esse homem parecia, ele próprio, um louco ainda mais louco do que o príncipe. Mas o místico disse: “Só eu posso curá-lo. Para curar um louco, é necessário um louco ainda maior. E seus milagreiros, seus médicos especialistas, todos falharam, porque eles não sabem o á-bê-cê da loucura. Nunca percorreram esse caminho.”

Parecia lógico, então o rei pensou: “Que mal pode haver? Por que não tentar?” Então, deram a ele uma oportunidade.

No momento em que o rei disse: “tudo bem, você pode tentar”, esse místico jogou fora as roupas, saltou para debaixo da mesa e cantou como um galo. O príncipe ficou desconfiado e disse: “Quem é você? E o que acha que está fazendo?”

O velho disse: “Eu sou um galo mais experiente que você. Você não é nada, é apenas um recém-chegado, no máximo um aprendiz.”

O príncipe disse: “Então, tudo bem se você for um galo, mas parece um ser humano.”

O velho disse: “Não vá pelas aparências, olhe para o meu espírito, a minha alma. Eu sou um galo como você”.

Eles se tornaram amigos. Prometeram um a outro que sempre viveriam juntos – e o mundo inteiro estava contra eles.

Alguns dias se passaram. Um dia o velho de repente começou a se vestir. Ele colocou a camisa. O príncipe disse: “O que você está fazendo? Ficou louco? Um galo tentando colocar um roupa humana?”

O velho disse: “Estou apenas tentando enganar os tolos, esses seres humanos. E, lembre-se, mesmo que eu esteja vestido, nada mudou. Minha natureza de galo permanece, ninguém pode mudar isso. Apenas por me vestir como um ser humano, você acha que eu mudei?” O príncipe teve que concordar.

Poucos dias depois o velho convenceu o príncipe a se vestir, porque o inverno estava chegando e ficava cada vez mais frio.

Então, um dia, de repente, o velho pediu comida do palácio. O príncipe ficou muito ressabiado e disse: “Seu patife, o que quer dizer com isso? Você vai comer como os seres humanos? Como eles? Nós somos galos e temos que comer como galos.”

O velho disse: “Nada faz diferença alguma no que diz respeito a este galo. Você pode comer qualquer coisa e pode desfrutar de tudo. Você pode viver como um ser humano e permanecer fiel à sua natureza de galo.”

Pouco a pouco o velho convenceu o príncipe a retornar ao mundo da humanidade. E ele tornou-se absolutamente normal.

O mesmo acontece com você e comigo. E, lembre-se, você está apenas se iniciando, é um iniciante. Você pode pensar que é um galo, mas está apenas aprendendo o alfabeto. Eu sou um veterano e posso ajuda-lo. Eu digo que posso ajuda-lo porque não sou um especialista, não sou alguém de fora. Tenho viajado pelo mesmo caminho, pela mesma insanidade, pela mesma loucura. Eu passei pelo mesmo que você – a mesma miséria, a mesma angústia, os mesmos pesadelos. E tudo o que estou fazendo não é nada além de persuadi-lo a sair da sua loucura.

Pensar que você é um galo é maluquice; pensar que você é um corpo é maluquice também, mais maluquice ainda. Pensar que você é um galo é loucura; pensar que você é um ser humano é uma loucura ainda maior – porque você não pertence a nenhuma forma. Seja a de um galo ou a de um ser humano, a forma é irrelevante – você pertence ao sem forma, você pertence ao total, ao todo. Assim, seja qual for a forma que você pensa que tem, você está louco. Você é sem forma. Você não pertence a nenhuma forma, e você não pertence a nenhum organismo. Você não pertence a nenhuma casta, religião, credo; você não pertence a nenhum nome. E, a menos que você se torne sem forma, sem nome, você nunca será saudável.

Sanidade significa chegar ao que é natural, chegar ao que é perfeito em você, ao que está escondido atrás do nome e da forma. Muito esforço é necessário porque para cortar a forma, deixar para trás e eliminar a forma, é muito difícil. Você se tornou muito apegado e identificado a ela.

Este Samadhi Sadhana Shibir, este campo de meditação, nada mais é que persuadi-lo a seguir na direção do sem forma – como não ficar na forma. Toda forma significa ego; até mesmo um galo tem seu ego, e o homem também tem o seu. Toda forma é centrada no ego. Não-forma significa sem ego; você não está mais centrado no ego: o seu centro está em toda parte ou em parte alguma.  Isso é possível, isso que parece quase impossível é possível, porque aconteceu comigo. E, quando eu falo, falo por experiência. Seja o que você for, eu fui; e, seja o que for que eu seja, você pode ser.

Você pode ser curado, porque a sua doença é apenas um pensamento. O príncipe ficou louco porque se identificou com o pensamento de que era um galo. Todo mundo é louco, a menos que chegue a compreender que não está identificado com nenhuma forma – só então vem a sanidade.

Uma pessoa sã, portanto, não será ninguém em particular, não pode ser. Só um louco pode ser alguém em particular – seja um galo ou um homem, ou um primeiro-ministro ou um presidente, qualquer coisa, seja o que for. Uma pessoa sã passa a sentir a condição de ser um ninguém.

Esse é o perigo...

Você veio até mim como alguém e, se me permitir, se me der uma oportunidade, essa condição de ser alguém pode desaparecer e você pode se tornar um ninguém. Todo o esforço é nesse sentido – torna-lo um ninguém. Mas por que? Por que esse esforço para se tornar um ninguém? Porque, a menos que se torne um ninguém, você não poderá ficar em êxtase; a menos que se torne um ninguém, a bênção não se derramará sobre você – você continuará desperdiçando a sua vida.

Na realidade você não está vivo, você simplesmente se arrasta por aí, simplesmente carrega a si mesmo como um fardo. Muita angústia acontece, muito desespero, muita tristeza, mas nem um único fulgor de felicidade – ela não pode acontecer. Se você é alguém, você é como um bloco sólido de pedra, nada pode penetrar em você. Quando você é ninguém, você começa a se tornar poroso. Quando você é ninguém, você é na verdade um vazio, transparente, tudo pode passar através de você. Não existe nenhum impedimento, não existe nenhuma barreira, nenhuma resistência. Você se torna uma passividade, uma porta.

Neste exato momento você é como uma parede; uma parede significa alguém. Ao se tornar uma porta, você será ninguém. Uma porta é apenas um vazio, qualquer um pode passar, não existe nenhuma resistência, nenhuma barreira. Se é alguém, você está louco; se é ninguém, você pela primeira vez se tornará sadio.

Mas toda a sociedade, educação, civilização, cultura, todas elas cultivam você e o ajudam a se tornar alguém. É por isso que eu digo que a religião é contra a civilização, a religião é contra a educação, a religião é contra a cultura – porque a religião é a favor da natureza, é a favor do Tao.

Todas as civilizações são contra a natureza, porque elas querem fazer de você alguém em particular. E quanto mais você se cristaliza como alguém, menos o divino pode penetrar em você. 

Você vai aos templos, às igrejas, aos sacerdotes, mas ali você também está em busca – como se tornar alguém no outro mundo, como alcançar algo, como obter sucesso? A mente em busca de conquistas segue você como uma sombra. Se você veio aqui com essa ideia, deve sair o mais rápido possível, deve fugir o mais rápido possível de mim, porque não posso ajuda-lo a se tornar alguém.

Eu só posso ajuda-lo a ser ninguém. Só posso empurrá-lo para o abismo sem fundo. Você nunca vai chegar a lugar nenhum, você vai simplesmente se dissolver. Você vai cair, cair e cair e se dissolver, e, no momento em que se dissolve, toda a existência entra em êxtase. Toda a existência celebra esse acontecimento.

Buda alcançou isso. Por causa do idioma eu digo “alcançou” – do contrário a palavra é inapropriada/feia, porque nada foi alcançado, mas você vai entender. Buda alcançou esse vazio, esse nada. Durante duas semanas, por catorze dias, continuamente, ele se sentou em silêncio, sem se mover, sem dizer nada, sem fazer nada.

Dizem que as divindades no céu ficaram preocupadas – raramente aconteceu de alguém se tornar um vazio tão absoluto. Toda a existência sentiu uma celebração, as divindades vieram. Fizeram um reverência diante de Buda e disseram: “É preciso que diga alguma coisa, que diga o que você alcançou.” Conta-se que Buda riu e disse: “Eu não alcancei nada; mas sim, por causa dessa mente, que sempre quer alcançar alguma coisa, eu estava perdendo tudo. Eu não alcancei nada, isso não é uma conquista; pelo contrário, o conquistador desapareceu. Eu não existo mais, veja a beleza disso”, disse Buda. “Quando eu existia, era infeliz, e agora que eu não existo mais, tudo é feliz, a felicidade se derrama continuamente sobre mim, em todos os lugares. Agora não há mais sofrimento.”

Buda havia dito antes: “A vida é sofrimento, o nascimento é sofrimento, a morte é sofrimento – tudo é sofrimento.” Era sofrimento porque o ego estava lá. O barco não estava vazio. Agora, o barco estava vazio, agora não havia mais sofrimento, nenhum pesar, nenhuma tristeza. A existência se tornara uma celebração e permaneceria uma celebração pela eternidade, para sempre.

É por isso que eu digo, é perigoso que você tenha vindo até mim. Você deu um passo arriscado. E, se você for corajoso, esteja pronto para o salto.

Todo o esforço é no sentido de dissolvê-lo; todo o esforço é como destruir você. Uma vez destruído, o indestrutível virá à tona – ele está lá, escondido. Depois que tudo o que não é essencial for eliminado, o essencial será como uma chama – vivo em sua glória total. Esta parábola de Chuang Tzu é linda. Ele diz que um homem sábio é como um barco vazio.

Assim é o homem perfeito – seu barco está vazio

Não há ninguém dentro. 

Se você encontrar alguém como Chuang Tzu, Lao-Tsé ou Buda, o barco estará ali, mas ele estará vazio – não haverá ninguém nele. Se você simplesmente olhar para a superfície, então verá alguém lá, porque o barco está lá. Mas, se penetrar mais profundamente, se conseguir alcançar o centro ou a fonte do ser, se esquecer o corpo - o barco - então você acabará por encontrar um nada. 

Chuang Tzu é uma flor rara, porque tornar-se ninguém é a coisa mais difícil, quase impossível, a coisa mais extraordinária do mundo.

A mente comum anseia por ser extraordinária, o que faz parte do ordinarismo. A mente ordinária deseja ser alguém em particular, alguém extraordinário - o que faz parte do ordinarismo. Você pode se tornar um Alexandre, mas continuará sendo ordinário, comum – então quem é o extraordinário? O extraordinário só começa quando você não anseia pelo extraordinário. Então a viagem começou, então uma nova semente brotou.

Isso é o que Chuang Tzu quer dizer quando afirma: “Um homem perfeito é como um barco vazio”. Muitas coisas estão implícitas nisso. Em primeiro lugar, um barco vazio não vai a lugar nenhum, porque não há ninguém para dirigi-lo, ninguém para manipulá-lo, ninguém para encaminhá-lo a algum lugar. Um barco vazio está apenas ali, não está indo a lugar nenhum. Mesmo que esteja se movendo, não estará indo a lugar nenhum.

Se a mente não está ali, a vida continuará a ser um movimento, mas não vai ser dirigida. Você vai se mover, você vai mudar, você será um fluxo como um rio, mas não estará indo a lugar algum, não terá nenhum objetivo em vista. Um homem perfeito vive sem nenhuma finalidade; um homem perfeito avança, mas sem nenhuma motivação. Se você perguntar a um home perfeito: “O que você está fazendo?”, ele dirá: “Não estou fazendo nada, isso é o que está acontecendo”. Isso está acontecendo, não é algo manipulado. Não há ninguém para manipulá-lo, o barco está vazio. 

Se existir um propósito, você vive e em sofrimento. Por que? Um propósito existe para o eu, o ou ego, e significa a mente que vive no futuro. A mente pode viver no futuro, mas não no presente. Se você não vive o presente, você pode ter esperanças e desejos. E é assim que você cria a miséria. Se você começar a viver neste momento, aqui e agora, o sofrimento desaparece. Mas como isso está relacionado ao ego? O ego é todo o passado acumulado. Tudo o que você conheceu, vivenciou, leu, tudo o que aconteceu a você no passado, o todo é acumulado ali. Todo esse passado é o ego, é você.

O passado pode se projetar no futuro – porque o futuro não é senão o passado estendido. O passado não prevalece sobre o presente – o presente é totalmente diferente, tem a qualidade de ser aqui e agora. O passado está sempre morto, o presente é vida, a fonte de toda a vivacidade. O passado não pode prevalecer diante do momento presente, por isso se transporta para o futuro – ambos estão mortos, ambos são não existenciais. O presente é a vida; nem o futuro pode encontrar o presente, nem o passado pode encontrar o presente. E seu ego, a sua condição de ser alguém, é o seu passado. A menos que esteja vazio você não pode estar aqui, e a menos que esteja aqui você não pode estar vivo. 

Como você pode conhecer a felicidade da vida? Ela está se derramando sobre você a cada instante e você a está ignorando.

Chuang Tzu diz: “Assim é o homem perfeito – seu barco está vazio.”

Vazio de que? Vazio do eu, vazio do ego, vazio de alguém lá dentro. 

"Se um homem estiver atravessando um rio
E um barco vazio colidir com a sua própria embarcação,
Mesmo que ele seja um homem mal-humorado
Não vai ficar muito irritado.
Mas se vir um homem no outro barco, 
Ele vai gritar com ele  para que reme direito.
Se o seu grito não for ouvido, ele vai gritar de novo,
E mais uma vez começará a xingar.
Tudo porque há alguém no barco.
Se o barco estivesse vazio, Ele não estaria gritando 
Nem ficaria com raiva."

Se as pessoas continuam colidindo com você e se continuam com raiva de você, lembre-se, elas não têm culpa. Seu barco não está vazio. Elas estão com raiva porque você está lá. Se o barco estiver vazio elas vão parecer tolas, se estiverem com raiva vão parecer tolas. 

Esse símbolo do barco vazio é realmente muito bonito. As pessoas estão com raiva porque você está muito presente ali, porque você é muito pesado – tão sólido que elas não podem passar. E a vida está entrelaçada com todas as pessoas. Se você é uma presença excessiva, então em toda a parte haverá colisão, raiva, depressão, agressão, angústia, violência – o conflito continua.

Sempre que você sente que alguém está com raiva ou que alguém colidiu com você, você acha que o outro é responsável. Esse é o modo como a ignorância conclui, interpreta. A ignorância sempre diz: “O outro e responsável”. A sabedoria sempre diz: “Se alguém é responsável, então eu sou responsável, e a única maneira de não colidir é não ser.”

“Eu sou responsável” não quer dizer “eu estou fazendo algo, é por isso que eles estão com raiva”. Essa não é a questão. Você pode não está fazendo nada, mas apenas o seu ser é suficiente para que as pessoas fiquem com raiva. Não é uma questão de saber se você está fazendo bem ou mal. A questão é que você está ali, presente.

Esta é a diferença entre o Tao e as outras religiões. As outras religiões dizem: seja bom, comporte-se de modo que ninguém fique bravo com você. O Tao diz: Não seja.

Não é uma questão de saber se você se comporta bem ou mal. Mesmo um homem bom, até mesmo um homem muito santo causa raiva, porque ele é, ele está presente. 

Às vezes, um homem bom causa mais raiva do que um homem mau, porque um homem bom significa um egoísta muito sutil. Um homem mau sente-se culpado – seu barco pode estar cheio, mas ele se sente culpado. Ele na verdade não está muito à vontade no barco, a culpa dele o faz se retrair/encolher.  Um homem bom sente-se ser tão bom que ele se esparrama pelo barco completamente, deixando-o superlotado. 

Então, sempre que você chegar perto de um homem bom, vai sentir-se torturado – não que ele esteja torturando você; trata-se apenas da presença dele. Com os chamados “homens de bem”, você sempre vai se sentir triste e ter vontade de evita-los. Os chamados “homens de bem” são realmente muito pesados. Sempre que você entra em contato com eles, eles o deixam triste, eles o deprimem e você quer se afastar deles o mais rapidamente possível.

O Tao é totalmente diferente. O Tao tem uma qualidade diferente, e para mim o Tao é a mais profunda religião que existe na Terra. Nada se compara a ele. Houve lampejos, há lampejos nas palavras de Jesus, Buda e Krishna – mas apenas lampejos.

A mensagem de Lao Tsé ou Chuang Tzu é a mais pura – absolutamente pura, nada a contaminou. E a mensagem é a seguinte: é tudo porque há alguém no barco. Este inferno inteiro é só porque há alguém no barco.

Um sábio já dizia: “Aquele que se contenta consigo fez uma obra inútil.”

As pessoas religiosas vivem ensinando: contente-se com você mesmo. Mas você continua presente, se contentando consigo mesmo. Chuang Tzu diz: “Não esteja presente”, então não haverá a questão do contentamento ou descontentamento. Esse é o verdadeiro contentamento, quando você não está presente. Mas, se você sentir que está contente, isso é falso – porque você está lá, e trata-se apenas de uma plenitude egoica. Você sente que conseguiu, sente que alcançou.

O homem do Tao é simples e não faz distinção. Aparentemente é um tolo.

Essas são as palavras mais profundas que Chuang Tzu proferiu. É difícil entender porque sempre achamos que uma pessoa iluminada, um homem perfeito, é um homem de sabedoria. Ele diz: “aparentemente é um tolo...”

Mas é assim que deve ser. Entre tantos tolos, como pode um homem sábio não ser assim? Aparentemente ele será um tolo e esse é o único jeito. Como ele pode mudar esse mundo tolo e tantos tolos... levando-os na direção da sanidade? Ele terá de ficar nu, e entrar debaixo da mesa e cantar como um galo. Só então ele pode mudar você. Ele deve se tornar louco como você, deve ser um tolo, deve permitir que você ria dele. Então você não vai sentir inveja, não vai se sentir magoado, não vai ficar zangado com ele, você vai poder tolerá-lo, poderá esquecê-lo e perdoá-lo, poderá deixa-lo em paz.

Muitos grandes místicos se comportaram como tolos e seus contemporâneos ficaram perdidos – o que fazer de suas vidas – e a maior das sabedorias existe neles. Ser sábio entre vocês é realmente estupidez. Isso não servirá para nada. Sócrates foi envenenado porque não conheceu Chuang Tzu. Se tivesse conhecido Chuang Tzu, não haveria nenhuma necessidade de ele ser envenenado. Ele tentou se comportar como um homem sábio entre os tolos, ele tentou ser sábio. 

Chuang Tzu diz: “Aparentemente o homem sábio será como um tolo.” Chuang Tzu viveu, ele mesmo, como um tolo; rindo, cantando, dançando, contando piadas e anedotas. Ninguém achava que ele fosse sério. E você não poderia encontrar um homem mais sincero e sério do que Chuang Tzu. Mas ninguém achava que ele fosse sério. As pessoas gostavam dele, as pessoas o amavam, e através desse amor ele jogava sementes de sua sabedoria. Ele mudou muitos, transformou muitos.

Mas para mudar um louco você tem que aprender a língua dele, e tem que usar a linguagem dele. Você tem que ser como ele, tem que descer ao nível dele. Se você ficar de pé no seu pedestal, não vai haver comunicação.

Foi o que aconteceu com Sócrates, e tinha que acontecer ali, porque a mente grega é a mente mais racional do mundo, e uma mente racional sempre tenta não ser tola. Sócrates irritou a todos. As pessoas realmente tinham que mata-lo, porque ele fazia perguntas difíceis e todos se sentiam tolos. Ele deixava todo mundo acuado – você não consegue responder nem mesmo às perguntas comuns!

Se alguém insistisse em dizer que acreditava em Deus, então Sócrates perguntaria alguma coisa a respeito: “Qual é a prova?” E você não pode responder, você não viu Deus. Deus é uma coisa distante, e você não consegue provar sequer coisas comuns. Sócrates fazia perguntas penetrantes, analisava tudo, e todos em Atenas ficaram com muita raiva. Esse homem estava tentando provar que todo mundo é tolo. Eles o mataram. Se ele tivesse conhecido Chuang Tzu – e naquele tempo Chuang Tzu estava vivo na China, eles foram contemporâneos – então Chuang Tzu teria dito a ele o segredo: “Não tente provar que uma pessoa é tola porque os tolos não gostam disso. Não tente provar a um louco que ele é louco, porque nenhum louco gosta disso. Ele vai ficar bravo, arrogante, agressivo. Se você chegar ao ponto em que a loucura dele pode ser provada, ele vai se vingar.” 

Chuang Tzu teria dito: “É melhor ser você mesmo um tolo; assim as pessoas vão gostar de você e depois, por meio de uma metodologia muito sutil, você pode ajuda-las a mudar. Então elas não ficarão contra você.”

É por isso que no Oriente, particularmente na Índia, na china e no Japão, nunca ocorreu um fenômeno tão feio quanto esse que aconteceu na Grécia – Sócrates foi envenenado e morto.
Foi o que aconteceu em Jerusalém – Jesus foi morto, crucificado. Foi o que aconteceu no Irã, no Egito, em outros países – são muitos os sábios que foram mortos, assassinados. 

Comporte-se como um tolo, como um louco. Esse é o primeiro passo do homem sábio – fazer você ficar à vontade para que não tenha medo dele. É por isso que eu contei essa história.

O príncipe fez amizade com aquele homem. Ele estava com medo das outras pessoas, dos médicos, dos especialistas, porque eles estavam tentando muda-lo, curá-lo, e ele não era louco. Ele não achava que estivesse louco; nenhum louco jamais pensa que é louco. Se um louco um dia perceber que é louco, é porque a loucura desapareceu. Ele não é mais louco.

Todos aqueles homens sábios que estavam tentando curar o príncipe eram tolos, só aquele velho sábio foi de fato sábio. Ele se comportou como um tolo. A corte riu, o rei riu, a rainha riu. Eles disseram: “O que? Como esse homem vai mudar o príncipe? Ele é louco e parece ser mais louco ainda que o príncipe”. Até o príncipe ficou chocado. Ele disse: “O que você está fazendo? O que você quer dizer com isso?” Mas esse homem deve ter sido um sábio iluminado. 

Chuang Tzu está falando sobre esse tipo de homem, esse homem fenomenal.

Esse vai ser o seu caminho. Esvazie o barco. Comece a jogar fora tudo o que encontrar no barco, até que tudo seja lançado fora e nada seja deixado, até que você seja jogado fora e nada reste, o seu ser tornou-se simplesmente vazio.

A última e a primeira coisa é ficar vazio; assim que ficar vazio você será preenchido. O todo descerá sobre você quando estiver vazio – só o vazio pode receber o todo, nada menos que isso vai servir. É somente então que o todo será recebido. A sua mente é tão pequena que não pode receber o divino. Deus cômodos são tão pequenos que você não pode convidar o divino. Destrua essa casa completamente, porque apenas o céu, o espaço total, pode recebê-lo.

O vazio vai ser o caminho, a meta, tudo. A partir de hoje, tente se esvaziar de tudo o que encontrar dentro de você: sua infelicidade, sua raiva, seu ego, seus ciúmes, seus sofrimentos, suas dores, seus prazeres – tudo o que você encontrar, basta jogar fora. Sem fazer distinção, sem fazer escolhas, esvazie-se. E no momento em que estiver totalmente vazio, de repente você vai ver que você é o todo, a totalidade. Por meio do vácuo, o todo é atingido.

A meditação nada mais é que um esvaziamento, nada mais é do que se tornar ninguém. Viva como um ninguém. Se você provocar raiva em alguém e colidir com essa pessoa, lembre-se, você deve estar no barco. Logo, quando o seu barco estiver vazio, você não colidirá, não haverá nenhum conflito, nenhuma raiva, nenhuma violência – nada.

Esse nada é a bênção, esse nada é a bem-aventurança. É por esse nada que você tem procurado a vida toda. Mas a menos que o buscador desapareça, não pode haver satisfação. Entre no vazio, torne-se ninguém, e continue vazio.  Ande por este vasto mundo como um barco vazio, e todas as bênçãos que são possíveis na existência serão suas. Reivindique-as, mas você só pode reivindica-las quando você não está. Esse é o problema – como não estar. Eu digo a você que esse problema pode ser resolvido. Eu já resolvi, é por isso que digo isso.

Medite sobre isso, ore por isso, faça todos os esforços para isso. E lembre-se apenas de uma coisa – você tem que se tornar um barco vazio.


quinta-feira, abril 25, 2013

Prática de bondade e altruísmo (Dalai Lama)

 Dalai Lama


"A base da mente altruísta da iluminação é um bom coração, uma mente bondosa, o tempo todo. 

Todos nós podemos nos beneficiar desse cultivo; não devemos ficar raivosos, brigar, revidar e tudo mais. 

Quando as pessoas se engajam em tais atividades, elas fazem isso devido a preocupações pessoais, mas na verdade estão apenas se prejudicando. 

Então, todos nós precisamos fazer tudo que pudermos para cultivar uma mente bondosa, um bom coração.

Não estou apenas explicando isso; eu também estou fazendo tudo que posso para praticar isso. 

Todo mundo precisa fazer o que for possível, porque o tanto que conseguirmos praticar é o tanto que isso irá ajudar.
 
Se você se engajar nessas práticas e ganhar experiência nelas, suas atitudes e o modo como vê as outras pessoas vão mudar. 

Então, quando surgir um problema — que já apareceu antes — você não vai reagir com a mesma irritação, não vai gerar as mesmas atitudes negativas.

Essa mudança não é algo externo — não é uma questão de fazer uma plástica no nariz ou adotar um novo corte de cabelo. 

Acontece dentro da mente. 

Algumas pessoas conseguem suportar problemas, outras não conseguem; a 
diferença é a atitude interior.

A mudança advinda de colocar esses ensinamentos em prática vem devagar. 
 
Após algum tempo, podemos encontrar pessoas que nos dizem que mudamos — isso é um bom sinal, um sinal de que a prática tem sido efetiva."
 
 

terça-feira, abril 23, 2013

Dois Jovens sem dinheiro em Brindában

Paramahansa Yogananda


"Provai, e vede que o SENHOR é bom; bem-aventurado o homem que nele confia." (Salmos 34:8)
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"Fazei prova de mim nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se Eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós uma bênção tal até que não haja lugar suficiente para a recolherdes." (Malaquias 3:10)


 
Você mereceria que papai o deserdasse, Mukunda! Que tonto é, desperdiçando a vida! - Um sermão de meu irmão mais velho me agredia os ouvidos. Jítendra e eu, recém-saídos do trem e cobertos de poeira, tínhamos chegado ao lar de Ananta, recentemente transferido de Calcutá para a velha cidade de Agra. Meu irmão era auditor no Departamento de Obras Públicas do Governo.

- Você bem sabe, Ananta, que procuro minha herança do Pai Celeste.
- Em primeiro lugar, o dinheiro; Deus pode vir depois! Quem sabe? A vida pode ser muito longa.
- Deus, em primeiro lugar; o dinheiro é Seu escravo! Quem sabe? A vida pode ser muito curta.
- Minha réplica fora provocada pelas circunstâncias, e não a apoiava nenhum pressentimento (mas ai de mim, a vida de Ananta, de fato, terminaria em breve!). "Conheço esse olhar", pensei. Está tramando uma cilada!..

A trama urdida chegou a seu desfecho durante nossa primeira refeição na manhã seguinte.

- Você, então, se sente muito independente da riqueza de papai. O olhar de Ananta expressava inocência enquanto ele voltava às farpas da conversação do dia anterior.
- Estou consciente de minha dependência de Deus.
- Falar é fácil! A vida lhe serviu de escudo até agora! Mas que situação de apuro se você fosse obrigado a recorrer à Mão Invisível para seu alimento e abrigo! Logo estaria mendigando nas ruas!
- Nunca! Não depositaria minha fé nos transeuntes em vez de colocá-la em Deus! Ele pode conceber para Seu devoto milhares de recursos, além da escudela de mendigo!
- Mais retórica! Suponhamos que eu sugira seja a bazófia de sua filosofia posta à prova neste mundo tangível ...
- Eu concordaria! Você confina Deus a um mundo especulativo?

- Veremos. Hoje, você terá oportunidade, ou de ampliar, ou de confirmar meu próprio ponto de vista! - Ananta fez uma pausa durante um dramático momento; em seguida, falou devagar e seriamente: Proponho enviá-lo, com seu condiscípulo Jitendra, esta manhã, para a vizinha cidade de Brindában. Você não deve levar uma só rúpia; não deve mendigar nem alimento nem dinheiro; não deve revelar sua situação a ninguém; não deve passar sem refeições; não deve encalhar em Brindában; se voltar aqui, à minha casa, antes da meia noite, sem haver violado uma só regra do teste, serei o homem mais espantado de Agra!

- Aceito o desafio! - Nenhuma hesitação havia em minhas palavras ou em meu coração. Gratas lembranças da Beneficência Instantânea reverberavam em minha memória: minha cura de cólera mortal através do apelo à fotografia de Láhiri Mahásaya (o guru dos pais de Yogananda); o jocoso presente dos dois papagaios no terraço de Lahore; o amuleto oportuno durante o desânimo em Bareilly; a mensagem decisiva por intermédio do sádhu que se aproximou do pátio do erudito em Benares; a visão da Mãe Divina e suas sublimes palavras de amor; sua rápida atenção, através de mestre Mahásaya, a meus pequeninos aborrecimentos; a orientação de última hora, que materializou meu diploma de escola secundária; e a derradeira bênção, meu mestre vivente, emergido da bruma dos sonhos de toda a minha vida. Nunca eu admitiria a insuficiência de minha filosofia, em qualquer embate, no áspero campo de provas do mundo!

- Sua disposição é crédito a seu favor. Vou escoltá-lo até o trem imediatamente - disse Ananta. E voltando-se para o boquiaberto Jitendra: - Você deve ir junto: como testemunha e, provavelmente, co-vítíma! Meia hora depois, Jitendra e eu estávamos de posse das passagens de ida, para a viagem. Submetemo-nos, num canto retirado da estação, ao exame de nossas pessoas. Ananta prontamente se satisfez porque não carregávamos valores ocultos; nossos simples "dhótis" (peça de roupa amarrada em torno da cintura, cobrindo as pernas) não escondiam mais do que o necessário. Como a fé se imiscuía no mundo sério das finanças, meu amigo protestou: - Ananta, dê-me uma ou duas rúpias como medida de cautela, Então, poderei telegrafar-lhe em caso de infortúnio.

- Jitendra! - Minha exclamação foi de aguda censura. - Não continuarei com o teste, se você levar dinheiro para nos garantir em último caso.- Algo de tranqüilizador existe no tilintar das moedas. - Jitendra nada mais acrescentou porque o encarei severamente.

- Mukunda, não sou destituído de coração. - Um toque de humildade insinuara-se na voz de Ananta. É possível que sua consciência o afligisse; talvez por enviar dois jovens sem dinheiro a uma cidade desconhecida; talvez devido a seu próprio ceticismo religioso. - Se, por qualquer acaso ou graça, você passar com sucesso pelo ordálio de Brindában, pedir-lhe-ei que me aceite como seu discípulo.

Em consonância com a situação não-convencional, esta promessa continha certa irregularidade. O irmão mais velho numa família hindu raramente se inclina ante os mais novos; recebe respeito e obediência, em segundo lugar, logo depois do pai. Não restava tempo, entretanto, para meu comentário; nosso trem ia partir.
 
Jitendra manteve um silêncio lúgubre, enquanto o trem cobria a distância. Finalmente, meu amigo se moveu; inclinando-se, beliscou-me dolorosamente em lugar sensível.

- Não vejo sinal algum de que Deus nos vai fornecer nossa próxima refeição!- Aquiete-se, incrédulo Tomé; o Senhor está trabalhando a nosso favor.
- Você não pode fazer que Ele se apresse? já estou esfomeado, só ao considerar as perspectivas diante de nós. Deixei Benares para ver o mausoléu do Taj, não para entrar no meu próprio!
- Anime-se, Jitendra! Não estamos prestes a ter nosso primeiro vislumbre das sagradas maravilhas de Brindában? (às margens do rio Junna, Bríndában é a 'Jerusalém' dos indianos. Acreditam que ali o 'avatar' Sri Krishna tenha se manifestado). Sinto profunda alegria ao pensamento de pisar o solo santificado pelos pés do divino Krishna. - A porta de nosso compartimento abriu-se; dois homem tomaram assento. A próxima parada do trem seria a última.

- Jovens, vocês têm amigos em Brindában? - O desconhecido, defronte a mim, revelava um interesse surpreendente.
- Não é de sua conta! - desviei rudemente o olhar.
- Estão provavelmente fugindo de suas famílias sob a magia do 'Ladrão de Corações' ('Hári': um nome afetuoso, atribuído a Krishna por seus devotos). Eu próprio sou um temperamento devocional. Constitui, positivamente, meu dever, velar para que recebam alimento e abrigo neste calor fortíssimo.
- Não, deixe-nos sozinhos. O senhor é muito amável, mas se engana se nos julga vadios fugindo de casa.

Isto encerrou a conversação. O trem parou. Quando Jitendra e eu descemos à plataforma, nossos companheiros ocasionais nos tomaram pelo braço e chamaram um veículo de tração animal.
 
Apeamos em frente a um eremitério majestoso, situado entre árvores, sempre verdejantes, de canteiros bem conservados. Percebia-se que nossos benfeitores eram conhecidos ali; um sorridente jovem nos guiou sem comentários a uma sala de recepção. Logo se reuniu a nós uma senhora idosa, de nobre porte.

- Gaurí Ma, os príncipes não puderam vir. - Um dos homens dírigiu-se à hospedeira do "áshram" (eremitério ou escola de Yoga). - No último instante, seus planos foram alterados; eles enviam sentidas desculpas; mas trouxemos outros dois hóspedes. Assim que nos encontramos no trem, senti atração, por eles, devotos do divino Krishna. - E, voltando-se para nós - Adeus, jovens amigos, - Nossos dois conhecidos caminharam em direção à porta. - Se Deus quiser, nos encontraremos outra vez. Sejam benvindos aqui.

Gaurí Ma sorriu maternalmente. - Não poderiam ter chegado em melhor dia. Eu esperava dois benfeitores de sangue real, patronos deste eremitério. Que lástima se os alimentos que cozinhei não achassem ninguém para apreciá-los!

Estas amáveis palavras tiveram efeito surpreendente sobre Jitendra: ele desatou em lágrimas. As perspectivas que meu amigo temera encontrar em Brindában estavam se convertendo em entretenimento de reis; o repentino ajustamento mental era demasiado forte para ele. Nossa anfitriã mirou-o com curiosidade, mas sem comentário; talvez estivesse familiarizada com caprichos de adolescentes.

O almoço foi anunciado; Gaurí Ma nos precedeu em caminho para um pátio, saturado de aromas apetitosos, onde a refeição seria servida. Ela desapareceu numa cozinha próxima. Eu premeditara este momento. Escolhendo o local apropriado no corpo de Jitendra, dei-lhe um beliscão tão doloroso como o que ele me dera no trem.

- Incrédulo Tomé, o Senhor Deus trabalha. E depressa, também!
A anfitriã reentrou com um púnkha (leque). Ela firmemente nos abanou à moda oriental, enquanto cruzávamos as pernas em assentos de mantas com ornamentos. Discípulos do ásbram iam e vinham, servindo cerca de trinta pratos. Em vez de refeição, eu deveria descrevê-la como suntuoso banquete. Desde que chegamos a este planeta, Jitendra e eu nunca antes prováramos tais iguarias.

- Realmente, pratos dignos de príncipes, Honrada Mãe! Não posso imaginar que atividade seus régios benfeitores encontraram mais urgente que comparecer a este banquete! A senhora nos proporcionou uma recordação para o resto da vida!

Obrigados ao silêncio pelas condições impostas por Ananta, não podíamos explicar à bondosa senhora que nossos agradecimentos tinham duplo significado. Nossa sinceridade, pelo menos, era patente.

 

(O Taj Mahal)

Partimos com sua bênção e um convite atraente para revisitar o eremitério. Fora, o calor era impiedoso. Meu amigo e eu procuramos o abrigo de majestosa árvore de cadamba, na porta do áshram. Seguiu-se um diálogo acerbo. Jitendra, de novo, achava-se perturbado por apreensões.

- Em que bela embrulhada você me meteu! Nosso almoço foi apenas um incidente de boa sorte! Como poderemos ver os aspectos interessantes desta cidade sem termos conosco uma única moeda? E como vai me levar de volta à casa de Ananta?
- Você esquece Deus rapidamente, agora que seu estômago está cheio. - Minhas palavras, sem serem amargas, eram acusatórias. Como é curta a memória humana para os favores divinos! Nenhum homem vivo deixou de ver respondidas algumas de suas preces.
- Não me disponho a esquecer minha loucura ao me aventurar em viagem com um doido como você!
- Cale-se, Jitendra! O mesmo divino Senhor que nos alimentou nos mostrará Brindában e nos devolverá a Agra.

Um jovem delgado, de agradável aparência, aproximou-se a passos rápidos. Parando sob nossa árvore, curvou-se diante de mim.

- Querido amigo, o senhor e seu companheiro devem ser estranhos aqui. Permita-me que seja seu anfitrião e guia.
É quase impossível a um hindu empalidecer, mas a face de Jitendra mostrou, de súbito, uma cor desmaiada. Recusei cortesmente o oferecimento.
- Não, não pode ser que me dispense. - O alarme do desconhecido teria sido cômico em outras circunstâncias.
- Por que não?- O senhor é meu guru. - Seus olhos buscaram os meus confiantemente. - Durante minhas devoções do meio dia, o bendito Senhor Krishna apareceu-me em visão. Mostrou-me duas figuras desamparadas sob esta mesma árvore. Uma face era a sua, meu mestre! Eu a vi freqüentemente em meditação! Que alegria se aceitasse meus humildes serviços!
- Eu também me alegro de que me haja encontrado. Nem Deus nem o homem nos desamparam! - Embora eu estivesse imóvel, sorrindo para o rosto ansioso diante de mim, uma obediência interna prostrou-me ante os Pés Divinos.
-
Queridos amigos, não me darão a honra de se hospedarem em minha casa?
- Você é amável; mas o plano é inexequível. já somos hóspedes de meu irmão em Agra.

- Pelo menos, me deixarão a lembrança de haver percorrido Brindában em sua companhia.

Consenti com alegria. O jovem, cujo nome era Pratap Chatterji, chamou uma carruagem. Visitamos o Templo Madananchana e outros santuários de Krishna. A noite desceu antes de terminarmos nossas devoções no templo.

- Com licença, vou ver se consigo sandesh (um doce hindu). - Pratap entrou em uma loja na estação ferroviária. Jitendra e eu vagamos ao longo da ampla rua, agora repleta de gente na relativa amenidade da noite. Nosso amigo ausentou-se por algum tempo, mas retornou com presentes de doces e guloseimas.
- Por favor, permita que eu ganhe este mérito religioso. - Pratap sorriu suplicante enquanto estendia um maço de rúpias em notas e duas passagens, recém-compradas, para Agra. Aceitando-os, minha reverência dirigiu-se à Mão Invisível que, escarnecida por Ananta, excedera-se em generosidade. Procuramos um lugar solitário perto da estação.

- Pratap, ínstruí-lo-ei na Kriya de Láhíri Mahásaya, o maior iogue dos tempos modernos. A técnica dele será seu guru. - A iniciação terminou em meia hora. - Kriya é seu chíntárnani (pedra preciosa mitológica com poder de realizar os desejos; é, também, um dos nomes de Deus), - disse eu ao novo discípulo. - A técnica, que é simples como vê, incorpora a arte de apressar a evolução espiritual do homem. Assim como o crescimento das plantas pode ser acelerado muito além de seu ritmo normal, como Jâgadís Chandra Bose (físico e químico muito respeitado na Índia)
demonstrou, também o desenvolvimento psicológico do homem pode ser apressado por meios científicos. Seja assíduo em suas práticas; alcançará o Guru de todos os gurus.- Sinto arrebatamento ao encontrar esta chave do Yoga, procurada há longo tempo! - disse Pratap pensativamente. - Seu efeito desobstrutivo sobre as limitações sensoriais me deixará livre para ingressar em esferas superiores. A visão do Senhor Krishna, hoje, só poderia significar o meu maior bem.Sentamos por um instante em silenciosa compreensão; depois, caminhamos lentamente para a estação. A alegria me inundava ao tomar o trem, mas este foi um dia de lágrimas para Jitendra. Meu afetuoso adeus a Pratap foi pontuado por soluços abafados de meus dois companheiros. A viagem novamente encontrou Jítendra a revolver-se em descontentamento - desta vez, contra si mesmo.

- Superficial é a minha confiança; meu coração tem sido de pedra! Nunca, no futuro, duvidarei da proteção de Deus.

Aproximava-se a meia noite. As duas Cinderelas, enviadas sem dinheiro, entraram no quarto de Ananta. Tal como ele irrefletidamente predissera, suas feições eram um estudo sobre o espanto. Em silêncio, espalhei sobre a mesa as rúpías em notas.

- Jitendra, a verdade! - O tom de Ananta era de gracejo. - Este jovem não esteve participando de um assalto? - À medida, porém, que a narrativa prosseguia, meu irmão tornou-se sério e, por fim, solene, - A lei de oferta e procura atinge reinos mais sutis do que julguei. - Ananta falou com um entusiasmo espiritual que eu nunca antes observara nele. -
Compreendo pela
primeira vez sua indiferença aos cofres-fortes e às vulgares acumulações do mundo.


Apesar de tarde, meu irmão insistiu em receber díksha (iniciação espiritual; da raiz do verbo sânscrito diksh, consagrar-se) em Kriya Yoga. O guru Mukunda teve, na mesma noite, de arcar com a responsabilidade de dois discípulos não-procurados.

Nossa primeira refeição, na manhã seguinte, decorreu uma harmonia que estivera ausente da anterior. Sorri para Jitendra. - Você não será logrado em seu desejo de visitar o Taj. Vamos contemplá-lo antes de partir para Serampore. Despedindo-nos de Ananta, meu amigo e eu logo nos achamos diante da glória de Agra, o Taj Mahal.
 
(Do livro: Autobiografia de um Iogue, capítulo 11) 
 

domingo, abril 21, 2013

A identidade de todas as religiões

Seicho-No-Ie

O mundo onde estamos vivendo, o mundo que vemos, este é o mundo do fenômeno. O mundo da Imagem Verdadeira é o mundo exatamente como foi criado por Deus. No Gênesis consta que Deus criou o mundo através do verbo, ou seja, através da palavra. Através do pensamento, que também é palavra, Deus criou a luz. Assim, segundo o Gênesis, Deus criou o mundo através do verbo, da palavra. Este é o mundo criado por Deus. A Bíblia diz, ainda, que Deus criou o mundo em seis dias e no sétimo dia verificou tudo o que tinha criado e disse que estava "tudo muito bom". Será que esse "tudo muito bom" refere-se ao mundo onde estamos vivendo, ou a outro mundo? Se olharmos ao nosso redor, percebemos que há pessoas doentes, pobres, miseráveis, gente que não trabalha, gente que rouba, gente que mata, percebemos que existe toda essa variedade de pessoas. Será que são todas pessoas maravilhosas? Da forma como estão manifestadas, não podemos dizer que são maravilhosas. Mas, Deus analisou tudo o que havia criado e disse que "tudo estava muito bom". Então, Deus estava vendo este mundo material em que estamos vivendo, ou estaria vendo um outro mundo? Esse mundo "muito bom" a que Deus se referiu é o mundo da Imagem Verdadeira. Não é o mundo palpável, que vemos, que tocamos, mas, o mundo que está na Mente de Deus. No mundo da Imagem Verdadeira tudo é perfeito. Nesse mundo não existe pobreza, não existe miséria, não existe desemprego, nem guerra, nem assassinatos, não existem coisas negativas. Isso porque Deus criou o mundo perfeito, e é nesse mundo perfeito que nós nos encontramos em nossa Imagem Verdadeira. Eu estou nesse mundo da Imagem Verdadeira e todos os senhores também se encontram nele. Todos estamos vivendo essa Vida perfeita e maravilhosa que nunca adoeceu, nunca errou, nunca pecou, nunca vai morrer. É, realmente, o mundo perfeito. Nesse mundo da Imagem Verdadeira, todas as religiões são iguais.
 
Como o mundo material é projeção do mundo da Imagem Verdadeira, nessa projeção do mundo da Imagem Verdadeira para o mundo material existe a interferência da mente do ser humano. Nessa passagem do mundo da Imagem Verdadeira para a projeção (interferência) é que podem vir distorções. Essas distorções é que fazem com que o mundo material, o mundo do fenômeno, seja imperfeito.

Existem, assim, as diversas situações que acontecem no mundo material. No mundo da Imagem Verdadeira tudo é perfeito, tudo é uma coisa só [uma Verdade]. Mas, ao manifestar-se no mundo do fenômeno surgem as diferenças entre as religiões. Isso ocorre porque elas surgiram em locais diferentes, em épocas diferentes e para pessoas diferentes. Assim, há diferenças no modo de pregar, no modo de manifestar, e no entendimento religioso. Esses fatores fazem com que as religiões possam parecer umas diferentes das outras.
 
Por exemplo, o mundo da Existência Verdadeira (mundo da Imagem Verdadeira), mencionado na Sutra do Lótus (a Sutra do budismo), é o mundo exatamente como foi criado por Deus, através da palavra, através do verbo. O mundo da Existência Verdadeira onde "tudo é bom" é o mesmo a que se refere o livro de Gênesis com a frase "Deus viu tudo quanto fizera e disse que era muito bom". Então, Deus viu tudo aquilo que já havia criado e chegou à conclusão de que “estava tudo muito bom". Na Sutra do Lótus existe a seguinte frase: "Mesmo quando chegar o fim do ciclo da humanidade e este mundo (mundo do fenômeno) for destruído pelo fogo, a minha Terra Pura (o mundo da Imagem Verdadeira) permanecerá tranquila e repleta de seres celestiais", exatamente como foi dito no Gênesis, que o mundo que Deus criou é um mundo perfeito e maravilhoso. Então, de duas formas totalmente diferentes, tanto o budismo como o cristianismo estão pregando a mesma Verdade. Nesta Sutra consta, ainda, "Deus criou o mundo da Existência Verdadeira e não o mundo fenomênico". Então, quem foi o criador do mundo do fenômeno? É claro que, no início, foi Deus, mas, depois da criação de Deus, vieram todas as transformações, exatamente de acordo com a mente do ser humano. Portanto, a mente do ser humano é que fez com que houvessem todas essas transformações. Se o mundo fosse exatamente conforme criado por Deus, e permanecesse dessa forma, seria um mundo perfeito. Não haveria guerra, não existiria pobreza, nem roubo, nem desemprego. Não existiria nada disso. No entanto, como vieram as transformações devido à interferência da mente humana, o mundo em que nós estamos vivendo é um mundo totalmente diferente.

Esse mundo fenomênico não passa de projeção da mente, logo, as teorias cristã e xintoísta da criação do Universo por Deus não entram em choque com a teoria budista de que o mundo surgiu da ilusão. O budismo diz que este é um mundo criado através da ilusão. Esse mundo material realmente é a manifestação da mente em estado de ilusão. Como nós temos essa ilusão e pensamos que é difícil viver nesse mundo material, devido a essa ilusão da mente humana, criamos esse mundo difícil de viver. Então, todos os problemas, as crises financeiras, os problemas provenientes de acidentes da natureza, tudo isso vem a ocorrer em função da ilusão da mente humana. O “Satanás” que é citado no cristianismo, nada mais é que a expressão personificada da ilusão a que se refere o budismo. O Mestre Masaharu Taniguchi, através desses exemplos, vai mostrando que, na essência, tanto o cristianismo quanto o budismo pregam a mesma Verdade, só que de formas diferentes. Isso ocorre porque um ensinamento surgiu em determinada época e o outro surgiu muito tempo depois. Surgiram em locais totalmente diferentes. Então, é natural que ocorram essas diferenças no modo de pregar, no modo de explicar, mas, a essência é uma só. É isso que o Mestre Masaharu Taniguchi está querendo nos mostrar.
 
A maioria dos religiosos prega a respeito do Reino dos Céus, que é citado no cristianismo, ou da Terra Pura, que é citada no budismo, como sendo apenas o mundo fenomênico, criado pela ilusão, motivo pelo qual o Reino dos Céus não se concretiza na Terra. Tais religiosos pensam no Reino dos Céus, só que visto com olhos em estado de ilusão. Olhando o mundo material, tentam projetar o mundo perfeito, mas, como nossos olhos materiais veem este mundo imperfeito, estão acostumados a olhar este mundo imperfeito, a mente também está acostumada a ver e sentir somente a imperfeição. É claro que, assim, não há condições de projetar a perfeição.
 
Quando Jesus disse: "Retira-te Satanás!", quis dizer às pessoas o seguinte: "Retirai a cortina de ilusão de vossa mente e vereis o Reino dos Céus concretizado diante de vós". Retire a cortina que existe entre você e a Imagem Verdadeira. Essa cortina é que está impedindo você de ver a Imagem Verdadeira. Então, retire essa cortina e você vai visualizar a Imagem Verdadeira.
 
A Sutra do Lótus também diz a mesma coisa: "Percebei a indestrutível Terra Pura que existe transcendendo o mundo fenomênico repleto de sofrimentos". Quando o homem desperta para a Verdade de que a indestrutível Terra Pura existe aqui e agora, livra-se dos sofrimentos que o cercam.

Quando o Mestre Masaharu Taniguchi esteve em Lima, Peru, em 1973, numa entrevista, um dos repórteres perguntou: "Professor, a Seicho-no-Ie fala da identidade de todas as religiões. No fundo, o senhor, na verdade, não está querendo unir todas as religiões e fazer com que todas passem a ser Seicho-no-Ie?". O Mestre respondeu: "Não, não tenho nenhum desejo de fazer isto; a Seicho-no-Ie não está querendo unificar todas as religiões. Todas as religiões que, no passado, tiveram muita luz, tiveram muita força de salvar as pessoas, com o passar do tempo foram perdendo essa luz, perdendo a capacidade de salvar as pessoas. O objetivo da Seicho-no-Ie é fazer com que todas as religiões voltem ao estado anterior, da época em que foram iniciadas pelos seus pregadores, como Jesus Cristo, como Sakyamuni. Possibilitar que cada religião tenha condições de voltar a salvar grande número de pessoas, esse é o verdadeiro objetivo da Seicho-no-Ie. Isto porque a Seicho-no-Ie parte do princípio de que todas as religiões, na sua essência, pregam a mesma Verdade".

Outro repórter perguntou: "Com base em quê o senhor afirma que todas as religiões pregam a mesma Verdade?" O Mestre assim respondeu: "Há dez anos fiz uma viagem em que tive a oportunidade de visitar diversas partes do mundo. Em todos os locais onde estive vi que todas as pessoas têm os olhos dispostos na horizontal, o nariz disposto na vertical e a boca na horizontal. Ou seja, o rosto de todas as pessoas tem a mesma constituição física. Quando estudamos a ciência, percebemos que não só o rosto, como também todo o corpo, desde a estrutura óssea e os órgãos internos, na verdade, têm a mesma constituição física. Isso significa que o criador de todas as pessoas é um só, é um único Deus. Se o criador é um só, se todos os seres humanos foram criados de um único Deus, a Verdade para poder salvar todas as pessoas que têm um único ser como criador, esta Verdade também só pode ser uma. E esta Verdade é que está sendo pregada através de diversas religiões de formas diferentes, de acordo com a época, o local e a pessoa”. Portanto, mesmo que as religiões, na forma de pregar, na forma de existir, sejam diferentes entre si, na essência, todas elas estão pregando a mesma Verdade. Justamente por isso é que a Seicho-No-Ie, através do estudo dessa mesma Verdade pregada por todas as religiões, deseja fazer com as religiões possam manifestar a mesma capacidade, a mesma força, que tinham inicialmente, na época em que foram criadas por seus iniciadores e, desta forma, fazer com que todas as pessoas sejam salvas. Esse é o objetivo da Seicho-no-Ie e isto é o ensinamento da identidade de todas as religiões, na sua essência.
 
Então, mesmo que, aparentemente, todas as religiões sejam diferentes entre si, tenham denominações diferentes, modos de pregar diferentes, denominações diferentes de seus pregadores, um é pastor, outro é padre, de toda forma, mesmo que hajam todas essas diferenças, a Verdade profunda que está dentro da essência de todos os ensinamentos dessas religiões, a essência é uma coisa só. E é através dessa essência que todos nós somos salvos porque é a Verdade que está sendo pregada por Deus, criador de todas essas religiões. Assim, o ensinamento da Seicho-no-Ie é esse ensinamento maravilhoso que estuda essa Verdade pregada por todas as religiões, não faz distinção em relação a outras religiões, respeita e valoriza todas as religiões, procura ajudar a todas essas religiões e, junto com elas, procura salvar toda a humanidade. Isso é o ensinamento da Seicho-no-Ie que todos os senhores estão estudando e eu fico muito feliz que estudem bastante. Estudem e continuem com essa garra, essa força, essa vontade de estudar e, não só estudem como também passem a transmitir para outras pessoas.
 
(Este texto foi extraído de uma aula proferida pelo preletor da Sede Internacional, Sinji Takahashi)

 
 

sexta-feira, abril 19, 2013

Geração de suprimento invisível em dois passos

Dárcio Dezolt
 
 
No Universo real do Espírito, já estamos supridos de tudo. Resta-nos apenas trazer à visibilidade o que parece estar nos faltando. Toda ação partirá de nós, pois, da parte de Deus, tudo já está feito.
 
Devemos saber que Deus não vê seres humanos como nós os vemos; Ele nos vê "à Sua Imagem e Semelhança". Eis por que vemos "seres humanos necessitados"; eles se veem diferentes da forma com que são vistos por Deus! Assim, este é o
 
PRIMEIRO PASSO:
 
ASSUMIR QUE NÃO SOMOS COMO A MENTE HUMANA NOS VÊ, MAS QUE SOMOS SERES ESPIRITUAIS, FILHOS DE DEUS, PLENIFICADOS PELA GRAÇA, EM UNIDADE COM O PAI.
 
Para isso, usamos a "Prática do Silêncio": com ela, deixamos de lado todas as impressões materiais, tanto sobre o mundo como sobre o nosso ser. Assim livres internamente, entramos em total "sintonia" com Deus, através do Cristo de nosso próprio ser.
 
Confiantes na Verdade de que A Mente Divina cuida do Universo inteiro, e nele estamos inclusos, daremos o
 
SEGUNDO PASSO:
 
RECONHECER, COM MÁXIMA NATURALIDADE, QUE COMO LEGÍTIMOS FILHOS DE DEUS, TEMOS TODAS AS RIQUEZAS DO PAI CREDITADAS EM NOSSO NOME.
 
Quem recebe herança precisa se identificar, para que esta lhe seja outorgada por direito.
 
Quem se dedicar assiduamente a dar estes dois passos, em contínuas e dedicadas meditações, verá a ação de Deus diretamente em si mesmo: terá a mente iluminada, novas ideias e fatos surgirão, terá a vida humana renovada por inteiro, e, com total naturalidade, todas as suas necessidades legítimas serão atendidas.
 
E não devemos ser "modestos" com Deus. Pelo contrário, devemos orar ousadamente como Jesus Cristo, que disse:
 
"Pai, todas as minhas coisas são tuas, e as Tuas são minhas; e nisso sou glorificado!" (João 17: 10)
 
*OBS: Dois períodos diários, com meditações de duração média de 15 minutos, serão o suficiente. Não neguem, em seguida, que O SUPRIMENTO PERFEITO esteja sempre e facilmente à disposição. Copiem "os dois passos" em pedaços de papel, espalhem pela casa toda, carreguem no bolso, etc.: servirão como lembretes de que realmente somos "herdeiros de Deus".
 

quarta-feira, abril 17, 2013

Programa SNI: Para realizar o Infinito

Hoje, ficamos com a palestra do preletor da Seicho-No-Ie, Oswaldo Murahara, onde ele explana sobre o mundo de Deus (o mundo verdadeiro) e o mundo da projeção (o mundo fenomênico). Ele também ensina como realizar no mundo fenomênico as riquezas já existentes no mundo de Deus. No mundo de Deus a riqueza já é. Mas no mundo fenomênico, a riqueza ora é, ora não é. Há essa oscilação porque o mundo fenomênico é constituído de dualidade, flutuação, instabilidade. Para fazer surgir no mundo fenomênico as maravilhas existentes no mundo de Deus é preciso fazer uso da mente, utilizando-a como antena e canal, para fazer projetar neste mundo as graças do mundo da Imagem Verdadeira. Isso porque o mundo fenomênico é projeção da mente.
 
Agora o vídeo:


 

domingo, abril 14, 2013

O Primeiro Impulso - A origem da criação

- Meher Baba -


Todas as almas (atmas) estiveram, estão e estarão, na Sobre-Alma (Paramatma). As almas (atmas) são todas Uma. Todas as almas são infinitas e eternas. Elas são sem forma. Todas as almas são Uma, não há diferença nas almas ou em seu ser e existência como almas. Existe uma diferença na consciência das almas, existe uma diferença nos planos de consciência das almas, existe uma diferença na experiência de almas e, portanto, há uma diferença no estado das almas. A maioria das almas está conscientes do corpo grosseiro (sthul sharir); algumas almas estão conscientes do corpo sutil (pran); poucas almas estão conscientes do corpo mental (mente ou mana); e muito poucas almas estão conscientes do Ser (Self). A maioria das almas tem experiência da esfera grosseira (mundo grosseiro); algumas almas têm experiência da esfera sutil (mundo sutil); poucas almas têm experiência da esfera mental (mundo mental), e muito poucas almas têm a experiência da Sobre-Alma. A maioria das almas se encontra no plano grosseiro (anna bhumika); algumas almas estão no plano sutil (pran bhumika); algumas almas estão no plano mental (mano bhumika) e muito poucas almas estão no plano além do plano mental (vidnyan).

A maioria das almas tem grandes limitações; algumas almas têm poucas limitações; poucas almas têm muito poucas limitações e muito poucas almas têm absolutamente nenhuma limitação. Todas estas almas (atmas) de consciência diferente, de experiências diferentes, de estados diferentes estão na Sobre-Alma (Paramatma). Se, agora, todas as almas estão na Sobre-Alma e são todas uma, então por que razão há qualquer diferença na consciência, nos planos, nas experiências e nos estados? A causa dessa diferença é que as almas têm diferentes e diversas impressões (sanskaras).* A maioria das almas têm impressões grosseiras; algumas almas têm impressões sutis; poucas almas têm impressões mentais, e muito poucas almas não têm impressões alguma. Almas com impressões grosseiras, almas com impressões sutis, almas que têm impressões mentais e as almas que não têm impressões, são todas as almas na Sobre-Alma e são todas Uma. Almas com impressões grosseiras têm consciência do corpo grosseiro (sthul sharir) e têm experiência da esfera grosseira. Almas com impressões sutis têm consciência do corpo sutil (pran) e têm a experiência da esfera sutil. Almas com impressões mentais têm consciência do corpo mental (mana ou mente) e têm a experiência da esfera mental. Almas sem impressões têm consciência do Ser (alma, atma) e têm a experiência da Sobre-Alma (Paramatma).
 
Para ter consciência do Ser (Self) e ter a experiência da Sobre-Alma (Paramatma), a alma deve perder a consciência dos corpos grosseiro, sutil e mental. Mas enquanto a alma estiver impressionada por impressões grosseiras, sutis ou mentais, a alma, consistente e respectivamente tem consciência do corpo grosseiro, do corpo sutil ou do corpo mental e persistente e necessariamente passa por experiências grosseiras, sutis e mentais. A razão óbvia para isso é que, enquanto a consciência da alma estiver impressionada pelas impressões grosseiras, não há saída, exceto enfrentar essas impressões grosseiras através do corpo grosseiro. Do mesmo modo, enquanto a consciência da alma estiver impressionada com impressões sutis, não há saída, exceto a experiência dessas impressões sutis através do corpo sutil. Do mesmo modo, enquanto a consciência da alma estiver impressionada com impressões mentais, não há saída, senão experimentar essas impressões mentais através do corpo mental. Conforme as impressões grosseiras, sutis e mentais se esvaem ou desaparecem completamente, a consciência da alma é automática e obviamente direcionada e focada para si mesma, e essa alma, então, não tem outra alternativa senão absorver a experiência da Sobre-Alma.
 
Agora, os corpos grosseiro, sutil e mental não são nada além de sombras da alma. As esferas (mundos) grosseiro, sutil e mental não são nada além de sombras da Sobre-Alma. Os corpos grosseiro, sutil e mental são finitos, têm formas e são mutáveis e destrutíveis. Os mundos grosseiro, sutil e mental são falsos, são zero, imaginação e sonhos vagos. A única realidade é a Sobre-Alma (Paramatma). Portanto, quando a alma com seus corpos grosseiro, sutil e mental experimenta os mundos grosseiro, sutil e mental, a alma experimenta, na realidade, as sombras da Sobre-Alma com a ajuda das suas próprias sombras. Em outras palavras, a alma com suas formas finitas e destrutíveis experimenta falsidade, zero, imaginação e um sonho vago. Apenas quando a alma experimenta a Sobre-Alma com o seu Ser é que experimenta o Real com a realidade. Quando a alma é consciente do seu corpo grosseiro, então essa alma se identifica com o corpo grosseiro e considera-se como sendo o corpo grosseiro. Isso significa que a alma infinita, eterna, sem forma, encontra-se como finita, mortal e com forma. As impressões (sanskaras) são a causa dessa ignorância. No início a alma, que está eternamente na Sobre-Alma, primeiro adquire ignorância através de impressões, em vez de adquirir conhecimento. Quando a alma adquire uma forma particular (um corpo ou sharir), de acordo com impressões particulares, ela sente-se e experimenta-se como sendo aquela forma particular.
 
A alma na sua forma de pedra experimenta-se como pedra. Assim, no devido tempo, a alma experimenta e considera-se como sendo metal, vegetal, verme, peixe, ave, animal, homem ou mulher. Qualquer que seja o tipo de forma grosseira e qualquer que seja a configuração da forma, a alma espontaneamente associa-se com essa forma, figura e configuração, e experimenta que ela própria é aquela forma, figura e configuração. Quando a alma está consciente do corpo sutil, então essa alma experimenta que ela é o corpo sutil. Quando a alma se torna consciente do corpo mental, então essa alma experimenta que ela é o corpo mental. É apenas por causa das impressões (nuqush-e-Amal ou sanskaras) que a alma, sem forma, a Alma Infinita, experimenta que é genuinamente um corpo grosseiro (sthul sharir), ou um corpo sutil (pran) ou um corpo mental ( mana ou mente). A alma, enquanto experimenta o mundo grosseiro através das formas grosseiras, associa-se e desassocia-se de inumeráveis formas grosseiras. A associação e a dissociação com formas grosseiras denomina-se nascimento e morte, respectivamente.
 
É só por causa das impressões que a alma eterna, imortal, existindo na realidade, sem nascimentos e sem mortes, tem que experimentar nascimentos e mortes incontáveis vezes. Enquanto a alma tem de se submeter a essa experiência de inúmeros nascimentos e mortes por causa das impressões, ela não só tem de experimentar o mundo grosseiro, que é uma sombra da Sobre-Alma e que é falso, mas juntamente com isso, a alma também tem de experimentar felicidade e miséria, virtude e vício do mundo grosseiro.
 
É só por causa das impressões que a alma, que está além e é livre da felicidade e miséria, virtude e vício, tem necessariamente de se submeter a experiências de miséria e de felicidade, de vício e de virtude. Portanto, é estabelecido que as experiências de nascimentos e mortes, felicidade e miséria, virtude e vício são sentidos somente pela forma grosseira da alma, enquanto experimenta o mundo grosseiro; mas a forma grosseira da alma é uma sombra da alma e o mundo grosseiro é uma sombra da Sobre-Alma. Assim, todas as experiências de nascimentos e mortes, virtude e vício, felicidade e sofrimento vividas pela alma não são nada além de experiências da sombra. Por isso, tudo o que é assim experimentado é falso.
 
A fim de clarificar essa relação "atma-Paramatma" (alma com a Sobre-Alma) nós comparamos Paramatma com um infinito oceano, um oceano sem limites, e a atma como uma gota nesse oceano. A atma nunca está fora desse oceano ilimitado (Paramatma). A atma não pode nunca estar fora de Paramatma porque Paramatma é infinita e ilimitada. Como pode a atma sair ou ter um lugar além da ilimitação sem limites? Portanto a atma está em Paramatma.
 
Após estabelecer o fato principal de que a atma está em Paramatma vamos um passo adiante e dizer que a atma é Paramatma. Como? Por exemplo, vamos imaginar um oceano sem limites. Vamos também imaginar que separamos ou que retiramos uma parcela mínima de oceano da vastidão ilimitada desse oceano. Segue-se então que, essa porção mínima de oceano, enquanto estava dentro do oceano sem limites, antes da separação, é o próprio oceano e não está lá no oceano como uma parcela mínima do oceano, porque cada parcela do oceano, quando não está limitada pelas limitações da gota, é o oceano ilimitado.
 
É somente quando uma parcela mínima do oceano for separada do oceano ilimitado, ou retirada do oceano ilimitado como uma gota, que essa porção do oceano obterá sua existência separada como uma gota do oceano sem limites, e que essa parcela mínima de oceano começará a ser olhada como uma gota do oceano ilimitado. Em outras palavras, o próprio oceano infinito, ilimitado e sem fronteiras é agora encarado meramente como uma gota daquele oceano infinito, ilimitado e sem fronteiras. E, em comparação com aquele oceano infinito, ilimitado e sem fronteiras essa porção de oceano, ou essa gota de uma parcela mínima de oceano, é muito mais limitada e mais finita com infinitas limitações. Isto é, aquela porção infinitamente livre se encontra infinitamente aprisionada.
 
Similarmente, a atma, que temos comparado com uma gota do infinito oceano, obtém uma aparente existência separada, embora, na realidade, ela não pode nunca estar fora da ilimitação do ilimitado, infinito Paramatma, o qual temos comparado com o oceano infinito, ilimitado e sem fronteiras. Mas tal como a parcela mínima de oceano adquire sua limitação como uma gota através de estar sob a forma de uma bolha na superfície do oceano, e a bolha confere à parcela mínima de oceano uma existência aparentemente separada do infinito oceano, do mesmo modo, a atma, que está em Paramatma e é Paramatma, aparentemente experimenta existência separada da infinita Paramatma através das limitações de uma bolha (de ignorância), com o qual a atma se encobre. Assim que a bolha da ignorância estoura, a atma não só descobre-se em Paramatma mas experimenta a si mesma como Paramatma. Através dessa limitação formada pela bolha da ignorância auto-criada pela atma, a atma aparentemente herda uma existência separada de Paramatma. E por causa desta separação auto-criada da infinita Paramatma, a atma, que é em si infinita, ilimitada e sem fronteiras, aparentemente experimenta a si mesma como muito finita e com infinitas limitações.
 
No início, a alma não tinha impressões (sanskaras) e nem consciência. Portanto, nessa fase, ou, nesse estado, a alma não tinha forma ou um corpo grosseiro, corpo sutil ou corpo mental, pois apenas a existência de impressões grosseiras, sutis e mentais (sanskaras) pode dar existência aos corpos grosseiro, sutil e mental, e apenas a existência desses corpos pode tornar possível a existência dos mundos grosseiro, sutil e mental.
 
Portanto, no início, a alma não tinha consciência dos corpos grosseiro, sutil e mental e também era inconsciente de seu próprio Ser (Self), e a alma então, naturalmente, não tinha nenhuma experiência dos mundos grosseiro, sutil e mental e também não tinha nenhuma experiência da Sobre-Alma (Paramatma).
 
Esse estado infinito, sem impressões, inconsciente e tranquilo da alma reverberou com um impulso que nós chamamos O PRIMEIRO IMPULSO (de conhecer a si mesma).

O primeiro impulso estava latente em Paramatma.
 
Quando comparamos Paramatma a um oceano infinito e ilimitado e quando dizemos que Paramatma teve o primeiro impulso, também poderíamos dizer, a título de comparação, que o infinito e ilimitado oceano teve o primeiro impulso ou FANTASIA.

No infinito, tanto o finito quanto o infinito estão incluídos.

Agora, esse primeiro impulso foi infinito ou finito, e num primeiro momento foi finito e então infinito, ou vice-versa?
 
O primeiro impulso foi o mais finito, mas ele foi o primeiro impulso do Infinito. Esse primeiro impulso mais finito foi do oceano infinito – Paramatma – e a manifestação desse primeiro impulso latente mais finito do Infinito foi restrito a um ponto mais finito no infinito Oceano ilimitado.
 
Mas como este ponto mais finito de manifestação do primeiro impulso latente, que era o mais finito, também foi no infinito Oceano ilimitado, esse ponto mais finito de manifestação do primeiro impulso foi também ilimitado. Através deste ponto mais finito de manifestação do primeiro impulso (também mais finito), a sombra do Infinito (sombra, que sendo da Realidade, é infinita) gradualmente apareceu e prosseguiu em expansão. Esse ponto mais finito de manifestação do primeiro impulso latente é chamado de Ponto "Om" ou Ponto da Criação e esse ponto é ilimitado.
 
Simultaneamente com as reverberações do primeiro impulso, a primeira impressão mais grosseira surgiu, objetificando a alma como a contraparte grosseira mais absolutamente oposta e mais finita do Infinito.
 
Devido a essa primeira impressão mais grosseira do primeiro impulso, a alma infinita experimentou pela primeira vez. Essa primeira experiência da alma infinita foi que ela (a Alma) experimentou uma contrariedade na sua identidade com o seu estado infinito, sem impressões e inconsciente.
 
Essa experiência de contrariedade gerou mutabilidade na estabilidade eterna e indivisível da alma infinita e, espontaneamente, ocorreu um tipo de erupção, perturbando o equilíbrio indivisível e a tranquilidade inconsciente da alma infinita com um rechaço ou choque tremendo que impregnou a inconsciência da Alma inconsciente com a primeira consciência de sua aparente separação do estado indivisível de Paramatma. Mas a Alma, sendo infinita, a primeira consciência que foi derivada do rechaço ou choque de uma primeira impressão mais grosseira absolutamente oposta de sua aparente separação, foi naturalmente e necessariamente uma primeira consciência finita.
 
Essa primeira consciência derivada pela Alma é evidentemente a mais 'maximamente-finita' em proporção à experiência de seu próprio estado original infinito, absolutamente oposto.
 
Isso significa então que, no início, quando a infinita Alma sem impressões foi pela primeira vez impressionada, teve como sua primeira impressão uma impressão absolutamente grosseira. E a primeira consciência que ela (a alma) derivou foi a mais 'maximamente-finita'.
 
Simultaneamente, nesse instante, a inconsciência da Alma infinita experimentou, de fato, a primeira consciência mais 'maximamente-finita' de todas, vinda da primeira impressão mais finita.
 
Essa Alma infinita e eterna teve consciência, mas essa consciência através de uma impressão não foi de seu estado eterno ou de seu Ser infinito, mas foi a consciência mais-finita, através da impressão mais-grosseira.
 
Então, como será explicado mais tarde, se a Alma estiver consciente de impressões (sanskaras), então a alma deverá necessariamente experimentar essas impressões, e para experimentar as impressões, a consciência da alma deve experimentá-las através de um meio adequado.
 
Conforme forem as impressões, serão as experiências das impressões e o meio para experimentar as impressões deverá ser de acordo. Isto é, as impressões dão origem às experiências, e para experimentar as impressões o uso de um meio (veículo) adequado é preciso.

Portanto, como a Alma infinita, eterna e sem forma agora tem a primeira consciência mais 'maximamente-finita' da primeira impressão mais 'maximamente-grosseira', obvia e necessariamente essa mais 'maximamente-finita' primeira consciência da alma deve utilizar o mais 'maximamente-finito' e o mais 'maximamente-grosseiro' primeiro meio para experimentar a mais 'maximamente-grosseira' primeira impressão.
 
Nesta fase, cabe aqui mencionar para a limitada compreensão humana que a mais 'maximamente-finita' primeira consciência da alma, enquanto experimentando a mais 'maximamente-groseira' primeira impressão, centrou-se em um meio adequado mais 'maximamente-finito' e mais 'maximamente-grosseiro' imperceptivelmente, criando a tendência da Alma (sem forma) associar e identificar seu próprio Ser infinito e eterno com essa forma limitada mais grosseira e mais finita como seu primeiro meio (veículo).

A primeira consciência da Alma indivisível, experimentando a primeira impressão através do primeiro meio, cria uma tendência na alma de associar e identificar seu Ser eterno e infinito com a primeira forma, a mais-finita e mais-groseira, que foi como a semente da contrariedade espontaneamente semeada pelas reverberações do primeiro impulso, imperceptivelmente germinada e manifestada na forma de dualidade pela primeira vez. Quando acontece de ela associar-se e identificar a si mesma, através de sua consciência recém-adquirida, com a forma ou meio finito e grosseiro, a consciência da alma faz realmente a Alma infinita, eterna, indivisível e sem forma ter a experiência que ela é aquela forma finita e grosseira.
 
Assim, a consciência adquirida pela alma inconsciente, ao invés de experimentar a realidade através da unidade e identidade com a Sobre-Alma, experimenta a ilusão através da dualidade e identidade com a forma grosseira, multiplicando diversificadas e inumeráveis impressões em uma série de experiências enquanto vai se associando com a forma grosseira e gradualmente ganhando ou evoluindo mais e mais a consciência.
 
Seguidamente, eras após eras e ciclos após ciclos, essa cadeia de sucessivas associações e dissociações com variadas espécies de uma forma em particular segue adiante constante e progressivamente e produz inúmeras impressões diferentes a serem experimentadas pela alma consciente. Direta e indiretamente, estas associações e dissociações da consciência da alma são absolutamente essenciais para manter girando a roda da evolução da consciência. A evolução das formas grosseiras é apenas um subproduto da fábrica universal de evolução da consciência.
 
Para atingir o desenvolvimento completo da consciência na forma humana, o processo evolutivo teve de dar sete grandes saltos, são eles: de pedra para metal, de metal para vegetal, de vegetal para verme, de verme para peixe, de peixe para pássaro, de pássaro para animal e, finalmente, de animal para o ser humano, cada transição com características diferentes.
 
Por a Consciência da alma estar totalmente desenvolvida na forma humana, a evolução da forma também está completa, e agora, quando a alma consciente identifica a si mesma com a primeira forma humana de todas, nenhuma nova forma superior é desenvolvida. Em resumo, na forma humana a consciência da alma é plena e completa. O processo de evolução da consciência é levado a uma paralisação. A forma humana é a mais elevada e mais sublime forma desenvolvida durante a evolução da consciência. Assim, no ser humano a consciência está totalmente desenvolvida e a forma moldada e projetada após eras e ciclos é a mais perfeita forma ou meio. A consciência da alma, portanto, utiliza esse meio perfeito para experimentar e esgotar completamente todas as impressões para que a alma plenamente consciente torne-se desprovida de qualquer impressão que seja, sendo assim capaz de perceber seu próprio estado real, eterno e infinito na Sobre-Alma.