"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

sábado, janeiro 27, 2007

Wu-Wei: O Fazer pelo Não-Fazer

O Tao e o Zen não são diferentes. Eles diferem somente quanto a suas origens. A filosofia do Tao surgiu na China antiga com o grande mestre Lao-Tzu. E o Zen nasceu com a transferência da flor das mãos de Buda, para as mãos de Mahakashyapa. Mas ambos dizem respeito à mesma Verdade já revelada: Aquilo que não pode ser expresso pelas palavras... Àquela única coisa que É. E é justamente pela impossibilidade de Isto não poder ser expressado que os mestres preferem dar ênfase ao silêncio, e não dizer nada: pelas palavras você não pode alcançar. Palavras só ajudam até um certo ponto. Assim, o Ser muitas vezes é retratado por palavras que indicam passividade e até mesmo conotações negativas. Por exemplo: muitos mestres dão ênfase ao Ser através da palavra "Não-Manifesto". A expressão Não-Manifesto tenta, através de uma negativa, expressar aquilo que não pode ser falado, pensado ou imaginado. Ela aponta para o que É quando diz o que não é. Logo, dizer Não-manifesto significa se referir ao Ser. Esses jogos de palavras, positivos e negativos, tentam fazer com que você não se prenda a nenhuma destas expressões e nem comece a acreditar nelas, pois elas não passam de indicadores, de setas apontando para o alvo. Assim, não se agarre às expressões positivas, nem às negativas... o caminho é o do meio. O caminho é aquele que não pode ser constatado, aquele que não se pode ver. E o Taoísmo diz: "Não faça!". Ele gosta muito da expressão "não-fazer". A não-ação constitui a força criadora de toda atividade, de toda a existência. Não há como explicar a Existência fundamentando-a em princípios e teorias -- a começar pela já-existência deles. A Existência só pode ser "explicada" (compreendida) a partir da Não-Existência. E quando alguém aprende a perceber/contemplar ambos, aí é possível adentrar o caminho do meio: o ponto que está exatamente no centro, entre o existir e o não-existir. Então a existência e a não-existência tornam-se UM só. E assim se sucede com o Fazer. O verdadeiro fazer só pode ser compreendido a partir do não-fazer. Este "não-fazer" corresponde ao "sentar sem nada fazer" do Zen.

No Taoísmo se diz "wu-wei".Conseguir se entregar ao momento presente - de forma total - é o que é preciso para começar a vivenciar o "fazer pelo não-fazer". O homem não precisa se preocupar com problema algum que possa vir a surgir eventualmente. Todo problema é coisa da mente. Entregue-se no momento do fazer. Ao fazer arroz, você não tem que fazer um arroz delicioso, você não tem que agradar quem irá comer, você não tem que acabar rápido para fazer a salada. A única coisa que você tem é não ter de se preocupar com nada... é “não ter que” nada.A mente acha que ela precisa "fazer um arroz delicioso" e agradar alguém. Olhe quanta energia a mente dessa pessoa está desperdiçando! Ela poderia, simplesmente, ir lá e fazer o arroz. E, no momento certo, em cada instante do tempo presente, todas as questões que fossem surgindo (inclusive a intenção de deixar o arroz delicioso) seriam naturalmente cumpridas... sem esforços... sem preocupações... sem nada! Tudo que é preciso é apenas tomar a decisão de fazer o arroz... ir lá, e fazê-lo.O ser humano está na ilusão de que ele é separado de tudo o que ele pode ver, sentir, tocar, ouvir, cheirar, etc. A ilusão ocorre porque o homem não acredita no AGORA; não consegue perceber o momento presente, em sua plenitude e, por isso, vive preso em sua mente. A mente não acredita no fácil; é bom que tudo seja difícil para ela; ela gosta de muitas complicações. Ela não gosta de ficar sem fazer esforço, porque senão ela começaria a sumir. Ela é muito egoísta. Ela cria muitas dificuldades e sofrimentos para você e para ela mesma -- mas pelo menos assim ela pode continuar existindo.

Uma vez que alguém alcance este "fazer, não fazendo", essa pessoa se encontra. Ela se sente realizada com seja lá qual for a atividade que ela esteja desempenhando. "Fazer arroz" é apenas um exemplo. Conseguir manter esse estado em qualquer atividade que você esteja fazendo, vai lhe trazer uma grande realização. Você conseguirá se divertir com qualquer situação que você esteja vivenciando -- você pode estar satisfeito no início, durante, ou no final dela. É muito melhor, pois a satisfação não é encontrada apenas no final da atividade, quando o objetivo dela é alcançado. Alcançar objetivos é coisa da mente. E, para ela alcançá-los, muito sofrimento será criado para você.

História Zen: Uma cidade havia entrado em guerra e tinha sido devastada pelos inimigos. Toda população havia fugido, pois o comandante do exército inimigo estava se dirigindo para lá. Somente um mestre zen não fugiu, permanecendo na cidade. Quando o exército inimigo chegou, viu que não havia ninguém, exceto aquele pobre senhor que estava sentado no meio da cidade, observando tudo o que havia acontecido. O comandante se aproximou do velho e lhe disse: "Ei velho, você o que você ainda está fazendo aqui? Por que não abandonou a cidade?"... e o velho nada respondeu, apenas sorriu ao comandante. Este, vendo que o velho não se incomodava com nada, lhe disse: "Você é muito corajoso por estar aqui. Você tem idéia de quem sou eu?... Eu sou aquele que pode lhe tirar a vida a qualquer momento!". E o velho lhe respondeu: "E você tem idéia de quem eu sou? Eu sou aquele que pode ter a vida tirada por você, a qualquer momento.

"DESAPEGO DE TUDO. É nisso que consiste essa pequena historinha. Se você não estiver apegado, você pode enfrentar qualquer situação sem preocupação alguma. Diante de uma pessoa assim, até um comandante inimigo é um derrotado. A idéia do apego existe, porque a mente faz você achar que você é alguém, com idéias, conceitos, pensamentos, conhecimentos através dos sentidos. Mas até mesmo os sentidos não podem captar quem você realmente é, e eles o enganam. Você tem a idéia de que você é alguém porque sua mente acredita em muitas coisas. Mas a verdade é que você não é NADA. Você é NADA; o arroz delicioso é NADA. É por isso que, quando você está totalmente focado no momento presente, você pode ser o arroz, e o arroz pode ser você. Da próxima vez que for fazer o arroz, ou qualquer outra coisa, experimente fazê-lo com o mesmo espírito desapegado daquele mestre zen. Esteja receptivo a esse estado de espírito e diga ao arroz: "Você sabe quem sou eu? Eu sou aquele que está fazendo o arroz" E você sabe quem é o arroz? Ele é aquele está sendo feito por você. Ambos vocês estarão se completando um ao outro. Vocês estarão se complementando; e estarão em tal harmonia que não haverá mais você e o arroz: apenas a atividade de você estar fazendo o arroz; e do arroz estar sendo feito por você... tudo será uma coisa só. Não se iluda: é somente a mente que faz você perceber que você é uma pessoa (um cozinheiro, um cientista, um professor, um médico, um guerreiro, um pobre velho etc.). Aquele mestre zen, não se percebia como um homem velho que havia ficado numa cidade destruída -- Ele não era aquilo. A sua mente pode dizer que ele é um velhinho que ficou para trás; mas ele não é isso. Naquele momento, aquele homem era alguém que poderia ter a vida tirada pelo comandante a qualquer momento; só isso,e nada mais. Depois que o comandante fosse embora, ele não seria mais "alguém que poderia ter a vida tirada a qualquer momento"... ele seria outra coisa condizente com o momento presente dele. É importante compreender esse ponto.Portanto, não tente definir nada. Sua mente pode dizer muitas coisas, mas a Verdade sobre você está sempre dentro do seu AGORA. Dentro do seu AGORA você é completo com o que quer que seja que você esteja fazendo; seja lavando o arroz, seja estando à beira da morte. Alcance a mesma profundidade da percepção daquele mestre zen sobre quem você é, e você poderá experimentar o verdadeiro estado de desapego. Ele lhe conduzirá diretamente ao wu-wei: o fazer pelo não-fazer. Isso é algo que só pode ser vivenciado AGORA. Preste atenção nos momentos presentes pelos quais você passa, instante a instante. E você se encontrará. Mais do que isso: você saberá quem você é. Sua vida será muito mais leve... muito mais satisfatória... muito mais bonita. A vida é bela! Todo instante é belo. Você pode se sentir realizado a cada instante que passa... e viver toda a sua vida dessa forma.

Apenas lembrem-se de uma coisa: Este não-fazer a que o Tao se refere é muito genuíno. Ele é um verdadeiro Não-Fazer. Assim, você nada pode fazer com relação a ele. E se você tentar praticá-lo, se você tentar praticar o não-fazer, você estará FAZENDO. Eis aí o que deixa tudo bagunçado para aquele que está tentando alcançar a Verdade. Mas essa bagunça, este paradoxo, só pode ser superado se você puder colocar toda a sua totalidade e espontaneidade no seu viver.
Espontaneidade significa deixar-se ser e agir de maneira natural. É permitir que tudo ocorra por si só, de modo que você não interfira em nada. Ao invés disso, você aprende a confiar nAquele que criou essa existência e deixa tudo aos cuidados dEle. Nessa entrega, você relaxa e a espontaneidade surge. Através da espontaneidade e de sua constante atenção nas coisas do dia-a-dia, você aprenderá o segredo de Não-Fazer coisa alguma autenticamente. E tudo o mais virá por acréscimo. Por meio do genuíno não-fazer, tudo é feito.

14 comentários:

Anônimo disse...

Tão importante quanto o FAZER-PELO-NÃO-FAZER eu diria que é o NÃO-FAZER-PELO-FAZER. A ambiguidade dos termos é apenas aparente e a inação não é mais importante do que a ação. Na verdade, trata-se apenas da forma como as coisas se sucedem.

Nas palavras de Cristo: "Que a tua mão direita não saiba o que a tua mão esquerda faz".

Eis o verdadeiro sentido da caridade, do amor. Quem se doa NÃO-FAZ pelo FAZER. Passa pela vida despercebido e, no entanto, faz toda a diferença.

"Yuki wo nukeru tsuyoi kaze ni narou" (Kaze, digimon)

O trecho da música não passa de um mantra sincero, de uma oração de doação. *tradução: "Quero tornar-me um vento forte que atravessa a neve, que cai lenta, sem ao menos tocá-la".

O vento forte avassala os caminhos e muda as direções das tempestades, mas sequer chega a tocar a neve que cai. Assim devemos ser: agir com a cautela necessária, para que nossas ações não sejam percebidas mais do que uma leva brisa casual e corriqueira. Eis o sentido do wu-wei, do FAZER pelo NÃO-FAZER, ou do NÃO-FAZER pelo FAZER.

H K Merton disse...

Fazer pelo não fazer, e fazer como se não fizesse, sendo como se não fosse...

Seja sem ser e faça sem fazer. Essa é a melhor maneira de se viver neste mundo!

Abraço, querido, e aproveito para deixar um aviso: Devido a problemas técnicos, o "Arte das artes" mudou de endereço. Agora está no:

http://www.artedartes.blogspot.com/

E vê se aparece, né, sumido!

Anônimo disse...

Olá, Gugu. Resolvi visitar o blog e deixar uma opinião.
O maior teste para a "entrega" ao wu-wei é olhar para dentro, para as emoções, para aquela coisa que mais incomoda ou, pelo contrário, aquela coisa que mais prezamos, que mais acreditamos e jogá-las no lixo, tanto as emoções como aquilo que mais prezamos. E fazê-lo sem sentimento nenhum.
A entrega vai muito além do silenciar o pensamento. A mente racional pode se disfarçar em incontáveis "dragões camuflados"...

Anônimo disse...

Alexandre...
Concordo com você em tudo o que disse. Eu sempre concordei com a sua maneira de ver as coisas, e é uma grande alegria ver você aparecer aqui nos comentários do blog.

Mas, eu também vejo que há várias manerias de se "atingir" o objetivo tão buscado. Jogar os sentimentos (bons ou maus) no lixo é uma delas.

A outra forma seria aceitá-los, não lutar contra eles... e eles deixam a pessoas, mais cedo ou mais tarde. E a pessoa permanece sozinha.
No entanto, essa aceitação requer um alto grau de alerta, pq senão a pessoa pode se perder nos sentimentos que ela permite acontecer.

Já no método que você citou, a pessoa também tem de tomar cuidado para não se tornar apática com relação à vida... Ver as coisas de modo neutro e imparcial é bem diferente de ter uma visão apática e indiferente.

Assim, todos os "métodos" tem suas qualidades e dificuldades.


Por favor, volte sempre!!!
Vc é muito bem vindo.
Um abraço!

Anônimo disse...

Gugu!

Li alguns de seus posts...confesso que não entendi todos.
Esse particularmente chamou minha atençào...pois me lembrou do livro "O poder do Agora".
Esses dias, que estou com um tempinho, li algumas coisas daqui...e gostei muito...da parte que entendi.
Tem algumas coisas muito profundas para minha compreensão, por enquanto.
Gosto dos seus comentários no blog do Merton.
E sorry se pareci agressiva certa vez. A gente sempre tropeça, não, é, ainda mais eu, que sinto estar muito longe ainda do que tantos de vcs já parecem ter encontrado.

Abraços!

Anônimo disse...

Cris...

Tudo o que eu escrevo tem a ver com o Livro "O Poder do Agora". O que eu tento transmitir é exatamente o que o livro também tenta, nem mais, nem menos.

Esse foi o livro que mudou/revolucionou toda a minha vida e busca espiritual. Ele foi tremendamente importante. E fico feliz que você tenha relacionado alguns post com o conteúdo do Poder do Agora. Acho qúe isos é um bom sinal pra mim.


Eu nem me lembrava mais dessa sua suposta "agressão de certa vez"... na verdade pra mim aquele comentário nem foi uma agressão... vc estava dizendo sua opinião, enfim. Por mim está tudo bem.

Obrigado pela sua visita.
Abraços!

Holograma disse...

Concordo em absoluto!
Definitivamente é o caminho que tento trilhar!
Excelente post!

X Baecks disse...

Wu Wei. Eu sou o arroz. Alias, fui o arroz, quando eu e o arroz eramos um soh. Alias, novamente, confesso que nao era arroz, era Miojo.

Se enquanto eu observava a panela, o maccarrao, o vapor dagua, e eu eramos o mesmo (momento); neste momento, para mim presente, para voce(agora que esta lendo), passado, eu e seu blog somos um.
Eu ja fui uno com seu blog!
E mais, agora que voce (seja quem for) le este comentario, es tambem uno com o blog. E atraves do blog, uno comigo.

Eh.. pela logica, tudo que existe eh uma baita e unica coisa, fazendo conexoes internas atraves de seu tempo.

Namaste!

olavo disse...

maravilha de ensinamento. estou muito atraído pelo Tao, pelo zen, o dharma...
mas como é difícil! sigo tentando..

Unknown disse...

Fausto

Fascinante! Lí mais sobre isto no livro A Gnosis Chinesa. São comentários sobre o Tao.

Unknown disse...

Atenção plena!
Dormir quando tem sono, comer quando tem fome, lavar a louça quado tem que lavar a louça.

Be here now!

gasshô

Ethereal disse...

Isso parece o estado de samadhi, onde a mente intelectual não interfere dando ordens, medindo e dado nome aos bois, em samadhi
tudo é feito, tudo é auto-completo, nesse estado é como se nada
tivesse que ser feito pois tudo estava completo, não tem a mente falante.

E também, tbm lembra da fase de desistir de lutar, no sentido luta na sua interpretação seria criar resistências.

Como explica Lao-tse

Tbm lembra de Dogen, e outros monges da india que dizem que a melhor sadhana é o esquecimento, é se esquecer das coisas, Tao e o Budismo explica muito bem isso.

Templo disse...

Com certeza, esse é o estado em que vive o homem desperto. Muito descrito no budismo, no zen e no taoísmo.

Grato pelo comentário!

Namastê!

Unknown disse...

Este é com certeza o caminho, estou conhecendo agora, mas nunca é tarde, o equilíbrio é tudo o que sempre peço, muito bom.