Masaharu Taniguchi
O senhor considera que "na vontade da Grande Fonte do Universo existem luz e sombra, ou seja, o daijakko (a Grande Penumbra), que abrange simultaneamente a sombra e a claridade". Com base nesse pensamento, o senhor afirma que não consegue ir além desse conceito, isto é, não consegue acompanhar a ideia de um mundo exclusivamente de luz. Afirma também que a origem dos aspectos sombrios do mundo fenomênico está na própria Grande Fonte do Universo. O senhor chegou a essa conclusão porque está confundindo o Universo Verdadeiro com o Universo Fenomênico. O Universo Verdadeiro é o "mundo em conformidade com a vontade de Deus", é o "mundo onde as graças estão à nossa disposição, mesmo que não as peçamos", é o "mundo onde o amor de Deus envolve a todos, do mesmo modo que o Sol ilumina os bons e os maus". É portanto, um mundo onde existe unicamente a luz. Já o Universo Fenomênico é um mundo onde o aspecto perfeito do Universo Verdadeiro é projetado de maneira imperfeita na dimensção de tempo e espaço, devido a distorções e irregularidades da "lente mental". É, portanto, um mundo onde se mesclam a luz e a sombra, o certo e o errado, a saúde e a doença. Em suma, o Universo Fenomênico recebe a luz da perfeição do Universo Verdadeiro, mas tem na superfície a "lente mental opaca que não deixa passar totalmente essa luz". Assim sendo, o mundo fenomênico surge como resultado "daquilo que é perfeito", distorcida apenas pelas vibrações mentais, o que equivale a dizer que "ele abrange ao mesmo tempo, luz e sombra". Por isso, entendo bem o seu argumento e não acho que esteja errado.
Porém, isso se aplica ao Universo Fenomênico e não ao Universo Verdadeiro. O Universo Verdadeiro é o mundo que transcende o Universo Fenomênico. É o mundo constituído exclusivamente de luz, que transcende o mundo onde se mesclam a luz e a sombra. Talvez não seja uma alegoria perfeita, mas podemos dizer que o Universo Fenomênico é uma foto, ou filme projetado na tela de tempo e espaço. É um universo de luz e sombra, um mundo gerado pela luz do projetor e pelas sombras do filme que obstruem a luz. Continuando com a alegoria, podemos comparar às "imagens-sombras" do filme os aspectos fenomênicos gerados pelos goun (cinco agregados que, segundo o budismo, são a forma - matéria -, a sensibilidade, o pensamento, a ação e a consciência), ou seja, "cinco agregados", que são produzidos pela mente. Na Origem da luz não existem sombras imperfeitas dos goun. As "imagens sombras" só existem no filme. Transcendendo o "filme" e chegando à Origem da Luz, só teremos a luminosidade. Esse mundo constituído exclusivamente de luz é o Universo Verdadeiro.
Talvez o senhor diga que se houvesse somente luz não poderia existir nada que tivesse forma, pois a existência de forma implica em surgimentos de sombra. A comparação Universo Verdadeiro com o filme de cinema é mera alegoria, e embora sirva para explicar o processo pelo qual o Universo Verdadeiro se projeta no Universo Fenomênico, não é suficiente para demonstrar o magnífico cenário do Universo Verdadeiro. Não é possível captá-lo com os cinco sentidos e, por isso, também no budismo atribuem-se a ele diversos nomes, tais como: "Realidade Absoluta", "Vazio Original", Jakkô-do ("mundo da claridade serena" ou "mundo da luz difusa"), "Imagem Verdadeira", "Mundo Amorfo", "O Mundo que, por ser amorfo, possui infinitas formas". Mas, considerando que o mundo sem formas é um mundo anterior à manifestação fenomênica, os budistas constumam concebê-lo como um "mundo vazio absoluto". Daí, as expressões como "O mundo da igualdade absoluta" e "O maravilhoso mundo da igualdade sem limite". As expressões variam, mas, como se trata de um mundo anterior à manifestação fenomênica, as pessoas tendem a imaginar um mundo de igualdade em oposição ao mundo de desigualdade. Além disso, por causa de determinadas expressões usadas pelos predecessores da doutrina, as pessoas tendem também a imaginar um mundo comparável ao meio etéreo, que é amorfo, incolor, insípido, inodoro, impalpável e inaudível. Por isso, existe a tendência de se pensar que "voltar à Imagem Verdadeira" é retornar ao vazio, a um mundo etéreo, e que "viver em conformidade com a Imagem Verdadeira" é levar uma vida de isolamento, com inclinação ao budismo Pequeno Veículo. Supõe-se que essa tenha sido uma das princípais causa do declínio do budismo.
Mas o mundo da Existência Verdadeira, que consegui intuir, não é um mundo incolor, insípido, impalpável e inaudível, mas sim um mundo de dimensão ilimitada, dotado de infinitos e maravilhosos aromas, sons, cores, sabores e sensações táteis. Consigo reconhecer intuitivamente esse mundo sublime e, como prova que corrobora a sua existência, posso mencionar o seguinte fato: à medida que o nível de aprimoramento espiritual se eleva, ocorre a cura de distúrbios dos sentidos, tais como: daltonismo, dificuldade de distinguir os sons, dificuldade de sentir cheiro (resultante, por exemplo de sinusite), e também aumenta a capacidade de sentir o sabor. E, à medida que eliminamos as impurezas e distorções da nossa "lente mental" - através da qual projetamos o mundo da Imagem Verdadeira no nível fenomênico -, o mundo das sensações que podemos captar torna-se mais rico, oferecendo maior variedade de sensações. Podemos, pois, presumir que, quando conseguimos purificar completamente a nossa "lente mental", tornando-a transparente e cristalina, de modo a permitir que o mundo da Existência Verdadeira se projete com toda a nitidez no mundo fenomênico, as sensações que poderemos captar serão infinitamente maravilhosas e variadas.
Na maioria das vezes, o cenário do mundo da Existência Verdadeira tem sido expresso como "vazio" ou Jakkô-do. Por isso, é provável que alguns budistas que não têm poder intuitivo e que se baseiam apenas na interpretação das literaturas sobre o assunto imaginem um mundo etéreo, uma imensidão vazia, onde paira uma luminosidade suave e mística. Porém, o cenário do mundo da Imagem Verdadeira não é assim. O mundo da Existência Verdadeira é o Jyodo ("Terra Pura") real e concreto, como podemos perceber por uma rápida descrição constante no tópico Jigage da Sutra do Lótus. Nesse tópico consta: "Mesmo quando o mundo fenomênico chegar ao fim de sua existência e for consumido por um grande fogo, esta Terra Pura (mundo da Imagem Verdadeira) permanecerá pacífica e tranquila, repleta de seres celestiais; templos e palácios rodeados por jardins e bosques estão majestosamente ornados por grandes variedades de tesouros; belas árvores estão carregadas de flores e frutos; este é o lugar onde todos os seres viventes desfrutam uma sublime alegria; os seres celestiais executam belas músicas, tocam os 'tambores do céu' e fazem chover pétalas sagradas flores de mandarava sobre Buda e sobre a multidão". A paz e a felicidade do mundo da Existência verdadeira são eternamente indestrutíveis, mas o mundo fenomênico, que é visto através da "lente mental", é um mundo transitório, que a cada instante se aproxima do fim. E o tópico Jigage assim prossegue: "A nossa Terra Pura é indestrutível, mas as pessoas veem o mundo dizimado pelo fogo e repleto de angústia, medo e sofrimento".
A meu ver, o que o senhor chama de seian, de daijakko, de "Grande Fonte do Universo" - a força motriz que age incessantemente abrangendo dentro de si a felicidade e os infortúnios dos homens -, e até mesmo de "Deus", na verdade deve ser "Grande Fonte do Universo Fenomênico". O Universo Fenomênico, apesar de receber a luz do mundo da Existência Verdadeira, move-se incessantemente impulsionado pelas paixões mundanais e pelos carmas. Portanto, o que move o Universo fenomênico não seria a "vontade cega", a que o filósofo schopenhauer se referiu? Se o Universo fenomênico é um mundo em constante mutação, é inevitável que a claridade e a treva se mesclem, que as tristezas e as alegrias se alternem. Qual será, então, o caminho para sublimá-lo e torná-lo um mundo feito exclusivamente de luz e felicidade? O caminho consiste em amainar o máximo possível as "agitadas ondas das paixões mundanais", através do conhecimento da Verdade; da atitude mental de entrega total preconizada pelo fundador da religião Konko; ou da postura mental como a sua, expressa na frase "Devo resignar-me com a doença se é a vontade de Deus"; com isso será possível diminuir consideravelmente as distorções da "lente mental" através da qual tudo se manifesta neste mundo. Como resultado disso, o aspecto deste mundo fenomênico se tornará mais parecido com o maravilhoso cenário do mundo da Existência Verdadeira (mundo da Imagem Verdadeira), ocorrendo a cura de doenças e o advento da felicidade. Creio que assim se manifestarão as "graças que estão à nossa disposição antes mesmo que peçamos a Deus", as "graças que conseguimos quando adotamos a postura mental de entrega total", as "graças que obtemos quando confiamos em Deus, abandonando os apegos". Assim é a visão de mundo da Seicho-No-Ie. O surgimento, neste mundo, das bênçãos e dádivas do mundo da Imagem Verdadeira - comumente designadas com o termo "graças" - é um fato em conformidade com a lógica filosófica, não ocorrendo ao sabor da "vontade cega" ou da ilusão.
Se muitas pessoas têm a dificuldade de entender a "visão de um mundo constituído exclusivamente de luz" preconizada pela Seicho-No-Ie, é porque estão confundindo o Universo Fenomênico com o Universo Verdadeiro, e o homem fenomênico com o homem real. Sakyamuni (Buda) pregava que "o Monte Ryoju (local que Buda pregava com frequência) é eterno"; mas o povo não conseguia ver o Monte Ryoju eterno, enxergando apenas o "mundo fenomênico devastado pelo fogo e cheio de angústias, medos e sofrimentos".
As pessoas não conseguiam acompanhar o despertar de Sakyamuni. Quando ele, às vésperas de entrar no nirvana, declarou "Sou corpo diamantino, indestrutível, imune a doenças, imortal", o discípulo Kasho-bosatsu perguntou: "Por que uma pessoa boa como o senhor, que só praticou o bem, adoece e sofre?". Sakyamuni não se referira ao seu "eu fenomênico" constituído de corpo carnal, mas ao seu Eu verdadeiro (Buda eterno); porém, o discípulo Kasho não conseguia trasnscender o aspecto fenomênico de Sakyamuni (a imagem física de Sakyamuni).
Ao falar em "mundo constituído exclusivamente de luz" e em "ser humano isento de doenças, aflições e sofrimentos", refiro-me ao mundo da Existência Verdadeira e ao homem real (o que existe de verdade) e não ao mundo fenomênico e ao homem carnal. E, ao usar a expressão "O homem é filho de Deus", refiro-me à Imagem Verdadeira - ou Natureza Verdadeira - do ser humano, e não ao homem carnal, cujas células morrem com o passar dos dias e cujo corpo expele fezes e urina e segrega lágrimas e suor. O Universo Fenomênico é uma existência material, e o homem fenomênico é um ser corpóreo. Portanto, segundo o ponto de vista da Seicho-No-Ie, que desde o princípio vem pregando a inexistência original da matéria - por conseguinte, do corpo carnal -, não se deve atribuir demasiada importância ao corpo carnal nem aos benefícios deste mundo, que são constituídos de elementos materiais. Porém, é curioso que, justamente quando negamos de modo categórico a existência real da matéria (e, portanto, do corpo carnal), ocorram fatos benéficos, como efeito surpreendente dessa negação. A razão disso está implícita na sua afirmação e que sarou quando se entregou aos desígnios de Deus, e também na afirmação do fundador da religião Konko: "Quando nos entregamos nas mãos de Deus, concretizam-se todas as coisas boas deste mundo". Ou seja, ocorre a manifestação do maravilhoso aspecto do mundo da Existência Verdadeira quando a pessoa deixa de se apegar ao mundo fenomênico. Como o mundo da Existência Verdadeira é um mundo perfeito, repleto de harmonia e felicidade, é esse o aspecto que se manifesta. Portanto, quando eu afirmo "Manifestando-se a luz, extingue-se a treva", o termo "luz" não significa uma luz relativa a que o senhor se refere, mas à luz do mundo da Existência Verdadeira. Quando o sublime cenário do mundo da Existência Verdadeira se revela, o cenário imperfeito do mundo relativo (mundo fenomênico) acaba sendo "assimilado" pela luz e passa a apresentar um aspecto semelhante ao do mundo da Existência Verdadeira. A cura de doença também ocorre por este motivo.
Conforme o senhor disse, o seu conceito de jakkô difere do meu conceito de luz. Jakkô é um mundo que se encontra um pouco aquém do Mundo da Luz (mundo constituído unicamente de luz); é a origem do mundo fenomênico, que contém a "lente mental de ilusão" através da qual o mundo fenomênico se manifesta, ao passo que o Mundo Verdadeiro constituído unicamente de luz, é o mundo maravilhoso que transcende a "lente mental de ilusão". Portanto, é compreensível que o senhor afirme "Ainda que se retorne ao mundo de jakkô", a sombra continua existindo, ao passo que eu afirmo: "Quando se retorna ao mundo constituído de luz, obviamente não existirá mais a treva nem o jakkô, descortinando-se unicamente o mundo de imensa luminosidade, dinâmico e vibrante, o qual não pode ser expresso com a palavras jakkô, que significa 'penumbra' ou 'meia-luz'". O senhor diz que a minha argumentação difere bastante do seu conceito tradicional e que provavelmente apenas os estudiosos do assunto conseguirão entender, Mas eu acho que o senhor a entenderá.
No dia 18 de novembro de 1936, proferi palestra numa conferência religiosa realizada no auditório público de Nakanoshima, Osaka, sob o patrocínio do Jornal Chugai-Nippo. A certa altura, afirmei: "O Mundo da Imagem Verdadeira é por demais dinâmico e vibrante para ser chamado de jakkô; é um mundo concreto e indestrutível que jamais poderá ser chamado de 'vazio'. Ao contrário do mundo fenomênico, que é fugaz e sem consistência como uma visão ou um relâmpago, o Mundo da Imagem Verdadeira é um mundo real, concreto, e é esse o seu aspecto descrito no tópico Jigage, do Sutra do Lótus". Então, da ala dos ouvintes budistas, alguém gritou: "Não distorça o budismo!". Até nos dias atuais existem muitos budistas que pregam: "O Mundo da Existência Verdadeira é o mundo do 'vazio', semelhante à atmosfera ou ao meio etéreo, quenão se fragmenta mesmo que lhe apliquemos golpes. Por isso, dizemos que é indestrutível". Lamento que façam esse tipo de pregação. Se o mundo da Existência Verdadeira fosse assim, retornar a ele, significaria tornar-se algo semelhante ao ar ou ao éter; as pessoas retornariam à Existência Verdadeira somente ao serem completamente desintegradas, após morrerem e serem queimadas a uma temperatura altíssima, que não deixassem remanescer nem cinzas nem gazes. Considero lastimável que ainda hoje se pratique no Japão o budismo Pequeno Veículo que reduz o homem ao nada.
É verdade que a propaganda que fazemos nos jornais e outros meios de comunicação "é um expediente para conduzir a massa para o caminho da fé", como o senhor disse. Como expediente para conduzir as pessoas à salvação, às vezes enfatizamos as graças proporcionadas neste mundo. Mas as matérias das propagandas nunca contêmm mentiras. É natural que o budismo Grande Veículo, ao desenvolver a obra de salvação do povo, atue no sentido de proporcionar graças deste mundo e possibilitar a construção de um paraíso terrestre, isento de doenças e sofrimentos. É, portanto, uma ação de avanço da luz, e não uma ação em que haja a interferência de sombra. Penso que os religiosos budistas não devem se limitar a ficar nos templos e cuidar dos funerais. É preciso reconhecer que as atividades para a salvação da massa são fenômenos que ocorrem quando a, ao passar pela "lente mental de manifestação do fenômeno", promove a desintegração da treva e revela o luminoso e vibrante mundo da Existência Verdadeira.
Finalizo aqui a minha opinião acerca das questões que o senhor apresentou. Será ótimo se este ensaio servir de ensejo para que outras pessoas, que tenham dúvidas semelhantes às apresentadas pelo senhor, possam estudar mais a fundo essas questões religiosas. Obrigado.
Na maioria das vezes, o cenário do mundo da Existência Verdadeira tem sido expresso como "vazio" ou Jakkô-do. Por isso, é provável que alguns budistas que não têm poder intuitivo e que se baseiam apenas na interpretação das literaturas sobre o assunto imaginem um mundo etéreo, uma imensidão vazia, onde paira uma luminosidade suave e mística. Porém, o cenário do mundo da Imagem Verdadeira não é assim. O mundo da Existência Verdadeira é o Jyodo ("Terra Pura") real e concreto, como podemos perceber por uma rápida descrição constante no tópico Jigage da Sutra do Lótus. Nesse tópico consta: "Mesmo quando o mundo fenomênico chegar ao fim de sua existência e for consumido por um grande fogo, esta Terra Pura (mundo da Imagem Verdadeira) permanecerá pacífica e tranquila, repleta de seres celestiais; templos e palácios rodeados por jardins e bosques estão majestosamente ornados por grandes variedades de tesouros; belas árvores estão carregadas de flores e frutos; este é o lugar onde todos os seres viventes desfrutam uma sublime alegria; os seres celestiais executam belas músicas, tocam os 'tambores do céu' e fazem chover pétalas sagradas flores de mandarava sobre Buda e sobre a multidão". A paz e a felicidade do mundo da Existência verdadeira são eternamente indestrutíveis, mas o mundo fenomênico, que é visto através da "lente mental", é um mundo transitório, que a cada instante se aproxima do fim. E o tópico Jigage assim prossegue: "A nossa Terra Pura é indestrutível, mas as pessoas veem o mundo dizimado pelo fogo e repleto de angústia, medo e sofrimento".
A meu ver, o que o senhor chama de seian, de daijakko, de "Grande Fonte do Universo" - a força motriz que age incessantemente abrangendo dentro de si a felicidade e os infortúnios dos homens -, e até mesmo de "Deus", na verdade deve ser "Grande Fonte do Universo Fenomênico". O Universo Fenomênico, apesar de receber a luz do mundo da Existência Verdadeira, move-se incessantemente impulsionado pelas paixões mundanais e pelos carmas. Portanto, o que move o Universo fenomênico não seria a "vontade cega", a que o filósofo schopenhauer se referiu? Se o Universo fenomênico é um mundo em constante mutação, é inevitável que a claridade e a treva se mesclem, que as tristezas e as alegrias se alternem. Qual será, então, o caminho para sublimá-lo e torná-lo um mundo feito exclusivamente de luz e felicidade? O caminho consiste em amainar o máximo possível as "agitadas ondas das paixões mundanais", através do conhecimento da Verdade; da atitude mental de entrega total preconizada pelo fundador da religião Konko; ou da postura mental como a sua, expressa na frase "Devo resignar-me com a doença se é a vontade de Deus"; com isso será possível diminuir consideravelmente as distorções da "lente mental" através da qual tudo se manifesta neste mundo. Como resultado disso, o aspecto deste mundo fenomênico se tornará mais parecido com o maravilhoso cenário do mundo da Existência Verdadeira (mundo da Imagem Verdadeira), ocorrendo a cura de doenças e o advento da felicidade. Creio que assim se manifestarão as "graças que estão à nossa disposição antes mesmo que peçamos a Deus", as "graças que conseguimos quando adotamos a postura mental de entrega total", as "graças que obtemos quando confiamos em Deus, abandonando os apegos". Assim é a visão de mundo da Seicho-No-Ie. O surgimento, neste mundo, das bênçãos e dádivas do mundo da Imagem Verdadeira - comumente designadas com o termo "graças" - é um fato em conformidade com a lógica filosófica, não ocorrendo ao sabor da "vontade cega" ou da ilusão.
Se muitas pessoas têm a dificuldade de entender a "visão de um mundo constituído exclusivamente de luz" preconizada pela Seicho-No-Ie, é porque estão confundindo o Universo Fenomênico com o Universo Verdadeiro, e o homem fenomênico com o homem real. Sakyamuni (Buda) pregava que "o Monte Ryoju (local que Buda pregava com frequência) é eterno"; mas o povo não conseguia ver o Monte Ryoju eterno, enxergando apenas o "mundo fenomênico devastado pelo fogo e cheio de angústias, medos e sofrimentos".
As pessoas não conseguiam acompanhar o despertar de Sakyamuni. Quando ele, às vésperas de entrar no nirvana, declarou "Sou corpo diamantino, indestrutível, imune a doenças, imortal", o discípulo Kasho-bosatsu perguntou: "Por que uma pessoa boa como o senhor, que só praticou o bem, adoece e sofre?". Sakyamuni não se referira ao seu "eu fenomênico" constituído de corpo carnal, mas ao seu Eu verdadeiro (Buda eterno); porém, o discípulo Kasho não conseguia trasnscender o aspecto fenomênico de Sakyamuni (a imagem física de Sakyamuni).
Ao falar em "mundo constituído exclusivamente de luz" e em "ser humano isento de doenças, aflições e sofrimentos", refiro-me ao mundo da Existência Verdadeira e ao homem real (o que existe de verdade) e não ao mundo fenomênico e ao homem carnal. E, ao usar a expressão "O homem é filho de Deus", refiro-me à Imagem Verdadeira - ou Natureza Verdadeira - do ser humano, e não ao homem carnal, cujas células morrem com o passar dos dias e cujo corpo expele fezes e urina e segrega lágrimas e suor. O Universo Fenomênico é uma existência material, e o homem fenomênico é um ser corpóreo. Portanto, segundo o ponto de vista da Seicho-No-Ie, que desde o princípio vem pregando a inexistência original da matéria - por conseguinte, do corpo carnal -, não se deve atribuir demasiada importância ao corpo carnal nem aos benefícios deste mundo, que são constituídos de elementos materiais. Porém, é curioso que, justamente quando negamos de modo categórico a existência real da matéria (e, portanto, do corpo carnal), ocorram fatos benéficos, como efeito surpreendente dessa negação. A razão disso está implícita na sua afirmação e que sarou quando se entregou aos desígnios de Deus, e também na afirmação do fundador da religião Konko: "Quando nos entregamos nas mãos de Deus, concretizam-se todas as coisas boas deste mundo". Ou seja, ocorre a manifestação do maravilhoso aspecto do mundo da Existência Verdadeira quando a pessoa deixa de se apegar ao mundo fenomênico. Como o mundo da Existência Verdadeira é um mundo perfeito, repleto de harmonia e felicidade, é esse o aspecto que se manifesta. Portanto, quando eu afirmo "Manifestando-se a luz, extingue-se a treva", o termo "luz" não significa uma luz relativa a que o senhor se refere, mas à luz do mundo da Existência Verdadeira. Quando o sublime cenário do mundo da Existência Verdadeira se revela, o cenário imperfeito do mundo relativo (mundo fenomênico) acaba sendo "assimilado" pela luz e passa a apresentar um aspecto semelhante ao do mundo da Existência Verdadeira. A cura de doença também ocorre por este motivo.
Conforme o senhor disse, o seu conceito de jakkô difere do meu conceito de luz. Jakkô é um mundo que se encontra um pouco aquém do Mundo da Luz (mundo constituído unicamente de luz); é a origem do mundo fenomênico, que contém a "lente mental de ilusão" através da qual o mundo fenomênico se manifesta, ao passo que o Mundo Verdadeiro constituído unicamente de luz, é o mundo maravilhoso que transcende a "lente mental de ilusão". Portanto, é compreensível que o senhor afirme "Ainda que se retorne ao mundo de jakkô", a sombra continua existindo, ao passo que eu afirmo: "Quando se retorna ao mundo constituído de luz, obviamente não existirá mais a treva nem o jakkô, descortinando-se unicamente o mundo de imensa luminosidade, dinâmico e vibrante, o qual não pode ser expresso com a palavras jakkô, que significa 'penumbra' ou 'meia-luz'". O senhor diz que a minha argumentação difere bastante do seu conceito tradicional e que provavelmente apenas os estudiosos do assunto conseguirão entender, Mas eu acho que o senhor a entenderá.
No dia 18 de novembro de 1936, proferi palestra numa conferência religiosa realizada no auditório público de Nakanoshima, Osaka, sob o patrocínio do Jornal Chugai-Nippo. A certa altura, afirmei: "O Mundo da Imagem Verdadeira é por demais dinâmico e vibrante para ser chamado de jakkô; é um mundo concreto e indestrutível que jamais poderá ser chamado de 'vazio'. Ao contrário do mundo fenomênico, que é fugaz e sem consistência como uma visão ou um relâmpago, o Mundo da Imagem Verdadeira é um mundo real, concreto, e é esse o seu aspecto descrito no tópico Jigage, do Sutra do Lótus". Então, da ala dos ouvintes budistas, alguém gritou: "Não distorça o budismo!". Até nos dias atuais existem muitos budistas que pregam: "O Mundo da Existência Verdadeira é o mundo do 'vazio', semelhante à atmosfera ou ao meio etéreo, quenão se fragmenta mesmo que lhe apliquemos golpes. Por isso, dizemos que é indestrutível". Lamento que façam esse tipo de pregação. Se o mundo da Existência Verdadeira fosse assim, retornar a ele, significaria tornar-se algo semelhante ao ar ou ao éter; as pessoas retornariam à Existência Verdadeira somente ao serem completamente desintegradas, após morrerem e serem queimadas a uma temperatura altíssima, que não deixassem remanescer nem cinzas nem gazes. Considero lastimável que ainda hoje se pratique no Japão o budismo Pequeno Veículo que reduz o homem ao nada.
É verdade que a propaganda que fazemos nos jornais e outros meios de comunicação "é um expediente para conduzir a massa para o caminho da fé", como o senhor disse. Como expediente para conduzir as pessoas à salvação, às vezes enfatizamos as graças proporcionadas neste mundo. Mas as matérias das propagandas nunca contêmm mentiras. É natural que o budismo Grande Veículo, ao desenvolver a obra de salvação do povo, atue no sentido de proporcionar graças deste mundo e possibilitar a construção de um paraíso terrestre, isento de doenças e sofrimentos. É, portanto, uma ação de avanço da luz, e não uma ação em que haja a interferência de sombra. Penso que os religiosos budistas não devem se limitar a ficar nos templos e cuidar dos funerais. É preciso reconhecer que as atividades para a salvação da massa são fenômenos que ocorrem quando a
Finalizo aqui a minha opinião acerca das questões que o senhor apresentou. Será ótimo se este ensaio servir de ensejo para que outras pessoas, que tenham dúvidas semelhantes às apresentadas pelo senhor, possam estudar mais a fundo essas questões religiosas. Obrigado.
(Do livro "A Verdade da Vida, vol. 39", pgs. 78-88)
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