"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

sexta-feira, junho 12, 2015

Surdo, Mudo e Cego (Osho) - 2/2


- Osho -
*Acesse a primeira parte do texto clicando aqui


Agora nós devemos compreender esta bela história: Surdo, Mudo e Cego...

Gensha queixou-se aos seus seguidores um dia: "Outros mestres estão sempre falando da necessidade de salvar a todos – mas suponha que você encontre uma pessoa que seja surda, muda e cega: ela não poderá ver os seus gestos, ouvir sua pregação ou fazer perguntas a respeito. E, incapaz de salvá-la, você vai provar a si mesmo que é um budista sem valor".

Mestres geralmente não se queixam, mas quando eles se queixam isso significa alguma coisa. Aqui não é apenas Gensha reclamando, são todos os mestres reclamando. Mas essa é a experiência deles, porque onde quer que você vá você encontra pessoas surdas, mudas e cegas, porque toda a sociedade é assim. E como salvá-las? Elas não podem ver, não podem ouvir, não podem sentir, não podem compreender nenhum gesto. Se você tentar demais salvá-las, elas vão fugir. Elas vão pensar: "Este homem está atrás de alguma coisa, ele quer me explorar ou ele quer aplicar um golpe". Se você não faz muito por elas, elas sentem: "Este homem não é para mim, porque ele não está se importando o suficiente." E qualquer coisa que se faça, elas não conseguem entender.

Esta não é a história de Gensha, porque pessoas iluminadas nunca reclamam por si mesmas. Essa queixa é geral, é assim que acontece. Alguém como Jesus se sente da mesma maneira, alguém como Buda se sente da mesma maneira. Onde quer que você vá, você tem que encontrar pessoas que são surdas, mudas e cegas. Você faz gestos... e elas não podem ver, ou pior ainda, elas veem outra coisa. Você conversa com elas, e elas não conseguem entender, ou, ainda pior, elas compreendem mal. Você diz algo, elas entendem outra coisa, porque o significado não pode ser transmitido através de palavras. Apenas as palavras podem ser comunicadas, o significado tem de ser fornecido pelo ouvinte.

Se eu digo uma palavra, eu quero dizer uma coisa. Mas se dez mil pessoas estão ouvindo, haverá dez mil significados, porque cada uma irá ouvir conforme sua cabeça, o seu preconceito, o seu conceito e filosofia e religião. A pessoa vai ouvir a partir do seu condicionamento, e seu condicionamento vai fornecer o significado.

É muito difícil, praticamente impossível. É como se você fosse a um hospício e conversasse com as pessoas. Como você vai se sentir? Isso é o que Gensha sente, essa é a queixa.

Essa é a minha reclamação também. Trabalhando com você, eu sempre sinto um bloqueio. Ou seus olhos estão bloqueados, ou os seus ouvidos estão bloqueados, ou o seu nariz está bloqueado, ou o seu coração está bloqueado. Num lugar ou noutro, algo está bloqueado, está petrificado. E é difícil penetrar, porque se eu forçar demais para penetrar nesse bloqueio, você fica com medo – por que estou tão interessado? Se eu não faço muito, você se sente negligenciado. É assim que funciona uma mente ignorante. Faça isso, e ela interpretará mal; faça aquilo, e ela também entenderá mal. Uma coisa é certa: ela vai entender mal.

Gensha queixou-se aos seus seguidores um dia: "Outros mestres estão sempre falando da necessidade de salvar a todos".

Buda disse que, quando você está salvo, a única coisa a fazer é salvar os outros. Quando você atingiu a iluminação, a única coisa a fazer é espalhar isso para os outros, porque todo mundo está lutando. Todo mundo está avançando aos tropeços no caminho, todo mundo está avançando sabendo ou não sabendo, e você atingiu. Ajude os outros.

E isso é uma necessidade também, uma necessidade interior de energias, porque um homem que se tornou iluminado terá de viver alguns anos, porque a iluminação não é um destino; ela não é fixa, não é causada. Quando ela acontece, nem sempre é necessariamente quando o corpo morre. Não há necessidade de que esses dois acontecimentos (iluminação e morte do corpo) aconteçam juntos. Na verdade, é quase impossível, porque a iluminação é um fenômeno súbito, sem causa. Você se empenha para atingi-la, mas isso nunca acontece através de seu empenho. Seu empenho ajuda a criar a situação, mas isso acontece por meio de outra coisa – essa outra coisa é chamada "graça". É um presente da existência, não é produto de seus esforços; eles não causam isso. É claro que eles criam uma situação: eu abro a porta e a luz entra. Mas a luz é uma dádiva do Sol. Eu não posso criar a luz apenas abrindo a porta. A abertura da porta não é motivo para isso. A não abertura da porta era um obstáculo, mas a abertura da porta não é a causa. Eu não posso causar. Se você abrir a porta e for de noite, a luz não entrará. Abrir a porta não é criar a luz, mas fechando a porta você atrapalha.

Assim, todos os esforços que você fizer para a realização consistem apenas em abrir a porta. A luz vem quando vier. Você tem que ficar com a porta aberta de modo que, sempre que ela vier, sempre que ela bater à sua porta, você estará lá e a porta estará aberta para que a luz possa entrar. É sempre uma dádiva – e tem que ser assim, porque se você puder alcançar o supremo através dos seus esforços, será um absurdo. A mente limitada se esforçando... como ela pode encontrar o infinito? Com uma mente finita se esforçando, todos os esforços serão finitos. Como pode o infinito acontecer através de esforços finitos? A mente ignorante está se esforçando, e esses esforços são feitos na ignorância; como eles podem mudar, transformar-se em iluminação? Não, não é possível.

Você se esforça; os esforços são necessários, eles preparam você, eles abrem a porta – mas a coisa acontece quando acontece. Você permanece disponível. Deus bate várias vezes à sua porta, o Sol nasce todos os dias. E lembre-se, em nenhum outro lugar é dito o que agora eu vou de dizer a você, algo que poderá ajudá-lo. Isso não é dito porque, se você não entender, isso pode se tornar um obstáculo também. Existe um dia para Deus e existe uma noite também. Se você abrir a porta à noite, a porta permanecerá aberta, mas Deus não virá. Há um dia – se você abrir a porta no momento certo, imediatamente Deus vem.

E tem que ser assim, porque toda a existência tem opostos. Há também um período de descanso para Deus, no qual ele dorme. Se você abrir a porta, ele não vai vir. Há um momento em que ele está acordado, quando ele está em movimento – tem que ser assim, porque toda a energia se move através de dois opostos: descanso e movimento; e Deus é energia infinita! Ele tem movimentos e tem um descanso. É por isso que um mestre é necessário.

Se você fizer isso por conta própria, você pode estar trabalhando duro e nada estar acontecendo, porque você não está trabalhando no momento certo. Você está trabalhando durante a noite... você abre a porta e só entra escuridão. Com medo, você a fecha novamente. Você abre a porta e não há nada, só um imenso vazio ao redor. Você fica com medo, você a fecha novamente, e depois que você vê esse vazio, você nunca se esquece – e você vai ter tanto medo que vai demorar muitos anos para reunir coragem novamente para abri-la. Porque... depois de ver o abismo infinito, quando Deus está dormindo, quando Deus está em repouso – se você vê esse momento de negatividade infinita e abismo e escuridão –, você vai ficar com tanto medo, que por muitos anos você não vai fazer outra tentativa.

E eu sinto que muitas pessoas têm medo de ir para a meditação – eu sei que em algum lugar em sua vida passada, elas fizeram algum esforço e tiveram um vislumbre do abismo no momento errado. Elas podem não saber, mas inconscientemente o medo está lá, então sempre que chegam perto da porta e põem a mão na maçaneta e torna-se possível abrir a porta, elas ficam com medo. Elas voltam exatamente nesse momento, imediatamente correm de volta – elas não a abrem, Um medo inconsciente as aflige. Tem que ser assim, porque há muitas vidas você vem lutando e se esforçando.

Daí a necessidade do mestre. Um mestre é aquele que sabe, aquele que atingiu a iluminação. Ele conhece o momento certo. Ele irá dizer a você para fazer todos os esforços quando for a noite de Deus. E não vai lhe dizer para abrir a porta. Ele irá lhe dizer para se preparar no meio da noite: prepare-se tanto quanto possível para estar pronto e, quando a manhã romper e os primeiros raios surgirem, ele irá lhe dizer para abrir a porta. De repente, a iluminação! Então, é totalmente diferente, porque quando existe luz é totalmente diferente.

Quando Deus está acordado, o vazio não existe. É uma realização; é perfeita plenitude. Tudo está preenchido, mais do que preenchido, é perfeição sempre fluindo. É o pico, e não o abismo. Se você abrir a porta no momento errado, é o abismo. Você vai ficar tonto, tão tonto que, por muitas vidas, você nunca vai tentar reabri-la. Mas só aquele que sabe, só aquele que se tornou uno com Deus, só aquele que sabe quando é noite e quando é dia, pode ajudar; porque agora dia e noite acontecem nele também – ele tem uma noite, ele tem um dia.

Os hindus tiveram um vislumbre disso, e eles têm uma bela hipótese: chamam isso de dia de Brahma, o dia de Deus. Quando a criação acontece, eles a chamam de dia de Deus. Mas mesmo a criação tem um limite de tempo, e a criação se dissipa; então, a noite de Brahma, a noite de Deus, se inicia. Doze horas de dia de Brahma é toda a criação. Depois, exaurida, toda a existência desaparece na inexistência. Então, por doze horas é noite de Brahma. Para nós é de milhões e bilhões de anos, mas para Deus é de doze horas – o seu dia.

Os cristãos também tinham uma teoria, ou uma hipótese – porque eu chamo todas as teorias religiosas de hipóteses, pois nada é provado, nada pode ser provado pela própria natureza da coisa. Dizem que Deus criou o mundo em seis dias e, em seguida, no sétimo dia, descansou. é por isso que o domingo é um dia de descanso, de férias. Durante seis dias ele criou, e no sétimo dia descansou. Eles tinham uma visão de que mesmo Deus devia descansar.

Essas são duas hipóteses, ambas lindas, mas você tem que encontrar a essência disso. O essencial é que, todos os dias, Deus tem um dia e uma noite. E todos os dias há um momento certo para entrar e um momento errado; no momento errado você dá de cara com a parede; no momento certo você simplesmente entra. Por causa disso, aqueles que bateram no momento errado dizem que atingir a iluminação é uma coisa gradual, você a atinge em etapas; e aqueles que vieram até a porta no momento certo dizem que a iluminação é súbita, acontece num instante. Um mestre é necessário para decidir quando é o momento certo.

Contam que Vivekananda começou o seu discipulado e então um dia alcançou o primeiro vislumbre. Você pode chamar isso de satori, a palavra zen para samadhi, porque é uma visão, não é uma coisa permanente. É como se as núvens não estivessem lá no céu – o céu está claro e de uma distância de mil quilômetros você tem um vislumbre do Everest em toda a sua glória, mas, em seguida, o céu fica nublado e o vislumbre se esvai. Não é realização, não se atingiu o Everest, você ainda não alcançou o topo; de milhares de quilômetros você teve um vislumbre – isso é satoriSatori é um vislumbre do samadhi. Vivekananda teve um satori.

No ashram de Ramakrishna havia muitas pessoas, muitas pessoas estavam trabalhando. Um homem, seu nome era Kalu - um homem muito simples, muito inocente -, também trilhava e se empenhava em seu próprio caminho. E Ramakrishna aceitou todos os caminhos. Ele era um homem raro, ele aceitou todas as técnicas, todos os métodos, e ele disse que todo mundo tem que encontrar o seu próprio caminho, não existe uma superestrada. E isso é bom, caso contrário haveria um engarrafamento! Portanto isso é bom, você pode trilhar o seu próprio caminho. Não há mais ninguém lá para criar problema ou deixar tudo lotado.

Aquele Kalu era um homem muito simples. Ele tinha pelo menos cem deuses – como os hindus são amantes de muitos deuses, um não é suficiente para eles. Então, eles vão colocando em seu altar este deus, aquele deus, todos que podem encontrar. Não há nada de errado nisso; se você o ama, tudo bem. Mas Vivekananda era um intelectual lógico, muito arguto, inteligente. Ele sempre discutia com esse homem inocente e ele não conseguia responder. Vivekananda disse: "Por que esse absurdo? Um é suficiente, e as escrituras dizem que eles são todos um, então porque centenas de deuses?". E eles era de todos os tipos e formas, e Kalu tinha que trabalhar com esses deuses pelo menos durante três horas pela manhã e três à noite. E isso tomava o dia todo – porque com todos os deuses ele tinha que trabalhar –, e por mais rápido que ele trabalhasse, levava três horas pela manhã e três horas à noite. Mas ele era um homem muito, muito silencioso, e Ramakrishna o amava.

Vivekananda sempre discutia: "Jogue esses deuses fora!". Quando teve um vislumbre de satori, ele se sentiu muito poderoso. De repente, surgiu-lhe a ideia de que, com esse poder, se ele simplesmente enviasse uma mensagem telepática para Kalu dizendo para que ele pegasse todos os seus deuses e os jogasse no Ganges – e ele estava prestando culto em seu quarto, era a hora da adoração – isso iria acontecer.

Ele simplesmente enviou a mensagem. Kalu era realmente um homem simples. Ele reuniu todos os seus deuses num lençol e os levou para o Ganges. Mas naquele momento Ramakrishna estava chegando, e disse: "Espere! Não é você quem vai jogá-los. Volte para o seu quarto e coloque-os no lugar". Mas Kalu disse: "Chega! Acabou!"

Ramakrishna disse: "Espere! Venha comigo!".

Ele bateu na porta de Vivekananda. Vivekananda abriu a porta e Ramakrishna disse: "O que você fez? Isso não é bom e esse não é o momento certo para você. Então eu vou tirar a sua chave de meditação e mantê-la comigo. Quando chegar o momento certo eu vou dá-la a você". E, por toda a sua vida, Vivekananda tentou de milhões de maneira atingir a iluminação, mas ele não conseguiu esse vislumbre de novo.

Pouco antes de morrer, três dias antes, Ramakrishna apareceu em sonho e deu-lhe a chave. Ele disse: "Agora você pode pegar a have. Agora, chegou o momento certo para você abrir a porta". 

E no dia seguinte de manhã ele teve o segundo vislumbre.

Um mestre sabe quando é a hora certa. Ele ajuda você, prepara-o para o momento certo, e ele vai lhe dar a chave quando o momento certo chegar. Então você simplesmente abre a porta e o divino entra – porque se você abrir a porta e entrar na escuridão, isso será parecido com a morte, não com a vida. Não há nada de errado nisso, mas você vai ficar com medo, e você pode ficar tão assustado que pode carregar esse medo para todo o sempre.

Buda diz que sempre que uma pessoa atinge a iluminação, começa a ajudar os outros, porque todas as suas energias que estavam se movendo para o desejo... agora essa porta está aberta, essa jornada não existe mais, essa viagem não existe mais. Agora deixe que todas as suas energias, que antes estavam se movendo para o desejo, vasana, tornem-se compaixão, deixe que se tornem karuna. E só existe uma compaixão – como ajudar o outro a alcançar o supremo, porque não há nada mais a ser alcançado. Tudo o mais é besteira. Só o divino vale apena alcançar. Se conseguir alcançar isso, você alcançou tudo; se você perder isso, terá perdido tudo.

Quando uma pessoa se torna iluminada, ela vive por alguns anos antes de o corpo completar o seu ciclo. Buda viveu por quarenta anos, porque o corpo tinha chegado a um momento especial: dos pais o corpo tinha conseguido os cromossomos, a carga genética; e do seu próprio karma passado o corpo tinha começado um ciclo de vida. Ele deveria viver oitenta anos, iluminado ou não. Independente de a iluminação acontecer, ou não, ele teria de viver oitenta anos. Aconteceu quando ele tinha em torno de 40 anos, e ele viveu mais quarenta anos. O que fazer com as energias agora? Agora não há desejo, não há ambição. E você tem energias infinitas fluindo. O que fazer com essas energias? Elas podem ser aplicadas na compaixão. Agora também não há nenhuma necessidade de meditação; você atingiu, você está transbordando – agora você pode compartilhar. Você pode compartilhar com milhões de pessoas, você pode dar isso a elas.

Então Buda fez com que isso se tornasse uma parte básica do seu ensinamento. Ele chama a primeira parte de dhyana, meditação, e a segunda parte de prajna, atingir a sabedoria. Por meio da meditação, você chega à prajna. Estes são os seus dois fenômenos interiores: primeiro você meditou, depois você atingiu. Agora, para equilibrar o interior com o exterior – porque um homem de iluminação é sempre equilibrado. Antes, fora de você - quando não havia meditação interior, nem sabedoria -, havia o desejo. E agora, que em você há uma sabedoria interior, deve haver compaixão. As energias externas devem se tornar compaixão. As energias internas se converteram em sabedoria, iluminação. Iluminação dentro, compaixão fora. O homem perfeito é sempre equilibrado. Por isso Buda diz: continue e ajude a salvar as pessoas.

Gensha queixava-se: como fazer isso se você encontra alguém que é surdo, mudo e cego? E você quase sempre se depara com pessoas assim, porque elas simplesmente existem. Você não se depara com um buda – e um buda não precisa de você. Você se depara com uma pessoa impotente, ignorante, sem saber o que fazer, sem saber para onde ir. Como ajudá-la?

Incomodado com essas palavras, um dos discípulos de Gensha foi consultar o mestre Ummon.

Ummon era um discípulo irmão para Gensha; eles eram discípulos do mesmo professor, Seppo. Então o que fazer? Gensha disse uma coisa tão preocupante para esse homem: como ajudar as pessoas? Ele foi procurar Ummon.

Ummon é um mestre muito famoso. Gensha era um mestre muito silencioso. Mas Ummon tinha milhares de discípulos e ele tinha muitos recursos para trabalhar com eles. Ele criava situações, porque só as situações pode ajudar. Se você for estúpido, surdo... palavras simplesmente não poderão ajudar. Se você é cego, os gestos serão inúteis. Então o que fazer? Somente as situações podem ajudar.

Se você é cego, não poderei lhe mostrar a porta através de gestos, porque você não pode ver. Eu não posso lhe falar sobre a porta, porque você é surdo e não pode ouvir. Na verdade, você não pode nem mesmo fazer a pergunta: "Onde está a porta?". Isso é assim porque as pessoas conseguem ser estúpidas desse tanto. O que fazer? Eu tenho que criar uma situação.

Eu posso ter de segurar a sua mão, eu posso pegar você pela mão e levá-lo em direção à porta. Nenhum gesto, nenhuma palavra. Eu tenho que fazer alguma coisa; eu tenho que criar uma situação em que os mudos, os surdos e os cegos possam avançar.

Incomodado com essas palavras, um dos discípulos de Gensha foi consultar o mestre Ummon.

... Porque ele sabia muito bem que Gensha não diria muito; ele não era um homem de muitas palavras e ele nunca criou nenhuma situação; ele diria coisas e ficaria quieto. As pessoas tinham que procurar outros mestres para perguntar o que ele queria dizer. Ele era um tipo diferente, um tipo silencioso de homem, como Ramana Maharshi; ele não diria muito. Ummon também não era um homem de palavras, mas ele criaria situações; se ele usasse as palavras, seria apenas para criar situações.

Ele foi consultar o mestre Ummon que, como Gensha, era discípulo de Seppo.

E Seppo foi totalmente diferente de ambos. Dizem que ele nunca falava. Ele permaneceu completamente silencioso. Portanto, não havia problema para ele – ele nunca se deparara com um homem surdo, mudo e cego, porque ele nunca saía dali. Somente as pessoas que estavam intensamente na busca espiritual, apenas as pessoas cujos olhos estavam ligeiramente abertos, apenas as pessoas que fossem surdas mas que seriam capazes de ouvir alguma coisa caso você falasse alto... é por isso que muitas pessoas tornavam-se iluminadas perto de Seppo, porque somente aqueles que era casos limítrofes atingiam a iluminação.

Esse Ummon e esse Gensha, esses dois discípulos tornaram-se iluminados com Seppo, um homem totalmente silencioso; eles simplesmente se sentavam, e se sentavam e não faziam nada. Se queria aprender, você poderia ficar com ele; se você não queria, você podia ir embora. Ele não dizia nada. Você tinha que aprender, ele não iria ensinar. Ele não era um professor, mas muitas pessoas aprenderam.

O discípulo foi até Ummon.

"Curve-se, por favor", disse Ummon.

Ele começou imediatamente, porque as pessoas que são iluminadas não perdem tempo, elas simplesmente vão direto ao ponto, imediatamente.

"Curve-se, por favor", disse Ummon.
O monge embora tomado de surpresa...

Porque... não é assim que acontece! Na tradição zen, ninguém pede a ninguém para se curvar. E não há necessidade. Se alguém quer se curvar, vai se curvar, se quer lhe prestar respeito, vai prestar. Se não quer, então não vai. Que tipo de homem é esse Ummon? Ele diz "Curve-se, por favor", antes de o monge perguntar qualquer coisa; ele apenas entrou em seu quarto, e Ummon diz: "Curve-se, por favor".

O monge, embora tomado de surpresa, obedeceu à ordem do mestre – então aprumou-se na expectativa de ter a sua pergunta respondida.
Mas, em vez de uma resposta, recebeu um golpe de cajado. Ele saltou para trás. 
"Bem", disse Ummon, "você não é cego. Agora se aproxime".

Ele disse: Você pode ver o meu cajado, então uma coisa é certa: você não é cego.

Agora se aproxime.

O monge fez como lhe foi ordenado. "Bom", disse Ummon, "você também não é surdo.

Você pode ouvir: Eu digo aproxime-se e você se aproxima.

"Bem, entendeu?"
"Entendeu o que, senhor?", disse o monge.

O que ele está dizendo? Ele diz:

"Bem, entendeu?".
"Entendeu o que, senhor?", disse o monge.
"Ah, você também não é burro!", disse Ummon.
Ao ouvir essas palavras, o monge despertou de um sono profundo.

O que aconteceu? O que Ummon está apontando? Primeiro ele está dizendo que, se não é um problema seu, por que se preocupar? Há pessoas que vem a mim...

Um homem muito rico veio, um dos mais ricos da Índia, e disse: "E os pobres, como você vai ajudar os pobres?". Então, eu disse a ele: "Se você é pobre, então pergunte; caso contrário, deixe que os pobres perguntem. Por que isso é um problema para você? Você não é pobre, então por que criar um problema por causa disso?".

Uma vez o filho de Mulá Nasrudin perguntou a ele... eu estava presente, e a criança estava se esforçando muito, resmungando, é claro, para fazer o dever de casa, e então de repente ele olhou para Nasrudin e disse: "Pai, o que é essa coisa de educação? Para quê serve toda essa educação afinal?"

Nasrudin disse: "Bem, não há nada como a educação. Ela torna você capaz de se preocupar com todos os outros no mundo, exceto com você mesmo".

Não há nada como a educação. Toda a sua educação simplesmente torna você capaz de se preocupar com situações em todo o mundo, relativas a todos exceto a você mesmo – com todos os problemas que existem no mundo. Eles sempre existiram, eles sempre vão existir. Não é porque você está aqui que os problemas estão lá. Você não estava aqui e eles estavam lá; logo você não vai mais estar aqui e eles continuarão lá. Eles mudam de cor, mas permanecem. O próprio esquema do universo é tal que parece que por meio dos problemas e da miséria algo está crescendo. Parece ser um passo, parece ser uma instrução necessária, uma disciplina.

A primeira coisa que Ummon está apontando é: Você não é cego, nem mudo, nem surdo – então por que está preocupado e por que está aborrecido? Você tem olhos: por que perder tempo pensando nos cegos? Por que não olha para o seu mestre? Porque os cegos sempre vão existir, seu mestre não vai existir para sempre. E você pode pensar nos cegos e surdos e se preocupar com eles, em como salvá-los, mas o homem que pode salvar você não vai estar aí para sempre. Então se preocupe consigo mesmo.

Minha experiência também diz que as pessoas estão preocupadas com os outros. Uma vez um homem me fez exatamente a mesma pergunta. Ele disse: "Nós podemos ouvir você, mas o que acontece com aqueles que não podem vir e ouvir, o que fazer? Podemos ler sobre você, disse ele, mas o que acontece com aqueles que não podem ler?"

Eles parecem relevantes, mas são absolutamente irrelevantes. Porque, qual a razão de você estar tão preocupado? E se você está preocupado assim, então você nunca pode se tornar iluminado, porque uma pessoa que vive desperdiçando e dissipando sua energia com os outros, nunca olha para si mesma. Esse é um truque da mente para escapar de si mesma. Você pensa nos outros e se sente muito bem, porque está se preocupando com os outros. Você é um grande reformador social ou revolucionário ou um utopista, um grande servo da sociedade, mas o que você está fazendo? Você está simplesmente evitando a questão básica: é com você que algo deve ser feito.

Esqueça toda a sociedade, e só então algo pode ser feito a você. E quando você for salvo, pode começar a salvar os outros. Mas, antes disso, por favor não pense em fazê-lo – é impossível. Antes de estar curado, você não pode curar ninguém. Antes de estar cheio de luz, você não pode ajudar ninguém a inflamar o próprio coração. Impossível! Apenas uma chama acesa pode ajudar alguém. Primeiro torne-se uma chama acesa – esse é o primeiro ponto.

E o segundo ponto é: Ummon criou uma situação. Ele poderia ter dito isso, mas ele não o disse; ele está criando uma situação, pois somente numa situação você está totalmente envolvido. Se eu disser algo, só o intelecto está envolvido. Você escuta com a cabeça, mas suas pernas, seu coração, seus rins, seu fígado, sua totalidade não estão envolvidos. Mas quando o monge bateu nele com o cajado, ele saltou totalmente. Então a ação foi total; então, não só a cabeça e as pernas, os rins, o fígado, mas todo o seu ser saltou.

Esse é o objetivo de minhas técnicas de meditação: o todo de você tem de tremer, saltar, todo o seu ser tem que dançar, todo o seu ser tem que se mover. Se você simplesmente se sentar com os olhos fechados, apenas a cabeça estará envolvida. Você pode continuar por um longo período dentro da cabeça – e há muitas pessoas que continuam se sentando por anos juntas, apenas com os olhos fechados, repetindo um mantra. Mas o mantra circula só na sua cabeça, sua totalidade não está envolvida – e sua totalidade é o requisito necessário, porque a existência esté sempre envolvida com a totalidade. A existência não se relaciona com "partes", porque ela sempre está envolvida com a totalidade. Sua cabeça está em Deus tanto quanto o seu fígado e os seus rins e os seus pés. Você está totalmente nele, e a cabeça sozinha não pode perceber tudo isso.

Qualquer coisa intensamente ativa será útil. Inativo, você pode ficar apenas dando voltas dentro da mente. E elas não têm fim, os sonhos, os pensamentos, eles não tem fim. Eles prosseguem infinitamente.

Kabir disse: Existem dois infinitos no mundo – um é a ignorância e o outro é Deus. Duas coisas são infinitas: Deus é infinito, e a ignorância é infinita. Você pode continuar repetindo um mantra, mas isso não vai ajudar a menos que toda a sua vida se torne um mantra, a menos que você esteja completamente envolvido nisso – sem se conter, sem divisão. Isso é o que Ummon fez. O monge bateu com o cajado nele.

"Bem", disse Ummon, "você não é cego. Agora se aproxime".
O monge fez como lhe foi ordenado. 
"Bom", disse Ummon, "você também não é surdo."

O que ele está enfatizando? Ele está enfatizando o seguinte: "Você pode entender, então por que perder tempo?". Então ele pergunta: "Bem, entendeu?". Ummon tinha acabado. A situação estava completa. Mas o discípulo ainda não estava pronto, não tinha chegado ao ponto. Ele perguntou: "Entendeu o quê, senhor?". A coisa toda estava ali agora. Ummon tinha dito tudo o que havia para ser dito. E ele tinha criado uma situação onde os pensamentos não existiam: quando alguém bate em você com um cajado, você salta sem pensar. Se você acha que não pode saltar, no momento em que você decidisse saltar, o cajado teria batido em você. Não haveria tempo.

A mente precisa de tempo, o pensamento precisa de tempo. Quando alguém bate em você com um cajado, ou se de repente você encontrar uma cobra em seu caminho, você salta! Você não pensa, você não faz um silogismo lógico, você não diz: "Aqui há uma cobra, a cobra é perigosa, a morte é possível, eu devo saltar". Você não segue Aristóteles ali. Você simplesmente coloca Aristóteles de lado – você salta! Você não se importa com o que Aristóteles diz, você é ilógico. Mas sempre que você é ilógico, você é total.

Foi isso que Ummon disse. Você salta totalmente. Se você consegue saltar totalmente, por que não medita totalmente? Quando batem em você com um cajado, você salta sem se importar com o mundo. Você não pergunta: "Tudo bem, mas o que dizer de um homem cego? Se você bater com o cajado, como isso vai ajudar o cego?". Você não faz uma pergunta – você simplesmente salta, você simplesmente evita a pancada. Naquele momento o mundo inteiro desaparece, só você é o problema. E o problema está ali: você tem que resolvê-lo e sair dele.

"Entendeu?" – Foi isso o que Ummon perguntou. O ponto está completo.

"Entendeu o quê, senhor?", disse o monge.

Ele ainda não conseguiu.

"Ah, você também não é burro!", você pode falar também.
Ao ouvir estas palavras, o monge despertou de um sono profundo.

A situação toda – não verbal, ilógica, total. Como se alguém fosse sacudido até acordar de seu sono. Ele acordou; por um momento, tudo ficou claro. Por um momento houve um relâmpago, não havia escuridão. Satori aconteceu. Agora o sabor está lá. Agora, esse discípulo pode seguir o sabor. Agora, ele sabe; ele jamais poderá se esquecer. Agora, a busca será totalmente diferente. Antes disso, era uma busca por algo desconhecido – e como você pode procurar por algo desconhecido? E como você pode renunciar a toda a sua vida por isso? Mas agora ela vai ser total, agora não é algo desconhecido – um vislumbre foi dado a ele. Ele provou o oceano, talvez de uma xícara de chá, mas o  gosto é o mesmo. Agora ele sabe. Foi realmente uma pequena experiência – uma janela aberta, mas todo o céu estava lá. Agora, ele pode sair de casa, sair sob o céu e viver nele. Agora ele sabe que a questão é individual.

Não faça dela algo social. A questão é você, e quando eu digo você, eu quero dizer você, cada um individualmente; não como um grupo, não você como sociedade. Quando eu digo você, eu me refiro a você simplesmente, ao indivíduo – e o truque da mente é fazer desse eu algo social. A mente quer se preocupar com os outros, então não há nenhum problema. Você pode adiar o seu próprio problema; é assim que você vem perdendo a sua vida há muitas vidas. Não a desperdice mais.

Estou travando essas conversas, mais sutis do que as de Ummon, mas se você não me ouvir, talvez eu tenha que encontrar coisas mais grosseiras.

Não pense demais. Primeiro resolva o seu problema, então você vai ter clareza para ajudar os outros também. E ninguém pode ajudar a menos que tenha iluminado a si mesmo.

Basta por hoje.

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