"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

quarta-feira, outubro 09, 2019

Liberdade da Vida - 1/2

- Masaharu Taniguchi -


Há muito tempo, uma mulher idosa visitou um templo no meio da madrugada e ficou orando: "Sendo meu filho e minha nora afeiçoados demais um ao outro, sinto-me tão só, que desejo morrer. Por favor, mate-me". Nisso, apareceu um assaltante que disse: "Vou mata-la. Passe o seu dinheiro", e ela saiu correndo, gritando "Por favor, poupe pelo menos a minha vida!". Imagino que "salvar pelo menos a vida" seja o desejo comum a todas as pessoas. Mas, quando consideramos o que seja essa vida (força vital), acho que o seu sentido difere de indivíduo para indivíduo. A "vida" que a mulher idosa suplicou ao assaltante que poupasse, a vida eterna que muitas pessoas santas desejam alcançar através da ascese, e a vida comum de pessoas que sobrevivem parcamente, diferem quanto ao seu conteúdo, apesar de usarem o mesmo termo "vida". Mas qual será o ponto de vista comum entre essas "vidas"? Eu penso que seja a "liberdade".

A essência da vida consiste na liberdade. Aquela idosa não desejava viver no mesmo mundo em que o filho e a nora eram por demais afeiçoados um ao outro; ela se sentia muito solitária e por isso desejou a morte. Esse desejo de morrer é um estado mental de quem busca a liberdade. Isto porque ela estava presa ao filho pelo sentimento de apego. Sentia como se o filho tivesse sido roubado pela nora. Ela desejava amá-lo livremente, monopolizá-lo, mas essa liberdade de amar e monopolizar fora tolhida pela existência da nora "que lhe tomara o filho" e não podia ser satisfeita. O que ela estava tendo era o oposto de liberdade. Assim, desejou obter, de alguma forma, a verdadeira libertação que deve existir em algum lugar, livrando-se do apego, e para isso poderia até morrer.

Imagino que tenha sido com tal pensamento que ela foi impelida a ir ao templo para orar, na hora mais escura da noite. Mas, quando surgiu o assaltante e ameaçou-lhe tirar a vida, ela deve ter pensado: "Se perder a vida, terei liberdade? Poderei amar livremente o meu filho?", e chegou à conclusão de que a resposta era negativa. Ela estaria de novo perdendo a liberdade, e provavelmente por isso gritou: "Por favor, poupe pelo menos a minha vida!".

Há pessoas que, ao adoecerem, recorrem à religião e oram a Deus ou a Buda: "Por favor, conceda-me a cura desta doença". Também nesse caso, a motivação é o desejo de obter liberdade. Por que doença é um mal? Porque ela tira a liberdade do corpo. Há ainda a questão da dor, mas a essência da dor também é a falta de liberdade. Ou seja, quando a vida flui sem impedimento, a dor não aparece. Mas, em situação oposta, quando a vida é impedida de fluir livremente, esse estado se reflete em nosso sentido em forma de dor. Portanto, podemos considerar que o desejo de se livrar da dor de uma doença, em suma, é desejo de obter liberdade.

Existem também pessoas que oram a Deus ou Buda: "Permita que eu ganhe dinheiro". Isso também vem do desejo de obter liberdade. Tendo dinheiro, pode-se comprar o que quiser, ir aonde quiser, assistir a peças teatrais, shows, concertos, ir dançar, comer coisas deliciosas. Enfim, podemos dizer que o desejo de ganhar dinheiro, de obter bens, surge do desejo humano de alcançar a liberdade. Podemos dizer o mesmo do desejo de ter um lar harmonioso ou melhorar o país em que vivemos. Melhorando a situação do país, as pessoas se tornam mais livres. O homem deseja viver sem ser amarrado por ninguém, deseja que surja naturalmente um mundo bom, onde toda a humanidade possa realizar naturalmente o que deseja, em estado de harmonia. Esse desejo é o de busca de liberdade. Esse anseio de liberdade manifesta-se como movimento social, movimento revolucionário, várias formas de atividades beneficentes, movimentos políticos, educacionais ou religiosos. Tudo isso é movido pelo desejo de obter liberdade.

Qual a essência da vida do ser humano? É a liberdade. Assim sendo, podemos considerar que se aloja, no interior do ser humano, o anseio de exteriorizar a liberdade nele existente.

Pois bem, ao fato de o homem alcançar a liberdade se diz, em termos budistas, "desatar-se", isto é, soltar-se das amarras. Este é o estado de quem alcançou a liberdade ou atingiu a suprema sabedoria de Buda. Buda é aquele que manifestou realmente a liberdade inerente à Vida.

A essência da Vida que se aloja em nós é a própria liberdade, e ela está a todo momento tentando manifestar-se externamente. Mas neste mundo fenomênico, existem empecilhos tais como matéria, corpo carnal e várias condições materiais que não nos permitem alcançar tão facilmente a liberdade. Quanto mais libertação procuramos, mais ficamos presos à matéria, como se estivéssemos aprisionados numa armadilha que mais se fecha quanto mais nos debatemos; e assim não conseguimos manifestar a liberdade inerente à Vida. Naturalmente, as inúmeras invenções da ciência - tais como avião, trem, navio, automóvel, eletricidade, rádio e muitas outras invenções - são uma espécie de libertação que o homem conseguiu através de grande e árduo trabalho, para a manifestação da sua natureza livre. Por exemplo, antigamente, as pessoas levavam de 15 a 20 dias a pé para percorrerem a distância entre Tóquio e Osaka, mas, hoje, é possível cobrir com facilidade a mesma distância em poucas horas; tal fato revela que se manifestou boa parte dessa liberdade inerente à Vida. Quando essa viagem é feita de avião, consegue-se ainda mais alto grau de liberdade do que viajando de trem ou de navio. Podemos dizer, em suma, que a conquista do mundo natural pela ciência possibilitou a manifestação progressiva na liberdade inerente à Vida do homem.

Porém, por mais notável e constante que seja o progresso da ciência, existe um limite no grau de conquista da liberdade, isto é, o inevitável limite físico. Ainda que os nossos desejos ou pensamentos possam ser transmitidos na mesma hora para receptores que estão a milhares de quilômetros de distância, por meio de telégrafo sem fio ou rádio, sempre há limitações nas condições físicas. Por mais que conquistemos a Natureza por meio de invenções científicas, ainda há muitas coisas que não podemos conquistar. Como vemos, os desejos humanos são ilimitados.

Naturalmente, com o avanço das descobertas científicas, da Farmacologia e da Medicina, o homem descobriu formar de satisfazer até certo ponto os seus desejos e encontrou meios de curar muitas doenças. Assim, o homem vem conquistando a liberdade até certo ponto. A Humanidade pode orgulhar-se disso como resultado conseguido através do seu esforço. Porém, a liberdade ainda não foi totalmente alcançada. Apesar do avanço da Medicina, são poucos os remédios com particular eficácia contra doenças. Muitos doentes não se curam através da Medicina. Quando o paciente chega a falecer, o médico emite um atestado de óbito relatando que o paciente sofria de tal doença, esteve sob os cuidados dele (médico) mas não se curou, atestando, assim, que a Medicina não é capaz de curar todas as doenças. A Medicina progrediu, mas ainda não é capaz de permitir ao homem manifestar plenamente a liberdade inerente à Vida. Existem ainda muitos outros esforços humanos a considerar, mas há limite na liberdade que se obtém através da conquista do mundo fenomênico exterior por meios materiais, não sendo possível proporcionar a liberdade total.

No mundo da matéria, a liberdade da Vida não é assegurada em lugar nenhum. E uma vez que a liberdade inerente à Vida é a essência da Vida humana, não teremos total paz de espírito enquanto não conseguirmos manifestar plenamente essa liberdade; não sentiremos uma grande serenidade que nos permita dizer "Estou completamente satisfeito".

Sendo assim, surge a questão: como devemos proceder para alcançar a inata liberdade da Vida, adquirindo assim profunda consciência de estarmos totalmente livres e com isso manifestar plenamente a liberdade da Vida? Todos os esforços materiais até então empenhados foram para manifestar a liberdade da Vida, mas eles não conseguiram resolver a questão por completo. Dessa forma, não se consegue realizar a liberdade da Vida por meios materiais. Precisamos, então, encontrar um novo caminho, superior ao material, para manifestar essa liberdade.

Foi nesse sentido que inúmeros gênios da religião vieram, desde a Antiguidade, buscando o caminho para alcançar a Vida verdadeira. No passado, Sakyamuni se esforçou arduamente para libertar a humanidade dos "quatro sofrimentos": nascimento, velhice, doença e morte. Esses quatro sofrimentos também restringem a nossa liberdade.  O primeiro deles, o do nascimento, refere-se ao sofrimento por termos nascido, por estarmos vivendo, por lutarmos pela sobrevivência, por enfrentarmos conflitos, etc. O segundo é o da velhice: ao envelhecermos, mesmo que tenhamos o ânimo de jovem, o corpo físico não nos obedece. Isso também é restrição da liberdade. A doença também restringe a liberdade. Ainda que pensemos "Quero continuar vigoroso e empenhar-me nos meus negócios, levar avante minha missão, amar meus filhos e viver feliz com a família", tornamo-nos impotentes diante da doença. Este é o sofrimento pela via da doença. Finalmente, chega a morte. Esta também constitui grande ameaça à liberdade da Vida. Uma pessoa em estado agonizante, cuja triste liberdade se restringe a uns poucos movimentos dos membros e dos lábios, mas, quando vem a morte, perde até essa parca liberdade em um só instante. Eis a diabólica ação chamada morte. Tememos a morte, debatemo-nos em vão, mas acabamos sucumbindo diante dela - eis o sofrimento causado pela morte.

Como vencer esses quatro inimigos - nascimento, velhice, doença e morte - que restringem a nossa liberdade? Essa foi a busca empenhada por Sakyamuni. E acabou por descobrir esse caminho.

O caminho da Verdade pregado pela Seicho-No-Ie é exatamente o mesmo que Buda descobriu há três mil anos. A Verdade é sempre nova e possui caráter eterno. Se não possui caráter eterno, a Verdade não é o Caminho. Vamos retornar ao budismo primitivo e rever como Sakyamuni atingiu a liberdade da Vida, como despertou para o Caminho para se libertar dos quatro sofrimentos e se realizou como Buda, ou seja, como alcançou o estado em que se libertou de todas as restrições. É esse caminho que me proponho a estudar, com os leitores, a fim de eu próprio atingir ao máximo o estado de liberdade, juntamente com todos os senhores. Eis no que consiste o movimento da Seicho-No-Ie.

O budismo é um excelente ensinamento. E há inúmeras ramificações do budismo. Na época em que seus fundadores viviam, a Verdade que pregavam tinham vida, por isso, eles eram alvo de respeito e admiração das pessoas, tanto que fundaram ramificações. Mas, após o desaparecimento desses fundadores, que eram gênios da religião, poucos deles tiveram sucessores à altura, e o que temos hoje como consequência é o budismo sectário. As religiões e os templos budistas de hoje, em sua maioria, são mantidos por donativos de seus fieis, e têm como ofício a realização de cerimônias fúnebres, recitando sutras diante de cadáveres, e se esquecem de doutrinar as pessoas vivas.

Tempos atrás, o Ministério da Cultura do Japão disse que não poderia aceitar o pedido de registro da Seicho-No-Ie como pessoa jurídica enquanto não definisse se ela é uma entidade doutrinária ou religiosa, pois, sem essa definição, não poderiam determinar o departamento competente para registrá-la. A religião tem por dever a doutrinação, e, desde que se propõe a isso, deve pregar aprofundando-se até à origem da Vida; portanto, é natural que uma entidade religiosa seja entidade doutrinária. Mas, na época, disseram que a entidade doutrinária deveria ser separada de uma entidade religiosa. Isso porque era período de transição e, segundo o critério de classificação, a religião tratava das cerimônias fúnebres, e as entidades doutrinárias não pregavam sua doutrina a fundo, a ponto de atingir a origem da Vida (Deus).

Com certeza, os grandes religiosos do passado, tanto Sakyamuni quanto os fundadores das ramificações, pregaram para as pessoas vivas da época, com toda paixão, o meio de ativar a vivência e de estimular verdadeiramente a liberdade da Vida. Eles não levavam uma vida mecânica nos templos como aqueles que apenas recitam sutras diante de defuntos, para garantir o sustento de suas vidas. Foi nos períodos posteriores que a religião e as atividades doutrinárias foram separadas, chegando ao atual estado de degeneração.

Uma vez que esse período de esquecimento do trabalho doutrinário pela religião veio durando longo tempo, é forçoso que surja novamente em algum lugar um ensinamento que pregue o caminho da Verdade encontrado por Sakyamuni, que conduza a humanidade à libertação dos quatro sofrimentos - nascimento, velhice, doença e morte -, promovendo a verdadeira libertação da Vida, e que não seja uma simples filosofia teórica, mas uma Verdade viva aplicada na vida concreta. Enquanto o grande voto de Buda de salvar a humanidade continuar pulsando em algum ponto do planeta, deve surgir em algum lugar um movimento vívido para realizar esse voto.

Em suma, o budismo não é mera filosofia nem algo apático que se sustenta recitando sutras diante de almas desencarnadas. O homem sofre restrição de quatro sofrimentos, ou seja, nascimento, velhice, doença e morte. Libertá-lo completamente dessas restrições, para que ele possa viver verdadeiramente livre, experienciando na própria vida essa liberdade - assim deve ser o verdadeiro budismo. E a Seicho-No-Ie é uma das manifestações, nos tempos atuais, da ação do voto salvador de Buda.
Cont...

Do livro "A Verdade da Vida, vol. 39", pp. 15-24

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