- Masaharu Taniguchi -
No budismo, existe a expressão "Shin-nyo", que às vezes é usada simplesmente como "nyo". O ideograma da palavra "Shin" signfica "Verdade"; e o ideograma da palavra "nyo" significa "o que é autêntico". Portanto, "Shin-nyo" significa "aquilo que é verdadeiro, que é autêntico", ou seja, o "Eu verdadeiro".
Será nosso "Eu verdadeiro" a nossa imagem manifestada como corpo carnal? Não, porque o corpo carnal, embora seja o que é visível aos olhos, não é o que existe realmente. O "Shin-nyo" (o nosso "Eu verdadeiro"), que existe realmente, não é visível aos olhos físicos. O corpo carnal é visível, mas o "Eu verdadeiro" não o é. Não é possível ver com os olhos físicos o aspecto verdadeiro. O que é preciso fazer para conseguir vê-lo? O aspecto aparente é visto através do órgão visual constituído de globo ocular, nervos ópticos, retina, etc. Mas o aspecto verdadeiro, invisível aos olhos físicos, só pode ser apreendido quando "desligamos" o aparelho visual do corpo carnal. Somente quando "desligamos" o globo ocular, os nervos ópticos, e até mesmo o cérebro, e chegamos diretamente à essência, conseguimos apreender o "Eu verdadeiro". Apreender o "Eu verdadeiro", a Imagem Verdadeira – isso é alcançar o despertar.
Como foi dito acima, não é possível ver o "Eu verdadeiro" com o sentido da visão. Portanto, dizer que a Verdade tem esta ou aquela forma, como se fosse algo que possa ser definido a partir de uma analogia, é rejeitar a própria Verdade.
Não é possível apreender a essência das coisas, com a mente apegada à forma. No momento em que reconhecemos a forma material, estamos deixando de apreender a essência. Na essência, tudo e todos constituem uma unidade harmoniosa, mas no plano material não podemos evitar a sensação de que cada indivíduo é um ser separado dos outros, e traçamos limites tais como "eu" e "os outros", "meu mundo pessoal" e "o mundo dos outros". Enquanto sentimos assim, não podemos ser verdadeiramente livres. Havendo tais limites separando as pessoas, cada qual fica restrita à sua "área", e quem pretender ampliar seu território fatalmente entrará em conflito com os outros. Enquanto tivermos a mente voltada para o mundo das formas, não poderemos evitar conflitos.
Para manifestarmos a liberdade e a harmonia inerentes à Vida, é fundamental eliminarmos da mente o apego ao mundo das formas. Por isso, a Seicho-No-Ie enfatiza que "a matéria não existe". "Apreender a insubstancialidade das coisas" significa extinguir da mente a imagem do mundo das formas. No budismo, fala-se muito em "insubstancialidade". Usando a linguagem do budismo, podemos afirmar o seguinte: Precisamos compreender que a matéria não tem substância, passar pelo estágio de total negação do mundo das formas, e depois voltar a contemplá-lo com a mente sem nenhum apego. Então compreenderemos que, embora a matéria em si não tenha substância, por trás da forma material existe a Essência, livre e harmoniosa.
Contudo, existem pessoas que se fixam de tal modo na ideia de "insubstancialidade da matéria" a ponto de pensar que "nada neste mundo importa, pois a matéria é vã", e perdem a liberdade da mente. Isto também é uma forma de apego. Conforme disse antes, uma vez que tivermos compreendido que a matéria não tem substância e tivermos eliminado o apego ao mundo das formas, devemos tornar a vê-lo tal como ele se apresenta, contemplar com sentimento de gratidão a essência que existe por trás do aspecto material, e voltar a levar uma vida verdadeiramente livre de apegos, conforme a vontade do "Eu verdadeiro".
Tenho aqui um relógio. Vamos supor que cada um de nós seja uma peça de sua engrenagem. Se uma peça da engrenagem pensasse "movendo-me incessantemente, sofrerei desgaste; vou tratar de me preservar, para não me desgastar" e resolvesse parar, ocorreria atrito com outras peças, e aí é que ela sofreria, de fato, um sério desgaste. O mesmo acontece com o ser humano. Se estamos tolhidos pela sensação de "isolamento material" entre nós e os outros, proveniente da ideia de delimitar o campo de atuação da "peça de engrenagem", que se chama "eu", precisamos abandonar essa ideia causadora de tolhimento. Precisamos nos conscientizar de que "não existe peça de engrenagem denominada eu". Devemos compreender que, embora pareça existir a peça de engrenagem chamada "eu", ela não existe por si só. O que existe é o "todo", que, no exemplo do relógio, corresponde ao mecanismo geral. O "eu" só existe em função do "todo". O fabricante de relógios não fabrica peças de engrenagem para fazê-las funcionar isoladamente, e sim como parte do mecanismo do todo.
Cada um de nós é comparável a uma peça de engrenagem de um relógio. Precisamos abandonar a ideia de que "cada indivíduo existe independentemente dos outros e tem o direito de viver apenas em função de si mesmo"; devemos abandonar o pensamento egocêntrico de querer viver apenas em função do nosso "eu" – que na verdade não existe –, de tentar traçar limite entre nós e os outros, e compreender que a "peça de engrenagem, por si só, é como se não existisse; existe unicamente o relógio, como um todo", ou seja, compreender que "cada um existe em função do todo".
Comparando cada ser humano à peça da engrenagem de um relógio, podemos dizer que, na maioria dos casos, reconhecemos apenas a existência de "peças" e esquecemos a existência do "relógio". Isto é, reconhecemos nossa existência como "indivíduos", mas esquecemo-nos da existência do universo, da nação e da humanidade, que é o "todo". Por isso, tendemos a nos preocupar somente conosco mesmos. Isso é ilusão. Devemos deixar de nos preocupar apenas com as "peças de engrenagem", ou seja, indivíduos – conscientizando-nos de que "as peças só existem em função do aparelho todo", isto é, "os indivíduos existem em função do universo, da nação e da humanidade, que é o todo".
O ser humano enquanto indivíduo, visível aos olhos físicos não existe de verdade. O que existe de verdade é a humanidade, a nação, a Vida do Grande Universo. É necessário compreender isso. Devemos compreender que não existe o "eu" isolado do todo; devemos nos conscientizar da nossa "insubstancialidade". Porém, isso não significa passar a ter pensamentos tais como: "Não importa o que possa acontecer comigo, pois eu não sou existência verdadeira". Pensar desse modo é como emperrar a peça de uma engrenagem, ou seja, ficar com a mente tolhida pela ideia errônea acerca da "inexistência do eu isolado do todo". Tal ideia dificulta o bom funcionamento do todo, da mesma forma que uma peça de engrenagem, ao ficar emperrada, impede o bom funcionamento total do relógio.
Comparando-nos a peças da engrenagem de um relógio, podemos dizer o seguinte: antes de mais nada, devemos compreender que "as peças existem em função do aparelho todo; portanto, somente o relógio existe de verdade". Uma vez que tivermos compreendido isso, devemos executar plenamente nossas funções no "mecanismo do relógio como um todo", sem criar atritos. Assim, o "relógio" funciona perfeitamente, e as "peças", por sua vez, não se desgastam e têm longa vida. Devemos, pois, compreender que não existe o "eu fenomênico" – um indivíduo independente do todo –, e sim o "Eu verdadeiro" que é parte do universo infinito. Nisso consiste o redescobrimento do "Eu". Trata-se de deixar o "eu fenomênico" e encontrar o "Eu verdadeiro"; portanto, pode-se dizer que é o "renascimento", de que Jesus Cristo falou a Nicodemos. Levando uma vida norteada pelo conhecimento dessa Verdade, podemos nos harmonizar com todas as coisas do céu e da terra.
Também no tocante à religião, as pessoas devem corrigir a atitude mental de tentar preservar apenas "uma peça de engrenagem" (ou seja, exaltar somente sua própria religião). Quando as pessoas se deixam levar pelo sectarismo religioso, decorrente do apego ao "eu" – ou seja, ideias tais como "minha religião cristã", "minha religião budista", "minha religião xintoísta", etc. –, tornam-se inevitáveis os choques entre o xintoísmo e o budismo, o budismo e o cristianismo, etc. Cada seita, não querendo perder seus adeptos, acaba entrando em conflito com outras seitas.
É preciso saber que nem o cristianismo, nem o budismo, nem o xintoísmo tem mérito exclusivo. Religião é a força salvadora da Grande Vida do Universo, que se manifestou para despertar a verdadeira natureza de nossa Vida e fazer com que ela se revele plenamente. A própria ação da Grande Vida do Universo é a religião. Portanto, é errônea a ideia de que somente uma religião – o cristianismo, o budismo, o islamismo, etc. – deve prosperar. Todas as boas religiões merecem prosperar. Mas aquelas que se corromperam e deixaram de atuar no sentido de vivificar a humanidade, certamente não merecem prosperar. Todas as lutas sectárias acabarão, se as pessoas, também no tocante à religião, abandonarem o "apego egoístico" e passarem a agir de modo a vivificar o todo.
Em tudo neste mundo, quando ocorre apego à forma, torna-se impossível a manifestação plena da Vida. Na medida em que nos apegamos a ela, a manifestação da Vida vai enfraquecendo. É verdade que as formas são meios para manifestarmos a Vida, mas quando nos apegamos a elas e tornamo-nos seus escravos, a Vida deixa de se manifestar através delas. Isto se aplica também à religião. Qualquer que seja a religião, deixa de manifestar a Vida quando os adeptos se distanciam do mestre-fundador e, apegando-se às formas, entram em conflito com outras religiões, dizendo: "Sou cristão, e somente a minha religião é a verdadeira", "sou budista, e somente o budismo é a verdade", etc. Também nas artes plásticas e na literatura, quando o artista ou o escritor passa a se apegar à forma, deixa de produzir obras que manifestem a Vida. Embora a Vida se expresse de uma forma adequada ao tipo de material empregado, não devemos nos apegar à forma. Devemos ir rompendo constantemente as formas criadas e elevando-nos para estágios mais avançados. Nisso consiste o crescimento infinito da Vida. E é assim que o artista consegue aprimorar cada vez mais a sua arte.
Do livro "A Verdade da Vida, vol. 33", pp. 55-61
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