"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

domingo, janeiro 11, 2009

Não perca de vista o seu saber

Osho, mais uma vez você recordou-me que o saber tende a se tornar conhecimento, que tende a se tornar a prática de tal conhecimento. Isso quer dizer que o saber tende a torna-se uma prática viciosa. Por favor, comente sobre isso.






“A sabedoria sempre se torna conhecimento – e você precisa estar alerta para não permiti-lo. Uma das mais delicadas situações no caminho do buscador: a sabedoria sempre se torna conhecimento – porque no momento quando você sabe de algo, sua mente coleta isso como conhecimento, como experiência.

A sabedoria é um processo. Conhecimento é uma conclusão. Quando a sabedoria morre, ela se torna conhecimento. E se você seguir reunindo esse conhecimento, a sabedoria tornar-se-á mais e mais difícil – porque com o conhecimento o saber nunca acontece. E você segue levando o seu conhecimento consigo. A pessoa conhecedora está quase escondida atrás de seu conhecimento; ela perde toda a claridade, toda a percepção. O mundo fica distante, obscurecido; a realidade perde toda a transparência.

O homem conhecedor está sempre vendo através de seu conhecimento. Ele projeta o seu conhecimento. O conhecimento dele colore tudo – e já não há mais nenhuma possibilidade de saber. Lembre-se: o conhecimento não é compilado apenas através de escrituras – ele também é acumulado, e até bem mais, por meio de suas próprias experiências.

Você ama uma mulher, por exemplo. Você nunca havia conhecido uma mulher antes, nunca se apaixonou profundamente. Você se apaixona pela primeira vez – você é inocente, virgem. Você não conhece o que é o amor – sua mente está aberta. Você não possui nenhum conhecimento sobre o amor. Você é espontâneo; está se movendo no desconhecido. É misterioso. O amor abre portas de templos desconhecidos, canta canções desconhecidas em seus ouvidos e em seu coração, dança com tons desconhecidos. E você tudo desconhece; você não tem conhecimento algum para julgar, avaliar, condenar, dizer que é ‘bom’ ou ‘ruim’. Você se sente deslumbrado – arrebatado pela inexprimível experiência do amor. Você está vivendo momentos de graça.

Mas aos poucos você se torna um erudito – você já sabe o que é o amor, já sabe o que é uma mulher; você já conhece a geografia, a topografia do amor. Você se tornou um conhecedor.

Então você se apaixona por outra mulher. Agora, nada acontece como na sua primeira experiência – nada parecido. Agora é superficial, uma repetição: como se você tivesse ido assistir ao mesmo filme novamente, ou ler mais uma vez o mesmo romance. Há uma pequena diferença aqui e ali, mas não muita. O que deu errado desta vez? Por que a mesma experiência misteriosa não o está arrebatando? Por que não está você novamente palpitando com o desconhecido? Você já é um erudito. Algo tão lindo quanto o amor tornou-se uma repetição.

A sabedoria sempre transforma-se em conhecimento. Então você precisa permanecer bem alerta: saiba de algo – mas assim que isso começar a se tornar conhecimento, abandone-o. Siga morrendo para os seus conhecimentos, não os carregue com você – porque mulher alguma é igual à outra. A primeira mulher era um mundo totalmente diferente; e essa nova mulher por quem você se apaixonou é um outro mundo completamente diferente. Nunca serão a mesma coisa. Mas se você for olhar através do conhecimento, elas parecerão ser.

Abandone/desista do conhecimento. Torne-se outra vez inocente. Mova-se para o desconhecido novamente – porque duas pessoas nunca são iguais. Cada pessoa é tão única que nunca houve alguém como ela antes e nunca haverá outra novamente. Aprenda de novo do A B C e você ficará cheio de deslumbre. E então você terá aprendido uma profunda experiência: a de nunca permitir que conhecimento algum se edifique.

Todo saber se torna conhecimento. No momento quando ele se tornar conhecimento, jogue fora. É exatamente como poeira acumulada num espelho; você deve limpá-lo diariamente. A poeira acumula-se no espelho da sua mente, poeiras de experiências: ela se transforma em conhecimento. Limpe-o. Esse é o motivo pelo qual diariamente a meditação é necessária. Meditação nada mais é que limpar o pó do espelho de sua mente. Limpe-a continuamente. Se você puder limpá-la em cada momento de sua vida, não haverá mais a necessidade de sentar-se separadamente para meditar.

Lembre-se, esteja alerta para o fato de que o conhecimento não deve ser acumulado, que você deve conservar-se como uma criança – cheia de deslumbre, de graça. Todas as esquinas e cantos são misteriosos, e você não sabe o que eles são. É impossível desvendar o que a vida é. Encantado, você corre para esta e para aquela direção.

Você já observou uma criança correndo pelas praias do mar? Tão jubilosa! Com tanta euforia! Catando conchas e pedras coloridas. Já observou uma criança correndo atrás de uma borboleta no jardim? Mesmo se Deus estiver lá você não correrá dessa forma – não correrá. Você não será tão extático mesmo no caso se Deus estiver lá. Você se comportará como um cavalheiro; você não correrá, não será selvagem – continuará com suas maneiras, demonstrará que é maduro, que não é infantil.

E Jesus diz: "Somente os que são como criancinhas serão capazes de entrar no Reino de meu Pai" – somente aqueles que são como crianças, que ainda possuem a capacidade de se maravilhar. O maravilhamento é o maior tesouro da vida. Uma vez que você o perde, a sua vida foi perdida. Então você vai levando vida, mas deixa de viver. O conhecimento assassina o maravilhamento.

Este é um dos problemas mais difíceis que a mente moderna vem enfrentando, porque o conhecimento tem se acumulado a cada dia mais e mais. O século vinte está muito sobrecarregado com o conhecimento. E é por isso que a religião desapareceu – porque a religião só pode existir com o maravilhamento, com olhos preenchidos de deslumbre, de fascínio. Olhos que não possuem conhecimento, mas que estão prontos para correr em qualquer direção só para ver o que há ali. Olhos inocente, virgens. Então, lembre-se de permanecer capaz de deslumbrar-se como uma criança.

A ciência se desenvolve a partir da dúvida. Religião se desenvolve a partir do deslumbre. E a filosofia existe entre ambas – ainda não se decidiu entre uma ou outra: procede dependurada entre a dúvida e o deslumbramento. Algumas vezes o filósofo duvida e algumas vezes ele se maravilha: ele está exatamente no meio. Se ele duvida muito, pouco a pouco torna-se um cientista. E se ele se deslumbra muito, torna-se pocuco a pouco religioso.

É por isso que a filosofia está desaparecendo do mundo – porque noventa e nove por cento dos filósofos tornarm-se cientistas. E uns poucos – um Buber em algum lugar, um Krishnamurti em algum lugar, ou algum Suzuki em algum lugar – mentes grandiosas, intelectos magnamente penetrantes, alguns poucos tornaram-se religiosos. A filosofia está quase perdendo o seu chão.

Se vocês se tornam muito céticos, vocês se tornam cientistas. Se se tornarem assim como crianças, vocês se tornam religiosos. A ciência existe com a dúvida. Religião existe com o maravilhamento. Se você quer ser religioso, crie mais deslumbramento, descubra mais maravilhas. Permita seus olhos estarem mais preenchidos com maravilhamento antes de qualquer outra coisa. Surpreenda-se com tudo o que estiver acontecendo. Tudo é tão tremendamente maravilhoso que é simplesmente inacreditável como você segue vivendo a vida sem dançar, sem tornar-se extasiado. Você deve não estar percebendo o que está acontecendo em todo o redor.

É tão maravilhoso apenas ser, é tão maravilhoso apenas poder respirar. Apenas ser e apenas respirar! – Nada mais é necessário para a pessoa religiosa. Esteja cheio de deslumbramento. Quando alguém está repleto de deslumbre, de fascínio, surge o louvor, e o louvor é prece. Ao perceber essa existência maravilhosa, você começa a louvá-la. Em seu louvor, a prece surge. E você exalta: “santo, santo, santo”. Ela é santa. É tão bela e tão santa.

Assim, a pergunta levantada é de grande pertinência: “mais uma vez você recordou-me que o saber torna-se conhecimento, que se torna a prática de tal conhecimento.” Estes são os três passos. Primeiro o saber; então o saber morre, atrofia-se, torna-se conhecimento; e o conhecimento também se atrofia ainda mais e se torna prática ou caráter.

Um homem de caráter é o homem mais morto do mundo. Ele pratica o seu conhecimento; ele tenta seguir o seu conhecimento. Ele não é espontâneo. Está continuamente administrando, manipulando, obrigando-se a isto ou aquilo. Ele não é responsável – responsável no sentido de ser capaz de responder. Se você for até ele e abraçá-lo, ele corresponderá, mas essa resposta provirá de suas experiências passadas, de seu caráter.

Um homem de caráter é previsível. Apenas um mecanismo pode ser previsível. Um homem inteiramente consciente é imprevisível. Nenhum astrólogo consegue prever algo sobre um homem totalmente consciente. Ele se move de momento em momento, repleto de maravilhamento. Ele não carrega conhecimento algum, não carrega nenhum caráter. Cada momento é novo, renascido.

Assim, estes são os três passos: o saber morre; o saber torna-se conhecimento; o conhecimento torna-se caráter. Tenha cautela – cuidado! Não permita que o seu saber desabe e se converta em conhecimento. E jamais deixe que o seu conhecimento o controle e crie um caráter em você. Um caráter é uma armadura. Nessa armadura você está aprisionado... e você jamais consegue ser espontâneo. Você já está em sua tumba – um caráter é uma tumba.

Deixe que o seu saber mantenha-se aí, mas não o deixe converter-se em conhecimento ou caráter. No momento em que começar a se tornar conhecimento, abandone isso, esvazie as mãos. Esqueça tudo a respeito. E siga em frente: novamente como uma criança. Difícil, eu sei. É fácil apenas dizer; difícil ser assim – mas essa é a única forma de poder fazê-lo alcançar "satchitanand" – fazê-lo atingir a verdade, a consciência, o êxtase.

Sim, não é fácil. Há um preço alto a ser pago – mas Deus não é barato. Você terá de pagar com a totalidade do seu ser. Só quando você tiver pago totalmente, sem ter retido uma única coisa, só quando você não for um miserável, e você tiver se rendido e sacrificado a si mesmo totalmente, você atingirá. Deus vai até você quando você não é; quando você se torna um zero, Deus vem até você. Ele está apenas esperando na esquina. No momento em que você se torna vazio, Ele corre para você, Ele chega e o preenche.

Não permita que o seu saber torne-se conhecimento e caráter. Então surgirá em você um tipo totalmente diferente de caráter, um que não será igual a nenhum caráter que você já tenha visto neste mundo. Ele será interno – uma disciplina que surge do centro mais profundo do seu ser. Jamais forçada! – é sempre espontânea. Não como um mandamento: mas como um crescimento orgânico. Deus é o seu crescimento espontâneo e natural."






Osho – "A Sudden Clash of Thunder" – cap. 2 – pergunta 5

Um comentário:

muriloha disse...

Texto maravilhoso! Principalmente porque nossa sociedade tende cada dia mais para essa "automatização" das experiências, retirando dos indivíduos a capacidade de indagar, de questionar.

Muito obrigado por me dar a oportunidade de ler esse texto.

Abs,