"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

domingo, março 18, 2007

Por que palavras?

Um monge aproximou-se de seu mestre - que se encontrava em meditação no pátio do Templo à luz da lua - com uma grande dúvida:
"Mestre, aprendi que confiar nas palavras é ilusório; e diante das palavras, o verdadeiro sentido surge através do silêncio. Mas vejo que os Sutras e as recitações são feitas de palavras; que o ensinamento é transmitido pela voz. Se o Dharma está além dos termos, porque os termos são usados para defini-lo?"
O velho sábio respondeu: "As palavras são como um dedo apontando para a Lua; cuida de saber olhar para a Lua, não se preocupe com o dedo que a aponta."
O monge replicou: "Mas eu não poderia olhar a Lua, sem precisar que algum dedo alheio a indique?"
"Poderia," confirmou o mestre, "e assim tu o farás, pois ninguém mais pode olhar a lua por ti. As palavras são como bolhas de sabão: frágeis e inconsistentes, desaparecem quando em contato prolongado com o ar. A Lua está e sempre esteve à vista. O Dharma é eterno e completamente revelado. As palavras não podem revelar o que já está revelado desde o Primeiro Princípio."
"Então," o monge perguntou, "por que os homens precisam que lhes seja revelado o que já é de seu conhecimento?"
"Porque," completou o sábio, "da mesma forma que ver a Lua todas as noites faz com que os homens se esqueçam dela pelo simples costume de aceitar sua existência como fato consumado, assim também os homens não confiam na Verdade já revelada pelo simples fato dela se manifestar em todas as coisas, sem distinção. Desta forma, as palavras são um subterfúgio, um adorno para embelezar e atrair nossa atenção. E como qualquer adorno, pode ser valorizado mais do que é necessário."
O mestre ficou em silêncio durante muito tempo. Então, de súbito, simplesmente apontou para a lua.

sábado, fevereiro 24, 2007

O que esta existência está fazendo aqui?

A Vida está, neste exato momento, bem aqui. É um triste infortúnio que ninguém esteja dando à ela a sua atenção. Isso é algo realmente triste. A vida nos fala tantas coisas, ela nos diz tantas coisas, que isso por si só já basta para fazer o homem alegrar-se com a sua existência e com a existência das demais coisas. Não importa o que seja: qualquer coisa que possa estar existindo, nesse exato momento, para alguém é o suficiente para que o homem regozije desta dádiva. Tudo é uma bênção, tudo é uma dádiva... tudo é um verdadeiro milagre.

O homem pode viver de maneira leve, aliviado de todas as pressões e preocupações das quais sua mente se ocupa habitualmente. Carregar estes fardos, além de ser muito desnecessário (e a maioria das pessoas não têm consciência disto), é deixar que o sentido da vida se perca e, assim, a vida se torna insuportável para qualquer um. Daí tantas pessoas miseráveis nesse mundo; é por isso que há tanta gente sofrendo e passando por problemas... Mesmo que muitas pessoas não aparentem sofrer ou terem problemas, por dentro elas estão sendo corroídas por uma série de sentimentos feios, mas elas usam máscaras e, assim, conseguem manter suas aparências para os outros. Todos querem passar ao próximo uma impressão de que tudo está perfeito, de que tudo em suas vida saiu conforme o planejado, de que são pessoas de sucesso. Assim, essas pessoas sentem que têm algo do qual possa se orgulhar. É uma maneira de se sentirem importantes... é uma forma que o ego tem de se afirmar. Eles, na verdade, só conhecem a frustração. Essa é a vida que todo o mundo está vivendo.

Mas mesmo isso pode se tornar algo belíssimo. Todas as experiências -- quais quer que elas sejam -- podem se tornar muito bonitas, agradáveis e gratificantes de serem vividas para quem tem olhos para olhar para a vida, para esta existência... esse é o alívio.

Olhe com atenção para as coisas! Pergunte-se por um momento: "O que é que toda esta existência está fazendo aqui?". Quando perguntar, tente colocar um pouco os conceitos e preconceitos de lado. Deixe sua religião de lado. Deixe, até mesmo, a questão de Deus um pouco de lado. Tente ver a relação que a existência possui diretamente com você. Não coloque conceitos, filosofias entre vocês... nem mesmo Deus. Apenas por um instante... Com certeza Deus não verá isto como um pecado seu. Ele não é assim tão mesquinho. Não é pecado o homem querer sondar sua própria existência. Deus não condenaria ninguém por conta disto.

Quando for perguntar, olhe para a existência de forma completa -- percebendo tudo o quanto puder -- e então "O que toda essa existência, inclusive eu, está fazendo aqui?" Veja que tudo isto não tem obrigação alguma de existir; e o mais impressionante de tudo é que todas estas coisas existem e permanecem existindo... Que milagre!!!

Olhe bem para a pergunta e procure separar bem toda a existência que você consegue perceber do "aqui" a que a pergunta se refere. Se você conseguir fazer isso, então vai perceber que esse "aqui" não é um lugar localizado no espaço... ele é um "aqui" transcendental. O segredo dessa pergunta está na palavra "aqui". Separe o "aqui" da existência que você questiona. E você terá a resposta; e você perceberá como, de repente, tudo vai parecer ficar mais leve. Quando ficar mais leve, você entenderá que sempre esteve carregando um fardo desnecessário com você, mas nunca percebeu porque você não conhecia a outra experiência -- você só pode perceber o fardo que carrega quando ele é retirado de você... somente por contraste isso é possível. Assim, por um instante, você vai tirar toneladas de cima de você... e o resto da experiência você confere por si mesmo. É desta forma que tudo se torna uma dádiva; é desta forma que tudo passa a ficar belo, de forma que a vida pode passar a ser deliciosamente desfrutada.

É que a existência é algo tão evidente, que ninguém mais dá atenção à ela. É incrível como as coisas mais óbvias são as que mais perdem sua importância. Isto está errado. A vida está aqui e é tremendamente bela... veja!

Jogar fora o fardo que se carrega não é nenhum pouco complexo. Colocá-lo de lado significa parar de querer estar no controle da situação. Veja: se você analisou bem a pergunta, você compreenderá que a vida existe independente de suas vontades, de seus esforços... ela segue sozinha. E você está tentando carregá-la, você não permite que ela seja livre e ande por conta própria. Esse é o fardo que torna a vida de tantas pessoas uma verdadeira miséria. A existência não depende de você para existir (um dia você morrerá, não estará mais aqui, e a existência vai continuar prosseguindo), e você segue agindo como se ela dependesse... querendo forçá-la, manipulá-la. Você não confia em ninguém que não seja em você -- nem mesmo em Deus; você não abre o seu coração e, assim, nada novo pode entrar em você. A existência é que carrega você, e você está tentando carregá-la... está querendo inverter a ordem das coisas. Vai sofrer, portanto, pois ela é algo muito maior do que você: por isto ela o está carregando nela. Querer inverter a ordem das coisas, sem pagar um preço por isto, é querer demais. Mas é apenas uma questão de escolha. Permita o acontecimento das coisas. Você não precisa se preocupar com o que vai acontecer quando você abandoná-la, quando você jogar tudo para o alto. Você não precisa se preocupar quem vai segurá-la para você, depois que tiver largado dela. O dono dela fará isso -- seja lá quem for ele.

Se você é o dono de um objeto muito importante para você, e este objeto está com um conhecido seu, então ele estará carregando para você. Mas seu conhecido também é tão importante para você quanto o seu objeto que ele está carregando. Será que você irá lá, sem-mais-nem-menos, e simplesmente tomará o objeto de volta para você? Ambos são muito importantes para você... você não poderá interferir. Mas, no momento em que seu conhecido decide largar o objeto e o joga para o alto... quem irá pegá-lo, agora, a não ser você, o dono? Você o pegará de volta, com certeza. Você é o dono!

E assim acontece quando se decide/escolhe jogar o fardo de querer carregar a existência para o alto. O dono dela vai pegá-la... e vai carregá-la consigo. Então não há nada com o que se preocupar.

Querer estar no controle das coisas é o fardo que todo mundo está carregando. Isto não significa que, quando você deixar a vida prosseguir sozinha, agirá como um animal irracional ou fará coisas sem sentido. A questão toda consiste em observar a vida com consciência e isso também pode ser feito enquanto você toma decisões, enquanto você raciocina. Não é que você será jogado nas mãos do destino, pois você permanecerá fazendo as escolhas que sempre fez -- a vida é feita de escolhas. O fato é que, quando você conseguir realmente realizar a entrega, até mesmo nas questões que você decidir, a visão de que tudo anda sozinho estará presente. Você será um observador em se tratando de qualquer coisa. Assim, toda a questão aponta para este "algo" Transcendental.

Não é preciso ter medo. Páre de arranjar desculpas para ter medo. A mente humana é esperta e é fácil conseguir arranjar desculpas para justificar o medo de abandonar o suposto poder, que ela acha que tem. É preciso confiança... é preciso coragem. A coragem é necessária para fazer a entrega; e a confiança também é necessária na entrega, para confiar que o dono da vida passará a carregar e cuidar das coisas que você tinha tanto medo de abandonar. Coragem e confiança devem andar juntas.

Assim, pare de se preocupar com as coisas. A existência segue sozinha. Não tente carregá-la. Não seja tão egoísta; pare de confiar somente em si mesmo, e em mais ninguém. Isso é doentio; isso é uma neurose; isso faz você e os outros sofrerem. "Confiança apenas em si mesmo, e dúvida quanto a tudo o mais" é o próprio conceito de egoísmo/ego.

Por que você a está carregando? Está pensando que será muito peso para Deus, para a existência? Não se preocupe. Tudo está acontecendo. Deixe Deus tomar conta de tudo. Permita que as coisas aconteçam... entregue-se... aceite... e ame! Viva a vida.


sexta-feira, fevereiro 09, 2007

A GOTA E O OCEANO

Este texto foi retirado do livro de Thomas Merton, e transmite com muita lucidez informações claras e preciosas à respeito da filosofia Zen. É interessante como o escritor compara o Zen às principais religiões de hoje e vai , ao mesmo tempo, relacionando a temática espiritual com fatos históricos que ocorreram ao longo do tempo. A pedido de um amigo meu -- e por força de vontade minha, também -- vou disponibilizá-lo aqui no Busca Espiritual. Vale muito a pena! Bom proveito... A Viagem Interior é só sua.
Começando:

“O gosto do Zen despertado no Ocidente é, em parte, a sadia reação de pessoas exasperadas com a herança de quatro séculos de cartesianismo: a deificação de conceitos, a idolatria pela consciência refletiva, a fuga da realidade para ater-se ao verbalismo, à matemática e à racionalização. Descartes fez do espelho em que o eu se encontra um fetiche. O Zen o despeça pondo-o em frangalhos.” (Thomas Merton).


Neste instante milhões de seres nascem, milhões morrem. Caem as folhas. As ondas chocam contra as rochas. Bilhões de acontecimentos simultâneos. Efervescência. Mas as limitações dos veículos através dos quais a consciência se expressa dá aos homens a impressão linear dos acontecimentos. Cada um deles é único, instantâneo, e deixa da sua breve passagem um traço como o registro de uma partícula atômica numa câmara de gás. Essa trajetória é o resultado de uma série de encontros. Reflete a marca de uma presença. Tudo está interpenetrado. Reflete a marca de uma presença. Tudo como gotas de um mesmo Oceano.
No poema hindu Bhagavad Gitã, seu personagem central, Arjuna, suplica a Krishna (emanação corporificada sob forma humana do Absoluto) que lhe revele a verdadeira face da Realidade. E então viu:


“Assim como as chamas destruidoras do Tempo,
Contemplo teus dentes poderosos, eretos,
Alinhados nas mandíbulas escancaradas.
Ninguém encontrará abrigo ou misericórdia,
Ó Senhor Supremo de todos os mundos!
Todos, amigos, inimigos, desconhecidos, nós mesmos,
A multidão que passa como um rio,
Vão sendo tragadas por tua imensa boca.”


A visão de Arjuna revela a Realidade tal como é. Nua, sem proteções psicológicas e embelezamentos. É a forma Zen pondo em frangalhos o espelho onde o “eu” se reflete.


Tailândia. Bangkok. Dia 10 de dezembro. 1968. 14 horas. Calor. Num quarto um homem liga um ventilador. Choque? Colapso? Um corpo cai junto com o ventilador. Lá fora, o rio, os barcos continuam a passar rumo ao mercado. Nas lojas, peixes coloridos dão voltas dentro dos aquários aguardando os fregueses. Galos de briga se engalfinham num ringue. A multidão de apostadores grita. Ventilador trabalhando, cortando a carne do homem morto caído no chão. Sangue jorrando.


No final da vida de Thomas Merton, os acontecimentos chocam-se como ondas conflitantes que se fragmentam em milhares de gotículas. Nos mosteiros budistas monges recitam sutras. Outros meditam. Cochilam. Alguém bate à porta do quarto. Ventilador trabalhando. Batidas. Ventilador girando. Porta arrombada. Ventilador desligado. Polícia. Médicos. Padres chegando. Corpo lavado. Corpo vestido. Hábito de monge. Recitação lenta do rosário. O saltério. Murmúrio das preces. As cigarras cantando na tarde que cai. Um caixão envernizado aguarda no aeroporto. Acontecimentos. Caixões com soldados norte-americanos vindos do Vietnã. Misturado a eles um monge ruma ao Leste. O Oceano Pacífico lá embaixo reflete a lua. Os pilotos tomam café e contemplam os mostradores iluminados no painel de instrumentos. Bocejos. Thomas Merton voltando para casa. Acontecimentos. Simples acontecimentos. Oceano. Um novo dia começa a surgir. As ondas voltando para trás. Há 2600 anos um homem sentado sob uma árvore atinge a plena iluminação: o Nirvana. Uma gota transforma-se em Oceano. O Buda, o iluminado, o plenamente desperto, o Príncipe Sidartha Gautama, que tinha abandonado todos os reinos terrenos “via” a configuração do Eterno. Paz suprema. Sente as limitações da palavra para transmitir essa vivência de planos de consciência que o homem comum nem sonha. Tem então a visão simultânea dos acontecimentos. Diante de si a existência é como um lago onde se encontram bilhões de sementes de lótus, que na grande maioria estão no fundo, mergulhadas na lama, apodrecendo silenciosamente para que a vida possa nascer. Outras começam a germinar e procuram vencer a água escura em busca de algo que não vêem, mas que apesar disso as atraem. Poucas se aproximam da superfície das águas. Pouquíssimas romperam a linha divisória e em pleno ar, expostas ao sol, começam a entreabrir as pétalas. Cada uma delas é um ser num estágio diferente de desenvolvimento. Recebendo da luz do sol uma mensagem diferente, apropriada à sua natureza.


As ondas vão indo para frente. Há aproximadamente 2000 anos, um homem morre na cruz. Falava dos pobres de espírito, dos puros de coração. Dos simples, dos mansos. Dos autênticos que verão em si o Senhor. O reino de Deus tem muitas mansões. “Aprendei a parábola da figueira: quando já os seus ramos se renovam e as folhas brotam sabeis que está próximo o verão”. As suas palavras foram registradas na letra fria dos textos. Foram repetidas por muitos. Mas poucos as “compreendem”. Pois compreender é viver em si a experiência. E aquele que vive no verbalismo está escravo dele. É preciso sentir as folhas brotando para termos a consciência de “verão” que se aproxima.

Em todas as religiões encontra-se, mais ou menos mergulhado, um apelo (que chamaríamos Zen) para o abandono do superficial e a busca do essencial.


Thomas Merton sentia-se atraído pelo Budismo e pelas religiões asiáticas, pois sentia a necessidade de um encontro com as raízes que estão além do mero verbalismo. Essas religiões não se julgam exclusivas, nem detentoras da Verdade. São acessíveis e tolerantes em seus conceitos demonstrando uma abertura de consciência que se encontra no Cristianismo primitivo, mas que por força de injunções políticas e sociais foi sendo amortecida na interpretação ao pé da letra dos textos bíblicos. Nada é pior do que a estrutura burocrática, temporal, visando resultados concretos para asfixiar a verdadeira espiritualidade. Merton era um místico e como tal falava uma linguagem que está acima das limitações temporais. Profundamente lúcido tinha a convicção que a maioria dos homens não vive. Movimenta-se apenas. Choca-se ao sabor dos acontecimentos. Nas “Reflexões de um espectador culpado” afirma:


"A sociedade massificada se compõe em realidade de indivíduos que, se entregues a si mesmos, sabem que são zero, e que ajuntados uns aos outros numa multidão de zeros, têm a impressão de adquirir realidade e poder.”


A triste realidade é que poucos sentem o Absoluto, Deus, ou o nome que queiram dar. A existência humana transformou-se numa simples rotina na qual os acontecimentos nos impelem a pensar e agir mecanicamente. O diálogo transformou-se em zumbido de máquinas cada qual girando no seu eixo (o “eu”, engrenado a outras máquinas visando a quê? Agitação. Futilidade. Mediocridade. Imbecilização em massa. Docilidade para que poucos tirem proveito de muitos. Thomas Merton era um crítico mordaz da civilização de desperdício que cultuamos como um moderno Deus. Assim pensava sobre os padrões de vida norte-americanos. A sua atração pelo Zen foi imediata, pois o Zen valoriza a natureza, a humildade, a espontaneidade, a volta a uma autenticidade perdida. A poesia foi fortemente influenciada por essa Escola no Japão. E Merton era um poeta. O Hai-kai, poema sintético com 17 sílabas, dá em leves toques o âmago da experiência do autor. É uma jóia de síntese. Merton, o autêntico, o homem que procurou em toda sua vida ser aquilo que era em essência, em inúmeros trechos de sua enorme bagagem literária revela o mesmo estilo direto de descrição da realidade. Vejam como banais acontecimentos são transfigurados por um tratamento Zen:


“Aurora escura.
Debaixo de algumas nuvens altas,
lastros de vermelho matizado.
Um desenho de roupas estendidas,
de grampos para suspender roupas no varal,
de vultos nebulosos.
Abstração. Não há como captá-lo.
Deixe ficar.”

Ou esta outra que é um verdadeiro hai-kai em sua estrutura psicológica:


“Tarde tranqüila.
Colinas azuladas.
Lírios balançam ao vento.
Este dia jamais voltará.”

O padre Luís, como Merton era chamado pelos trapistas, possuía a visão Zen da realidade que nos cerca. Suas fotografias, seus desenhos, são uma comprovação do mesmo ângulo estético que caracterizam a pintura chinesa e japonesa influenciadas pelo Zen. A valorização do vazio, das coisas insignificantes ao homem apressado que não olha os musgos, os velhos muros descascados, os galhos secos, os objetos marcados pelo uso. A solidão de uma floresta. A plenitude do deserto. Participação. É preciso a todos os momentos cultivar o silêncio como planta tenra, para que possamos encontrar a solidão no meio do mundo. Cada objeto, cada ser, cada instante é um mistério pleno de significação. Debaixo da superfície das coisas está a base última onde elas se encontram. Cada uma delas é um caminho aberto para o encontro com aquele que as sustém em sua grandeza infinita. O encontro é um ato de silêncio. Pois não há participação sem silêncio. Silêncio da fonte que brota no deserto. Do lótus que desabrocha. Da lágrima que escorre. Tudo se resume, então, segundo o Zen, na busca desse silêncio no meio de um Universo de ruídos. A atitude deve ser a da observação pura dos que se sentam e contemplam sem procurar se envolver com os acontecimentos. O Zazen, que é o sentar de acordo com certas regras, é em suma o Zen. Sem ele não é possível atingir o que não se atinge quando vivemos mecanicamente. O simples ato de sentar, que muitos vêem como uma força de meditação budista, é de imenso valor para homens que nunca conseguiram parar no meio dos acontecimentos e são envolvidos por eles, O sentar é a parada em pleno movimento. A inação na ação. A leveza do gesto, o reflexo automático de um lutador de judô, ou de um mestre de espada. A flexibilidade do bambu, a agilidade de um gato. O toque ligeiro de um pintor numa tela de seda deixando o registro de sua passagem para toda a eternidade. É, em suma, plena atenção. Viver o aqui e o agora em plenitude. O mesmo ocorre conosco. É necessário despertar para a grandeza que somos. ACORDAR! MAS COMO É DIFÍCIL. A existência humana transforma-se numa simples rotina de fatos que nos impelem a pensar, agir mecanicamente. Em todas as épocas, os textos de uma tradição verdadeiramente religiosa, que está acima da pura religião maquinal da maioria dos homens-máquinas, chama a atenção da necessidade do homem despertar para a Realidade.
No Katha Upanishad está dito:

"Este é o caminho. Esta é a mente suprema.
Ele está oculto em todas as pessoas.
Por essa razão, não brilha!
Mas é visto pelos grandes videntes.
LEVANTA-TE! DESPERTA!
A senda é estreita como um fio de navalha.”

O absoluto está oculto em todos. Se está oculto é porque inconscientemente não permitimos que ele surja. O homem fechado, o egoísta enrolado em torno de um “eu” ilusório, é como um casulo que ainda não sonha que poderá ser borboleta. E como casulo geralmente morrerá, perdendo a oportunidade da transfiguração. A regra dos monges de São Bento é totalmente autêntica quando no prólogo chama atenção para que:

“(...) abramos os olhos à luz deífica e, de ouvidos atentos, escutemos a exortação que todos os dias, em altos brados, nos dirige a voz divina por estas palavras: se hoje ouvirdes a sua voz, não queiras endurecer vossos corações. E ainda: Quem tiver ouvidos para ouvir, escute o que o Espírito diz às Igrejas. E que lhes diz? Vinde, filhos, e ouvi-me. Ensinar-vos-ei o temor do Senhor. Correi enquanto tendes o lume da vida, não vos atalhem às trevas da morte.”


A luz existe. Ela não tem culpa se os homens continuam de olhos fechados. A abertura dos mesmos depende do esforço de cada um. Façam um exemplo real. Fechem os olhos. Sintam a escuridão. Imaginem o que será o mundo de um cego de nascença que nunca tenha sentido a diversidade das formas e cores. Abram os olhos e vejam como se estivessem vendo pela primeira vez. O mesmo poderá ser feito com todos os outros sentidos. Todos eles são portas de comunicação com o Absoluto. Depende somente do uso que deles fazemos, mecânico ou desperto, para que tenhamos a consciência da luz deífica da exortação que em “Altos brados” a voz divina nos apela. Sintam a importância do Aqui-e-Agora, do instante mágico onde o tempo e espaço se fundem numa presença sensível na advertência: “correis enquanto tendes o lume da vida...”. A maioria dos homens infelizmente passam pela vida como mortos. O Zen-budismo procura despertar o homem o mais rápido possível, usando para isso métodos pouco convencionais, pois nada é mais urgente, mais vital, do que esse despertar. É difícil dizer o que seja antes do acontecimento. Tão difícil como transmitir em palavras a experiência da água fresca escorrendo numa garganta sequiosa. É a mesma razão que levou Merton em “A Vida Silenciosa” a exclamar:

“A realidade significada pelo conceito é um mistério. Pois concretamente, na terra ninguém sabe com precisão o que seja “buscar a Deus” enquanto não tenha se colocado em marcha para achá-Lo”.


Só aqueles que sentiram essa Realidade (não importa o nome) podem falar dela por experiência direta. Os outros são apenas seguidores, copiadores, repetidores em bilionésima mão do que não sentem.


O zen busca a verdade por trás das formas, a luz por trás das sombras. Não é uma religião fechada como Merton bem sente. É sim a Verdadeira Religião que está presente em todos os caminhos que levam o homem ao encontro consigo mesmo. Essa religião é o retorno simbólico do filho pródigo ao lar paterno de onde nunca se afastou. É a consciência da inexistência de qualquer problema na configuração de acontecimentos que nos envolvem. É o peru preso no círculo de giz ganhando a consciência da dimensão da liberdade. É a consciência da inexistência dos muros que antes nos isolavam e que desapareceram por completo. Tudo se resuma no desaparecimento do problema. Analisemos a palavra “problema”. É um conjunto de sons que expressa um estado psicológico descrito em outros idiomas por sons diversos. O som não nos interessa, mas aquilo que representa. Vivemos obcecados por essa palavra. Analisando-a friamente veremos como ela existe no nosso cotidiano. Essa verdadeira fixação na existência de problemas, a consideração de que tudo em si é um problema priva o homem de sua liberdade inata de Ser. Um problema é uma configuração de acontecimentos instantâneos. A cada instante a configuração muda, pois novos eventos são incluídos ou sobrepassados. Entretanto, a grande maioria das pessoas não vê as configurações dentro de um contexto mais amplo no qual estão harmoniosamente inseridas. Por exemplo, quando observamos uma coisa do ponto de vista das partículas subatômicas que as compõem, ela se esvanece. Some-se como fumaça. O aspecto concreto da realidade transmuta-se a resta somente uma “mancha”, verdadeira nuvem de acontecimentos em mutação constante. As “leis” que se aplicam são o princípios da indeterminação de Heinsenberg, a física de Einstein, as m atemáticas não-euclidianas. Há uma total modificação do “cotidiano”. O mesmo ocorre, os “problemas” são outros, quando a coisa é observada do nível molcular. À medida que mudamos de escala de observação criamos novos problemas e novas leis. Sente-se que o “problema” cessa de existir quando é visto numa configuração acima da anterior, então aparece unido numa estrutura maior e cessa de existir.
Compreendendo isso, o Zen trata os problemas de uma forma direta. A própria palavra Buda é um problema para muita gente que se rotula Budista. Da mesma forma a palavra Cristo para os Cristãos. Ou a palavra Deus para os deístas. Deixem de lado o rótulo que nos separa, que não diz nada, e mergulhem na raiz que nos une. Certa vez, um discípulo ardoroso perguntou a seu mestre sobre o Buda e recebeu como resposta:

“Limpa primeiramente a tua boca desta palavra!”

É preciso que limpemos a boca e a mente de puros conceitos, sons sem significação para que possamos encontrar aquilo que não se encontra nas palavras. Aquilo que tem levado os homens a se debaterem uns contra os outros em discussões sem sentido. Thomas Merton possuía raro senso de humor, que é uma característica Zen. Assim descrevia ele o choque entre o intelectualismo e verbalismo:

“Pontífices! Pontífices! Somos todos pontífices fazendo arengas uns para os outros, agitando nossos báculos uns para os outros, dogmatizando e ameaçando com anátemas!”


O Zen é muitas vezes rude na sem-cerimônia com que trata as coisas “sagradas”. Um monge cansado de meditar em silêncio, a fim de alcançar o Buda, procura o instrutor Ummon desesperado com seu fracasso. A resposta é seca: “Ele está no estrume”. É a única forma para acabar com as arengas. Para muitos, falar desta forma “desrespeitosa” de um homem perfeito que alcançou a suprema iluminação, de uma flor da raça humana, pode parecer uma profanação. São, entretanto, recursos usados para despertar o homem. Para produzir a visão do que está além da forma verbal. Enquanto o homem não se libertar dessas “prisões”, jamais poderá encontrar o que não se encontra quando se procura. A própria idéia da meta, do alvo, já é um impedimento ao encontro. A “procura” é um ato de plena humildade, de abertura, de libertação de tensões acumuladas no consciente e no inconsciente. Os conceitos mais tradicionais têm de ser revistos sob uma luz da compreensão profunda. Pecado, virtude, moral, castidade, bem, mal são muitas vezes gaiolas que escravizam o homem.
Mestre Taisen Deshimaru escreveu um livro chamado Vrai Zen. É um instrutor que vai direto ao ponto. Conta ele a seguinte história a respeito do “problema” da castidade:
“No tempo de Buda, viviam dois monges, modelos de todas as regras. Dois exemplos de virtude. Cabeças imaculadamente raspadas, mantos sempre bem cuidados. Cumpriam todas as duzentas e tantas normas prescritas pela disciplina. Certo dia, quando um deles procurava a cidade para esmolar, vê-se diante de uma bela monja e não resiste à atração. O desejo reprimido o inflama. A tranqüilidade da floresta, o calor do dia, o perfume das flores falavam mais alto do que todas as regras. E o monge cedeu. Pela força, submete a jovem. O outro, que vinha logo atrás, a tudo presencia, oculto pela folhagem, e sente-se tomado pela mesma paixão. E procede exatamente como o primeiro. Depois afastam-se juntos, contritos, olhando o chão, como manda a regra, mas sentindo-se arrasados pela ação cometida. A jovem desesperada procura a morte no rio. Os monges torturados pelo remorso vão à presença do virtuoso Upali, encarregado pela Disciplina da Ordem monástica. Fazem a plena confissão dos crimes e são expulsos da comunidade. Seguem então pelos caminhos da floresta cada vez mais mergulhados em seus problemas, até que diante deles surge Vimalakirti, o discípulo iluminado de Buda. É todo compaixão e sabedoria. Uma verdadeira estrela irradiando serenidade por todos por todos os quadrantes. Ouve a trágica notícia e aconselha-os: “A vossa falta é a de ainda pensar no fato passado. Não o façam reviver pensando nele. Concentrai-vos no Presente e renascei a cada instante! Continuai no caminho que escolhestes. Concentrai vossos esforços para que possais atingir a Verdade. Os monges seguiram o conselho e dentro em pouco tornaram-se seres perfeitos. Se nada tivesse ocorrido, se os “acontecimentos” momentaneamente formados não os tivessem levado à ação cometida, continuariam sem dúvida presos às idéias das regras, da virtude, e permaneceriam adormecidos no conceito da virtude. Na palavra. Pois virtude é muitas vezes apenas um conforto para não agir. O crime, o pecado fizeram com que atingissem pela dor à Sabedoria. As cadeias de ouro ou de ferro são, em última análise, apenas cadeias."

Thomas Merton, o autêntico, tinha a plena consciência da relatividade dos padrões de julgamento. Sentia, como ninguém, as aves de rapina que estão no título de seu livro, e como vivemos nos alimentando da sua putrefação, adorando a morte quando a vida eterna é nosso Ser. Ocultando sob palavras de Cristo, Buda, Tao, e tantas outras, o mistério vivo. Desesperava-se com o pieguismo. É autêntico quando explode na sua revolta contra o formalismo:

“Em certos momentos, vemos um raio do Zen no meio da Igreja! Deveria, na realidade, haver muito mais. Mas nós o frustramos, raciocinando demasiadamente sobre tudo que há.”

Na sua vocação monástica, viu no monge um homem desperto ao mundo, mas ao mesmo tempo preservando o fogo vivo da vida interior. Sentiu o perigo de uma Igreja voltada apenas para aspectos sociais, políticos, econômicos. Constituído de monges homens comuns, cotidianos, impelidos como a massa anônima da humanidade-manada. Também não admitia o homem que se isolasse numa torre de marfim, quando à sua volta o sofrimento e o ranger de dentes cada vez mais se avolumavam. Vai além, ao anunciar:

"Temos de ter a humildade para, em primeiro lugar, tomar consciência de nós mesmos como parte da natureza. Negá-la resulta apenas em loucura e crueldade. Pode-se, sem dúvida alguma, ser parte da natureza sem ser o amante de Lady Chatterley”.

Como é imensamente difícil ser natural novamente! Redescobrir a Verdade, a autenticidade que existe no centro do Ser. Atingir o puro despojamento, a pobreza, a humildade, que nos permitem a humanização. É um desaparecimento, um vazio-pleno. Uma vivência. Um fato extraordinariamente significativo são as últimas palavras proferidas por Thomas Merton numa conferência feita no encontro de religiosos de Bangkok. Terminada a enunciação do tema “Monaquismo e Marxismo” despediu-se dizendo:

“And now I will disappear.”
(*E agora desaparecerei).

O resto é conhecido. Calor. Num quarto um homem liga um ventilador... Choque? Colapso? Um corpo cai. Acontecimentos. Sangue. Gotas. Gotas. Gotas... Uma gota torna-se o Oceano.
(Escrito por Murillo Nunes de Azevedo)
Prefácio do livro "O Zen e as aves de Rapina", de Thomas Merton.
Para saber mais sobre quem foi Thomas Merton, veja no link: http://en.wikipedia.org/wiki/Thomas_Merton

sábado, janeiro 27, 2007

Wu-Wei: O Fazer pelo Não-Fazer

O Tao e o Zen não são diferentes. Eles diferem somente quanto a suas origens. A filosofia do Tao surgiu na China antiga com o grande mestre Lao-Tzu. E o Zen nasceu com a transferência da flor das mãos de Buda, para as mãos de Mahakashyapa. Mas ambos dizem respeito à mesma Verdade já revelada: Aquilo que não pode ser expresso pelas palavras... Àquela única coisa que É. E é justamente pela impossibilidade de Isto não poder ser expressado que os mestres preferem dar ênfase ao silêncio, e não dizer nada: pelas palavras você não pode alcançar. Palavras só ajudam até um certo ponto. Assim, o Ser muitas vezes é retratado por palavras que indicam passividade e até mesmo conotações negativas. Por exemplo: muitos mestres dão ênfase ao Ser através da palavra "Não-Manifesto". A expressão Não-Manifesto tenta, através de uma negativa, expressar aquilo que não pode ser falado, pensado ou imaginado. Ela aponta para o que É quando diz o que não é. Logo, dizer Não-manifesto significa se referir ao Ser. Esses jogos de palavras, positivos e negativos, tentam fazer com que você não se prenda a nenhuma destas expressões e nem comece a acreditar nelas, pois elas não passam de indicadores, de setas apontando para o alvo. Assim, não se agarre às expressões positivas, nem às negativas... o caminho é o do meio. O caminho é aquele que não pode ser constatado, aquele que não se pode ver. E o Taoísmo diz: "Não faça!". Ele gosta muito da expressão "não-fazer". A não-ação constitui a força criadora de toda atividade, de toda a existência. Não há como explicar a Existência fundamentando-a em princípios e teorias -- a começar pela já-existência deles. A Existência só pode ser "explicada" (compreendida) a partir da Não-Existência. E quando alguém aprende a perceber/contemplar ambos, aí é possível adentrar o caminho do meio: o ponto que está exatamente no centro, entre o existir e o não-existir. Então a existência e a não-existência tornam-se UM só. E assim se sucede com o Fazer. O verdadeiro fazer só pode ser compreendido a partir do não-fazer. Este "não-fazer" corresponde ao "sentar sem nada fazer" do Zen.

No Taoísmo se diz "wu-wei".Conseguir se entregar ao momento presente - de forma total - é o que é preciso para começar a vivenciar o "fazer pelo não-fazer". O homem não precisa se preocupar com problema algum que possa vir a surgir eventualmente. Todo problema é coisa da mente. Entregue-se no momento do fazer. Ao fazer arroz, você não tem que fazer um arroz delicioso, você não tem que agradar quem irá comer, você não tem que acabar rápido para fazer a salada. A única coisa que você tem é não ter de se preocupar com nada... é “não ter que” nada.A mente acha que ela precisa "fazer um arroz delicioso" e agradar alguém. Olhe quanta energia a mente dessa pessoa está desperdiçando! Ela poderia, simplesmente, ir lá e fazer o arroz. E, no momento certo, em cada instante do tempo presente, todas as questões que fossem surgindo (inclusive a intenção de deixar o arroz delicioso) seriam naturalmente cumpridas... sem esforços... sem preocupações... sem nada! Tudo que é preciso é apenas tomar a decisão de fazer o arroz... ir lá, e fazê-lo.O ser humano está na ilusão de que ele é separado de tudo o que ele pode ver, sentir, tocar, ouvir, cheirar, etc. A ilusão ocorre porque o homem não acredita no AGORA; não consegue perceber o momento presente, em sua plenitude e, por isso, vive preso em sua mente. A mente não acredita no fácil; é bom que tudo seja difícil para ela; ela gosta de muitas complicações. Ela não gosta de ficar sem fazer esforço, porque senão ela começaria a sumir. Ela é muito egoísta. Ela cria muitas dificuldades e sofrimentos para você e para ela mesma -- mas pelo menos assim ela pode continuar existindo.

Uma vez que alguém alcance este "fazer, não fazendo", essa pessoa se encontra. Ela se sente realizada com seja lá qual for a atividade que ela esteja desempenhando. "Fazer arroz" é apenas um exemplo. Conseguir manter esse estado em qualquer atividade que você esteja fazendo, vai lhe trazer uma grande realização. Você conseguirá se divertir com qualquer situação que você esteja vivenciando -- você pode estar satisfeito no início, durante, ou no final dela. É muito melhor, pois a satisfação não é encontrada apenas no final da atividade, quando o objetivo dela é alcançado. Alcançar objetivos é coisa da mente. E, para ela alcançá-los, muito sofrimento será criado para você.

História Zen: Uma cidade havia entrado em guerra e tinha sido devastada pelos inimigos. Toda população havia fugido, pois o comandante do exército inimigo estava se dirigindo para lá. Somente um mestre zen não fugiu, permanecendo na cidade. Quando o exército inimigo chegou, viu que não havia ninguém, exceto aquele pobre senhor que estava sentado no meio da cidade, observando tudo o que havia acontecido. O comandante se aproximou do velho e lhe disse: "Ei velho, você o que você ainda está fazendo aqui? Por que não abandonou a cidade?"... e o velho nada respondeu, apenas sorriu ao comandante. Este, vendo que o velho não se incomodava com nada, lhe disse: "Você é muito corajoso por estar aqui. Você tem idéia de quem sou eu?... Eu sou aquele que pode lhe tirar a vida a qualquer momento!". E o velho lhe respondeu: "E você tem idéia de quem eu sou? Eu sou aquele que pode ter a vida tirada por você, a qualquer momento.

"DESAPEGO DE TUDO. É nisso que consiste essa pequena historinha. Se você não estiver apegado, você pode enfrentar qualquer situação sem preocupação alguma. Diante de uma pessoa assim, até um comandante inimigo é um derrotado. A idéia do apego existe, porque a mente faz você achar que você é alguém, com idéias, conceitos, pensamentos, conhecimentos através dos sentidos. Mas até mesmo os sentidos não podem captar quem você realmente é, e eles o enganam. Você tem a idéia de que você é alguém porque sua mente acredita em muitas coisas. Mas a verdade é que você não é NADA. Você é NADA; o arroz delicioso é NADA. É por isso que, quando você está totalmente focado no momento presente, você pode ser o arroz, e o arroz pode ser você. Da próxima vez que for fazer o arroz, ou qualquer outra coisa, experimente fazê-lo com o mesmo espírito desapegado daquele mestre zen. Esteja receptivo a esse estado de espírito e diga ao arroz: "Você sabe quem sou eu? Eu sou aquele que está fazendo o arroz" E você sabe quem é o arroz? Ele é aquele está sendo feito por você. Ambos vocês estarão se completando um ao outro. Vocês estarão se complementando; e estarão em tal harmonia que não haverá mais você e o arroz: apenas a atividade de você estar fazendo o arroz; e do arroz estar sendo feito por você... tudo será uma coisa só. Não se iluda: é somente a mente que faz você perceber que você é uma pessoa (um cozinheiro, um cientista, um professor, um médico, um guerreiro, um pobre velho etc.). Aquele mestre zen, não se percebia como um homem velho que havia ficado numa cidade destruída -- Ele não era aquilo. A sua mente pode dizer que ele é um velhinho que ficou para trás; mas ele não é isso. Naquele momento, aquele homem era alguém que poderia ter a vida tirada pelo comandante a qualquer momento; só isso,e nada mais. Depois que o comandante fosse embora, ele não seria mais "alguém que poderia ter a vida tirada a qualquer momento"... ele seria outra coisa condizente com o momento presente dele. É importante compreender esse ponto.Portanto, não tente definir nada. Sua mente pode dizer muitas coisas, mas a Verdade sobre você está sempre dentro do seu AGORA. Dentro do seu AGORA você é completo com o que quer que seja que você esteja fazendo; seja lavando o arroz, seja estando à beira da morte. Alcance a mesma profundidade da percepção daquele mestre zen sobre quem você é, e você poderá experimentar o verdadeiro estado de desapego. Ele lhe conduzirá diretamente ao wu-wei: o fazer pelo não-fazer. Isso é algo que só pode ser vivenciado AGORA. Preste atenção nos momentos presentes pelos quais você passa, instante a instante. E você se encontrará. Mais do que isso: você saberá quem você é. Sua vida será muito mais leve... muito mais satisfatória... muito mais bonita. A vida é bela! Todo instante é belo. Você pode se sentir realizado a cada instante que passa... e viver toda a sua vida dessa forma.

Apenas lembrem-se de uma coisa: Este não-fazer a que o Tao se refere é muito genuíno. Ele é um verdadeiro Não-Fazer. Assim, você nada pode fazer com relação a ele. E se você tentar praticá-lo, se você tentar praticar o não-fazer, você estará FAZENDO. Eis aí o que deixa tudo bagunçado para aquele que está tentando alcançar a Verdade. Mas essa bagunça, este paradoxo, só pode ser superado se você puder colocar toda a sua totalidade e espontaneidade no seu viver.
Espontaneidade significa deixar-se ser e agir de maneira natural. É permitir que tudo ocorra por si só, de modo que você não interfira em nada. Ao invés disso, você aprende a confiar nAquele que criou essa existência e deixa tudo aos cuidados dEle. Nessa entrega, você relaxa e a espontaneidade surge. Através da espontaneidade e de sua constante atenção nas coisas do dia-a-dia, você aprenderá o segredo de Não-Fazer coisa alguma autenticamente. E tudo o mais virá por acréscimo. Por meio do genuíno não-fazer, tudo é feito.

terça-feira, janeiro 16, 2007

O Tao

A palavra "Tao" significa Caminho. Significa Caminho sem nenhum objetivo; simplesmente o Caminho. Esse é o significado da filosofia taoísta: que não há objetivos; que não estamos indo a lugar nenhum. Que estamos indo apenas para estarmos aqui. Se você conhece o Caminho, conhece o objetivo, pois o objetivo não está no final do Caminho, mas ao longo de todo o Caminho; a cada momento e a cada passo ele está presente. Estar no Caminho é estar no objetivo, por isso a mensagem Taoísta não fala sobre Deus, não fala sobre o nirvana, iluminação... nem nada disso. A mensagem do Taoísmo é muito simples: "Você precisa encontrar o caminho". Toda a mensagem taoísta encontra-se sintetizada num pequenino livro chamado "Tao Te Ching", o único livro escrito pelo fundador do Taoísmo, Lao Tzu. Ali é que consta todo o ensinamento acerca de como seguir o Caminho.


Lao-Tzu atingiu sua iluminação depois de muito tempo buscando a Verdade em livros, meditações... e nunca conseguiu alcançar. Um dia ele, frustrado, desistiu de alcançar a iluminação e retomou seus afazeres diários, simplesmente voltou a ir viver sua vida. Até que um dia, Lao Tzu estava sentado sob uma árvore e uma folha tinha começado a cair. A folha estava caindo lentamente, em zigue-zague, com o vento, e ele a observou. E não havia pressa para a folha cair no chão. Lao Tzu apenas observava seus movimentos. Se o vento soprava para o norte, a folha seguia para o norte; e se era para o sul, então para o sul ela rumava. A folha deixava-se levar pelo vento... e Lao Tzu apenas olhava. A folha foi caindo no chão e ficou parada ali. E, à medida que ele observava a folha cair e se acomodar no chão, algo se acomodou nele. A partir desse momento ele deixou de ser um homem comum e compreendeu que: "Os ventos sopram por conta própria e a existência é quem toma conta". Foi assim que ele conseguiu sua iluminação.

Enquanto Lao Tzu lutava para se tornar iluminado, ele não alcançou. É tolice o ser humano lutar contra a natureza. O Tao é entrega... é ausência de esforço. Isso não quer dizer que ele -- o esforço -- não seja necessário. Inicialmente o esforço é requerido. Você faz um grande esforço para viver de acordo com a Verdade; então, aos poucos, entende que seu grande esforço ajuda um pouco, mas dificulta bastante. Daí o esforço começa a ser abandonado. você tenta arduamente viver de acordo com o Tao e, pouco a pouco, começa a compreender que nenhum esforço é necessário para viver de acordo com a natureza... do contrário o próprio esforço continua caindo como um peso sobre você. E estes são alguns dos princípios do Tao: a naturalidade, a espontaneidade, a confiança na existência, a entrega, a paciência, a simplicidade, a passividade, a não-violência, a humildade, a suavidade, o não-fazer... e muitos outros. Todos eles estão implicitamente ou explicitamente escritos no Tao Te Ching... e são usados como referência para andar no Caminho.

O primeiro capítulo do livro de Lao Tzu é um dos mais relevantes. Nele está sintetizado toda a filosofia taoísta, e é entitulado "A Compreensão do Incompreensível (o Tao)". E é sobre este capítulo de que se trata este post.

"O Tao que pode ser mencionado não é o verdadeiro Tao.
Nomes podem ser mencionados, mas não o nome eterno.
A origem do Céu e da Terra está na ausência de nomes.
A "Mãe" de todas as coisas também não pode ser nominada.
Mesmo oculto, o Tao exerce sua influência.
Devemos olhar esta influência como Sempre-manifestada.
E quando é manifestada, devemos olhar para outro lado.
Estes dois fluem da mesma fonte.
Embora tenham nomes diferentes, ambos são chamados de Mistérios.
E o Mistério dos Mistérios, o Tao, é a porta de tudo o que é essencial."
(Tao Te Ching - Capítulo 1)

Todas as linguagens são inúteis, pois a verdade não pode ser expressa. A iluminação não é algo que você possa atingir; não é algo que você possa compreender. A verdade permanece por trás de tudo o que existe; ela não pode ser vista, você não consegue fazer ela caber dentro do seu entendimento. Se você conseguisse, isso signficaria que você permaneceu por trás; somente assim você pôde vê-lo. Mas, ainda assim, o que permaneceria por detrás de você, então? Existe uma presença misteriosa que serve de suporte para a existência. Essa presença está em todos os lugares. Se um lugar existe, essa presença está lá, atuando por detrás desse lugar. E se houver um lugar onde ela não está, tal lugar não existe. assim, olhe para o fenômeno do seu entendimento; ele existe... você é capaz de ver, analisar, aprender, assimilar e compreender... tudo isso é um fenômeno que ocorre em você. Ele existe. Assim, olhe para esse fenômeno e responda: se o seu entendimento existe, então o que há por trás dele? E o que dá suporte à existência do seu entendimento? Ele não existe por si só. Ele precisa de algo maior que o apoie... do contrário, ele seria o apoio e também seria impossível vê-lo. Algo precisa permanecer por de trás... algo Primeiro. Isso é o Tao; isso é Deus; isso é o Ser... ou, então, qualquer outro nome que você preferir chamá-lo.

O Tao é incompreensível; ele também é inexpressível. Ele existe e está aqui, bem agora. Aqueles que O conhecem não conseguem expô-lo. O Tao é um, mas no momento em que ele se torna manifesto, precisa se tornar dois. A manifestação precisa ser dual, precisa se dividir em duas. E no momento que alguém abre a boca para proferí-Lo, essa pessoa transporta o Tao do reino não-manifesto para o campo das palavras. Assim, o que quer que seja dito perde todo o sentido.

Ninguém pode falar, verdadeiramente, sobre a verdade. Ninguém pode falar sobre o Tao, nem sobre o Zen, nem sobre Deus, a iluminação ou o êxtase. Se isso fosse possível, você já estaria em êxtase simplesmente ao ler estas poucas linhas. Por mais que se fale a respeito do Tao, ele não pode ser dito... algo sempre permanecerá por trás. E não há nada que permaneça por detrás dele, porque somente o Tao existe por si mesmo, eis tudo.

Isto que permanece por detrás de tudo é a verdade. A verdade nunca surge na existência, nem nunca desaparece da existência. Ela nunca vem, nem nunca vai. Ela permanece, sempre. Ela está no começo e no final... e, no entanto o começo e o final não estão em lugar algum. Tudo isso porque a verdade simplesmente É.

E tudo o que provém do Tao também é um mistério. A existência, em sua forma não-manifesta, é um mistério e jamais poderá ser conhecida. E a existência em sua forma manifesta também é um grande mistério. Se você olhar atentamente para uma árvore, você perceberá que a árvore não é uma árvore. O que é a árvore, então? Ela é um mistério. A palavra "árvore" é apenas um nome, de modo que a árvore jamais deixará de ser o que ela é se ela o perder. Dê à arvore o nome que você quiser, ou então lhe retire todos os nomes... e ela estará lá, sendo o que quer que ela seja. Assim, uma árvore não é uma árvore... uma rosa não é uma rosa. Toda a existência é um mistério.

O não-manifesto dá origem ao manifesto... e o manifesto completa o não-manifesto. Ambos não são contraditórios, eles são complementares... cada um exercendo a sua influência sobre o outro.
Este capítulo do Tao Te Ching ensina uma excelente forma de meditação: Olhe atentamente para essa existência! Ela não pode existir sozinha, por conta própria. Algo Maior tem de estar atuando por detrás dela. É na vastidão infinita do não-existir que a existência se apóia. O não-manifesto está influenciando a existência manifesta. É isso que Lao Tzu diz: "olhe para a existência e sinta a não-existência por detrás dela. E a seguir faça o caminho inverso, olhe para a não-existência e veja a relação que ela tem com a existência."

Com uma persistente repetição dessa meditação, você estará olhando para os dois lados. E chegará um momento que, de tanto olhar para esses lados contrários, você conseguirá perceber o ponto onde a existência e a não existência se fundem: exatamente no centro. O centro é a fonte de onde flui o ser e o não-ser. Esse ponto é a porta. Neste ponto está o Tao. Esse ponto nulo é todo o significado da espiritualidade, é toda a espiritualidade. É ali que mora Deus.

Tudo é UM e só há este UM. A palavra "Universo" representa exatamente esta idéia: A de que, na existência, só há uma única coisa... um único VERSO. A Vida constitui um único verso; não há doi versos, mas apenas um. Além dele, nada mais há. A dualidade é uma tremenda ilusão e pode ser transcendida. E quando você alcança a transcendência as polaridades opostas revelam-se como complementares e fundem-se em algo que não pode ser nominado. Se só há UM, então quem é o outro que vai estar lá para nominá-lo? Se o Universo é apenas UM, então quem mais vai estar lá para observá-lo ou analisá-lo? É impossível investigá-lo. É como se, sem a ajuda de um espelho, você tentasse olhar para seus próprios olhos... impossível.

O Universo é insondável. E se você o estiver sondando... é por que você ainda está na dualidade; você ainda permanece na ilusão de que você é o sujeito que está observando a Vida como um objeto. Se quiser conhecer realmente o Universo, precisa se esforçar para se tornar uno com ele. A gota de água que você é precisa cair e se dissolver no imenso oceano que o Universo é.

Conhecer a Deus é possível; mas é um acontecimento tão supremo que, mesmo quando você O conhece, ele permanece desconhecido. Há um belo comentário de Osho, falando que:

"Mesmo quando você conhecer Deus, você não será capaz de acreditar que O conheceu. Isso é o que eu quero dizer quando digo que Deus é um mistério. Desconhecido, Ele permanece incognoscível. Conhecido, Ele também permanece incognoscível. Sem ser visto, Ele é um mistério.Visto, Ele se torna um mistério ainda maior.Ele não é um problema que você possa resolver. Ele é maior do que você. Você pode dissolver-se nele, você não pode resolvê-lo". (OSHO)

Sim, você não pode resolver o quebra-cabeça que Deus é.
Você é menor do que a Realidade, ou a Realidade é menor do que você?
Essa pergunta é de grande importância, porque, se você pudesse resolvê-lo, se você pudesse compreendê-lo, então você seria maior do que Ele. E não é assim que é. Por que, então, não aceitar as coisas como são? Paradoxalmente, quando você O aceita, você o conhece.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Um Reino Não Deste Mundo


Quando disse: "O Meu reino não é deste mundo", Jesus sintetizou o conteúdo global de sua mensagem. Revelou a natureza real deste Universo e de todos nós como algo de natureza infinita, eterna e espiritual. Dar ouvidos a esta revelação significa "estar no mundo sem pertencer-lhe", como consta nas Escrituras.

Poucos acreditam, mas "este mundo" é uma ILUSÃO!
Nós, porém, não estamos de fato iludidos.
"Temos a mente de Cristo", que é a Mente real, única e onipresente! A falsa identificação com pensamentos ilusórios, ou seja, com pensamentos "pensados" pela suposta mente carnal, é a ILUSÃO. Quem se identifica com pensamentos inexistentes? Justamente a "mente carnal", a mente-que-não-existe! Ilusão se identificando com ilusão: eis a natureza deste suposto "mundo material".
Se não nos mantivermos atentos, iremos nos pegar dizendo: "Mas como pude eu ter tido esse tipo de pensamento?"

A percepção de Deus
como Mente Única
em dedicadas contemplações silenciosas,
nos traz este discernimento iluminado:
"Eis que estou convosco desde o princípio".


"Temos a mente de Cristo", que é a Mente real, única e onipresente! A falsa identificação com pensamentos ilusórios, ou seja, com pensamentos "pensados" pela suposta mente carnal, é a ILUSÃO. Quem se identifica com pensamentos inexistentes? Justamente a "mente carnal", a mente-que-não-existe! Ilusão se identificando com ilusão: eis a natureza deste suposto "mundo material".

Se não nos mantivermos atentos, iremos nos pegar dizendo:
"Mas como pude eu ter tido esse tipo de pensamento?"

Nosso EU real é divino, nossa Mente real é divina e o nosso Corpo real é divino. Esta Verdade, para deixar de ser mera teoria, precisa ser aceita com radicalismo total. Cristo sempre nos passou ensinamentos radicais: "NÃO CHAMEIS DE PAI A NINGUÉM SOBRE A FACE DA TERRA". Somente dentro de uma postura radical a Verdade terá para nós seu real sentido: SER A VERDADE.

A percepção de Deus como MENTE ÚNICA, em dedicadas contemplações silenciosas, nos traz este discernimento iluminado: "Eis que EU estou convosco desde o princípio".

Nosso EU real é divino, nossa Mente real é divina e o nosso Corpo real é divino.


Ensinamentos relativos não são revelações divinas. Podem, no máximo, serem vistos como revelações sob adequações feitas por homens. Toda adequação acaba prejudicando a pureza da revelação, pois, inevitavelmente, acaba alimentando alguma idéia ilusória de dualismo.

A Verdade é UNIDADE, é INDIVIBILIDADE, é INSEPARABILIDADE, é IMUTABILIDADE, é ETERNIDADE, é JÁ MANIFESTA! Portanto, tudo é UM! E SOMOS AGORA ESTE "UM".

Ao concordarmos com o que Jesus nos disse, de que "MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO" estaremos em unidade com Deus, e com ele reconhecendo que: "EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA".

É óbvio que não falamos de "vidas pessoais" ou de "seres humanos", que seriam o "sonho de Adão", a ilusória CRENÇA de que alguém poderia estar separado de Deus. Aceitar esta separatividade é um absurdo! Por outro lado, a aceitação de que "o ser separado de Deus é ilusão", corresponde à percepção da Verdade de que "O MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO".

EU SOU A UNIDADE;
EU SOU A INDIVISIBILIDADE;
EU SOU A ETERNIDADE
JÁ MANIFESTA! Eis por que
"EU ESTOU CONVOSCO DESDE O PRINCÍPIO".

Contemplemos em silêncio estes princípios! Este "EU", que está "conosco desde o princípio", é a VERDADE QUE SOMOS! A Verdade que aparentávamos estar buscando.

O suposto ser humano aparenta enxergar, com "olhos físicos", este mundo de aparências mutáveis.
Esta visão equivale ao "nada" se ocupando em ver "coisa nenhuma". "TENDES OLHOS, MAS NÃO VEDES", alertou-nos Jesus. Enquanto a natureza ILUSÓRIA "deste mundo" não for aceita e reconhecida, pela percepção de que A VISÃO ÚNICA É DEUS, VENDO A REALIDADE ILUMINADA COMO CADA UM DE NÓS, nestas imagens ilusórias, de bem e mal, continuarão nos dando a impressão de existirem realmente, além de tentarem fazer com que nos sintamos relacionados com elas. TUDO ISSO É FALSIDADE! UM SONHO!

Ponhamos o machado "à raiz da árvore", partindo radicalmente da Verdade que Cristo tão amorosamente nos passou: O MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO!





*Nota: A autoria deste texto é de Dárcio Dezolt!

sexta-feira, dezembro 29, 2006

A verdadeira busca pela verdade: O cessar da busca.


A verdade está sempre aqui. Ela está diante de seus olhos, mas você não é capaz de vê-la porque você a procura. E ela está onde quer que seja. Quando você procura vê-la, o seu próprio ato de olhar está dentro dela; quando você come, você o faz nela; a verdade está presente no seu ato de comer, respirar, olhar, sentir, escutar... você não pode escapar dela. Quando você está procurando pela verdade, a verdade se faz presente em você e também na sua busca. Assim, acontece um fenômeno no mínimo muito interessante: é a verdade que faz da busca uma procura pela própria verdade. A verdade está procurando por ela mesma e, aonde for que ela vá, ela se leva consigo.

Aquele que busca é a o objeto tão desejado de ser encontrado. Mas... como a busca pode existir, quando o sujeito e o objeto da busca são um só? Eis aí um paradoxo. E paradoxos não são passíveis de serem resolvidos. Quando você entra na dimensão de um paradoxo, você não consegue resolvê-lo do lado de dentro, ele é um absurdo! Ele é contraditório, um fenômeno maluco, aos olhos da mente humana. Então é necessário você transcendê-lo; somente quando você passa do lado de dentro para o lado de fora é que você passa a ter condições de olhar claramente para um paradoxo e ver sua resposta. A busca, portanto, é um paradoxo. E, enquanto você estiver nela, você não conseguirá encontrar suas respostas. Enquanto você seguir buscando a verdade, o objeto e o sujeito estão separados, quando na realidade eles são a mesma e única coisa. Assim, a busca tem sentido enquanto você assumir que a verdade é algo que está em algum outro lugar, diferente de onde você está, e que você tem de encontrá-la. Essa é uma falsa busca.

No entanto, quando sua atenção se volta para o fato de que o sujeito e o objeto da busca são um só, quando você assume que você é a verdade que você tanto quer achar, e quando você segue sua busca mantendo isso em sua consciência, então você começa a adentrar a verdadeira busca. Você começa a sair de dentro do paradoxo que é a falsa busca, e passa para o lado de fora dela... onde você poderá começar a buscar verdadeiramente.
Tendo esta nova visão em mente, você não encontrará sentido em continuar buscando como antes. Agora a sua ansiedade começa a diminuir gradualmente, a sua angústia irá, aos poucos deixando de existir. E, em contra-partida, um relaxamento começa a surgir; você deixa de levar a sua busca tão a sério; você conseguirá penetrar em um estado de maior calma, paciência; toda a tensão começa a ir embora.
E quanto menos preocupado você se permitir ser, melhor será seu desempenho. A preocupação e a pressa são barreiras que lhe afastam de encontrar-se consigo mesmo. Cabe, aqui, um ditado oriental que diz “se você quer para agora, então espere!” – e esse ditado é cheio de sabedoria.
Enquanto você procurar, não lhe será permitido encontrar. Enquanto você esperar a chegada da auto-realização, ela não virá. E todas as vezes que você começa a atuar em termos de futuro, você se manterá afastado de seu objetivo. Você diz: “estou esperando acontecer o meu encontro comigo mesmo, espero pela hora em que eu conhecerei o meu eu interior, o meu eu mais profundo”, e sempre que você estiver mantendo tal esperança, seu eu interior se mantém longe de você. A esperança pode existir e ser algo positivo para várias coisas na vida. Mas em se tratando da busca espiritual, ela é um empecilho. Mais do que isso, ela é uma doença, ela é um vírus. E enquanto o vírus se fizer presente, a saúde não pode ser restabelecida. Vírus e doença são formas de vida afins. Se você quiser ter saúde, elimine o vírus. Se você quiser encontrar sua iluminação, elimine suas esperanças. Elas não combinam; elas não tem nada a ver uma com a outra. E, da mesma forma que o futuro, o passado também é um vírus. E o momento presente é a panacéia, a cura de todos os males.

A busca deve ser destituída de esperanças. E todas as coisas que você faz, todos os esforços que você empreende, são em prol de um objetivo a ser alcançado. Ter esperanças e objetivos ocorrem conjuntamente, um segue ao outro como uma sombra. E a esperança não pode ser separada de seu objetivo. Quando você se envolve com um, você também relaciona com o outro. Você não deve ter metas. A meta mostra que você ainda está esperando pelo futuro.
Há tantas formas de se ter uma meta, que todas elas podem passar por você sem serem notadas. Você olha para o que está escrito em alguma escritura e se enche de esperança, porque você começa a desejar todas as coisas bonitas e promissoras que estão reveladas nela. Você descobriu que encontrar Deus é possível, e agora você passa a desejar a encontrar Deus... e você começa a buscá-lo. E o mesmo vale para pensamentos, filosofias, crenças, religiões... Essas esperanças lhe dão algo a que se agarrar. E deixá-las de lado é algo muito árduo de ser feito. Uma pessoa pode ficar muito zangada se alguém conseguir retirar todas as metas dela. As pessoas são tão viciadas em suas esperanças, que quando elas conhecem alguém em especial, como um mestre ou um guru, elas começam a ter esperanças através dele. Elas começam a dizer: “Este homem fará algo por mim. E agora que eu já encontrei alguém iluminado, não há mais necessidade de ter medo, porque mais cedo ou mais tarde eu vou me tornar iluminado.”. Esqueça! Ninguém pode fazer nada por você. Um mestre ou um guru iluminado podem fazer tanto por você, quanto uma pessoa que ainda não se tornou iluminada. A questão toda depende de você. Você é a sua resposta; a chave é você. VOCÊ é a única coisa que jamais se perdeu. E tudo o mais, além de você, teve de vir e ir... mas você permaneceu.

E a iluminação não é uma esperança. Ela não é um desejo e não está no futuro. Se você começa a viver este exato momento, você estará iluminado. Mas enquanto você estiver alimentando suas esperanças, você estará dizendo: “Amanhã!”. Então como queira... mas esse amanhã nunca irá acontecer. É agora ou nunca!
Então, ilumine-se agora! E você pode se iluminar porque você está... simplesmente iludido: simplesmente pensando que não é. O tempo não pode ser perdido. Isso pode ser feito imediatamente, porque não há necessidade de nenhuma preparação. Se houver preparação, então haverá uma meta a ser atingida.

E não pergunte como. No momento em que você pergunta como, você começa a ter esperanças. Não pergunte como e não diga: “sim, eu me tornarei”. Não é isso o que os ensinamentos dizem. O que eles dizem é que você já é iluminado. Eis tudo. Você aceita que você já é iluminado, nesse exato momento? Se você aceita, então toda sua busca cessa automaticamente; e você passa a estar satisfeito consigo mesmo da maneira como você se encontra... da maneira como você é. Então, tudo o que lhe acontece, você sente como se estivesse sendo dado de graça a você; você nunca pediu por nada, você nunca esperava nada, e é exatamente por isso que o que quer que lhe aconteça é algo belo e precioso. E a vida passa a ter uma qualidade muito mais profunda, e muito mais bonita. Você olha para ela com outros olhos... e você estará satisfeito com tudo.(...)


Quando você está em busca da verdade, você não deve preocupar-se com ela. A verdade é descompromissada com tudo. Seu único interesse é servir a tudo e a todos. Mas ela não espera nada em troca. Ela não pede para você se preocupar com ela. Ela estará sempre lá, não há nenhuma necessidade da sua parte. Ela pode vir até você, desde que você não esteja intencionado. Se você criar pretensões, a verdade foge de você, pois ela é muito frágil, pura... ela também é tímida.

Um dos maiores segredos da vida, é que a vida é uma dádiva. Ela lhe foi dada, você não a mereceu. A vida não é um direito seu. Você não pode merecê-la de maneira alguma, e não pode forçar a existência a torná-lo feliz e satisfeito. Esse esforço é do ego. Esse esforço cria infelicidade. Na própria busca por felicidade, você cria infelicidade para si. Mas quando você não busca, a felicidade vem atrás de você. Quando você esquece a felicidade, de repente se torna feliz. Quando você esquece o contentamento, de repente lá está ele. Sempre esteve perto de você, mas você não estava lá. Você estava pensando: “Em algum lugar no futuro tenho que alcançar um alvo, conquistar a felicidade, praticar o contentamento.”. Você estava no futuro, e a felicidade estava bem aqui ao seu redor.

Sim, a verdade é ociosa. Ela está sempre passando o tempo por aqui. E você foi buscar tão longe... volte para casa. E apenas seja! Não se incomode com a felicidade. A vida está aqui como uma dádiva; e a felicidade também vai estar aqui como uma dádiva.

Quando você procura demais, acaba se fechando; a própria tensão da procura e da busca o fecha. Quando você deseja demais, o próprio desejo se torna um estado tão tenso, que a felicidade não consegue penetrar você. A felicidade penetra você do mesmo modo que o sono: quando você desliga, quando você se entrega, quando você simplesmente espera sem expectativas, eles vêm.
Na verdade, dizer que eles vêm não é certo: eles já estão lá! Num ato de entrega, você os vê e sente, porque está relaxado. No relaxamento você se torna muito sensível. Quando você está relaxado, numa entrega total, não fazendo nada, não indo a lugar algum, não pensando em meta alguma, em alvo algum, então a felicidade aparece. E assim também o é com a verdade.

Você não deve fazer coisa alguma para ser feliz. Na verdade, você já fez coisa demais para se tornar infeliz. Se quiser ser infeliz, faça muito. Se quiser ser feliz, deixe que as coisas aconteçam. Tudo sem tensão, não ir a lugar algum, nem ao menos a idéia de ir a algum lugar... Estar somente aqui e agora – de repente tudo começa a acontecer. Descanse, relaxe e desligue-se.

Assim, se você criar expectativas, se você tiver pretensões, se você manifestar qualquer intenção que seja com relação a verdade, ela não vem até você. Qualquer coisa que você faça, é como atirar uma pedra num lago tranqüilo, calmo e silencioso: enquanto você nada fazia, havia uma bela imagem da lua refletida na superfície do lago. E no momento em que você começou a atirar pedras no lago, a imagem ficou distorcida, ficou destroçada e o lago começou a refletir uma imagem feia.

E você é um lago. E a verdade e a felicidade estão refletindo em você a todo instante. Basta você ficar sereno e silencioso... e uma linda imagem da felicidade e da verdade estarão refletindo no seu ser. Agite-se, e a felicidade torna-se infelicidade... e a verdade é distorcida. A verdade sempre está lá.

Assim, você não precisa buscar pela verdade; você não tem de tentar se tornar verdadeiro. Se você tenta se tornar, é porque você admite que ainda não é. Sempre que você busca a verdade, é porque você gostaria de se tornar verdadeiro. Então você pode ler avidamente um livro, praticar com empenho um ensinamento, ou você pode ir a algum mestre espiritual... mas intrinsecamente você terá admitido para si mesmo que você não é verdadeiro e, em qualquer tentativa que você faça, a expressão que você exterioriza é: “Eu gostaria de me tornar verdadeiro.”

E você não pode gostar ou não gostar. Não é uma questão de escolha sua. A verdade é! Se você gosta disso ou não é irrelevante. Você pode escolher mentiras, mas você não pode escolher uma verdade: a verdade está aí! Alguns mestres espirituais como Krishnamurti, Osho e outros, insistem na consciência sem escolha. Você não pode escolher a verdade. Ela já está aí, e não tem nada a ver com a sua escolha, goste você ou não.

E no momento em que você abandona a sua escolha, a verdade está lá. É devido às suas escolhas que você não pode ver a verdade. As suas escolhas funcionam como uma tela, como um filtro, diante de teus olhos, impedindo-os de ter uma visão clara da verdade. A sua atitude de gostar ou não gostar não é o problema. Pelo gostar ou não de algo, você não pode enxergar aquilo que existe.

Você diz: “Eu gostaria de me tornar verdadeiro”...
É dessa forma que você permanece não-verdadeiro. Você é verdadeiro! Abandone o gostar e o não gostar! Existir é verdadeiro, é ser real. Você está aqui, vivo, respirando... como pode você ser irreal? Escolha, goste, desgoste e você se perde. Aí você diz: “Eu gostaria de me tornar verdadeiro...” – então, em nome da verdade você também irá se tornar não-verdadeiro. Desejar se tornar verdadeiro é o caminho para se tornar não-verdadeiro... eis o paradoxo. Abandone esse desejo; não tente tornar-se algo. “Tornar-se” é tornar-se não-verdadeiro; e ser é ser a verdade. Eis tudo.

E veja a diferença: tornar-se está no futuro, existe uma meta. E ser é aqui e agora, já é o fato. Então, quem quer que você seja, seja apenas isso, não tente tornar-se algo a mais. O que quer, quem quer que você seja é belo. É mais do que suficiente; seja apenas isso. Pare de tornar-se e seja. Pare de tornar-se... pare com a sua busca.

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Perceber e Aceitar a Sua Natureza


A natureza do homem é a essência. É isso o que o homem tem de real em si: a sua natureza, sua essência. E a verdade já está inserida, está implícita na palavra "natureza". A verdade jamais pode advir de algo que não seja natural. Tudo o que é verdadeiro é natural.

Você não pode conhecer sua natureza. Ela é o desconhecido, é o misterioso. Nenhum esforço que você faça, por maior que seja, poderá revelar sua natureza interior. Você pode ser o homem mais notável da face da Terra, pode ser o homem capaz de realizar os maiores feitos do mundo, e mesmo assim você não será capaz de conhecer sua essência.

O conhecimento de sua natureza só pode se dar de forma direta e imediata. Então a mente não participa desse processo; ela fica de fora; a mente tem de ser posta de lado. E quando a mente entra em cena, ela começa a filtrar as coisas; tudo o que você vê é filtrado, todas as palavras que você escuta são filtradas pela sua mente, a mente filtra tudo. A mente é um filtro; você não consegue utilizar sua mente sem fazer interpretações, rotulações, julgamentos... Então, você não consegue ver as coisas acontecendo, pois o que quer que venha a surgir para você, estará maculado com conteúdos e valores assimilados pela sua mente.

Neste exato momento, muitas coisas estão acontecendo para você. Elas estão despidas, estão nascendo pela primeira vez. O que quer que esteja acontecendo agora é algo novo, é algo inédito. Isto nunca nasceu antes, em toda a história deste mundo. Tudo o que nasce agora, nasce como quando você nasceu pela primeira vez: nu, despido, puro. E olhar para estes acontecimentos com a mente, é tirar toda a pureza dos acontecimentos; a mente torna velho para você tudo o que está acontecendo no momento presente; você segue interpretando o presente em termos de passado. É por isto que tantos mestres espirituais insistem: “ponha sua mente de lado”; é impossível olhar para os fatos com a mente sem interpretá-los. Você deve, portanto, tornar-se senhor da sua mente e usá-la apenas nos momentos necessários. E quando você consegue olhar para os fatos da vida sem deixar a mente interferir, tudo é belo, tudo é extraordinário, tudo é valioso e único. Até mesmo os fatos que você julgava serem triviais tornam-se importantes; você pode reconhecer o valor de tudo. O que, antes, eram grandes coisas e pequenas coisas pra você, passam a ter a mesma importância, porque você descobre/percebe que elas não podem ser comparadas. Você vê que fazer comparações não tem o menor sentido. Pequeno e grande eram interpretações que sua mente fazia. Tudo é novo, tudo é único... e tudo possui sua respectiva importância. Cada coisa na existência ocupa o seu devido lugar e nada é em vão.

E lembre-se: A verdade nunca se torna uma memória. Mesmo quando você a conhece, ela nunca se torna uma memória. A verdade é tão vasta, que ela não pode ser contida na memória. Quando você atua pela memória, então você não vê o que é real naquele momento; você segue interpretando aquilo que você já havia visto antes. Você segue interpretando o presente em termos de passado; você segue impondo algo que não existe... e você segue não vendo as coisas que existem naquele momento. A memória tem de ser colocada de lado. A memória é algo bom, use-a, mas a verdade jamais foi conhecida através da memória.
Assim, a verdade será sempre desconhecida. Mesmo que neste momento você a veja, você não será capaz de reconhecê-la quando você a vir no próximo instante. Quando você a conhece, ela é nova. E sempre que ela voltar a acontecer, você a conhecerá novamente, e ela será outra vez nova. Ela nunca é velha; ela é sempre nova, ela é sempre fresca. E esta é uma de suas qualidades: a de que ela nunca tornar-se-á velha. Você nunca poderá saber dela de ante-mão; só é possível percebê-la no momento presente. Para você a verdade sempre é conhecida no momento presente; e para sua mente ela é sempre desconhecida.

Esse deve ser o olhar do iluminado: saber olhar para tudo, como se estivessem acontecendo pela primeira vez. Tudo é sempre uma novidade; você se surpreende com a vida a cada segundo que passa, pois nada do que acabou de lhe acontecer havia acontecido antes para você. Você poderia assistir o mesmo filme duas vezes, e ao assisti-lo pela segunda você desfrutaria dele como se o estivesse vendo pela primeira vez. Você poderá rir das mesmas piadas, se surpreender com as mesmas cenas. O olhar do iluminado é saber ver, por vários ângulos, a mesma e única coisa. Você olha para uma flor hoje, a aprecia e desfruta de sua beleza. Amanhã você olha para a mesma flor, mas você percebe que está olhando para algo inteiramente novo. Você não tem a obrigação de enxergar as mesmas coisas na flor, sempre e sempre.

E para isto, você deve viver mergulhado no desconhecido. Você tem de saber estar familiarizado com o misterioso, com a única coisa que você jamais conseguirá desvendar. E já que é impossível decifrar sua natureza interior, a solução do problema está em aceitá-la como sendo incognoscível. Essa é a única solução. É quase como um problema matemático que não apresenta nenhuma solução possível; então você o resolve colocando aquele símbolo do “E” ao contrário. Ora, quando um problema não tem solução, então solucionado ele está! Mas você precisa aprender a chegar na conclusão de que não há nenhuma solução possível para o problema. Somente então ele pode ser resolvido.

Assim, mesmo depois de ter atingido a iluminação, você não será capaz de saber, nem de dizer, se chegou completamente ou se chegou em parte. Você nunca irá saber. Um sentimento acompanhará você sempre, um sentimento de que você nunca sabe de nada. É como se você estivesse nascendo para a vida -- e você estará! --, a cada instante: tudo é sempre novo, tudo brota diretamente do desconhecido. Sócrates proferiu esta frase: “Só sei que nada sei”. Eis aí o significado dela. A verdade não pode ser conhecida. A natureza do homem não pode ser conhecida.

E o homem está constantemente lutando contra a sua natureza; ele não a aceita. Ela não é algo contra o qual se deva lutar. Fazer isso é tolice; é inútil porque ela não pode ser conhecida. Tentar conhecer sua natureza é lutar contra ela. E é isso o que o homem vem fazendo. Ele está tentando compreender sua natureza com sua mente; ele está tentando saber dela. Ele quer tornar a verdade um objeto de seu conhecimento. E isso não é possível; você não pode desdobrar a única verdade existente em duas verdades, do contrário ela perde seu sentido. Depois de desdobrada em duas, apenas uma delas é que será a verdade e a outra não será. A verdade só pode ser uma. Não é possível que haja duas. Depois que sua mente divide a Realidade em duas partes, então qual delas será a verdadeira? Será o sujeito que analisa o objeto, ou o objeto analisado pelo sujeito? Se isto acontecer, você cai dentro de um dilema: "Onde está a verdade? Ela está aqui comigo, ou está lá com o objeto que eu estou observando?". É por isso que você não pode observar, não pode conhecer, não pode saber o que a verdade é. Porque, se você pudesse observar a verdade, então ela estaria lá e você estaria aqui. E o homem, como um sujeito observador, jamais poderia admitir-se como sendo algo não-verdadeiro. Se aquilo que está lá é a verdade, o que é você então? Você consegue conceber para si mesmo que você é uma mentira? A resposta é que não; ninguém o faz. Assim, dividir a Verdade em duas e querer que o sujeito e o objeto sejam ambos verdades, é querer demais. Isso vai contra a natureza da Verdade, pois ela só pode ser uma.

O processo de "conhecer algo" significa que o conhecimento não existia anteriormente e que, de repente, passou a existir. Quando você conhece algo, o objeto que se tornou conhecido por você não é eterno. Isso também indica que nem mesmo o seu conhecimento é eterno: eles surgiram, ambos, ao mesmo tempo. E é por isso que a verdade não pode ser conhecida, ela é eterna; você nunca deixou de sabê-la; você sempre soube dela. Como você pode, então, vir a conhecê-la? Não, você não pode.

É como quando você já conhece o que é o céu, e de repente você começa a dizer "eu quero conhecer o que é o céu". É uma grande idiotice. Você não pode conhecer o céu duas vezes; apenas uma única vez já basta. Depois de conhecido uma vez, você pode empreender todos os esforços no sentido de conhecê-lo novamente, mas eles serão em vão. O céu só pode ser conhecido uma vez, e isto já foi feito. Aquilo que já está consumado, está consumado... e não há mais nada que você possa fazer.

O mesmo se aplica quanto a você conhecer a sua Natureza, mas aqui há uma pequena peculiaridade: você sempre soube dela. A diferença da sua natureza para o céu, é que o céu pode ser conhecido uma única vez. Mas, sua natureza não pode ser conhecida sequer, pela primeira vez. E veja: tentar conhecer sua natureza pela primeira vez é como tentar conhecer o céu pela segunda. Você não poderá conhecê-la de novo, por mais que tente. Você já conhece o que é a Verdade.

Assim, todo esforço é inútil. Isto é muito importante e tem de ser compreendido: a Verdade não pode ser conhecida, ela tem de ser aceita. Isso precisa ficar muito bem claro na sua mente; essa compreensão precisa entrar e ficar impressa em você, de tal forma, que você desista de tentar conhecê-la... de forma que você aceite que a verdade é incompreensível. Somente depois disso é que você tornar-se-á apto para aceitar e perceber que você já a conhece.

Sim, você já conhece essa verdade. Mas você a conhece pelo seu não-conhecer. A sua aceitação de que a verdade não pode ser conhecida de forma alguma traz consigo uma compreensão muito sutil. A sua aceitação de que esse problema não tem solução traz a solução do problema. É esta aceitação que te mostra que você sempre soube de sua natureza – apenas não estava consciente dela --, mas agora você se lembrou. O segredo é você se familiarizar, estar imerso, mergulhado, e aprender a se manter consciente desse seu não-saber, que você sempre soube.
E, mais uma vez, aceitar é a solução... Namastê!