"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

sexta-feira, setembro 21, 2012

Apresentando a cosmologia do Universo - 1/2

Este post é sequência e continuação da postagem anterior. Se você estiver entrando hoje, acessando-o sem ter lido o texto antecessor, pode ser que não aproveite totalmente o assunto que está sendo tratado. Sugerimos que antes de seguir adiante neste texto, leia primeiro este outro clicando aqui.




A existência de Iswara como um Deus governante do universo ilusório dualístico ao lado de Deus Absoluto que nada tem a ver com as manifestações da dualidade parece ser algo um tanto difícil de se conceber. É preciso ter em mente que Iswara só existe "ao lado" do Ser Absoluto quando está se falando do referencial relativo da dualidade. Apenas assim essa informação é válida. Se, ao revés, levarmos em conta o referencial absoluto, Iswara não ocupa lugar nenhum na existência - Deus é tudo e Iswara é nada. Num diálogo ocorrido com um devoto, Ramana Maharshi explana acerca do Ser Absoluto e o Deus Iswara:

Pergunta: Existe um ser separado, Iswara, que é o recompensador das virtudes e o punidor dos pecados? Existe um Deus? Como ele é?

Bhagavan: Sim, existe. Iswara tem individualidade num corpo e mente que são perecíveis, mas ao mesmo tempo, internamente ele tem a consciência transcendental e a liberação. 

Iswara, o Deus pessoal, o criador supremo do universo, realmente existe. Mas isso é verdade apenas do ponto de vista relativo daqueles que não realizaram a Verdade, aquelas pessoas que acreditam na realidade das almas individuais. Do ponto de vista absoluto, o sábio não pode aceitar nenhuma outra existência além do Ser impessoal, uno e sem forma. Iswara tem um corpo, uma forma e um nome, mas não tão grosseiro quanto esse corpo material. Ele pode ser visto em visões na forma criada pelo devoto. 

As formas e os nomes de Deus são muitos e variados, e diferem com cada religião. Sua essência é a mesma que a nossa, o Ser real sendo apenas um e sem forma. Portanto, as formas que ele assume são apenas criações e aparências. Iswara é imanente em cada pessoa e cada objeto do universo. A totalidade de todas as coisas e todos os seres constitui Deus. 

Há uma força da qual uma pequena fração tornou-se todo este universo, e o restante está em reserva. Esse poder reservado e esse poder manifesto na forma do mundo, juntos constituem Iswara.

A explicação acima, de Ramana Maharshi, apresenta a carcaterística de um ensinamento Absoluto. E confere validade a tudo o que foi explanado na postagem anterior. O absoluto não se concilia com o relativo, porque o relativo não existe.

O que este texto tem para falar, o mundo não gosta de ouvir. O mundo tende a rejeitar a verdade abrangida pelos ensinamentos absolutistas (ensinamentos nº 1), pela simples razão de que o mundo é uma existência relativa e os ensinamentos absolutistas apontam para a iluminação de um Universo Absoluto, sem relatividades. Todo o universo da relatividade está, portanto, excluído do universo absoluto, de maneira que a existência absoluta nada tem a ver com a existência relativa. A verdade absoluta importa na aniquilação ou extinção de todas as relatividades; onde está o absoluto, o relativo não está. Quando o Absoluto se manifesta, o relativo desaparece. Estes ensinamentos dizem que tal verdade pode ser experienciada, e denominam "Revelação" uma experiência de tal porte. Durante a experiência da Revelação, a ilusão de mundo irá sumir, e a verdade revelará que nada disso jamais existiu. Apenas Deus existe!

A palavra "revelação" também é utilizada no sentido de "informação". Uma revelação nos informa a verdade sobre nós mesmos e sobre o universo. Todas as informações a respeito da realidade absoluta contradirão aquilo que a mente relativa tem como verdade. Se para a mente relativa a separação e a dualidade são existência reais, uma revelação informará que a separação e dualidade não existem, e que a realidade é unidade e unicidade. Por isso, quando uma informação sobre a verdade absoluta é trazida para o âmbito do universo relativo, é como se tal informação provocasse uma espécie de "incômodo", "indigestão" ou "mal estar" na mente universal que sustenta a relatividade, e ela reagisse com uma forte vontade "vomitar" ou "repelir" aquilo. Portanto, esse é um ponto, ou princípio, que deve ser muito bem guardado: a existência relativa, a fim de se conservar, tende a repelir o Absoluto.

Quando uma informação autêntica sobre o mundo do absoluto chega aos homens que se percebem viver num mundo relativo, tal informação é considerada como sendo uma revelação. E uma revelação não é uma mera informação. Uma informação provinda do absoluto é diferente de uma informação oriunda do próprio mundo relativo. A revelação é uma informação que vem do Alto, de um lugar onde o “baixo” não pode alcançar.

A fim de compreender melhor isso, considere o seguinte exemplo: você está atravessando a pé um deserto. O local onde você se encontra está distante de absolutamente tudo e todos, e não há meio ou sinal disponível para se comunicar com ninguém. Nessa situação, você olha ao longe e vê um camelo se aproximando em sua direção, e constata que a pessoa montada no camelo estava te procurando. Ela diz: "Estava a sua procura. Tenho uma carta contendo uma informação importante para você. Por favor, tome-a." Você pega a carta em suas mãos e a lê. E se informa do que nela está escrito: “sua mãe está doente e fraca.” E ao ler isso você imediatamente se entristece. De repente, quando você olha para frente, a pessoa foi embora e já está sumindo ao longe no horizonte. Você fica sozinho com a sua carta. Fim do exemplo.

No caso deste exemplo, a pessoa que recebeu a carta não tem como ir por si mesma verificar ou conferir se sua mãe está realmente doente ou não. Ela está distante de sua casa, de sua cidade, não há como fazer nenhum contato para se comunicar. Ela está isolada. Na situação em que a pessoa do exemplo se encontra, tudo o que ela poderá fazer com relação à informação contida na carta é aceitar ou rejeitar, confiar ou não confiar. Dadas as circunstâncias, a pessoa não tem escolha. A única relação possível de existir entre ela e a informação contida na carta é uma relação de aceitação. No caso do exemplo, a pessoa ficou triste sem ter tido possibilidade alguma de averiguar o fato por si mesma.

Então, continuando um pouco mais com a história do exemplo: no dia seguinte, a pessoa do deserto vê novamente o camelo se aproximando em sua direção. O homem do camelo diz: “tenho outra carta para você. Aquela que eu lhe entreguei ontem estava equivocada. Esta é a carta certa, por favor, pegue-a.” Ao ler a informação contida na carta, a pessoa descobre: “Sua mãe está muito bem, cheia de energia, alegre e feliz!”. Ao receber essa informação, ela imediatamente fica feliz. Novamente, a pessoa não tinha como ir conferir se isto é ou não verdade. Apesar disso, a informação teve o poder de causar um impacto poderoso na mente e no ser da pessoa.

Isto é uma revelação: uma mensagem trazida do Alto, uma informação oriunda de um lugar onde não há nenhuma possibilidade de irmos conferir a fim de ter alguma certeza. A única relação possível de existir entre nós e uma revelação é uma relação de aceitação. Ou nós a aceitamos, ou não a aceitamos. Se formos capazes de aceitá-la ela causará o seu impacto em nosso ser, e as coisas começarão a se transformar, até que haja a percepção. Começam com aceitação e terminam com a percepção. Se não for aceita, tudo continuará aparentemente como sempre foi.

Os ensinamentos absolutos trabalham com princípios e com revelações. Aceitar o que está sendo informado é muito mais proveitoso do que exercer a lógica, o raciocínio ou a investigação a fim de conferir a sua veracidade. Por essa razão, os ensinamentos absolutos não se preocuparão em esmiuçar a ilusão. A ilusão não existe. Não pergunte “por que” ela não existe, pois o que não existe simplesmente não existe. Essa é a “lógica”! Se buscarmos a origem daquilo que “não existe”, estaremos partindo do pressuposto de que “existe”.

Apesar disso, ou seja, apesar de os ensinamentos absolutos não se preocuparem em explicar como surgiu a ilusão, alguns deles apresentam uma cosmologia metafísica explicitando a (suposta) origem e o (suposto) propósito do universo ilusório dualístico. Mas, apesar de eles propiciarem explicações bastante pertinentes sobre o surgimento da dualidade, advertem seriamente - e em primeiro lugar – que a ilusão nunca surgiu. Ressalvada essa premissa maior, eles prosseguem explicando o surgimento da ilusão. 

A verdade é que não existe uma explicação única e verdadeira para o surgimento da ilusão. Explicar a origem da ilusão não é como explicar, por exemplo, a origem da civilização do povo asteca. Isso porque, quando se está expondo sobre o surgimento dos astecas, está-se falando sobre um fato fixo, substancial, concreto. A história da origem dos astecas só pode ser uma. Mesmo que os historiadores lidem com  várias hipóteses e não saibam qual é a real sequência dos fatos, o certo é que apenas uma sequência será a verdadeira. A ilusão, por sua vez, é insubstancial em todos os seus aspectos. Devido à natureza da ilusão, a explicação sobre a história do seu surgimento não terá as mesmas características. De fato, há como explicar o (suposto) surgimento da ilusão, porém não há uma explicação única. É possível ter infinitas explicações. É possível construir, através de símbolos e linguagens simbólicas, um sistema de pensamento inteligente que torne o mistério do surgimento do universo uma clarificação mais plausível para o intelecto. Pode apenas torná-lo mais plausível, mais aceitável. Porém, nunca algo efetivamente verdadeiro.

Há uma vantagem em oferecer ao intelecto uma explicação plausível ou aceitável sobre um universo que não pode efetivamente ser explicado: ao receber uma explicação admissível, a mente sente-se até certo ponto satisfeita e faz diminuir em nós as suas inquietações mentais. Com a mente quieta, há em nosso ser menos perturbação e mais calma. E quanto menor for a inquietação mental, maior será o terreno preparado para que se dê a percepção da verdade. Portanto, essa é a razão pela qual alguns ensinamentos absolutistas, apesar de negarem completamente a existência de um universo ilusório, possuem uma explicação plausível e pertinente para ele.

É o caso de Um Curso em Milagres, que oferece uma explicação brilhante para a origem do universo dual. Para explicar sobre isso, o Curso se baseia na linguagem cristã que concebe Deus como a Trindade Una "Pai", "Filho" e "Espírito Santo". Nos ensinamentos desse livro, na parte em que consta "Introdução ao Curso em Milagres", está exposto o seguinte:

* "A primeira Pessoa da Trindade, obviamente, é Deus. Deus é a Fonte de tudo o que é. O Curso frequentemente refere-se a Ele como o Pai, que mais uma vez é claramente parte da tradição judaico-cristã. Ele também é chamado de Criador, e tudo vem d’Ele. A natureza de Deus, em essência, é puro espírito e, porque Deus é imutável, sem forma, eterno, e espiritual, nada que não compartilhe esses atributos pode ser real. É por isso que o Curso diz que o mundo não é real e não foi criado por Deus. O mundo é mutável; não é eterno, e a sua forma é material. Portanto, não pode ser de Deus.

A segunda Pessoa da Trindade é Cristo. O que aconteceu na criação é que Deus naturalmente estendeu a Si mesmo. O estado natural do espírito é estender-se e fluir. A extensão de Deus é criação e a criação é conhecida como o Filho de Deus ou Cristo. O que é difícil para a nossa compreensão nisso é que as únicas palavras ou conceitos que podemos usar são aqueles do nosso próprio mundo, um mundo feito de percepção, que é limitado por tempo e espaço. Esse é o universo material que nós fizemos para substituir o Céu. Contudo, a elaboração dessa ideia está além do escopo dessa palestra de um dia.


No Céu, todavia, não há tempo ou espaço. Quando pensamos em Deus estendendo a Si mesmo, a única imagem que podemos ter é baseada em espaço e tempo, que não seria correta. Como o Curso nos diz nessas ocasiões, não vale a pena nem tentar compreender algo que não pode ser compreendido. O livro de exercícios usa a expressão “devaneios sem sentido”, e isso realmente é assim. Como Um Curso em Milagres declara, só podemos apreender a verdade através de uma experiência de revelação, e não poderíamos colocar isso em palavras; as palavras são apenas símbolos de símbolos — são, portanto, duplamente afastadas da realidade.


O Filho de Deus ou Cristo também estende a Si mesmo. A extensão de Deus é Seu Filho, e Ele é chamado Cristo. Cristo é um só: existe apenas um Deus e apenas um Filho. Em outras palavras, o Filho de Deus também estende o Seu espírito de modo similar a Deus estendendo Seu espírito. Isso nos leva a um dos termos mais ambíguos no Curso: “criações”. Quando o Curso se refere às criações, ele está se referindo as extensões do espírito de Cristo. Assim como Deus criou Cristo, Cristo também cria. E as extensões de Cristo no Céu são conhecidas como criações. Essa é uma área que o Curso não tenta explicar. Quando encontramos essa palavra é suficiente compreendermos que ela apenas significa o processo natural de extensão do espírito.


Um Curso em Milagres torna muito claro, e esse é um ponto muito importante, que apesar de nós, enquanto Cristo, criarmos como Deus, nós não criamos Deus. Nós não somos Deus. Somos extensões de Deus, somos Filhos de Deus, mas não a Fonte. Existe apenas uma Fonte e essa é Deus. Acreditar que somos Deus, que somos a Fonte do Ser, é fazer exatamente o que o ego quer, e isso é acreditar que somos autônomos e podemos criar Deus assim como Deus nos criou. Se você acreditar nisso, está construindo um círculo fechado do qual não há saída, porque está dizendo que você mesmo é o autor da sua própria realidade. O Curso se refere a isso, como o problema da autoridade. Nós não somos o autor da nossa realidade; Deus é. Uma vez acreditando que somos Deus, estamos nos colocando em competição com Ele e, nesse caso, realmente temos problemas. Este é, obviamente, o erro original.


No começo, que transcende o tempo, havia apenas Deus e Seu Filho. Era como uma grande família feliz no Céu. Em um estranho momento, que na realidade nunca ocorreu, o Filho de Deus acreditou que ele podia se separar de seu Pai. Esse foi o momento no qual a separação ocorreu. Na verdade, como nos diz o Curso, isso nunca podia ter acontecido, pois como será possível uma parte de Deus se separar de Deus? Contudo, o fato de estarmos todos aqui, ou de pensarmos que estamos todos aqui, pareceria indicar outra coisa. O Curso não explica realmente a separação; apenas diz que é assim. Não tente perguntar como o impossível poderia ter acontecido, porque não poderia. Se perguntar como aconteceu, você cai de novo no erro." (Introdução)

* "O ego vai pedir muitas respostas que esse curso não dá. Ele não reconhece como perguntas a mera forma de uma pergunta à qual é impossível dar uma resposta. O ego pode perguntar: “Como ocorreu o impossível?”, “Para que aconteceu o impossível?” e pode perguntar isso de muitas formas. Entretanto, não há nenhuma resposta, apenas uma experiência. Busca somente isso, e não deixe que a teologia te atrase." (Esclarecimento de Termos)

Este ensinamento enfatiza:

* "Total consciência não é algum estado mítico inatingível, é o seu estado natural: completamente vivaz e totalmente desperto na Realidade, em que vocês sempre existiram desde o momento de sua criação. Aquilo que vocês experimentam na Terra, na ilusão, é que é IRREAL. Seu Pai os criou a partir do Amor - na alegria! - e neste estado de alegria vocês existem eternamente. NÃO HÁ OUTRO ESTADO! E sim, suas experiências na Terra, na ilusão, parecem mesmo convincentemente reais, e com frequência perigosamente inseguras. Mas, como a razão deixa bem claro para vocês, se vocês acompanharem-na com sua inferência lógica, esse estado aparente só pode ser irreal. Deus, seu Pai Divino, é infinito Amor incondicional indiscriminado. Lá no fundo, no centro de seu ser, vocês sabem disso. Nada pode destruir ou erradicar este amor, porque ele é a verdade ali colocada por seu Pai para estar permanentemente com vocês, como parte de seu estado eterno e divino de existência. É verdadeiro, real e eterno, e não existe mais nada, porque mais nada é necessário. Se fosse necessária mais alguma coisa, então Deus teria falhado! E essa possibilidade não existe e nem poderia existir. Ela é irreal."

* "O mundo que vês é uma ilusão de um mundo. Deus não o criou, pois o que Ele cria tem que ser eterno como Ele próprio. No entanto, não há nada no mundo que vês que vá durar para sempre. Algumas coisas que vês durarão no tempo um pouco mais do que outras. Mas virá o tempo no qual todas as coisas visíveis terão um fim." (Clarificação-4.1)

Portanto, quando os ensinamentos absolutos afirmam que o universo ilusório não existe, tal informação é uma revelação, e deverá ser tratada com tal. Só existe o Universo Real. O Curso afirma que cedo ou tarde, as pessoas deverão chegar ao ponto crucial de fazer a pergunta "Como o impossível aconteceu? Como poderia a perfeição, como poderia um Deus perfeito algum dia ter permitido o surgimento da separação?". Esses tipos de perguntas deveriam ser chamadas de "as perguntas mais importantes". O Curso alerta que tais perguntas carregam em si desde o início uma suposição errônea, porque todas elas são  basicamente uma declaração, uma afirmação de uma verdade em que se acredita: "o impossível aconteceu". Cuidado com as suposições! Não haverá teologia no mundo que virá para resolver isso. Haverá uma experiência que acabará com as suas dúvidas.

Continuando sobre a relação entre Universo Real e universo aparente.

Geralmente nós olhamos para a Natureza e suas obras e pensamos: "que obra linda, que bela, que divina, que perfeição criada por Deus!". Apesar de as obras paradisíacas da natureza serem belas aos nossos olhos, existem ainda obras infinitamente mais belas que o olho humano não consegue enxergar. A fim de diferenciar a existência do universo espiritual perfeito criado por Deus e a existência de um universo fenomênico projetado pela mente, Mahasaru Taniguchi explica a um adepto que levantou as seguintes indagações:

Iwamura - Entendo que o nosso corpo carnal imperfeito seja projeção da mente, mas a Natureza, as árvores, os astros, etc., em seu estado atual não é exatamente como Deus a criou? Parece-me que na pureza do céu azul ou na beleza do verde das árvores não há mínimo de pensamento impuro...

Taniguchi - Por mais que nos pareça puro ou belo, todo este mundo perceptível aos cinco sentidos é mundo da projeção. Pensar que este mundo, assim como se apresenta, já é o mundo verdadeiro, o mundo da existência verdadeira, é um erro. De fato, o céu azul é límpido e puro, as árvores são verdes e belas. Neles existe o reflexo do mundo verdadeiro. Mas a beleza do mundo verdadeiro nem se compara com essa beleza imperfeita projetada. Este mundo fenomênico é um mundo da ilusão, em que a beleza do mundo verdadeiro se reflete de maneira impefeita; nele, luz e treva estão mescladas. A consciência de que somos filhos de Deus é a luz, a realidade. A ilusão que admite sermos a matéria chamada corpo carnal é a treva, a falsidade. Mistura de luz e treva, de realidade e falsidade - é isto que caracteriza este mundo. Se toda a natureza perceptível aos cinco sentidos fosse a realidade tal qual Deus criou, a lei do mais forte que vigora entre os animais - a cobra que devora o sapo, o leão que mata e come o carneiro - também seria real. Se fosse assim, não poderíamos dizer que Deus é amor, nem que Deus é harmonia. Quando se admite que o mundo perceptível aos cinco sentidos é, assim mesmo, o mundo verdadeiro criado por Deus, invalida-se e se contradiz a Verdade de que Deus Criador é Bem.

Iwamura - Se este mundo imperfeito perceptível aos cinco sentidos não é o mundo tal qual Deus criou, e sim um mundo da ilusão onde se projeta imperfeitamente o mundo verdadeiro criado por Deus, o que seria esse mundo da ilusão?

Taniguchi - O mundo da ilusão não existe verdadeiramente. Quando uma coisa inexistente aparenta existir, é ilusão. Se algo existente mostra que existe, é realidade e não ilusão. Na verdade, a ilusão propriamente dita não existe. Sendo a ilusão algo inexistente que aparenta existir, desaparecerá se conhecermos a Verdade.

Iwamura - E por que é que se tem a ilusão de que uma coisa inexistente existe?

Taniguchi - Isso, em budismo, também constitui uma questão assaz complicada, e existe o que se chama "Teoria da Origem da Ilusão". Ainda não houve um só filósofo no mundo que tenha conseguido explicar de maneira convincente de onde surgiu a ilusão. Há quem explique com a teoria do surgimento causal, isto é, que "aquela ideia surgiu por acaso", mas não é considerada uma explicação satisfatória. Na minha opinião, já que a ilusão não existe verdadeiramente, o próprio fato de buscar a origem daquilo que é inexistente é ilusório. Se buscarmos a sua origem, estamos pressupondo que existe. Mas não adianta buscar insistentemente a origem do que não existe.

Iwamura - Como podemos saber que não existe?

Taniguchi - Enquanto ficarmos buscando insistentemente a sua localização ou a sua origem, não compreenderemos que a ilusão não existe. Quando deixarmos de lado o que não existe e conscientizarmos do que existe realmente - a Verdade sagrada de que somos filhos de Deus -, a ilusão revelará por si a sua verdadeira natureza que é a inexistência e desaparecerá. Não existe outro meio de provar a inexistência da ilusão. (A Verdade da Vida, vol. 16,  capítulo 3)

No livro 11 da Verdade da Vida (livro que discorre acerca da origem da criação sob a ótica do Gênesis bíblico), Masaharu Taniguchi escreve que a cosmologia bíblica relata que o mundo foi criado duas vezes. A interpretação da Seicho-No-Ie afirma que no capítulo 1 do Gênesis a Bíblia narra a criação do Mundo do Jissô, ao passo que o capítulo 2 descreve o surgimento do universo fenomênico, após a suposta queda do homem. Nesse sentido, ele descreve:

* O que o Gênesis registra, do segundo capítulo em diante, é a descrição do mundo fenomênico através da ilusão. A teoria budista de que "o mundo foi criado pela treva (ilusão) e não por Deus criador" corresponde ao que o Gênesis descreve daqui para a frente. Portanto, o mundo material, isto é, o "mundo da projeção mental", não é criação de Deus. Quando a Seicho-No-Ie diz que "Deus criou o Universo", está se referindo ao Universo anterior à ilusão e às condições anteriores ao encobrimento do Mundo da Imagem Verdadeira (página nº 72).

* O versículo 2 do segundo capítulo - "E Deus acabou no sétimo dia a obra que tinha feito" - significa que a criação espiritual do Universo de Deus foi concluída; a criação verdadeira já foi feita. Portanto, toda a criação descrita daí em diante não é criação de Deus, mas sim criação da ilusão, criação falsa, resultante da projeção da realidade distorcida pela lente da ilusão de que "a matéria é existência real". (pp. 73)

* Várias vezes tenho dito: o universo material não é o Universo Real, ou seja, o mundo da Imagem Verdadeira, e sim projeção deste. Como projeção, reflete o mundo da Imagem Verdadeira. (A Verdade da Vida, vol. 11, pp. 64)

* A criação do Universo por Deus é a criação espiritual no mundo da Imagem Verdadeira, anterior ao mundo material. E, porque tudo que existe no mundo da Imagem Verdadeira é perfeição suprema e não existe uma única coisa que seja imperfeita, assim diz a Bílbia: "Deus viu todas as coisas que tinha feito, e eram muito boas". Somente o mundo da Imagem Verdadeira criado por Deus é existência verdadeira, e tudo o que ali existe é perfeito e impecável. Se parece existir imperfeição (doença, disputa, miséria, sofrimento, tristeza, etc.), isso é ilusão. Esta compreensão é o despertar espiritual que constitui o fundamento da cura metafísica da Seicho-No-Ie. (A Verdade da Vida, vol. 11, pp. 71)

* A Seicho-No-Ie não diz para acreditar cegamente em Deus. Ela diz: "Compreenda Deus e a obra verdadeira de Deus através da sabedoria para compreender a Verdade; não acredite às cegas; conheça aquilo que é autêntico, eterno e real, distinguindo-o daquilo que é falso. Conhecer o autêntico é a crença verdadeira que conduz à felicidade;  a crença que não reconhece o autêntico é superstição, e a superstição gera o infortúnio." A crença verdadeira consiste em reconhecer Deus e o mundo perfeito que Ele criou e afirmou ser "muito bom", como a única existência verdadeira, plena de amor. (pp. 76)

Há ensinamentos cristãos que, devido à narrativa bíblica, admitem que o homem perfeito criado por Deus foi tentado pela "serpente" perniciosa a comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Comendo desse fruto, o homem desobedeceu  a Deus, cuja a recomendação foi a de que não comesse, e, por isso, acabou sendo expulso do Paraíso Perfeito (mundo do Jisso). Como consequência de sua expulsão, o homem viu-se dentro de um universo ilusório imperfeito. Isso é o que os ensinamentos consideram "a queda do homem". Sobre esse assunto, a Seicho-No-Ie explana:

A "árvore da vida" e a "árvore do conhecimento do bem e do mal". A primeira é a árvore da Verdade e simboliza a sabedoria verdadeira, como a enfatizada pela Seicho-No-Ie, de que "todas as existências verdadeiras são criações de Deus, portanto são vida e perfeição". A segunda simboliza a inteligência humana, presa à matéria que dualiza "isto é bem, isto é mal", ou seja, que acredita: "o mal, a imperfeição, a doença e a infelicidade também são existências reais". Deus é Amor e Sabedoria; portanto, não poderia ter criado a "árvore do conhecimento do bem e do mal" para que o homem, comendo o fruto dela, se tornasse uma criatura má e punível com a expulsão do jardim do Éden. Semelhante árvore não existe na realidade; ela simboliza a treva (ilusão) em contraposição à sabedoria divina (árvore da vida).  (pp.76)

A Seicho-No-Ie tem a característica forte de afirmar que para se conhecer a verdade a ilusão tem de ser negada! O eu fenomênico deve ser negado, ao invés de admtido como uma das manifestações do Eu verdadeiro. O mundo fenomênico deve ser negado, ao invés de ser admitido como abrangido pela universo verdadeiro. Tire da frente o fenômeno, e a existência real será percebida. Comparativamente, é como se houvesse uma cortina escura na frente de uma cena. Remova a cortina e a cena será percebida. Em outros volumes da coleção, o venerável Mestre explica:

* A filosofia da Seicho-no-ie parte da negação de tudo quanto pode ser captado pelos sentidos. Em vez de ensinar que devemos aceitar docilmente a "realidade do mundo apreensível aos sentidos, tal como ela é", ensina que o mundo captado pelos sentidos não é realidade. A "realidade tal como é" existe no mundo verdadeiro (mundo do Jisso) e é a realidade da perfeição, da bondade e beleza supremas, na qual não há lugar para sofrimentos e tristezas. Em outras palavras, a Seicho-no-ie admite, não a realidade do mundo visível tal como ela é, mas sim a realidade do mundo que transcende os sentidos, a qual pode ser apreendida naturalmente após a negação total do mundo visível aos olhos carnais.  O mundo perceptível aos sentidos é projeção imperfeita do mundo do Jissô (mundo verdadeiro). Assim sendo, quando afirmamos o mundo verdadeiro após havermos negado a "sombra projetada" (o mundo apreensível aos sentidos) e apagado todas as ilusões - do mesmo modo que traçamos a figura correta de algo no quadro-negro, após apagar o desenho mal feito -, o aspecto perfeito do mundo verdadeiro projeta-se corretamente neste mundo material. E então encontramos a salvação também neste mundo dos cinco sentidos. (V.V., volume 12)

* "Na Seicho-No-Ie negamos totalmente o fenômeno dizendo 'o fenômeno não existe', e, somente então dizemos que 'tudo o que existe é bom', vendo apenas a existência verdadeira. A negação da matéria, preconizada pela Seicho-No-Ie não é a "negação pela negação', e sim a 'negação que conduz à grande afirmação' (V.V, volume 14).

Masaharu Taniguchi sempre encontrou com pessoas que, por mais que tentassem, não conseguiam de modo algum compreender a filosofia da negação da matéria preconizada pela Seicho-No-Ie, e assim repeliam os ensinamentos da Seicho-No-Ie, taxando-os como filosofia falsa e supersticiosa. Masaharu Taniguchi deparava-se aos montes com pessoas assim. Isso levou-o a escrever:

* Há pessoas que refutam a irrealidade do “eu fenomênico” pregada pela Seicho-no-Ie, argumentando: “Se o eu fenomênico não existe realmente, a quem vocês pregam a Verdade? Penso que a religião não consiste em pregar a Verdade ao eu verdadeiro, que está salvo desde o princípio. Se se prega a Verdade, é porque existe o eu fenomênico, que não está salvo”. Realmente, é muito difícil compreender o que seja a negação do eu fenomênico, visto que ele parece existir concretamente como “eu” que está, neste momento, refletindo, duvidando, questionando... (V.V. volume 14)

Continua...

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