"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

segunda-feira, fevereiro 01, 2016

A Renúncia


  - Ramana Maharshi - 


Quando perguntado sobre como um chefe de família se encaixa no esquema da Libertação, Bhagavan disse: 

Por que você pensa que é um chefe de família? Se você se tornar um asceta (sannyãsi), um pensamento similar de que você é um asceta vai assombrá-lo. Quer você continue como chefe de família ou renuncie a tal condição e vá para a floresta, sua mente vai junto com você. O ego é a fonte de todo o pensamento. Ele cria o corpo, o mundo e faz você pensar que é um homem do mundo. Se você renunciar ao mundo, o pensamento de que você é um asceta substituirá o de que você é um chefe de família, e o ambiente da floresta substituirá o de casa. Mas os obstáculos mentais ainda estarão lá. Eles inclusive aumentam em novos ambientes. Mudar de ambiente não ajuda em nada. O obstáculo é a mente. Ela deve ser superada, seja em casa ou na floresta. Se você pode fazê-lo na floresta, por que não em casa? Então para que mudar de ambiente? Seus esforços podem ser feitos agora mesmo, qualquer que seja o ambiente em que se encontre. O ambiente jamais muda conforme o seu desejo.

Se objetos tivessem uma existência independente, isto é, se existissem em algum lugar qualquer separado de você, então seria possível afastar-se deles. Mas eles não existem separados de você; eles devem sua existência a você, a seus pensamentos. Portanto, onde você poderia ir para escapar deles?

Para onde você pode ir para fugir do mundo e de seus objetos? Eles são como a sombra de um homem, da qual ele não pode fugir. Há uma história engraçada de um homem que queria enterrar a própria sombra. Ele cavou um buraco fundo e, vendo sua sombra lá embaixo, alegrou-se de poder enterrá-la nas profundezas. Começou a encher o buraco, e quando estava completamente cheio, ficou surpreso e desapontado ao ver a sombra em cima novamente. Da mesma forma, os objetos e os pensamentos sobre eles estarão sempre com você, até que você realize o Ser. (...)

(...) Por que os seus deveres ou ocupações na vida deveriam atrapalhar o seu esforço espiritual? Por exemplo, há uma diferença entre suas atividades em casa e no trabalho. No trabalho você está desapegado: você apenas cumpre o seu dever e não se importa com o que vai acontecer, não está preocupado com o ganho ou a perda do seu chefe ou empregador. Os seus deveres com a família, por outro lado, são desempenhados com apego: você está sempre preocupado se as suas ações vão trazer benefício a você e sua família. Mas é possível desempenhar todas as atividades da vida com desapego e ver apenas o Ser como real. É errado pensar que se você permanecer fixado interiormente no Eu Real as obrigações da vida não serão bem desempenhadas. 

É como um ator no palco: vestido do personagem, ele age como tal e até sente que é parte da peça, mas na verdade sabe que na vida real não é o personagem, mas outra pessoa. Da mesma maneira, por que deveria a consciência do corpo ou o sentimento 'eu-sou-o-corpo' lhe perturbar, uma vez que você saiba que na verdade você não é o corpo mas sim o Eu Real? Nada que o corpo faça deve afastá-lo da permanência como Eu Real. Permanecer fixado no Eu Real não irá interferir com o desempenho adequado e efetivo de quaisquer deveres que o corpo tenha, assim como o fato de o ator saber a sua verdadeira identidade não interfere no personagem que ele representa no palco.

A renúncia está sempre na mente, não em ir para a floresta ou locais solitários, ou em desistir de nossas obrigações. O importante é que a mente não se volte para fora, mas para dentro. Não compete ao homem decidir ir para este ou aquele lugar, abandonar ou não as suas obrigações. Tudo isso acontece de acordo com o destino. 

Todas as atividades que o corpo deve vivenciar foram determinadas no momento em que ele veio à existência. Não cabe a você aceitá-las ou rejeitá-las. A única liberdade que você tem é voltar-se para dentro e aí renunciar às atividades. Ninguém pode dizer por que essa é a única liberdade deixada ao homem. Assim é o plano Divino. (...)"


(Do livro "Vida e Ensinamentos de Sri Ramana Maharshi" pp. 72/73)


10 comentários:

Silvano disse...

Um texto "nuclear" com a mesma mensagem e metáfora de ator e personagem usada no Núcleo! É evidente que o Autor é o Eu real aparecendo como o divino personagem desperto Ramana Maharishi.
Namastê.

SERgio disse...

Já disseram : "Não existe um mundo exterior à sua mente" - e dentro de outro contexto, "à sua Consciência"...

A mente é o mundo, e o mundo é a mente.
Sem mente, não há mundo...claro,aparentemente falando.

"Estar no mundo", e não ser do mundo,constitiu a "Arte de viver a Vida", no sentido de Vida Verdadeira.
Isso já acontece(é) naturalmente, mas na diversificação, comumente ,jaz de forma "inconsciente".
Daí, o referencial apontado, por Sri Ramana quanto ao foco no Eu Real. De modo consciente,claro!

Grato pelo texto!

Namastê!

Silvano disse...

Bela percepção compartilhada por Aquele que na Representação Divina aparece como o divino personagem desperto SERgio.

Namastê!

joel spinelli disse...

Muita fala e pouco resultado. Como Jesus fazia milagres? O que parece é que tentamos, tirar a mente coletiva codificada da frente, e depois veremos o mundo espiritual que é aqui!! Mas alguém de vcs conhecem alguém que seja 20℅ do que Cristo foi?

Templo disse...

Joel,

O objetivo destes textos é justamente o de prover algum avanço ou resultado, mesmo que pequenos/mínimos. É melhor ter um pequeno avanço do que permanecer estagnado, não é mesmo? Assim, cada um caminha no seu ritmo particular. O importante é caminhar, sempre.

Jesus foi um grande avatar - Consciência Divina encarnada na Terra, e plenamente desperta. Se ele fazia milagres, é porque sabia que ele não era o personagem "Jesus" [corpo físico/material/3D], mas sim o Ser [o Ator] que estava representando o personagem. E ele dizia: "Eu de mim mesmo nada faço, o Pai em mim é Quem realiza as obras". Então, quem operava os milagres era o Pai [o Ator], e não o Jesus [personagem].

Ramana Maharshi também possui diversos históricos de milagres. Conta-se que pessoas que foram até ele ficaram curadas, que ele foi visto em mais de um lugar ao mesmo tempo, que ele aparecia para pessoas em visões reais, etc. E Ramana também diria o mesmo: "Esses acontecimentos ocorrem devido ao Ser, e não devido a mim - Ramana Maharshi".

Mas, realmente, creio que até hoje Jesus Cristo foi o que mais expressou/manifestou neste mundo a Consciência Crística.

Namastê!

joel spinelli disse...

Não entendo bem, como o mundo pode ser uma ilusão/teatro. Sei que a mente foi inventada pela sociedade(é só uma máscara). Mas se não tivesse sido ensinado, iria parecer com um Demente, não iria? Preciso de alimento, abrigo e tenho uma vida cheia de afazeres e responsabilidades com família, trabalho, etc. Tem dia que não quero saber de nada disso, queria sumir( muitas vezes).Há uma insatisfação crônica( sinto isso).Já li muito(de tudo) em questão de autoconhecimento. E cada vez mais percebo, que os "mestres" dizem:
-Fiquem em silêncio e observe.
-Você é o criador do seu mundo.
-A Consciência é tudo.
-O Ego é ilusório.
-Não se apegue as coisas materiais elas vão passar isso trás sofrimento.
-Sinta profundamente que aquilo vai acontecer e acontecerá.
-Você não é o personagem que assume esse papel/vida, você é o ator que está consciente desse teatro que uma hora vai acabar.
-Aceite o "mundo" e o que ele dá, e irá transformar erros em aprendizado.
Tudo bem, lindo!!!. Queria que você me ajudasse com uma questão.
Ao que uma pessoa deve renunciar, para ser alegre e contente nessa vida? Sem ser:uma pessoa sentada prestando atenção a respiração por um período de tempo e que logo em seguida tem que voltar para uma vida estressante e conseguir a comida de cada dia, sem posses com uma tigelinha na mão, que não junta nada porque tem medo de sofrer se perder aquilo. Acho que Buda podia fazer graça, pois sua familia era rica, seu filho, esposa estavam bem cuidados e tinham de tudo. E qualquer coisa que desse errado poderia voltar a ser príncipe qualquer hora. Jesus, também não se casou nem tinha filhos, saia pelos campos e ficava dias ele já sabia sua missão aqui, era um avatar. Não é isso? Se tirar a minha máscara, o que sobrará? Viver uma vida de apatia?

joel spinelli disse...

Eu saúdo você!!_/\_

Templo disse...

Olá Joel!

Achei muito pertinente as suas colocações. Tudo o que você falou são coisas das quais ninguém está isento neste mundo. Realmente, é muito difícil para nós que vivemos em sociedade alcançar um grau de realização ou iluminação espiritual tal como fizeram Ramana Maharshi e outros seres que vieram a este mundo. Alguns vêm praticamente prontos, ele não precisam fazer muito esforço para despertar da ilusão de maya, mas são poucos. A maioria precisa trabalhar duro para atingir tal estado. Neste mundo é tão difícil escapar de maya, que alguns ensinamentos dizem que esta Terra é uma prisão, feita para prender as pessoas pra valer. Em certo sentido, eu concordo com essa afirmativa.

Enquanto um indivíduo estiver indesperto, este mundo é uma prisão, da qual é praticamente impossível escapar. A vida aqui é um fenômeno difícil, pesado, triste e sofrido. Mas uma vez que se desperte, esta mesma vida se transforma totalmente, e a "prisão" se converte em um "parque de diversões" onde todas as coisas expressam a divindade.

Quem vê a prisão?
A mente que causa separação.

Quem vê o parque de diversões?
A Consciência que sabe que não existe separação e que tudo é Um.

E nós, somos a mente ou somos a Consciência?
Na condição de seres viventes neste mundo, não somos nenhum nem outro. Somos algo totalmente diferente. Tanto a mente (visão de separação) como a consciência (visão de unidade) são como óculos que colocamos em nosso rosto. Assim, não somos os óculos, mas somos o "Rosto" - algo distinto de ambos. E dependendo de qual "óculos" vestirmos, o mundo se nos apresentará de uma forma ou de outra. Se ficarmos identificados com a mente, teremos um ego, e tudo o que veremos é separação. Mas se nos identificarmos com a Consciência, o ego perde a força e tornamo-nos identificados com o Eu único que, na visão consciencial, aparece como tudo.

Assim, tudo o que a pessoa precisa renunciar para ser alegre nesta vida é a mente. Mas a mente não é apenas algo inventado pela sociedade. Essa é apenas uma faceta dela. A mente também é o próprio "aparelho" ou "mecanismo" que permite nos percebermos como existentes no mundo físico. Quando a mente começa a ser transcendida, percebemos que nós não existimos em um mundo material/fenomênico/3D, mas existimos como um Ser espiritual que está presente aqui e agora. É nessa dimensão que a unidade é sentida. E, decorrente dessa percepção espiritual, a vida no mundo físico também é afetada, a unidade passa a ser percebida nele também. Mas a unidade não está no mundo material, ela está no invisível. Primeiro é necessário perceber a dimensão espiritual do Ser, somente então o sentido de unidade é refletido no mundo físico.

Se me permite, eu gostaria de indicar a leitura de três textos sobre o assunto. Segue o link:

http://busca-espiritual.blogspot.com.br/2017/09/sintonizando-o-ator-no-personagem.html

http://busca-espiritual.blogspot.com.br/2017/07/um-mergulho-na-imensidao-oceanica-do-ser.html

http://busca-espiritual.blogspot.com.br/2017/08/o-filho-do-homem-ja-esta-no-ceu.html


Espero ter contribuído para com suas perguntas.
Agradeço à visita e à interação.

Namastê!






joel spinelli disse...

Obrigado, vou ver os posts. Obrigado, novamente pelo empenho em me responder.
Você acha que continuamos com o ego individual, depois da morte? Você acredita em céu após a morte do corpo? Tenho dúvidas sobre isso.

Templo disse...

Olá, Joel!

Você pergunta: "Você acha que continuamos com o ego individual depois da morte?"

Existe dois modos de morrer: conscientemente de Quem somos e inconsciente de Quem somos.

Quando deixamos o corpo tendo plena consciência de Quem somos, nossa identificação com o ego cessa. Então, mesmo que o ego continue existindo, ele já não nos incomoda. É como quando estamos no cinema assistindo um filme, e prestando tanta atenção nele, que, por um momento, ficamos esquecidos que estamos sentados dentro de uma sala de cinema. Nossa identificação com a história do filme nos faz esquecer que na verdade estamos sentados na cadeira do cinema. A qualquer momento a pessoa pode "puxar" a atenção do filme para perceber-se sentada na sala do cinema. Nesse caso, mesmo que o filme continue passando na tela, isso não incomodará nem interferirá no discernimento de que "eu estou sentado na sala de cinema". Algo parecido ocorre com aquele que chegou a conhecer a Si mesmo enquanto vivo neste mundo, ou mesmo após a vida neste mundo. O ego pode até continuar existindo, mas ele não interfere em nada no conhecimento de Quem realmente somos.

A segunda maneira de morrer é morrer inconscientemente. Nesse caso, a pessoa continua identificada com o ego.


A sua segunda pergunta: "Você acredita em céu após a morte do corpo?"

Aquele que morre consciente de "Quem é" possui a plena possibilidade de sair da roda de renascimento. Ele pode abandonar a representação e entrar no céu. "Céu", nesse caso, é o próprio estado iluminado da consciência, que é atemporal, infinito, sem começo e sem fim. O céu existe fora da representação. Na verdade, se uma pessoa atingir a iluminação espiritual enquanto viva no corpo físico, ela está no Céu mesmo estando ainda no mundo.

Mas também pode ocorrer de a pessoa morrer inconsciente de "Quem é" e ir para um céu que existe dentro da representação. Isso porque a representação é dual, ela tem níveis, nela existe a evolução. Então na representação alguns lugares são mais paradisíaco que outros. É possível viver em lugares mais paradisíacos que, se comparados com o planeta Terra, poderiam ser considerado "céus". Se a pessoa tiver acumulado bons carmas em vida, ela está destinada a passar algum tempo em reinos paradisíacos. Mas esses reinos paradisíacos da representação não são o verdadeiro Céu. Uma vez que o bom carma da pessoa se "esgote", ela deverá deixar aquele paraíso para seguir a sua jornada evolutiva.

Então há que se fazer essa distinção entre o Céu absoluto (que não está dentro da representação) e os inumeráveis céus existentes na representação.

Namastê!
Reverências!