14 – A realidade consciencial não pode ser percebida pela mente do personagem. As verdades conscienciais não estão ao alcance da mente. O máximo que a mente consegue fazer é "acreditar" ou "não acreditar" nas revelações da Consciência. Por exemplo, Jesus pode vir até cada um e dizer que o reino de Deus está dentro de nós. Essa é uma revelação consciencial que não pode ser percebida pela mente. A mente, então, só conseguirá acreditar ou não acreditar na revelação de Jesus. Jesus não depende de “acreditar” ou “não acreditar” que o reino de Deus está em nós – ele sabe! O saber está além do mero “acreditar” ou “não acreditar”. O saber é consciencial.
Para elucidar ainda mais, vamos utilizar um exemplo bastante simples aqui mesmo da representação: se perguntarmos às pessoas se é possível um ovo de galinha ser colocado em pé sem tombar para um dos lados, algumas pessoas acreditarão ser possível, enquanto outras acreditarão ser impossível. Conta-se que Cristóvão Colombo provou ser possível um ovo ficar perfeitamente imóvel, equilibrado e em pé. Alguns personagens acreditam, outros desacreditam. Mas o fato é: um ovo pode ficar em pé. Quem já conseguiu ou viu um ovo ser colocado em pé, deixou o campo do “acreditar” ou “não acreditar” e passou a saber que um ovo pode ficar em pé. A questão do "acreditar" ou "não acreditar" para ele não mais existe. No caso deste exemplo, os personagens que responderam “eu acredito” estão mais próximos da realidade do que aqueles que responderam “eu não acredito”; porém, mesmo que tenham escolhido a resposta mais aproximada, isso não os leva para dentro da realidade. Assim, podemos perceber que até mesmo o acreditar não é suficiente; o saber está além inclusive do acreditar.
A mente também tem o hábito de querer concordar ou discordar. Da mesma forma que o "acreditar" e o "não acreditar", a concordância ou discordância da mente não irá ajudar. Sempre que a mente concorda ou discorda, a verdade (realidade consciencial) fica encoberta pela realidade mental. Esta é uma outra verdade consciencial: tudo o que está acontecendo na representação é divino. A representação não é apenas representação – ela é uma representação divina! A Consciência do Ser pode ser percebida/sentida em tudo e em todos. Você concorda? Você discorda? Então você teceu juízo de valor e isso é o suficiente para acionar a percepção mental e mantê-lo fora da percepção consciencial. Se pudermos lançar um olhar desprovido de qualquer julgamento, a Consciência do Ser passa a Se evidenciar nas coisas grandes e pequenas. Apenas olhe, contemple! Quando algo estiver acontecendo, apenas permita que isso esteja ali, sem julgamentos, sem interferir, sem querer concordar ou discordar disso. A mente sentirá vontade de entrar e dizer: "sim, isso está acontecendo, é assim mesmo! Concordo com o que estou presenciando", ou poderá dizer: "isso não está certo, não pode ser assim, pois jamais vi isso antes". A mente sempre mede, analisa, julga. O julgamento é o que lhe dá energia. Com a concordância ou discordância, nada se resolve, apenas uma crença é criada. E a realidade consciencial fica ocultada, encoberta pela realidade mental.
Para percebermos a verdade basta não deixarmos que a mente interfira, ocupando o foco de nossa percepção. Muitos sinceros buscadores espirituais pensam que devem se esforçar para tentar neutralizar ou eliminar a mente (a visão dual, a percepção mental) para ter a percepção unitária (percepção consciencial). Contudo, este esforço do personagem é em vão porque atua sobre a própria “mente do personagem” na tentativa de neutralizá-la ou eliminá-la; enquanto somente o próprio Ser pela “Consciência do Ser” pode transcender a percepção da mente e perceber-Se! Não é necessário eliminar a mente para perceber a verdade; a mente pode estar presente, mas deve estar quieta, silenciosa. É necessário saber presenciar silenciosamente um acontecimento, colocando a mente de lado.
Quando você vai para a natureza e escuta o som de uma cachoeira, você concorda ou discorda disso? Nesses momentos, você tenta entender ou decifrar o som que está escutando? Ao invés disso, você está relaxado, entregue, em harmonia, integrado ao que está presenciando. Você apenas escuta, observa, presencia, contempla – sem julgamentos. O som da cachoeira nos soa tranquilo, leve e revigorante. A tranquilidade, paz e beleza que encontramos no som de uma cachoeira na verdade não advém da cachoeira (fenômeno externo) em si. A beleza que sentimos é espiritual, consciencial. A natureza é selvagem, devido a isso ela tem o poder de diminuir a interferência da mente e aumentar o silêncio. Por isso, os ensinamentos são unânimes em dizer que quando estamos na natureza estamos mais próximos de Deus. A natureza aumenta o silêncio e facilita nosso contato com a dimensão consciencial, por isso sentimos ela ser tão bonita. Mas o que sentimos na natureza podemos sentir com qualquer pessoa e em qualquer lugar. Basta acessar a dimensão do silêncio. Escute tudo a sua volta como você escutaria o som de uma cachoeira.
Na concordância ou discordância é necessário haver "dois", você e a cachoeira, separados. Você está na dimensão da separação, das partes: uma parte (você) está escutando a outra parte (cachoeira). Ao presenciar silenciosamente o som da cachoeira, subitamente não há mais "você" e a "cachoeira", ambos foram integrados/unidos e agora há apenas o todo. A dimensão do todo apareceu, o todo entrou na frente. Agora é o todo que está acontecendo – agora, antes de haver um personagem escutando a cachoeira ou uma cachoeira sendo escutada por um personagem, há o todo aparecendo simultaneamente como o personagem e como a cachoeira. Tudo passa a ocorrer ao mesmo tempo. A presença do personagem, a presença da cachoeira, o sentido de escutar, o som escutado, o processo de escuta... Os elementos que antes estavam separados são juntados em uma só leva, e toda uma sincronicidade surge, uma música começa a ser formada. Essa música repleta de sincronia ocorre no todo e só é percebida pelo todo, mediante a percepção que está no próprio todo. O todo é a Consciência do Ser. Silêncio é música, é a melodia divina.
15 – A intuição está relacionada à percepção consciencial. E os cinco sentidos estão relacionados à percepção da mente do personagem. Os cinco sentidos a que se refere o Núcleo são: visão, audição, olfato, paladar e tato. Também o sexto sentido faz parte da mente do personagem. O sexto sentido da mente significa: visão mediúnica, audição mediúnica, olfato mediúnico e demais percepções mediúnicas. Ou seja, o sexto sentido corresponde aos cinco sentidos do corpo, só que utilizados para perceber fenômenos espirituais de cunho mediúnico, tais como ver, ouvir e falar com espíritos desencarnados. Os sentidos mentais do personagem incluem também o intelecto, a razão e a lógica. Tudo isso é percepção mental.
A intuição é um fenômeno não mental, ela não tem a sua fonte na mente (intelecto, razão ou lógica) do personagem. A mente do personagem não pode compreender a intuição por ser ela própria um fenômeno irracional, ilógico. Alguém talvez pergunte: “A intuição pode ser explicada?”, mas essa pergunta na verdade significa: “A intuição pode ser reduzida ao intelecto?”. E a intuição é algo acima do intelecto, ela provém da Consciência do Ser. O intelecto é sempre contínuo, linear: “A” está ligado a “B”, que está ligado a “C”, que se liga a “D” e assim por diante. O intelecto é constituído por: causalidade, linearidade, conexões lógicas. A intuição é não-linear: quando atua a intuição, as ligações da mente são quebradas, o que torna possível à percepção passar diretamente de “A” para “D”, ou para qualquer outro ponto. A intuição cria uma lacuna – uma desconexão e descontinuidade completas – o que permite à percepção dar um salto. Esse salto é inconcebível para a mente. Assim, a intuição é um pulo, um salto direto e imediato de um ponto a outro ponto, sem nenhuma interligação entre os dois. A percepção consciencial é imediata; com ela a coisa é captada de súbito, diretamente do interior, sem a interferência linear ou lógica da mente. E o interior é vasto, infinito, tudo já está contido nele. No interior está o reino de Deus inteiro.
A mente pode sentir a intuição, mas não pode explica-la. A intuição pode penetrar a mente e a mente pode notar que algo aconteceu, mas não pode explicar. Deve-se entender que uma realidade superior pode penetrar uma realidade inferior, mas a realidade inferior não consegue penetrar a realidade superior. A intuição pode penetrar o intelecto porque ela é superior, mas o intelecto não pode penetrar a intuição e tampouco explica-la. Não existe uma explicação do superior no inferior, porque o superior é muito vasto e os próprios termos da explicação tornam-se inadequados demais para fazerem sentido ali. Mas a mente pode sentir a lacuna, ela sente que: “aconteceu algo que está além de mim”. Assim, é possível utilizar a mente, o intelecto, sem estar fechado à intuição. Podemos utilizar a razão como um instrumento, permanecendo abertos, estando receptivos ao superior. O intelecto pode ser usado como um auxiliar a serviço de algo maior.
16 – O Amor é simplesmente Unidade, Totalidade, UM. A percepção consciencial pode revelar a Divindade manifestada no mundo da representação (1), como também pode revelar o Universo Consciencial no qual a representação está ausente (2). Conforme já dito, o espaço (silêncio, vazio) divide-se em duas partes ou aspectos. De um lado do espaço está Deus e o universo da representação; ali Ele está consciente de tudo – da criação inteira – em Si mesmo. Do outro lado do espaço, Deus está sozinho, habitando a ilimitada faixa da eternidade, existindo como Consciência inqualificada, Bem-aventurada, sempre existente, sempre nova. Nenhum mundo, nenhuma outra coisa existe em Sua Consciência, naquela região da infinitude onde Ele reina como o Absoluto.
Percebendo consciencialmente, podemos penetrar o Silêncio e contemplar a Luz da qual toda a representação emerge. Podemos contemplar a Divindade aparecendo como todo o universo da representação, ou seja, podemos perceber o oceano do Espírito com as ondas de Sua criação. O Divino revela-Se como Amor em todo o universo da representação. Nesse aspecto, o Oceano está completamente mesclado às ondas, ambos são UM. Deus se faz presente na representação da mesma forma que o oceano se faz presente em suas ondas. Nosso aparente universo físico quando percebido consciencialmente é um esplêndido oceano de luz, algo inconcebível pela percepção mental. Aumentando ainda mais o Silêncio, a nossa experiência transcende até a Luz manifestada e adentra o puro Universo Consciencial, que existe sozinho em um espaço onde o universo da representação está ausente. Isto é, podemos perceber o mesmo Oceano espiritual existindo transcendentalmente de forma serena, sem as ondas da criação. Isso significa que "Quem somos" pode perceber-Se manifestado em toda a criação, como também pode perceber-Se como o Universo Consciencial que existe desde antes do surgimento da representação. Em ambos os casos, a percepção é de UNIDADE.
Este assunto do Universo Consciencial merece ser mais aprofundado. O Universo consciencial existe fora do universo da representação – é onde habita Deus Universal (Paramatman) e o filho de Deus (Atman). É uma realidade de pura Unidade, Bem-Aventurança, Alegria, Amor perfeito.
O ensinamento Um Curso em Milagres apresenta uma cosmologia com uma ilustração bastante plausível do que vem a ser essa Realidade Divina suprema e absoluta. Nele, é contada a seguinte história: no Princípio (antes do surgimento da representação) existiam unicamente Pai e Filho vivendo na realidade perfeita denominada "Céu". Antes do início, não havia inícios nem fins; havia apenas o Eterno Sempre, que ainda está "lá" – e sempre estará. Havia apenas uma Consciência de uma unicidade imaculada, e essa unicidade era tão completa, tão espantosa e ilimitada em sua alegre extensão, que seria impossível que qualquer coisa (extensão) estivesse consciente de algo que não fosse Si Mesmo. Havia e há apenas Deus nessa realidade, chamada pelo Curso de “Céu”. O que Deus cria em Sua extensão de Si Mesmo é chamado de Cristo (o Filho, o Atman). Mas Cristo de maneira alguma é separado ou diferente de Deus (Paramatman). Eles são exatamente a mesma coisa. Cristo não é uma parte de Deus, Ele é uma extensão do todo. A única diferença possível entre Cristo e Deus – se uma distinção fosse possível – seria que Deus criou Cristo; Ele é o Autor. Cristo não criou Deus ou a Si Mesmo. Contudo, por causa da perfeita unicidade inerente ao próprio Deus, isso realmente não importa no Céu. Deus criou Cristo para ser exatamente como Ele, e para compartilhar Seu eterno Amor e alegria, em um estado de êxtase livre, ilimitado e inimaginável. Tal estado constante e bem-aventurado de consciência é completamente abstrato, eterno, imutável e unido. Cristo, então, estende a Si Mesmo, criando novas Criações, ou extensões simultâneas do todo, que também são exatamente as mesmas em sua perfeita unicidade com Deus e com Cristo. Portanto, Cristo, como Deus, também cria – porque Ele é exatamente o mesmo que Deus.
Essas extensões não vão para "dentro" ou para "fora", porque no Céu não existe conceito de espaço; existe apenas em todo o lugar. O resultado de tudo isso é o compartilhar sem fim do Amor perfeito, que está além da compreensão. Pai e Filho em um alegre e eterno compartilhar. A condição da realidade consciencial é puro Amor e tudo funciona de acordo com esse Amor Eterno, que é o próprio Deus (Eu) sendo. Deus compartilha a integralidade de Seu Ser com seus Filhos. E os Filhos de Deus também compartilham tudo o que têm e são com outros Filhos de Deus, sendo que todos estão sempre conscientes de Quem são. O resultado disso é o enriquecimento e engrandecimento do Céu. O Infinito se ultrapassa e se expande ainda mais, contrariando tudo o que qualquer lógica possa conceber. Assim é (funciona) a realidade divina.
Podemos, então, compreender que Deus Universal (o Pai Eterno, Paramatman) não criou a representação. Ele criou o Universo Consciencial para desfrutar a Vida una, eterna e perfeita, a qual foi descrita de modo bastante plausível na história narrada. O Universo Consciencial é constituído somente por Deus (Paramatman) e filho de Deus (Atman). Quando surge o universo da representação, isso ocorre devido a vontade do filho de Deus. Por meio de Seu sonho/imaginação/representação, o filho de Deus concebe a existência irreal mas aparente de um universo de separação. É Ele quem possibilita o jogo da dualidade. E no universo da representação o filho de Deus aparece como sendo tudo o que existe... “Eu apareço como”.
Quando a representação é percebida consciencialmente (com a visão do filho de Deus) o senso de separação é impossível – mesmo na representação. A representação inteira assume uma qualidade divina de unidade, amor, plenitude, bem-aventurança. É como se Deus, o Amor, fosse trazido para dentro do universo da representação, e a representação ficasse totalmente impregnada, afetada pelo Divino. A representação torna-se uma representação divina, ela passa a expressar Deus em todos os seus aspectos.
Porém, quando a representação é percebida mentalmente, o senso de separação torna-se possível. E quando entra a separação, o Amor dá lugar ao medo ou temor. A separação provoca a divisão do um. Concomitantemente com a divisão do um, surge a noção falsa/irreal do "outro", do "desconhecido", do “estranho”. O "outro", o "desconhecido", o "estranho" é tudo aquilo que está separado de "mim", é tudo aquilo que não sou "eu". Esse fator gera insegurança, vulnerabilidade e medo e, com isso, o "eu" sente a necessidade de proteger-se e defender-se a si mesmo. O medo ou temor está ligado ao "eu" do personagem, que se vê separado do todo.
17 – Ação dhármica é a ação praticada com renúncia aos frutos. Significa agir desinteressadamente de modo a não se apegar ao resultado da ação. A ação dhármica implica em transcender o sentimento de querer satisfazer os desejos pessoais (eu-personagem). Na ação dhármica, o personagem age para o Todo e não para si mesmo. Ele é um canal, um veículo, um instrumento através do qual a Consciência (impessoal) do Ser se expressa.
Aqueles que praticam a ação dhármica agem com amor incondicional, desinteressado. Eles cumprem o dever de desempenhar fielmente o papel que lhes compete na representação. No universo da representação, tudo tem em si a Consciência divina. O Ser Real também se percebe, se vê presente, em personagens que não têm "mente", que não são humanos, como os vegetais e os minerais. Embora não tenham mente, todos tem a Consciência. E esta é a Consciência do próprio Ser. Ela está no Ser, não pertence aos personagens. A maioria dos personagens no cenário não pensam, mas desempenham perfeitamente seus papéis de personagens do Ser. Eles cumprem o seu papel específico ou o "dharma" que lhes foi designado.
Por exemplo, a flor cumpre incondicionalmente o papel de desabrochar e espalhar a sua fragrância. Ela não se importa se haverá alguém lá para presenciar ou apreciá-la, ela apenas continua exalando o seu perfume, quer alguém aprecie ou não. A flor não diz: "ali vem se aproximando um grande ser que poderá me apreciar, vou exalar a minha fragrância". Mesmo se ninguém estiver passando, a flor irá espalhar a sua fragrância. Da mesma forma, o sol cumpre o papel que lhe foi designado, enviando sua luz e calor a fim de aquecer e beneficiar todos os seres, indistintamente. Ele não diz que: "esta é uma boa pessoa que merece se beneficiar do meu calor; aquela outra é uma má pessoa, ela não merece ser aquecida com a minha luz". E assim também é com a água, as estrelas, os insetos, os animais, todos! Eles só cumprem os seus papéis – só existem – porque neles há uma presença, uma força que os mantém como tal. Essa força é a “Consciência” presente em cada personagem. De fato, a Consciência já está presente em cada personagem do cenário, e no próprio cenário! De forma que não existe cenário nem personagem sem esta “presença divina”, onipresente. É ela quem sustenta todas as formas e quem governa e mantém todas as leis naturais.
Todos os personagens possuem o seu dharma (missão) para cumprir perante o Todo aqui na representação. O Bhagavad Gita conta a história do príncipe Arjuna que, para reconquistar o seu reino, se vê obrigado a guerrear contra a sua própria família. Ele deseja recuperar o trono mas, para fazer isso, deverá matar um grande número de parentes que estão do outro lado da linha de combate. A situação é difícil, o príncipe Arjuna está num impasse, ele não sabe o que fazer. Então Krishna aparece e lhe dá a ordem para lutar, derrotar todos os adversário e vencer a guerra. Krishna está lá para revelar o dharma de Arjuna, ou seja, o papel que ele está destinado a cumprir no mundo da representação. Ele diz: "Não cedas à fraqueza, que de nada te serve. Enche-te de coragem contra teus inimigos e sê o que realmente és. Apenas vá e lute; e deixe que Eu me encarregue dos resultados". Durante todo o Gita, Krishna irá revelar a Arjuna a verdade suprema – verdades universais, divinas, conscienciais; somente desse modo Arjuna poderá compreender a razão pela qual deverá cumprir na representação o seu papel de guerreiro. Mas Arjuna resiste às palavras de Krishna – e resiste enormemente. É somente no final do Gita que Arjuna compreende a necessidade de cumprir o seu dharma. Estas são algumas palavras de Krishna a Arjuna sobre o dharma:
"Agir é tua missão; mas não deves visar aos frutos da tua atividade. Não permitas que a tua atividade seja inspirada pelo desejo dos teus frutos. Quem tudo faz sem apego ao resultado dos seus atos faz tudo no espírito de Deus. Eu, que ajo, não sou afetado por minhas ações, nem viso ao fruto da minha atividade. Quem isso compreende pode agir sem estar apegado ao que faz; não deseja lucro; quem está unido a Mim é livre e imaculado em suas obras. Tu, porém, ó Arjuna, refere a Mim, a fonte do Ser, todos os teus atos! Supera todos os desejos pessoais e o egoísmo! Liberta-te do apego! O que quer que fizeres, faze-o no espírito da renúncia, tendo em mente a Mim, o Senhor do mundo. Deixa a Mim o cuidado pelo sucesso; pensa em Mim e oferece-Me o teu coração e a tua alma. Confia em Mim e vive na fé em Mim. Pelo poder da Minha graça alcançarás a vitória sobre todos os obstáculos; mas se confiares somente em tua força pessoal, e não em Mim, serás derrotado.
Isento de egoísmo, violência, ganância e cobiça, desapegado do "eu" e do "meu", sereno e calmo dentro de si mesmo – este homem se torna um com Brahman. E integrado no espírito de Brahman, alcança o seu Eu divino; já não chora por nada, não tem desejo de nada, não luta por nada, não tem cobiça de coisa alguma. Porque dentro de si mesmo possui tudo. Quando o homem se integra a Mim é um Comigo. Dele é a Minha Grandeza, Meu Poder, Meu Ser, Minha Vida, Minha Sabedoria, Minha Beatitude. E agora escuta a mais sagrada das minhas revelações: Amo-te, e por isto te revelo o que é pelo teu bem."
A história do Bhagavad Gita é muito, muito simbólica. O diálogo ali contido ocorre na verdade entre a Consciência do Ser (representada por Krishna) e a mente do personagem (representada por Arjuna). O Gita é Deus conversando com o homem. Durante todo o diálogo, Arjuna tenta compreender os mistérios divinos que são exaustivamente revelados por Krishna. Mas, por mais que Krishna fale, Arjuna não entende. Isso carrega um significado: a mente do personagem é incapaz de compreender os mistérios revelados pela Consciência Divina. O Bhagavad Gita é, na verdade, uma escritura sagrada universal, que diz respeito a todo os seres. Ele descreve a história de cada ser humano: a de Arjuna, a minha, a sua... a história que vale para Arjuna vale para todos. Para que Arjuna pudesse compreender Krishna, ele teve de aprender a superar a mente de seu personagem. Ocorre o mesmo conosco.
Um outro significado muito importante que o Gita comporta é o seguinte: Arjuna está indo para o campo de batalha e sendo carregado por uma carruagem – e Krishna é o cocheiro, o condutor da carruagem! Com essa simbologia, o Gita quer dizer que Krishna (a Consciência do Ser) deve sempre ocupar o papel de "condutor da carruagem". Mas os personagens estão sempre tentando conduzir eles mesmos a carruagem. Enquanto Arjuna (a mente do personagem) estava querendo conduzir a carruagem, ele não compreendeu. E foi por esse motivo que ele demorou tanto a entender. O assento da frente da carruagem já tem dono – um dono oficial! –, somente a Ele compete o papel de ser o condutor de nossa carruagem. A história do Gita foi montada perfeita até mesmo nesse pequeno detalhe.
Se quisermos compreender o ensinamento de seres tais como Krishna, Buda e Jesus, precisamos desenvolver a habilidade de perceber consciencialmente. E como fazer isso? Uma das maneiras ensinadas no Núcleo é estar alerta para esta pergunta: “O que você prefere: reagir aos personagens/representação ou interagir Comigo?”. Essa pergunta (princípio nuclear) nos fornece todos os elementos necessários que nos ajudarão a perceber e interagir com a Consciência do Ser. Devemos estar cientes de que no mundo da representação Eu está aparecendo como tudo: como palco, roteiro, cenário e todos os personagens. Sabendo disso, deixamos de ser meros personagens (que apenas interagem com outros personagens), e passamos a ser como atores cientes de que aquele que está diante de nós na representação não é somente um personagem, ele é também um ator. Assim, podemos escolher continuar representando o papel de nossos personagens (1), ou podemos escolher romper com a representação e passar a interagir com o ator (2).
Por exemplo: imagine a situação em que dois personagens de teatro estão conversando; um deles desiste de seguir a conversa traçada no roteiro e de súbito inicia um diálogo diretamente com o ator. A atitude dele seria: “cansei de interagir com o personagem, agora eu quero conversar diretamente com o real, e não mais com o personagem que ele está representando”. Essa atitude rompe de imediato com a encenação. Um personagem nunca toma a decisão de romper com a representação, é sempre o ator. No momento em que se manifesta (em forma de atos ou palavras) a atitude de romper com a representação, isso já é o ator agindo. Agora veja: o ator está sempre lá onde o outro personagem também está. Tudo o que for dito ao outro personagem, o ator irá ouvir – com os mesmos ouvidos. As palavras ou ações (fora do roteiro) que forem dirigidas ao outro personagem serão ouvidas pelo ator. E quando um dos atores rompe a representação (com palavras ou ações diferentes das contidas no script), como poderá o outro personagem seguir em frente com a sua representação? Ela começa a deixar de fazer sentido. Sempre que um ator manifesta (em forma de atos ou palavras) a atitude de romper com a encenação, a representação inteira é afetada. Seus atos criam uma perturbação, um desequilíbrio ou uma descontinuidade na própria estrutura da representação. E, naquele ponto, a representação vai perdendo a força, o sentido. A representação se enfraquece. Esse procedimento traz à tona o ator que está por detrás do outro personagem. Ao romper assim com a representação, o ator criou uma descontinuidade na linha de representação do outro personagem – o outro não poderá mais seguir na linearidade de sua representação conforme prevista no roteiro. Uma lacuna foi criada. A resposta (palavra ou ato do outro personagem) que surgir a partir dessa lacuna virá, não do personagem, mas do ator. Assim, a interação ator-e-ator foi totalmente estabelecida.
É muito importante notar que, se o ator apenas mantivesse a intenção de romper com a representação, mas não manifestasse o seu intuito por meio de atos ou palavras (ou seja, ação), a representação simplesmente continuaria seguindo em frente, feliz. Não basta a mera intenção de romper com a representação, é necessário agir! No Núcleo é ensinado que não há percepção sem ação. A verdadeira percepção deverá sempre vir acompanhada de uma ação consciente. Estando na representação, para transcendermos a percepção da mente é imprescindível "perceber e agir"!
Retomando: Saiba que na representação Eu está aparecendo como tudo: a história, o cenário, os personagens. Tome a atitude de romper com a representação (aja!) e fique atento às respostas que virão da Consciência do Ser (através dos acontecimentos, dos outros personagens, o que for). Você pode aplicar esse princípio a tudo o que acontecer na sua vida. Por exemplo: você está dirigindo o seu automóvel; um outro carro passa e lhe dá uma fechada. Nesse instante, a mente condicionada do personagem sentirá vontade de fazer aquilo a que sempre esteve habituada: reagir. Se você reagir, vai ficar bravo, reclamar, xingar, etc. Ou você pode romper com a representação, sair da mente do personagem, e começar a ter uma interação com o Ser. Faça silêncio, tente entender porque na representação o Ser lhe deu uma fechada, e fique atento. Se você romper com a representação, a resposta virá pela lacuna. Então, você poderá constatar que, graças à fechada que você levou, você acabou chegando segundos ou minutos mais tarde ao local onde você estava indo, e naquele exato momento lá estava alguém que você desejava rever. Você passa a notar pequenos milagres acontecerem.
Outro exemplo: você está dirigindo o seu carro, quando um outro vem e acerta a sua traseira. Esse é o instante em que você deverá escolher entre "reagir aos personagens/representação" ou "interagir Comigo". Se preferir reagir à colisão, ficará triste, bravo, aborrecido e poderá até entrar numa briga com o outro personagem. Todavia, se escolher romper com a representação e interagir Comigo, ficando atento aos acontecimentos (respostas), logo você entenderá por que na representação o Ser acertou a traseira do seu carro. Algo bom deverá advir disso. Se nós apenas escolhermos romper a representação e permitirmos nossas carruagens (vidas) serem conduzidas pela Consciência do Ser, a realidade da nossa representação é encaminhada para um rumo diferente daquele que estaria destinado a ocorrer caso escolhêssemos acionar a mente de nossos personagens e reagir à representação.
Para que você possa interagir com a Consciência do Ser, não é necessário que o outro personagem esteja consciente da sua realidade como ator. Basta que você esteja ciente de que Eu está aparecendo como. Um dos princípios do Núcleo diz que: "Eu apareço como. Às vezes nem eu mesmo percebo; mas se você perceber, já é o suficiente.". Deus está Se manifestando como os personagens. A cada momento, de inúmeras formas, a divindade está "aparecendo como" diante de nós. Às vezes o próprio personagem não percebe que está sendo instrumento de manifestação de Deus. Mas se apenas um de nós estiver consciente de que o Ser está "aparecendo como", e escolher romper com a representação e interagir com o Ser, isso será o suficiente para criar a brecha, através da qual ocorrerá a interação entre o personagem e o Ser.
Tudo o que foi aqui explanado abrange o significado do que vem a ser a ação dhármica. Ela é a ação que advém da percepção consciencial, na qual, despertos, os nossos personagens interagem com a Consciência do Ser.
18 – A oração de agradecimento é a verdadeira oração. O agradecimento não provém da mente do personagem, ele tem origem em Deus, na Consciência do Ser. O Ser é sempre pleno de tudo, preenchido, completo. Em Deus, tudo está consumado, nada mais há para acontecer. Tudo o que poderia acontecer já aconteceu – daí porque o Ser desfruta de um eterno estado de plenitude. O Ser está derramando, transbordando, compartilhando toda a Sua plenitude com o infinito inteiro, com o qual é uno. E a gratidão absoluta nasce desse derramamento, desse transbordamento de todas as Suas qualidades divinas. Devido a isso, o estado de gratidão é o que mais nos sintoniza com Deus. Deus, a Consciência do Ser, está em unidade com todas as coisas, Ele não se percebe separado de nenhum objeto. Ele é o próprio objeto percebido. Se Ele deseja ser feliz, a felicidade está imediatamente lá, como Ele próprio. Se Ele deseja amar, a experiência do amor está imediatamente lá, como Ele próprio. O Ser transborda dessa plenitude de "tudo está feito". Nada há que reste a não ser um estado de gratidão absoluta. Quando o agradecimento é verdadeiro, absoluto, não é o personagem quem agradece, mas a própria Consciência do Ser agradecendo através do personagem. A gratidão é um estado consciencial.
A mente do personagem não é capaz de agradecer de forma absoluta, pois enxerga a separação, a carência, a ausência, a falta. A percepção da mente do personagem enxerga o "eu" separado do "objeto visado". Para ela, a felicidade existe separada do "eu", o amor existe separado do "eu", a sabedoria existe separada do "eu". O "eu" está presente, mas as outras coisas estão ausentes. É então que, em sua oração, o personagem pedirá/suplicará para que lhe seja concedido aquilo que lhe falta. A oração de súplica é própria da mente do personagem.
A gratidão verdadeira é um estado consciencial. Mas até mesmo no mundo da representação (dimensão mental da realidade) a oração de agradecimento é mais eficaz que a oração de súplica. Por uma razão muito simples: se estamos em estado de agradecimento, criamos em torno de nós a atmosfera de que estamos satisfeitos, felizes, supridos, plenos. Essa atmosfera nada mais é que vibração, palavra, energia que juntamos em torno de nós e enviamos para o todo, o universo. Consequentemente, nosso estado positivo de gratidão atrai pessoas, coisas e situações condizentes com nosso estado de felicidade, satisfação, plenitude. O universo da representação é regido pela lei mental de afinidade: semelhante atrai semelhante. O amor atrai mais amor, a alegria atrai mais alegria e, inversamente, tristeza atrai mais tristeza e o medo atrai ainda mais medo. O semelhante atrai ainda mais o seu semelhante. Agradecer é a melhor forma de fortalecer nossa conexão com o Divino, pois quanto maior for nossa gratidão, mais bênçãos de amor, alegria, paz, virtudes positivas e prosperidade ele nos enviará. A gratidão gerada a partir de nosso interior se manifesta-se e atrai no mundo exterior situações que nos farão sentir ainda mais gratos.
A gratidão é um estado da alma. Sentir-se grato é sentir-se feliz, pleno, alegre. Não há ser humano na vida que não tenha nada a agradecer. Só o fato de existir já é um grande motivo para ser grato à Vida, ao Universo, a Deus. São tantas as coisas que podemos agradecer: saúde, alimento, família, amigos, casa, trabalho, educação, inteligência, posses materiais e as imateriais. Reconhecer que tudo que temos nos foi dado por Deus é um excelente ponto de partida para exercitamos a nossa gratidão. E ela nos trará todos os seus frutos. Sempre que lembrar, sinta-se grato, mesmo que seja por algo aparentemente banal e simples. Sempre que puder, silencie sua mente e sinta a gratidão. Não deixe que o pessimismo, a reclamação, a amargura ou o desgosto poluam sua mente e seu espírito. Vigie sempre. Através da gratidão silenciosa você sintonizará com as forças milagrosas da vida que lhe trarão os mais diversos benefícios.
Por todos esses motivos, a gratidão é preferível à suplica. Na oração de súplica, ocorre o seguinte: quando estamos pedindo por "x", lá no fundo de nossas mentes (por detrás das cortinas) estamos reconhecendo simultaneamente que: "eu não tenho x". Esse reconhecimento (feito por nossa mente subconsciente) constitui afirmação, declaração, palavra para o universo. Por sua vez, o universo (que sempre responde "sim" às nossas palavras) confirmará a nossa oração dizendo: "Sim, você não tem. Assim seja.". Na superfície de nossas mentes podemos não estar afirmando nada, mas lá no fundo de nossas mentes (na região subconsciente, inconsciente) estamos declarando expressamente para o todo que não temos "x". Se, ao invés de suplicarmos, simplesmente agradecermos a Deus reconhecendo que Ele já atendeu nossa oração (ou seja, já temos "x"), as profundezas de nossa mente ficarão impregnadas de afirmações/declarações/palavra de que: "eu já tenho", e o universo nos confirmará dizendo: "Sim, você já tem. Assim seja.". Portanto, o agradecer está relacionado à unidade (Consciência do Ser), enquanto que a súplica importa em dualidade, separação.
Importante ressaltar que o agradecimento ao qual estamos nos referindo é o agradecimento relativo (mental), e não a verdadeira gratidão. A verdadeira gratidão é consciencial (absoluta), uma expressão da Consciência do Ser. Por fim, fiquemos com esta sabedoria expressada no livro sagrado da Bíblia: "Em tudo dai graças porque esta é a vontade de Deus!" (1 Ts 5:18).
Esta série "Preleções Nucleares: a Unidade Essencial" foi apresentada a fim de que o leitor possa ter condições de compreender claramente (cristalinamente!) os textos do Núcleo que são postados neste blog. A fim de transmitir sua mensagem, o Núcleo utiliza termos (metodologia) bastante específicos, que poderiam soar talvez um pouco "estranho" ou "nebuloso" para aqueles que desde o início entram em contato com os textos/mensagens que só fazem sentido levando em consideração o seu contexto. É impossível transmitir a totalidade do que é ensinado no Núcleo em uma única série de textos. Mas nesta série muitas coisas (bastantes mesmo!) foram explicitadas, toda a essência do ensinamento está contida aqui. Atentem-se sempre para Aquele que está aparecendo como tudo, rompa com a representação (aja!) e passe a interagir com Ele (Comigo). Agradeço a Quem aparece como Núcleo. Agradeço a quem aparece como esta divina mensagem. Agradeço a Quem está aparecendo como você que está lendo. Agradeço a Quem aparece como aqueles que ainda virão. Percebo Eu se manifestando como todos. E a todos agradeço. Namastê!
Para elucidar ainda mais, vamos utilizar um exemplo bastante simples aqui mesmo da representação: se perguntarmos às pessoas se é possível um ovo de galinha ser colocado em pé sem tombar para um dos lados, algumas pessoas acreditarão ser possível, enquanto outras acreditarão ser impossível. Conta-se que Cristóvão Colombo provou ser possível um ovo ficar perfeitamente imóvel, equilibrado e em pé. Alguns personagens acreditam, outros desacreditam. Mas o fato é: um ovo pode ficar em pé. Quem já conseguiu ou viu um ovo ser colocado em pé, deixou o campo do “acreditar” ou “não acreditar” e passou a saber que um ovo pode ficar em pé. A questão do "acreditar" ou "não acreditar" para ele não mais existe. No caso deste exemplo, os personagens que responderam “eu acredito” estão mais próximos da realidade do que aqueles que responderam “eu não acredito”; porém, mesmo que tenham escolhido a resposta mais aproximada, isso não os leva para dentro da realidade. Assim, podemos perceber que até mesmo o acreditar não é suficiente; o saber está além inclusive do acreditar.
A mente também tem o hábito de querer concordar ou discordar. Da mesma forma que o "acreditar" e o "não acreditar", a concordância ou discordância da mente não irá ajudar. Sempre que a mente concorda ou discorda, a verdade (realidade consciencial) fica encoberta pela realidade mental. Esta é uma outra verdade consciencial: tudo o que está acontecendo na representação é divino. A representação não é apenas representação – ela é uma representação divina! A Consciência do Ser pode ser percebida/sentida em tudo e em todos. Você concorda? Você discorda? Então você teceu juízo de valor e isso é o suficiente para acionar a percepção mental e mantê-lo fora da percepção consciencial. Se pudermos lançar um olhar desprovido de qualquer julgamento, a Consciência do Ser passa a Se evidenciar nas coisas grandes e pequenas. Apenas olhe, contemple! Quando algo estiver acontecendo, apenas permita que isso esteja ali, sem julgamentos, sem interferir, sem querer concordar ou discordar disso. A mente sentirá vontade de entrar e dizer: "sim, isso está acontecendo, é assim mesmo! Concordo com o que estou presenciando", ou poderá dizer: "isso não está certo, não pode ser assim, pois jamais vi isso antes". A mente sempre mede, analisa, julga. O julgamento é o que lhe dá energia. Com a concordância ou discordância, nada se resolve, apenas uma crença é criada. E a realidade consciencial fica ocultada, encoberta pela realidade mental.
Para percebermos a verdade basta não deixarmos que a mente interfira, ocupando o foco de nossa percepção. Muitos sinceros buscadores espirituais pensam que devem se esforçar para tentar neutralizar ou eliminar a mente (a visão dual, a percepção mental) para ter a percepção unitária (percepção consciencial). Contudo, este esforço do personagem é em vão porque atua sobre a própria “mente do personagem” na tentativa de neutralizá-la ou eliminá-la; enquanto somente o próprio Ser pela “Consciência do Ser” pode transcender a percepção da mente e perceber-Se! Não é necessário eliminar a mente para perceber a verdade; a mente pode estar presente, mas deve estar quieta, silenciosa. É necessário saber presenciar silenciosamente um acontecimento, colocando a mente de lado.
Quando você vai para a natureza e escuta o som de uma cachoeira, você concorda ou discorda disso? Nesses momentos, você tenta entender ou decifrar o som que está escutando? Ao invés disso, você está relaxado, entregue, em harmonia, integrado ao que está presenciando. Você apenas escuta, observa, presencia, contempla – sem julgamentos. O som da cachoeira nos soa tranquilo, leve e revigorante. A tranquilidade, paz e beleza que encontramos no som de uma cachoeira na verdade não advém da cachoeira (fenômeno externo) em si. A beleza que sentimos é espiritual, consciencial. A natureza é selvagem, devido a isso ela tem o poder de diminuir a interferência da mente e aumentar o silêncio. Por isso, os ensinamentos são unânimes em dizer que quando estamos na natureza estamos mais próximos de Deus. A natureza aumenta o silêncio e facilita nosso contato com a dimensão consciencial, por isso sentimos ela ser tão bonita. Mas o que sentimos na natureza podemos sentir com qualquer pessoa e em qualquer lugar. Basta acessar a dimensão do silêncio. Escute tudo a sua volta como você escutaria o som de uma cachoeira.
Na concordância ou discordância é necessário haver "dois", você e a cachoeira, separados. Você está na dimensão da separação, das partes: uma parte (você) está escutando a outra parte (cachoeira). Ao presenciar silenciosamente o som da cachoeira, subitamente não há mais "você" e a "cachoeira", ambos foram integrados/unidos e agora há apenas o todo. A dimensão do todo apareceu, o todo entrou na frente. Agora é o todo que está acontecendo – agora, antes de haver um personagem escutando a cachoeira ou uma cachoeira sendo escutada por um personagem, há o todo aparecendo simultaneamente como o personagem e como a cachoeira. Tudo passa a ocorrer ao mesmo tempo. A presença do personagem, a presença da cachoeira, o sentido de escutar, o som escutado, o processo de escuta... Os elementos que antes estavam separados são juntados em uma só leva, e toda uma sincronicidade surge, uma música começa a ser formada. Essa música repleta de sincronia ocorre no todo e só é percebida pelo todo, mediante a percepção que está no próprio todo. O todo é a Consciência do Ser. Silêncio é música, é a melodia divina.
15 – A intuição está relacionada à percepção consciencial. E os cinco sentidos estão relacionados à percepção da mente do personagem. Os cinco sentidos a que se refere o Núcleo são: visão, audição, olfato, paladar e tato. Também o sexto sentido faz parte da mente do personagem. O sexto sentido da mente significa: visão mediúnica, audição mediúnica, olfato mediúnico e demais percepções mediúnicas. Ou seja, o sexto sentido corresponde aos cinco sentidos do corpo, só que utilizados para perceber fenômenos espirituais de cunho mediúnico, tais como ver, ouvir e falar com espíritos desencarnados. Os sentidos mentais do personagem incluem também o intelecto, a razão e a lógica. Tudo isso é percepção mental.
A intuição é um fenômeno não mental, ela não tem a sua fonte na mente (intelecto, razão ou lógica) do personagem. A mente do personagem não pode compreender a intuição por ser ela própria um fenômeno irracional, ilógico. Alguém talvez pergunte: “A intuição pode ser explicada?”, mas essa pergunta na verdade significa: “A intuição pode ser reduzida ao intelecto?”. E a intuição é algo acima do intelecto, ela provém da Consciência do Ser. O intelecto é sempre contínuo, linear: “A” está ligado a “B”, que está ligado a “C”, que se liga a “D” e assim por diante. O intelecto é constituído por: causalidade, linearidade, conexões lógicas. A intuição é não-linear: quando atua a intuição, as ligações da mente são quebradas, o que torna possível à percepção passar diretamente de “A” para “D”, ou para qualquer outro ponto. A intuição cria uma lacuna – uma desconexão e descontinuidade completas – o que permite à percepção dar um salto. Esse salto é inconcebível para a mente. Assim, a intuição é um pulo, um salto direto e imediato de um ponto a outro ponto, sem nenhuma interligação entre os dois. A percepção consciencial é imediata; com ela a coisa é captada de súbito, diretamente do interior, sem a interferência linear ou lógica da mente. E o interior é vasto, infinito, tudo já está contido nele. No interior está o reino de Deus inteiro.
A mente pode sentir a intuição, mas não pode explica-la. A intuição pode penetrar a mente e a mente pode notar que algo aconteceu, mas não pode explicar. Deve-se entender que uma realidade superior pode penetrar uma realidade inferior, mas a realidade inferior não consegue penetrar a realidade superior. A intuição pode penetrar o intelecto porque ela é superior, mas o intelecto não pode penetrar a intuição e tampouco explica-la. Não existe uma explicação do superior no inferior, porque o superior é muito vasto e os próprios termos da explicação tornam-se inadequados demais para fazerem sentido ali. Mas a mente pode sentir a lacuna, ela sente que: “aconteceu algo que está além de mim”. Assim, é possível utilizar a mente, o intelecto, sem estar fechado à intuição. Podemos utilizar a razão como um instrumento, permanecendo abertos, estando receptivos ao superior. O intelecto pode ser usado como um auxiliar a serviço de algo maior.
16 – O Amor é simplesmente Unidade, Totalidade, UM. A percepção consciencial pode revelar a Divindade manifestada no mundo da representação (1), como também pode revelar o Universo Consciencial no qual a representação está ausente (2). Conforme já dito, o espaço (silêncio, vazio) divide-se em duas partes ou aspectos. De um lado do espaço está Deus e o universo da representação; ali Ele está consciente de tudo – da criação inteira – em Si mesmo. Do outro lado do espaço, Deus está sozinho, habitando a ilimitada faixa da eternidade, existindo como Consciência inqualificada, Bem-aventurada, sempre existente, sempre nova. Nenhum mundo, nenhuma outra coisa existe em Sua Consciência, naquela região da infinitude onde Ele reina como o Absoluto.
Percebendo consciencialmente, podemos penetrar o Silêncio e contemplar a Luz da qual toda a representação emerge. Podemos contemplar a Divindade aparecendo como todo o universo da representação, ou seja, podemos perceber o oceano do Espírito com as ondas de Sua criação. O Divino revela-Se como Amor em todo o universo da representação. Nesse aspecto, o Oceano está completamente mesclado às ondas, ambos são UM. Deus se faz presente na representação da mesma forma que o oceano se faz presente em suas ondas. Nosso aparente universo físico quando percebido consciencialmente é um esplêndido oceano de luz, algo inconcebível pela percepção mental. Aumentando ainda mais o Silêncio, a nossa experiência transcende até a Luz manifestada e adentra o puro Universo Consciencial, que existe sozinho em um espaço onde o universo da representação está ausente. Isto é, podemos perceber o mesmo Oceano espiritual existindo transcendentalmente de forma serena, sem as ondas da criação. Isso significa que "Quem somos" pode perceber-Se manifestado em toda a criação, como também pode perceber-Se como o Universo Consciencial que existe desde antes do surgimento da representação. Em ambos os casos, a percepção é de UNIDADE.
Este assunto do Universo Consciencial merece ser mais aprofundado. O Universo consciencial existe fora do universo da representação – é onde habita Deus Universal (Paramatman) e o filho de Deus (Atman). É uma realidade de pura Unidade, Bem-Aventurança, Alegria, Amor perfeito.
O ensinamento Um Curso em Milagres apresenta uma cosmologia com uma ilustração bastante plausível do que vem a ser essa Realidade Divina suprema e absoluta. Nele, é contada a seguinte história: no Princípio (antes do surgimento da representação) existiam unicamente Pai e Filho vivendo na realidade perfeita denominada "Céu". Antes do início, não havia inícios nem fins; havia apenas o Eterno Sempre, que ainda está "lá" – e sempre estará. Havia apenas uma Consciência de uma unicidade imaculada, e essa unicidade era tão completa, tão espantosa e ilimitada em sua alegre extensão, que seria impossível que qualquer coisa (extensão) estivesse consciente de algo que não fosse Si Mesmo. Havia e há apenas Deus nessa realidade, chamada pelo Curso de “Céu”. O que Deus cria em Sua extensão de Si Mesmo é chamado de Cristo (o Filho, o Atman). Mas Cristo de maneira alguma é separado ou diferente de Deus (Paramatman). Eles são exatamente a mesma coisa. Cristo não é uma parte de Deus, Ele é uma extensão do todo. A única diferença possível entre Cristo e Deus – se uma distinção fosse possível – seria que Deus criou Cristo; Ele é o Autor. Cristo não criou Deus ou a Si Mesmo. Contudo, por causa da perfeita unicidade inerente ao próprio Deus, isso realmente não importa no Céu. Deus criou Cristo para ser exatamente como Ele, e para compartilhar Seu eterno Amor e alegria, em um estado de êxtase livre, ilimitado e inimaginável. Tal estado constante e bem-aventurado de consciência é completamente abstrato, eterno, imutável e unido. Cristo, então, estende a Si Mesmo, criando novas Criações, ou extensões simultâneas do todo, que também são exatamente as mesmas em sua perfeita unicidade com Deus e com Cristo. Portanto, Cristo, como Deus, também cria – porque Ele é exatamente o mesmo que Deus.
Essas extensões não vão para "dentro" ou para "fora", porque no Céu não existe conceito de espaço; existe apenas em todo o lugar. O resultado de tudo isso é o compartilhar sem fim do Amor perfeito, que está além da compreensão. Pai e Filho em um alegre e eterno compartilhar. A condição da realidade consciencial é puro Amor e tudo funciona de acordo com esse Amor Eterno, que é o próprio Deus (Eu) sendo. Deus compartilha a integralidade de Seu Ser com seus Filhos. E os Filhos de Deus também compartilham tudo o que têm e são com outros Filhos de Deus, sendo que todos estão sempre conscientes de Quem são. O resultado disso é o enriquecimento e engrandecimento do Céu. O Infinito se ultrapassa e se expande ainda mais, contrariando tudo o que qualquer lógica possa conceber. Assim é (funciona) a realidade divina.
Podemos, então, compreender que Deus Universal (o Pai Eterno, Paramatman) não criou a representação. Ele criou o Universo Consciencial para desfrutar a Vida una, eterna e perfeita, a qual foi descrita de modo bastante plausível na história narrada. O Universo Consciencial é constituído somente por Deus (Paramatman) e filho de Deus (Atman). Quando surge o universo da representação, isso ocorre devido a vontade do filho de Deus. Por meio de Seu sonho/imaginação/representação, o filho de Deus concebe a existência irreal mas aparente de um universo de separação. É Ele quem possibilita o jogo da dualidade. E no universo da representação o filho de Deus aparece como sendo tudo o que existe... “Eu apareço como”.
Quando a representação é percebida consciencialmente (com a visão do filho de Deus) o senso de separação é impossível – mesmo na representação. A representação inteira assume uma qualidade divina de unidade, amor, plenitude, bem-aventurança. É como se Deus, o Amor, fosse trazido para dentro do universo da representação, e a representação ficasse totalmente impregnada, afetada pelo Divino. A representação torna-se uma representação divina, ela passa a expressar Deus em todos os seus aspectos.
Porém, quando a representação é percebida mentalmente, o senso de separação torna-se possível. E quando entra a separação, o Amor dá lugar ao medo ou temor. A separação provoca a divisão do um. Concomitantemente com a divisão do um, surge a noção falsa/irreal do "outro", do "desconhecido", do “estranho”. O "outro", o "desconhecido", o "estranho" é tudo aquilo que está separado de "mim", é tudo aquilo que não sou "eu". Esse fator gera insegurança, vulnerabilidade e medo e, com isso, o "eu" sente a necessidade de proteger-se e defender-se a si mesmo. O medo ou temor está ligado ao "eu" do personagem, que se vê separado do todo.
17 – Ação dhármica é a ação praticada com renúncia aos frutos. Significa agir desinteressadamente de modo a não se apegar ao resultado da ação. A ação dhármica implica em transcender o sentimento de querer satisfazer os desejos pessoais (eu-personagem). Na ação dhármica, o personagem age para o Todo e não para si mesmo. Ele é um canal, um veículo, um instrumento através do qual a Consciência (impessoal) do Ser se expressa.
Aqueles que praticam a ação dhármica agem com amor incondicional, desinteressado. Eles cumprem o dever de desempenhar fielmente o papel que lhes compete na representação. No universo da representação, tudo tem em si a Consciência divina. O Ser Real também se percebe, se vê presente, em personagens que não têm "mente", que não são humanos, como os vegetais e os minerais. Embora não tenham mente, todos tem a Consciência. E esta é a Consciência do próprio Ser. Ela está no Ser, não pertence aos personagens. A maioria dos personagens no cenário não pensam, mas desempenham perfeitamente seus papéis de personagens do Ser. Eles cumprem o seu papel específico ou o "dharma" que lhes foi designado.
Por exemplo, a flor cumpre incondicionalmente o papel de desabrochar e espalhar a sua fragrância. Ela não se importa se haverá alguém lá para presenciar ou apreciá-la, ela apenas continua exalando o seu perfume, quer alguém aprecie ou não. A flor não diz: "ali vem se aproximando um grande ser que poderá me apreciar, vou exalar a minha fragrância". Mesmo se ninguém estiver passando, a flor irá espalhar a sua fragrância. Da mesma forma, o sol cumpre o papel que lhe foi designado, enviando sua luz e calor a fim de aquecer e beneficiar todos os seres, indistintamente. Ele não diz que: "esta é uma boa pessoa que merece se beneficiar do meu calor; aquela outra é uma má pessoa, ela não merece ser aquecida com a minha luz". E assim também é com a água, as estrelas, os insetos, os animais, todos! Eles só cumprem os seus papéis – só existem – porque neles há uma presença, uma força que os mantém como tal. Essa força é a “Consciência” presente em cada personagem. De fato, a Consciência já está presente em cada personagem do cenário, e no próprio cenário! De forma que não existe cenário nem personagem sem esta “presença divina”, onipresente. É ela quem sustenta todas as formas e quem governa e mantém todas as leis naturais.
Todos os personagens possuem o seu dharma (missão) para cumprir perante o Todo aqui na representação. O Bhagavad Gita conta a história do príncipe Arjuna que, para reconquistar o seu reino, se vê obrigado a guerrear contra a sua própria família. Ele deseja recuperar o trono mas, para fazer isso, deverá matar um grande número de parentes que estão do outro lado da linha de combate. A situação é difícil, o príncipe Arjuna está num impasse, ele não sabe o que fazer. Então Krishna aparece e lhe dá a ordem para lutar, derrotar todos os adversário e vencer a guerra. Krishna está lá para revelar o dharma de Arjuna, ou seja, o papel que ele está destinado a cumprir no mundo da representação. Ele diz: "Não cedas à fraqueza, que de nada te serve. Enche-te de coragem contra teus inimigos e sê o que realmente és. Apenas vá e lute; e deixe que Eu me encarregue dos resultados". Durante todo o Gita, Krishna irá revelar a Arjuna a verdade suprema – verdades universais, divinas, conscienciais; somente desse modo Arjuna poderá compreender a razão pela qual deverá cumprir na representação o seu papel de guerreiro. Mas Arjuna resiste às palavras de Krishna – e resiste enormemente. É somente no final do Gita que Arjuna compreende a necessidade de cumprir o seu dharma. Estas são algumas palavras de Krishna a Arjuna sobre o dharma:
"Agir é tua missão; mas não deves visar aos frutos da tua atividade. Não permitas que a tua atividade seja inspirada pelo desejo dos teus frutos. Quem tudo faz sem apego ao resultado dos seus atos faz tudo no espírito de Deus. Eu, que ajo, não sou afetado por minhas ações, nem viso ao fruto da minha atividade. Quem isso compreende pode agir sem estar apegado ao que faz; não deseja lucro; quem está unido a Mim é livre e imaculado em suas obras. Tu, porém, ó Arjuna, refere a Mim, a fonte do Ser, todos os teus atos! Supera todos os desejos pessoais e o egoísmo! Liberta-te do apego! O que quer que fizeres, faze-o no espírito da renúncia, tendo em mente a Mim, o Senhor do mundo. Deixa a Mim o cuidado pelo sucesso; pensa em Mim e oferece-Me o teu coração e a tua alma. Confia em Mim e vive na fé em Mim. Pelo poder da Minha graça alcançarás a vitória sobre todos os obstáculos; mas se confiares somente em tua força pessoal, e não em Mim, serás derrotado.
Isento de egoísmo, violência, ganância e cobiça, desapegado do "eu" e do "meu", sereno e calmo dentro de si mesmo – este homem se torna um com Brahman. E integrado no espírito de Brahman, alcança o seu Eu divino; já não chora por nada, não tem desejo de nada, não luta por nada, não tem cobiça de coisa alguma. Porque dentro de si mesmo possui tudo. Quando o homem se integra a Mim é um Comigo. Dele é a Minha Grandeza, Meu Poder, Meu Ser, Minha Vida, Minha Sabedoria, Minha Beatitude. E agora escuta a mais sagrada das minhas revelações: Amo-te, e por isto te revelo o que é pelo teu bem."
A história do Bhagavad Gita é muito, muito simbólica. O diálogo ali contido ocorre na verdade entre a Consciência do Ser (representada por Krishna) e a mente do personagem (representada por Arjuna). O Gita é Deus conversando com o homem. Durante todo o diálogo, Arjuna tenta compreender os mistérios divinos que são exaustivamente revelados por Krishna. Mas, por mais que Krishna fale, Arjuna não entende. Isso carrega um significado: a mente do personagem é incapaz de compreender os mistérios revelados pela Consciência Divina. O Bhagavad Gita é, na verdade, uma escritura sagrada universal, que diz respeito a todo os seres. Ele descreve a história de cada ser humano: a de Arjuna, a minha, a sua... a história que vale para Arjuna vale para todos. Para que Arjuna pudesse compreender Krishna, ele teve de aprender a superar a mente de seu personagem. Ocorre o mesmo conosco.
Um outro significado muito importante que o Gita comporta é o seguinte: Arjuna está indo para o campo de batalha e sendo carregado por uma carruagem – e Krishna é o cocheiro, o condutor da carruagem! Com essa simbologia, o Gita quer dizer que Krishna (a Consciência do Ser) deve sempre ocupar o papel de "condutor da carruagem". Mas os personagens estão sempre tentando conduzir eles mesmos a carruagem. Enquanto Arjuna (a mente do personagem) estava querendo conduzir a carruagem, ele não compreendeu. E foi por esse motivo que ele demorou tanto a entender. O assento da frente da carruagem já tem dono – um dono oficial! –, somente a Ele compete o papel de ser o condutor de nossa carruagem. A história do Gita foi montada perfeita até mesmo nesse pequeno detalhe.
Se quisermos compreender o ensinamento de seres tais como Krishna, Buda e Jesus, precisamos desenvolver a habilidade de perceber consciencialmente. E como fazer isso? Uma das maneiras ensinadas no Núcleo é estar alerta para esta pergunta: “O que você prefere: reagir aos personagens/representação ou interagir Comigo?”. Essa pergunta (princípio nuclear) nos fornece todos os elementos necessários que nos ajudarão a perceber e interagir com a Consciência do Ser. Devemos estar cientes de que no mundo da representação Eu está aparecendo como tudo: como palco, roteiro, cenário e todos os personagens. Sabendo disso, deixamos de ser meros personagens (que apenas interagem com outros personagens), e passamos a ser como atores cientes de que aquele que está diante de nós na representação não é somente um personagem, ele é também um ator. Assim, podemos escolher continuar representando o papel de nossos personagens (1), ou podemos escolher romper com a representação e passar a interagir com o ator (2).
Por exemplo: imagine a situação em que dois personagens de teatro estão conversando; um deles desiste de seguir a conversa traçada no roteiro e de súbito inicia um diálogo diretamente com o ator. A atitude dele seria: “cansei de interagir com o personagem, agora eu quero conversar diretamente com o real, e não mais com o personagem que ele está representando”. Essa atitude rompe de imediato com a encenação. Um personagem nunca toma a decisão de romper com a representação, é sempre o ator. No momento em que se manifesta (em forma de atos ou palavras) a atitude de romper com a representação, isso já é o ator agindo. Agora veja: o ator está sempre lá onde o outro personagem também está. Tudo o que for dito ao outro personagem, o ator irá ouvir – com os mesmos ouvidos. As palavras ou ações (fora do roteiro) que forem dirigidas ao outro personagem serão ouvidas pelo ator. E quando um dos atores rompe a representação (com palavras ou ações diferentes das contidas no script), como poderá o outro personagem seguir em frente com a sua representação? Ela começa a deixar de fazer sentido. Sempre que um ator manifesta (em forma de atos ou palavras) a atitude de romper com a encenação, a representação inteira é afetada. Seus atos criam uma perturbação, um desequilíbrio ou uma descontinuidade na própria estrutura da representação. E, naquele ponto, a representação vai perdendo a força, o sentido. A representação se enfraquece. Esse procedimento traz à tona o ator que está por detrás do outro personagem. Ao romper assim com a representação, o ator criou uma descontinuidade na linha de representação do outro personagem – o outro não poderá mais seguir na linearidade de sua representação conforme prevista no roteiro. Uma lacuna foi criada. A resposta (palavra ou ato do outro personagem) que surgir a partir dessa lacuna virá, não do personagem, mas do ator. Assim, a interação ator-e-ator foi totalmente estabelecida.
É muito importante notar que, se o ator apenas mantivesse a intenção de romper com a representação, mas não manifestasse o seu intuito por meio de atos ou palavras (ou seja, ação), a representação simplesmente continuaria seguindo em frente, feliz. Não basta a mera intenção de romper com a representação, é necessário agir! No Núcleo é ensinado que não há percepção sem ação. A verdadeira percepção deverá sempre vir acompanhada de uma ação consciente. Estando na representação, para transcendermos a percepção da mente é imprescindível "perceber e agir"!
Retomando: Saiba que na representação Eu está aparecendo como tudo: a história, o cenário, os personagens. Tome a atitude de romper com a representação (aja!) e fique atento às respostas que virão da Consciência do Ser (através dos acontecimentos, dos outros personagens, o que for). Você pode aplicar esse princípio a tudo o que acontecer na sua vida. Por exemplo: você está dirigindo o seu automóvel; um outro carro passa e lhe dá uma fechada. Nesse instante, a mente condicionada do personagem sentirá vontade de fazer aquilo a que sempre esteve habituada: reagir. Se você reagir, vai ficar bravo, reclamar, xingar, etc. Ou você pode romper com a representação, sair da mente do personagem, e começar a ter uma interação com o Ser. Faça silêncio, tente entender porque na representação o Ser lhe deu uma fechada, e fique atento. Se você romper com a representação, a resposta virá pela lacuna. Então, você poderá constatar que, graças à fechada que você levou, você acabou chegando segundos ou minutos mais tarde ao local onde você estava indo, e naquele exato momento lá estava alguém que você desejava rever. Você passa a notar pequenos milagres acontecerem.
Outro exemplo: você está dirigindo o seu carro, quando um outro vem e acerta a sua traseira. Esse é o instante em que você deverá escolher entre "reagir aos personagens/representação" ou "interagir Comigo". Se preferir reagir à colisão, ficará triste, bravo, aborrecido e poderá até entrar numa briga com o outro personagem. Todavia, se escolher romper com a representação e interagir Comigo, ficando atento aos acontecimentos (respostas), logo você entenderá por que na representação o Ser acertou a traseira do seu carro. Algo bom deverá advir disso. Se nós apenas escolhermos romper a representação e permitirmos nossas carruagens (vidas) serem conduzidas pela Consciência do Ser, a realidade da nossa representação é encaminhada para um rumo diferente daquele que estaria destinado a ocorrer caso escolhêssemos acionar a mente de nossos personagens e reagir à representação.
Para que você possa interagir com a Consciência do Ser, não é necessário que o outro personagem esteja consciente da sua realidade como ator. Basta que você esteja ciente de que Eu está aparecendo como. Um dos princípios do Núcleo diz que: "Eu apareço como. Às vezes nem eu mesmo percebo; mas se você perceber, já é o suficiente.". Deus está Se manifestando como os personagens. A cada momento, de inúmeras formas, a divindade está "aparecendo como" diante de nós. Às vezes o próprio personagem não percebe que está sendo instrumento de manifestação de Deus. Mas se apenas um de nós estiver consciente de que o Ser está "aparecendo como", e escolher romper com a representação e interagir com o Ser, isso será o suficiente para criar a brecha, através da qual ocorrerá a interação entre o personagem e o Ser.
Tudo o que foi aqui explanado abrange o significado do que vem a ser a ação dhármica. Ela é a ação que advém da percepção consciencial, na qual, despertos, os nossos personagens interagem com a Consciência do Ser.
18 – A oração de agradecimento é a verdadeira oração. O agradecimento não provém da mente do personagem, ele tem origem em Deus, na Consciência do Ser. O Ser é sempre pleno de tudo, preenchido, completo. Em Deus, tudo está consumado, nada mais há para acontecer. Tudo o que poderia acontecer já aconteceu – daí porque o Ser desfruta de um eterno estado de plenitude. O Ser está derramando, transbordando, compartilhando toda a Sua plenitude com o infinito inteiro, com o qual é uno. E a gratidão absoluta nasce desse derramamento, desse transbordamento de todas as Suas qualidades divinas. Devido a isso, o estado de gratidão é o que mais nos sintoniza com Deus. Deus, a Consciência do Ser, está em unidade com todas as coisas, Ele não se percebe separado de nenhum objeto. Ele é o próprio objeto percebido. Se Ele deseja ser feliz, a felicidade está imediatamente lá, como Ele próprio. Se Ele deseja amar, a experiência do amor está imediatamente lá, como Ele próprio. O Ser transborda dessa plenitude de "tudo está feito". Nada há que reste a não ser um estado de gratidão absoluta. Quando o agradecimento é verdadeiro, absoluto, não é o personagem quem agradece, mas a própria Consciência do Ser agradecendo através do personagem. A gratidão é um estado consciencial.
A mente do personagem não é capaz de agradecer de forma absoluta, pois enxerga a separação, a carência, a ausência, a falta. A percepção da mente do personagem enxerga o "eu" separado do "objeto visado". Para ela, a felicidade existe separada do "eu", o amor existe separado do "eu", a sabedoria existe separada do "eu". O "eu" está presente, mas as outras coisas estão ausentes. É então que, em sua oração, o personagem pedirá/suplicará para que lhe seja concedido aquilo que lhe falta. A oração de súplica é própria da mente do personagem.
A gratidão verdadeira é um estado consciencial. Mas até mesmo no mundo da representação (dimensão mental da realidade) a oração de agradecimento é mais eficaz que a oração de súplica. Por uma razão muito simples: se estamos em estado de agradecimento, criamos em torno de nós a atmosfera de que estamos satisfeitos, felizes, supridos, plenos. Essa atmosfera nada mais é que vibração, palavra, energia que juntamos em torno de nós e enviamos para o todo, o universo. Consequentemente, nosso estado positivo de gratidão atrai pessoas, coisas e situações condizentes com nosso estado de felicidade, satisfação, plenitude. O universo da representação é regido pela lei mental de afinidade: semelhante atrai semelhante. O amor atrai mais amor, a alegria atrai mais alegria e, inversamente, tristeza atrai mais tristeza e o medo atrai ainda mais medo. O semelhante atrai ainda mais o seu semelhante. Agradecer é a melhor forma de fortalecer nossa conexão com o Divino, pois quanto maior for nossa gratidão, mais bênçãos de amor, alegria, paz, virtudes positivas e prosperidade ele nos enviará. A gratidão gerada a partir de nosso interior se manifesta-se e atrai no mundo exterior situações que nos farão sentir ainda mais gratos.
A gratidão é um estado da alma. Sentir-se grato é sentir-se feliz, pleno, alegre. Não há ser humano na vida que não tenha nada a agradecer. Só o fato de existir já é um grande motivo para ser grato à Vida, ao Universo, a Deus. São tantas as coisas que podemos agradecer: saúde, alimento, família, amigos, casa, trabalho, educação, inteligência, posses materiais e as imateriais. Reconhecer que tudo que temos nos foi dado por Deus é um excelente ponto de partida para exercitamos a nossa gratidão. E ela nos trará todos os seus frutos. Sempre que lembrar, sinta-se grato, mesmo que seja por algo aparentemente banal e simples. Sempre que puder, silencie sua mente e sinta a gratidão. Não deixe que o pessimismo, a reclamação, a amargura ou o desgosto poluam sua mente e seu espírito. Vigie sempre. Através da gratidão silenciosa você sintonizará com as forças milagrosas da vida que lhe trarão os mais diversos benefícios.
Por todos esses motivos, a gratidão é preferível à suplica. Na oração de súplica, ocorre o seguinte: quando estamos pedindo por "x", lá no fundo de nossas mentes (por detrás das cortinas) estamos reconhecendo simultaneamente que: "eu não tenho x". Esse reconhecimento (feito por nossa mente subconsciente) constitui afirmação, declaração, palavra para o universo. Por sua vez, o universo (que sempre responde "sim" às nossas palavras) confirmará a nossa oração dizendo: "Sim, você não tem. Assim seja.". Na superfície de nossas mentes podemos não estar afirmando nada, mas lá no fundo de nossas mentes (na região subconsciente, inconsciente) estamos declarando expressamente para o todo que não temos "x". Se, ao invés de suplicarmos, simplesmente agradecermos a Deus reconhecendo que Ele já atendeu nossa oração (ou seja, já temos "x"), as profundezas de nossa mente ficarão impregnadas de afirmações/declarações/palavra de que: "eu já tenho", e o universo nos confirmará dizendo: "Sim, você já tem. Assim seja.". Portanto, o agradecer está relacionado à unidade (Consciência do Ser), enquanto que a súplica importa em dualidade, separação.
Importante ressaltar que o agradecimento ao qual estamos nos referindo é o agradecimento relativo (mental), e não a verdadeira gratidão. A verdadeira gratidão é consciencial (absoluta), uma expressão da Consciência do Ser. Por fim, fiquemos com esta sabedoria expressada no livro sagrado da Bíblia: "Em tudo dai graças porque esta é a vontade de Deus!" (1 Ts 5:18).
Esta série "Preleções Nucleares: a Unidade Essencial" foi apresentada a fim de que o leitor possa ter condições de compreender claramente (cristalinamente!) os textos do Núcleo que são postados neste blog. A fim de transmitir sua mensagem, o Núcleo utiliza termos (metodologia) bastante específicos, que poderiam soar talvez um pouco "estranho" ou "nebuloso" para aqueles que desde o início entram em contato com os textos/mensagens que só fazem sentido levando em consideração o seu contexto. É impossível transmitir a totalidade do que é ensinado no Núcleo em uma única série de textos. Mas nesta série muitas coisas (bastantes mesmo!) foram explicitadas, toda a essência do ensinamento está contida aqui. Atentem-se sempre para Aquele que está aparecendo como tudo, rompa com a representação (aja!) e passe a interagir com Ele (Comigo). Agradeço a Quem aparece como Núcleo. Agradeço a quem aparece como esta divina mensagem. Agradeço a Quem está aparecendo como você que está lendo. Agradeço a Quem aparece como aqueles que ainda virão. Percebo Eu se manifestando como todos. E a todos agradeço. Namastê!
Nenhum comentário:
Postar um comentário