- Masaharu Taniguchi -
DANÇA DAS FEITICEIRAS
Num aposento amplo e luxuoso, Vimalakirti está dormindo. Nos arredores desse aposento, tem-se um jardim espaçoso e tranquilo, onde o bodhisatva Jicei está sentado numa pedra e concentrado na prática da meditação Zen. Eis, então, que surgem no jardim seis lindas e sedutoras feiticeiras...
(*Nota: Bodhisatva: aquele que busca o seu despertar espiritual e ao mesmo tempo se dedica à salvação dos semelhantes)
Feiticeira 1 - Vamos dançar. Olhem! Lá está o bodhisatva Jicei, praticando meditação.
Feiticeira 2 - Vamos alegrá-lo, mostrando-lhe a nossa bela dança.
Feiticeira 3 - Mesmo estando com os olhos fechados, ele poderá, certamente, apreciar nossa dança com os olhos da mente.
Feiticeira 4 - Nós sempre aparecemos assim quando ele está praticando a meditação Zen.
Feiticeira 5 - Transmitimos a ele nossas vibrações mentais.
Feiticeira 6 - Isso mesmo.
Feiticeira 3 - Mesmo estando com os olhos fechados, ele poderá, certamente, apreciar nossa dança com os olhos da mente.
Feiticeira 4 - Nós sempre aparecemos assim quando ele está praticando a meditação Zen.
Feiticeira 5 - Transmitimos a ele nossas vibrações mentais.
Feiticeira 6 - Isso mesmo.
Feiticeira 1 - Mentalizamos para que ele nos veja com os olhos da mente.
Feiticeira 2 - Na vez anterior, transmitimos-lhe vibrações mentais para mostrar o belo e majestoso aspecto do paraíso, não foi?
Feiticeira 3 - Foi sim. E ele ficou muito contente, dizendo que Buda lhe revelou o paraíso.
Feiticeira 4 - Isso me parece um tanto esquisito. Como é que ele, sendo um bodhisatva, não consegue distinguir o paraíso verdadeiro do paraíso falso?
Feiticeira 5 - Não nos cabe questionar isso. Vamos cantar e dançar!
Feiticeira 6 - Sim, vamos cantar sob a regência do mestre Papiyas.
Surge Sakra Devanam Indra, que na verdade é o demônio Papiyas disfarçado. Ele começa a reger o coro das feiticeiras. No jardim, o bodhisatva Jicei está absorto em sua meditação, e no aposento Vimalakirti continua dormindo. As feiticeiras cantam e dançam...
Canto das feiticeiras:
"Vindo a primavera luminosa,
mil flores desabrocham.
Saudando o desabrochar das flores, mil pássaros gorjeiam.
Atraídas pelos gorjeios dos pássaros,
belas donzelas entoam o seu canto.
O canto das donzelas
é a chave que abre o paraíso búdico,
é a chave que abre o paraíso búdico..."
Bodhisatva Jicei - Oh! Que beleza! Eu estava vendo o belo paraíso búdico. Esta é a segunda vez que tive a bênção de ter a visão do maravilhoso paraíso. Com certeza, enquanto me concentrava na meditação, minha alma viajou até lá, transportada pela flor de lótus de mil pétalas. Foi uma visão de beleza indescritível!
(Subitamente, como que despertando de um sono, vê as feiticeiras dançando no jardim)
Oh, mas que é isso? Outra vez estou vendo a dança das belas donzelas! Continuo tendo a mesma visão, com os olhos fechados ou abertos! Que coisa estranha! Então essa visão maravilhosa não era a do paraíso búdico, e sim deste mundo?!
(Percebe a presença de Sakra Devanam Indra, na verdade o demônio Papiyas)
Oh! o senhor é Sakra Devanam Indra...
Sakra Devanam Indra (falso) - Salve, bodhisatva Jicei! Como sempre, empenhado firmemente no aprimoramento espiritual, heim? Para recompensar a sua diligência, escolhi as mais lindas bailarinas e trouxe-as aqui para apresentar-lhe uma bela dança. Refletindo bem, cheguei à conclusão de que este mundo é a terra búdica, é o paraíso. A bela dança destas encantadoras bailarinas faz parte das delícias do paraíso. Vimalakirti também disse isso. A felicidade paradisíaca consiste na satisfação dos cinco sentidos mundanais, que são: 1) desejo de possuir bens materiais; 2) desejo carnal; 3) desejo de comer e beber; 4) desejo de fama e poder; e 5) desejo de dormir.
De que adiante fugir desses cinco desejos e empenhar-se na prática da meditação Zen, isolando-se de tudo e de todos? O paraíso não se encontra no mundo da abstração, e sim dentro da realidade concreta. Não se alcança através de meditações ou divagações, e sim pela satisfação dos cinco sentidos concretos, a que me referi. A felicidade do homem não consiste em manter-se afastado da realidade concreta e viver a meditar num lugar isolado, em busca do imaginário. Veja essas lindas bailarinas! Repare na delicadeza da pele delas! Na maciez da carne delas! O paraíso está na deliciosa sensação que aquela pele e aquela carne oferecem. Darei a você uma dessas bailarinas que mais lhe agradar. Pode escolher à vontade.
Feiticeira 1 - (Em tom sedutor) Bodhisatva Jicei, eu adoro seus olhos! Eles tem um brilho puro como o das estrelas do firmamento. Fite-me com esses olhos e veja dentro de meus olhos a chama da paixão!
Feiticeira 2 - (Em tom sedutor) Bodhisatva Jicei, sua fisionomia é luminosa. Que belo rosto o senhor tem! Não posso conter o desejo de roçar minha face nesse rosto lindo!
Feiticeira 3 - (Em tom sedutor) Eu adoro esses lindos lábios, rosados e viçosos. Eles trazem ocultos uma paixão ardente. Sei que o senhor não é um homem frio. Gostaria de beijar seus lábios, ainda que apenas uma vez em toda a minha vida.
Feiticeira 4 - (Em tom sedutor) Bodhisatva Jicei, que ombros e braços musculosos o senhor tem! Eles revelam a sua virilidade. Gostaria de ser abraçada fortemente com esses braços vigorosos.
Feiticeira 5 - (Em tom sedutor) Bodhisatva Jicei, como é musculoso o seu peito, que vejo pelas frestas de sua veste. Que exercícios praticou para ficar assim? Esse peito musculoso parece resistente como um muro de pedra. Gostaria de enroscar-me nele, como uma hera que se enrosca no muro.
No aposento, Vimalakirti acorda, levanta-se e fica observando, em silêncio, a cena que está se passando no jardim...
Feiticeira 6 - (Em tom sedutor) Eu admiro suas pernas. Que coxas musculosas! São vigorosas e têm um brilho que me faz lembrar uma luzidia estátua de bronze. Gostaria de ver a beleza desses músculos em movimento. Gostaria de me enroscar como uma serpente nessas coxas, para testar a força de seus músculos. Meu querido bodhisatva, o senhor corresponderá à minha paixão, não é?
Bodhisatva Jicei - Não tentem seduzir-me com os prazeres dos sentidos! Sou discípulo de Buda e não devo sucumbir às tentações da carne. Sakram Deva Indra, afaste essas mulheres daqui imediatamente! Embora pareçam belas, elas têm o corpo cheio de impurezas!
Vimalakirti - Não se pode negar a beleza das belas mulheres. É preciso ter naturalidade de atitude mental, vendo as coisas e os fatos como eles são, ou seja, reconhecendo a beleza naquilo que é belo e a fealdade naquilo que é feio. É nisso que consiste o despertar. (Voltando-se para o falso Sakra Devanam Indra) Ei, você não é o verdadeiro Sakra Devanam Indra! É o demônio Papiyas disfarçado, não é?
Feiticeira 3 - (Em tom sedutor) Eu adoro esses lindos lábios, rosados e viçosos. Eles trazem ocultos uma paixão ardente. Sei que o senhor não é um homem frio. Gostaria de beijar seus lábios, ainda que apenas uma vez em toda a minha vida.
Feiticeira 4 - (Em tom sedutor) Bodhisatva Jicei, que ombros e braços musculosos o senhor tem! Eles revelam a sua virilidade. Gostaria de ser abraçada fortemente com esses braços vigorosos.
Feiticeira 5 - (Em tom sedutor) Bodhisatva Jicei, como é musculoso o seu peito, que vejo pelas frestas de sua veste. Que exercícios praticou para ficar assim? Esse peito musculoso parece resistente como um muro de pedra. Gostaria de enroscar-me nele, como uma hera que se enrosca no muro.
No aposento, Vimalakirti acorda, levanta-se e fica observando, em silêncio, a cena que está se passando no jardim...
Feiticeira 6 - (Em tom sedutor) Eu admiro suas pernas. Que coxas musculosas! São vigorosas e têm um brilho que me faz lembrar uma luzidia estátua de bronze. Gostaria de ver a beleza desses músculos em movimento. Gostaria de me enroscar como uma serpente nessas coxas, para testar a força de seus músculos. Meu querido bodhisatva, o senhor corresponderá à minha paixão, não é?
Bodhisatva Jicei - Não tentem seduzir-me com os prazeres dos sentidos! Sou discípulo de Buda e não devo sucumbir às tentações da carne. Sakram Deva Indra, afaste essas mulheres daqui imediatamente! Embora pareçam belas, elas têm o corpo cheio de impurezas!
Vimalakirti - Não se pode negar a beleza das belas mulheres. É preciso ter naturalidade de atitude mental, vendo as coisas e os fatos como eles são, ou seja, reconhecendo a beleza naquilo que é belo e a fealdade naquilo que é feio. É nisso que consiste o despertar. (Voltando-se para o falso Sakra Devanam Indra) Ei, você não é o verdadeiro Sakra Devanam Indra! É o demônio Papiyas disfarçado, não é?
Sakra Devanam Indra (falso) - Não, não! O senhor está enganado...
Vimalakirti - É inútil tentar enganar a mim. Não sabe que meus "olhos mentais" são capazes de perscrutar qualquer coisa, em qualquer lugar? Nem mesmo você, demônio Papiyas, será capaz de confundir os olhos de minha mente!
(Vendo-se desmascarado, o demônio Papiyas tenta fugir.)
Vimalakirti - Não se mova, demônio! (fazendo um gesto mágico com os dedos, e depois desenha com a mão um círculo no ar)
Demônio Papiyas - (Fica imóvel como se tivesse virado uma estátua)
Vimalakirti - Quer fugir? Pois tente! Eu o "amarrei" com o poder de minha mente, e quando mais você tentar fugir, mais apertada ficará essa "corda invisível".
Demônio Papiyas - (gemendo) Aaaai...
Vimalakirti - Não tenho a intenção de maltratá-lo O que eu quero é que você deixe essas moças comigo. São todas muito bonitas. Deixe-as, e eu permitirei que você volte ao seu palácio.
Demônio Papiyas - Mas... mas...
Vimalakirti - Mas, o quê?
Demônio Papiyas - O que o senhor fará com elas, se eu as deixar aqui?
Vimalakirti - Farei com que elas encontrem o prazer búdico.
Demônio Papiyas - O que é prazer búdico?
Vimalakirti - É o prazer de se viver em conformidade com os ensinamentos de Buda. Farei com que essas moças extingam todos os pensamentos impuros com o fogo da Verdade. Farei com que compreendam que o corpo carnal não tem existência real e que, portanto, são também vãos os prazeres dos sentidos. Os prazeres que ensinarei a elas são bem diferentes do que você lhes ensinou lá no seu palácio.
Demônio Papiyas - É uma pena, mas...
Vimalakirti - Mas o quê?
Demônio Papiyas - Acho que não tenho outra saída, a não ser deixar essas moças com o senhor.
Vimalakirti - Então vou desatar essas "cordas invisíveis. Pronto! Já pode ir!
Vimalakirti - (Olha para as feiticeiras) Venham, a partir de hoje, vocês vão ficar comigo. Devem, pois, seguir meus ensinamentos para conhecer o prazer búdico.
As feiticeiras - Mestre Vimalakirti, o que é prazer búdico?
Vimalakirti - É o prazer que se alcança ouvindo as palavras da Verdade e apreendendo a perfeição do Eu verdadeiro (Jisso). A verdadeira felicidade não consiste nos prazeres dos sentidos. O corpo carnal não tem existência real, portanto, os prazeres do corpo carnal também não têm existência real. Mas como eles parecem reais, as pessoas em estado de ilusão anseiam pelos prazeres do corpo e vivem a persegui-los, sem perceber que estão buscando prazeres vãos. É como se tentassem saciar a fome comendo o ar, ou mitigar a sede tomando água salgada: jamais estarão realmente satisfeitos. O prazer búdico consiste no estado em que a pessoa não se prende ao aspecto fenomênico, ao aspecto aparente, aos prazeres dos sentidos e às paixões mundanais, e contempla unicamente a Essência perfeita de seu ser. Em outras palavras, é o estado em que a pessoa, não obstante sua condição de um ser carnal a nível fenomênico, não se prende a seu corpo e se rejubila com a perfeição do seu Eu verdadeiro. Nesse estado, é-se feliz sempre, até mesmo quando o corpo carnal está sofrendo enfermidade e dores. A felicidade permanente só se alcança quando se vive no estado de beatitude búdica. Quem vive no estado de beatitude búdica é feliz porque não tem apegos e só busca aquilo que lhe é adequado, no tempo adequado; é feliz porque rejubila-se com a pureza espiritual, e jamais se deixa levar pelo ódio ou ira. Se compreenderam o que eu lhes disse, sigam-me!
Demônio Papiyas - Quero que me devolva essas moças.
Vimalakirti - Você havia concordado em deixá-las comigo.
Demônio Papiyas - Mas, com que cara vou voltar ao palácio, sem levá-las comigo?
Vimalakirti - Demônio Papiyas, você não passa de um fraco!
Demônio Papiyas - Por favor, atenda ao meu pedido! Dizem que "bodhisatva" é aquele que nunca deixa de atender aos que lhe suplicam algo.
Vimalakirti -Você é um hábil argumentador. Está bem, já que você insiste tanto, vou devolver-lhes as moças. (Voltando-se para as feiticeiras.) Podem ir! Voltem ao palácio do demônio Papiyas.
As feiticeiras - Mas não temos mais vontade de buscar os prazeres dos sentidos. Mesmo que voltemos ao palácio do demônio Papiyas, não temos mais o que fazer. Mestre Vimalakirti, diga-nos o que devemos fazer.
Vimalakirti - Esperem um pouco (Pega uma vela, acende-a com o lume do candelabro, coloca-a num pequeno castiçal.) Vou dar isto a vocês.
Feiticeira 1 - (Recebe o castiçal) Que devemos fazer com isto?
Vimalakirti - Este é o lume infinito, símbolo da Luz da Verdade que extingue a ilusão. Representa a Luz do despertar espiritual, que jamais se apagará. Com uma vela acesa pode-se acender milhões de outras velas. Assim também é a luz do despertar espiritual. Ela é infinita porque, por mais que a distribuamos aos outros, não enfraquece. Pelo contrário, intensifica-se mais e mais. Se vocês, que despertaram para a Verdade, transmitirem aos outros a Luz da Verdade, até mesmo o palácio do demônio Papiyas tornar-se-á um lugar pleno de Luz. O mundo ao nosso redor é reflexo de nossa própria mente. Aonde quer que vamos, o ambiente ao nosso redor se preencherá de Luz, contanto que mantenhamos em nossa mente a Luz da Verdade. Agora voltem para o palácio de onde vieram. Chegou o momento em que até mesmo no palácio do demônio Papiyas irá brilhar a Luz da Verdade.
(O lume do castiçal que Vimalakirti deu às feiticeiras torna-se extremamente intenso. O jardim é iluminado por uma claridade quase ofuscante)
Demônio Papiyas - Ai! Reduza um pouco essa luz, por favor! Diante da Luz da Verdade tão intensa, as forças me fogem e não vou poder voltar ao meu palácio. Reduza a luz, por caridade!
Vimalakirti - Você é um fracote! Ha, ha, ha! Está bem! Está bem! Vou diminuir um pouco a claridade. Assim está bom para você?
Vimalakirti - Este é o lume infinito, símbolo da Luz da Verdade que extingue a ilusão. Representa a Luz do despertar espiritual, que jamais se apagará. Com uma vela acesa pode-se acender milhões de outras velas. Assim também é a luz do despertar espiritual. Ela é infinita porque, por mais que a distribuamos aos outros, não enfraquece. Pelo contrário, intensifica-se mais e mais. Se vocês, que despertaram para a Verdade, transmitirem aos outros a Luz da Verdade, até mesmo o palácio do demônio Papiyas tornar-se-á um lugar pleno de Luz. O mundo ao nosso redor é reflexo de nossa própria mente. Aonde quer que vamos, o ambiente ao nosso redor se preencherá de Luz, contanto que mantenhamos em nossa mente a Luz da Verdade. Agora voltem para o palácio de onde vieram. Chegou o momento em que até mesmo no palácio do demônio Papiyas irá brilhar a Luz da Verdade.
(O lume do castiçal que Vimalakirti deu às feiticeiras torna-se extremamente intenso. O jardim é iluminado por uma claridade quase ofuscante)
Demônio Papiyas - Ai! Reduza um pouco essa luz, por favor! Diante da Luz da Verdade tão intensa, as forças me fogem e não vou poder voltar ao meu palácio. Reduza a luz, por caridade!
Vimalakirti - Você é um fracote! Ha, ha, ha! Está bem! Está bem! Vou diminuir um pouco a claridade. Assim está bom para você?
E assim, o demônio Papiyas e as feiticeiras retornam ao castelo. Finalmente, Manjusri, enviado como representante de Sakyamuni, chega ao palácio onde Vimalakirti está descansando...
Do livro: "A Verdade da Vida, volume 32"; pp. 75-86
Nenhum comentário:
Postar um comentário