"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

quarta-feira, setembro 07, 2016

O que é originariamente Um - 1/2

- Masaharu Taniguchi -


Seja pelo contato com seus filhos ou pelas recordações da sua própria infância, você já deve ter percebido que as crianças vêem com espanto e admiração todas as coisas que as cercam. É que tudo parece novidade (e é, realmente) aos seus olhos. Para uma criança, os acontecimentos da natureza como, por exemplo, o desabrochar de uma flor, é motivo de espanto e perplexidade. Por isso, frequentemente as crianças nos "bombardeiam" com perguntas como: "Por que é que as flores se abrem?", "Por que é que o Sol nasce de manhã e se esconde à tarde?", "Por que é que as estrelas brilham?", etc., etc. Tais perguntas exprimem o grande espanto e admiração que as crianças sentem em relação a todas as coisas.

No romance Gyuniky to Bareisho, uma das principais obras do renomado escritor japonês Doppo Kunikida, há uma passagem onde o personagem principal diz: "Eu quero sentir espanto...". Realmente, é muito importante conservarmos sempre a capacidade de sentir espanto e admiração diante das coisas que nos cercam. As crianças têm essa capacidade. Elas experimentam a sensação de nova descoberta em relação a tudo. Assim, cada vez que deparam com pessoas, coisas e fatos, elas se perguntam, com espanto: "Que será isso?", "Por quê?", etc. A capacidade de sentir espanto e admiração é um dos "tesouros espirituais" mais valiosos.

As criancinhas, por terem essa capacidade, vêem como novidade todas as coisas com que deparam. Mesmo que a "coisa" em si seja velha, elas a encaram como uma nova descoberta, porque o seu espírito é novo. Os adultos, porém, tendem a ficar com o espírito envelhecido. Envelhecer é "não se renovar diariamente". Quando a mente não se renova diariamente, ela "endurece" e perde a liberdade. Aquele que encara as coisas com a mente "endurecida" e sem liberdade, não pode compreender o verdadeiro valor e a maravilha das coisas que o cercam. Ele acha que nada há de extraordinário no fato de as flores desabrocharem, no fato de as estrelas brilharem, no fato de existir a atmosfera, etc. E não achando nada extraordinário, não se sentirá emocionado ou maravilhado diante de coisa alguma. Assim, por maiores que sejam as dádivas recebidas, não sentirá gratidão, nem se emocionará. Viverá num mundo insípido, e não poderá sentir a verdadeira alegria e satisfação da alma. Não há, pois, pessoas mais infelizes do que aquelas que perderam a capacidade de maravilhar-se e emocionar-se.

"Abrir os olhos da alma" é recuperar a vivacidade de espírito, é readquirir a capacidade de maravilhar-se e emocionar-se. Quando despertamos para o milagre da Vida (Natureza), não podemos deixar de nos maravilhar diante de tudo quanto vemos. Vejamos, por exemplo, uma pequena flor do campo. Como é delicada e sutil a sua estrutura! Por mais que o homem empregue a sua engenhosidade na confecção de uma flor artificial, ele não conseguirá produzir algo tão belo e delicado como uma flor natural. Até na mais humilde florzinha está presente o milagre da Vida. Quem será o autor de tão maravilhosa obra? Quem será que construiu algo tão belo, tão delicado e tão bem elaborado? As crianças, cujos "olhos da mente" não estão envelhecidos, ficam admiradas e curiosas diante desses mistérios. Mas os adultos, por estarem habituados com essas coisas, não sentem admiração nem curiosidade.

A admiração e a curiosidade ante o mistérios da Vida nos conduzem ao desejo de buscar a origem desses mistérios. E o desejo de conhecer a origem dos mistérios da Vida constitui a base, tanto do espírito religioso como do espírito científico. E quando o espírito de pesquisa aprofunda-se até atingir o "mundo imaterial", ele se manifesta como espírito religioso.

Existem muitas pessoas que pensam que a religião e a ciência chocam-se frontalmente. Mas isso não é verdade. O espírito de busca da verdade científica e o espírito de busca da verdade religiosa são uma coisa só, em sua essência. Na realidade, ambos são "espírito de busca da origem dos mistérios da Vida", atuando independentemente em missões distintas, tais como os destacamentos de um exército.

Diante de cada coisas que os nossos olhos captam, devemos sentir o vivo anseio de buscar sua origem. Quando desejamos e buscamos ardentemente a origem das coisas, tornamo-nos capazes de chegar até ela, natural e intuitivamente. Jesus disse: "Buscai, e achareis...". Sim, existindo em nós o sincero espírito de busca, tudo nos será revelado ou dado, à proporção que buscamos.

As pessoas que acham que tudo é natural e não se maravilham com coisa alguma, não possuem espírito de busca. Se Isaac Newton não tivesse achado nada de extraordinário no fato de uma maçã desprender-se do ramo e cair no chão, certamente ele não teria descoberto a existência da gravitação universal. Mas esse fenômeno natural (isto é, o fato de uma coisa cair de cima para baixo) despertou em Newton curiosidade e perplexidade. Isto porque ele tinha espírito jovem, vigoroso, repleto de desejo de busca. Graças a isso, ele pôde descobrir a força da gravitação universal. Porém, a sua busca nessa área parou aí, porque ele aceitou como fenômeno natural a existência dessa lei. É preciso que o nosso espanto, a nossa admiração, nossa curiosidade e perplexidade diante das coisas e fatos que observamos, alcancem uma profundidade bem maior. Precisamos, por exemplo, querer saber por que existe a lei de gravitação universal. Quando o nosso espanto e a nossa perplexidade diante das coisas/fatos observado não desaparecem com a simples explicação científica, e impelem-nos a continuar buscando suas origens e causas num nível mais profundo, chegamos às descobertas religiosas realmente profundas. Devemos, pois, dizer que o espírito religioso é o anseio para se chegar à origem de tudo quanto parece misterioso. Ele atinge, portanto, uma profundidade maior do que o espírito científico.

A curiosidade de Newton quanto à causa da queda dos objetos foi satisfeita com a descoberta da força da gravitação universal. Porém, a força gravitacional é uma força que não vai além do mundo físico. Quando ultrapassamos os limites do mundo físico, descobrimos o mundo de Deus, o mundo da religião.

Vamos supor que eu tenha, em minha mão, um ramo de flor. Como será que se forma uma flor? Primeiramente, a planta absorve os elementos nutritivos do solo, através de suas raízes. Processam-se, então, as funções orgânicas da planta, e ela assimila os elementos nutritivos absorvidos. Quando os elementos assimilados se "dispõem" em determinada ordem, dá-se a formação da flor. Até aí, as explicações científicas podem nos esclarecer. Mas quando não paramos aí, e prosseguimos em nossa busca para saber o porquê de tudo isso, alcançamos, finalmente, a fonte da misteriosa força da Vida – a Força de Deus.

Na verdade, o "sentimento religioso", sendo manifestação do espírito de busca mais profundo do que o "espírito científico", leva o homem a procurar a Verdade mais profunda. Podemos, pois, dizer que o "espírito religioso" é o "espírito científico em sua maior profundidade". Portanto, ser religioso não é manter uma crença cega, mas sim possuir um espírito de busca mais profundo do que um simples "espírito científico". A ciência da matéria consiste em pesquisar, do ponto de vista físico, a estrutura, a organização, etc. de todas as coisas. Quando a nossa busca não para aí, e aprofundamo-nos cada vez mais na procura das causas e origens de todas as coisas, desenvolve-se em nós o "espírito científico que alcança um mundo além da ciência". Podemos dizer que se trata, antes, de um verdadeiro "espírito religioso" do que um "mero espírito científico".

Se alguém perguntasse "O que mantém vivo o ser humano?", um médico responderia que "o homem vive porque o seu coração ou cérebro está funcionando". Sendo cientista, ele conhece cientificamente o corpo humano. Assim, se um paciente estiver prestes a ter uma parada cardíaca, ele aplica uma injeção de cânfora para estimular o seu coração e faz com que ele volte a funcionar. Analisando o corpo humano sob o ponto de vista científico, os médicos dizem que "o homem vive enquanto o seu coração estiver funcionando". Todavia, a medicina ainda não descobriu "o que faz o coração funcionar".

A medicina atual ainda não encontrou a verdadeira explicação para isso. Várias teorias têm sido apresentadas. Nós sabemos que o coração, através de seu movimento de sístole (contração) e diástole (dilatação), impele o sangue para todas as partes do corpo, mas não compreendemos o porquê de tudo isso. É preciso que nos aprofundemos mais na busca da "origem" e compreendamos não apenas a nossa "estrutura física", mas também a existência da misteriosa força da Vida que, embora invisível, está agindo incessantemente dentro de nós para nos manter vivos. E o que nos leva a profundarmo-nos mais na busca de respostas para as perguntas como "Por que o coração funciona?", é justamente a religião. portanto, religião não é uma mera "crença cega". Muito pelo contrário, ela é algo que estimula em nós o desejo de busca mais profundo do que aquele que a ciência desperta.

Quando o homem não se satisfaz com explicações superficiais a respeito das coisas e fatos e busca persistentemente a verdadeiras origens e causas de tudo, finalmente atinge aquilo que Hebert Spencer, filósofo e sociólogo inglês, denominou "Princípio Primeiro". "Princípio Primeiro" é, como o próprio nome diz, a origem de tudo. É algo cuja existência não depende de outra "causa". Ele existe por si mesmo, desde o princípio. Assim, quando o nosso espírito de busca nos leva a aprofundarmo-nos ao máximo na procura da origem do que quer que seja, inevitavelmente chegamos até o "Princípio Primeiro". Vamos supor que uma pessoa queira saber por que o coração funciona. Estudando o funcionamento do coração, ela vai saber como é a estrutura celular desse órgão, como se processa a circulação do sangue, como o aparelho respiratório purifica o sangue, etc. Então, surge uma outra pergunta: "Por que o homem respira?". Se a pessoa, não satisfeita com meras explicações científicas, continuar buscando respostas para as perguntas que vão surgindo uma após a outra, inevitavelmente chegará a um ponto em que terá de reconhecer a existência do "Princípio Primeiro" – ou seja, o "princípio de todas as coisas", o qual não admite mais a pergunta "Por que?".

Esse "Princípio" é que é Deus, é a Vida. Quando o homem busca incansavelmente os porquês de todas as coisas e fatos, finalmente chega até o Ser Misterioso que existe desde o princípio. Esse Ser Misterioso é que é Deus. Em todos os seres humanos existem o desejo e o esforço (ainda que inconscientes) de chegar até Deus. Devemos, pois, dizer que o sentimento religioso do homem é algo muito profundo. 

Ocorre-nos , então, a seguinte pergunta: "Por que o homem possui sentimento religioso?". Podemos dizer que o homem, sendo uma criatura oriunda de Deus, traz em seu íntimo o desejo de reencontrar Aquele que é a sua origem. Se fôssemos criados num orfanato ou num lar adotivo, cedo ou tarde surgiria em nós o desejo de encontrar os nossos verdadeiros pais, que talvez estivessem vivos em algum lugar. O desejo de reencontrar os pais é, em última análise, o anseio de descobrir a própria origem. Tanto o desejo de descobrir a origem do nosso corpo carnal, como o desejo de descobrir a origem da nossa Vida, são a manifestação da saudade daquele que nos gerou, e da necessidade imperiosa que sentimos de conhecê-lo, ir a seu encontro. Portanto, ambos os desejos têm fundamento na Grande Verdade, segundo a qual todo indivíduo é "originariamente uno" com seu Pai espiritual e também com seus pais carnais. Porque somos originariamente unos com o ser que nos gerou, sentimos o desejo de reencontrá-lo e unirmo-nos novamente a ele.


Do livro: "A Verdade da Vida, vol. 29", pp. 103-110


Nenhum comentário: