- OSHO -
“A canção da vida. Procure-a e ouça-a, primeiro, em seu próprio coração. A princípio, você pode pensar que ela não está aí; quando a procuro, encontro apenas barulho. Procure mais profundamente. Se novamente você se desapontar, espere, e então procure mais profundamente ainda. Há uma melodia natural, uma fonte oculta em cada coração humano. Ela pode estar demasiadamente escondida, totalmente encoberta e silenciada – mas está aí.”
Ouça a canção da vida. A vida é uma melodia; a existência é musical – por inúmeras razões.
A existência é harmonia; não é anarquia. Ela não é um caos; é um cosmos, uma unidade. Tão complexa, tão vasta, mas, ainda assim, unida. E a vida pulsa, desde o ínfimo átomo à mais elevada estrela. Os comprimentos de onda diferem, as pulsações são de frequências diferentes, mas o todo pulsa numa profunda unidade, numa harmonia. Plotino chamou a isso de “a música das esferas”. A existência inteira é uma música.
Ela é musical também num outro sentido. A ioga, o tantra e todas as escolas que têm estado trabalhando esotericamente na jornada interior da consciência humana afirmam que a vida consiste em sons; a existência consiste em sons.
A ciência discorda, mas não muito. A ciência diz que a partícula básica é a eletricidade e não o som. Mas a ciência também diz que o som é um modo da eletricidade, uma espécie de expressão elétrica – que o som consiste em partículas elétricas.
A ioga afirma que o elemento básico, a unidade básica da existência é o som, e que a eletricidade é um modo de som. É por esse motivo que temos o mito de que o fogo pode ser criado através da música. Se o fogo (ou a eletricidade) é apenas uma combinação de sons, então o fogo pode ser criado.
Essa diferença entre a atitude científica e a atitude iogue precisa ser entendida. Por que a ciência afirma que o som é apenas eletricidade e a ioga afirma que a eletricidade é apenas som? É porque a ciência aborda a existência através da matéria e a ioga a aborda através da vida.
Quanto mais profundamente você penetrar dentro de si mesmo, mais descobrirá um novo mundo de som e silêncio. Quando você alcançar o âmago de seu ser, descobrirá o som silencioso. É a isso que os hindus chamaram de nad anahat nad – o som que é incriado, que é a sua própria vida. Ele não é criado por nada, não é produzido. Apenas está aí. Ele é cósmico.
Aum é o símbolo desse som. Se você se dirigir profundamente para dentro, quando o centro supremo for alcançado, você ouvirá o som aum. Não é você quem o produz. Ele simplesmente está ali, vibrando. E o elemento básico da vida.
Este sutra diz: "Ouça a canção da vida." Mas você não pode ouvi-la a menos que já a tenha ouvido dentro do seu próprio coração. Tudo o que você pode ver deve, primeiro, ser visto dentro de seu próprio coração, senão você não poderá vê-lo, não poderá ouvi-lo. A experiência básica precisa ser a interior. Somente então a exterior pode ser vivenciada.
Tudo o que você conhece no mundo exterior é apenas um reflexo ou uma projeção. Se você está repleto de amor, a vida toda parece estar repleta de amor. Se você está sentado ao lado da pessoa que ama, então toda a existência está em ordem. Nada está errado, não há aflição alguma. Toda a existência é preenchida por uma profunda música porque você está preenchido por uma profunda música. Não há em você nenhuma desarmonia; seu coração sente uma profunda harmonia. Você está de tal modo unido à pessoa amada, que essa unicidade se espalha por tudo.
Se você está em profunda agonia – sofrendo, triste, deprimido – a existência inteira parece estar deprimida. É você, não a existência. A existência permanece a mesma, mas os estados de sua mente mudam. Num determinado estado, a existência parece estar em festa; em outro, ela parece estar triste. Ela não está; a existência é sempre a mesma. Mas você está sempre mudando e sua mente sempre sendo projetada. A existência atua como um espelho. Você se reflete nele.
Se você pensar que tudo aquilo que interpretou é um fato ao invés de uma projeção, mergulhará em ilusões cada vez mais profundas. Mas se puder entender que não se trata de um fato mas de uma ficção da mente – que tudo depende de você e não da própria existência – então você pode mudar. Pode passar por uma mutação, uma revolução interior por acontecer, porque agora depende de você.
O mundo pode ser um caos, se você for um caos. O mundo pode ser um cosmo, se você for um cosmo. O mundo pode estar morto, se você estiver morto interiormente. O mundo pode estar vivo, abundantemente vivo, se você estiver vivo interiormente. Depende de você. Você é o mundo. Apenas você existe realmente, nada mais. Tudo o mais é apenas um espelho.
Lembro-me de uma pequena história.
Um imperador, um imperador muito poderoso, criou um palácio, um palácio de espelhos. Por todos os lados, em todo o palácio, havia espelhos. O imperador era uma pessoa muito bonita e estava tão fascinado por sua própria beleza que jamais se sentiu atraído por alguma outra pessoa. Era um Narciso. Amava somente a si mesmo e achava que todos os demais eram feios. Finalmente, ele proibiu a qualquer pessoa de entrar em seu palácio. Vivia ali sozinho, a olhar para seu próprio rosto, em todo o palácio. Havia espelhos por toda parte, milhares e milhares de reflexos de seu próprio rosto.
Contudo, aos poucos, ele começou a se entediar, a ficar farto daquilo. Começou a não gostar de si mesmo. O dia todo encontrava-se consigo mesmo. Ficou doente, tornou-se triste e deprimido. Ficou tão melancólico que estava quase à beira da morte. Simplesmente cansou-se de si mesmo.
Então, de súbito, ele se lembrou: “Este palácio foi criado por mim mesmo. Não preciso permanecer aqui. Não há ninguém que me obrigue a permanecer aqui.”
Então, ele quebrou uma das paredes de espelhos – atirou uma cadeira contra ela. E, pela primeira vez em muitos anos, o céu penetrou naquele recinto. Era uma noite de Lua cheia, e a Lua irrompeu ali dentro. Um mundo novo, fresco, vivo surgiu. O imperador entrou em contato com esse mundo.
Ele saltou para fora daquele buraco infernal, para fora daquela prisão. E então não estava morto, nem melancólico, nem às portas da morte. Pôs-se a dançar, a celebrar. Esqueceu-se completamente de seu rosto. E conta-se que nunca mais ele se olhou novamente no espelho.
É isso o que está acontecendo a cada um de nós. Não se trata de uma história sobre algum imperador desconhecido. Ela se refere a você. Você vive numa casa de espelhos. Quando olha para o rosto da sua esposa, não é o verdadeiro rosto dela que você vê. É uma projeção. É o seu próprio rosto refletido no rosto da sua esposa. Quando você olha para uma flor, não é para essa flor que está olhando. Você está olhando para a sua própria flor mental projetada sobre a flor real.
Por toda a parte, você se move com seus próprios espelhos, suas próprias imagens. E então, naturalmente, você fica entediado, farto de tudo isso, e diz: “A vida é uma miséria.” Você diz: “Parece que a vida não tem nenhum sentido.” Você diz: “seria melhor me suicidar. Parece que a vida não tem nenhum propósito. Não estou indo a lugar algum, fico apenas dando voltas num círculo. Isso não leva a nada. Todo dia é a mesma coisa, a mesma repetição.”
Mas não é por causa da existência; é por causa de você. Jogue fora esses espelhos, quebre esses espelhos. Saia do seu palácio, saia da sua prisão e olhe para o mundo – não através de pensamentos, não através de seus estados de espírito. Olhe para o mundo com o olho nu, ouça-o com o ouvido nu. Não permita que nenhum estado mental se coloque entre você e o mundo.
É a isso que eu chamo de meditação: olhar para o mundo sem a mente. Então tudo é novo, fresco. Tudo está vivo, eternamente vivo; tudo é divino. Mas, para chegar a esse ponto, você precisará realizar um profundo contato, uma profunda penetração em seu próprio coração; porque ali o sumo da vida espera por você. Pode chamá-lo de “elixir”. Ele espera por você.
Este sutra diz:
"Ouça a canção da vida. Procure-a e ouça-a, primeiro, em seu próprio coração. A princípio você pode pensar que ela não está aí; quando a procuro, encontro apenas barulhos. Procure mais profundamente. Se novamente você se desapontar, espere, e então procure mais profundamente ainda. Há uma melodia natural, uma fonte oculta em cada coração humano. Ela pode estar demasiadamente escondida, totalmente encoberta e silenciada – mas está aí.”
Quando se tenta, pela primeira vez, ir para dentro, encontra-se barulho: multidões, pensamentos, loucura – tudo, menos silêncio. Mas não se deixe abater. Seja indiferente a todo esse barulho que você encontrar em seu interior.
Quando digo “Seja indiferente”, quero dizer não faça nada a respeito; apenas permaneça indiferente. Não diga: “Isso é mau.” Não diga: “Como posso acabar com isso?” Não tente acabar com o barulho – você não pode. Deixe que ele flua... como nuvens flutuando no céu enquanto você as observa. Ou como o tráfego que passa pela rua e você observa. Simplesmente fique à parte e observe o movimento do tráfego, ou permaneça na margem e olhe o rio fluindo. Não faça nada; apenas permaneça ali. Indiferente, desinteressado, de modo algum envolvido.
Se você puder fazer isso... isso é o que significa testemunhar. Se você puder fazê-lo, aos poucos penetrará cada vez mais fundo. Não se deixe abater, porque, no fim, por último, uma profunda fonte musical, uma profunda harmonia, uma profunda existência rítmica espera por você. Penetre nesse barulho e você a alcançará.
O sutra prossegue:
O sutra prossegue:
“Na base de sua natureza você encontrará fé, esperança e amor. Aquele que escolhe o mal recusa-se a olhar para dentro de si próprio, tapa seus ouvidos à melodia do coração, como se vendasse os olhos à luz de sua alma. Assim age, porque acha mais fácil viver nos desejos. Mas, debaixo de toda a vida, está a fonte corrente que não pode ser detida; as poderosas águas, na realidade, estão ali. Encontre-as...”
“Na base de sua natureza você encontrará fé, esperança e amor” – essas três coisas. Se você conseguir entrar em contato com sua música interior, essas três coisas florescerão espontaneamente dentro de você: fé, esperança e amor. Mas essas palavras possuem significados bastante diferentes. Não têm o significado que comumente damos a elas.
Quando dizemos fé, queremos dizer crença. Crença não é fé. Crença significa algo imposto. A dúvida encontra-se aí, oculta, mas você se envolve numa crença e empurra a dúvida para dentro.
Por exemplo, você diz: “Creio em Deus.”. O que você quer dizer? Não há realmente nenhuma dúvida? A dúvida está presente. A crença não pode destruir a dúvida; pode apenas ocultá-la. Na verdade, você acredita por causa da dúvida. Você teme a dúvida. Se você não acreditar, você fica em dúvida... sente-se incomodado. A crença lhe proporciona comodidade, consolo, alívio, conforto. Você se sente à vontade. Mas a crença é apenas uma fachada mental, intelectual. Por trás dela, a dúvida está sempre à espreita.
Você encontrará a dúvida oculta no interior de cada crença. Se você diz “Creio firmemente”, isso significa que você tem fortes dúvidas por trás dessa crença. Aqueles que dizem “Creio totalmente” têm grandes dúvidas dentro de si. Por que a crença é necessária? Porque a dúvida está presente e você se sente incomodado por ela.
É por isso que tantas pessoas são teístas e tão poucas são ateístas. Mas, na verdade, o mundo está cheio de ateístas e é muito difícil encontrar-se um teísta; é impossível. Tudo não passa de um artifício. As pessoas dizem que acreditam em Deus porque parece difícil não acreditar; é inconveniente. Socialmente, formalmente, não é bom.
Não que elas acreditem. Elas duvidam, sabem que duvidam, mas enganam a si mesmas. Suas vidas permanecem incólumes às suas crenças; suas religiões são religiões domingueiras. Suas vidas não são afetadas de modo algum. Aos domingos elas vão à igreja e rezam, como uma formalidade social, como parte das boas maneiras. Depois, fora da igreja, continuam as mesmas. Durante seis dias permanecem irreligiosas; por um dia tornam-se religiosas. Isso é possível? Durante seis dias você permanece feio e em um dia se torna bonito? Durante seis dias você permanece ruim e em um dia se torna bom? Durante seis dias você permanece diabólico e em um dia, de repente, você se torna santo? É possível isso?
É impossível. O sétimo dia deve ser o dia falso; os seis dias são reais. O sétimo dia é apenas um truque para enganar-se a si mesmo e aos outros.
A crença é falsa. Ela é útil, utilitária, mas falsa. A fé é totalmente diferente. Crença significa que a dúvida está oculta. Fé significa que a dúvida desapareceu. Essa é a diferença.
Fé significa que a dúvida desapareceu. Crença significa que a dúvida está presente e você criou uma crença contra ela. Você duvida se Deus existe ou não, mas diz: “Eu acredito”. Sua esposa pode estar doente, e se você não acreditar, quem sabe? Deus pode existir. Ou você corre o risco de perder o emprego. Quem sabe? – Deus pode ajudar. E se você não acreditar, então ele não o ajudará. É uma crença utilitária; ela lhe é de alguma utilidade. Mas a dúvida está presente.
Fé significa que a dúvida desapareceu. Ela é a ausência de dúvida. Mas esta só pode desaparecer quando você conhecer alguma coisa em seu interior; quando a crença não lhe foi dada, o conhecimento nasce em você. Quando você conseguiu conhecer, compreender, então a fé nasce.
E a esperança. Esta esperança não é aquela do desejo. Esta esperança não significa esperança por um futuro. Não está de modo algum relacionada com o futuro. Esta esperança significa simplesmente uma atitude esperançosa acerca de todas as coisas. Acerca de todas as coisas. Uma visão otimista, uma atitude esperançosa. Um olhar para o lado bom das coisas. Aconteça o que acontecer, você permanece esperançoso, não fica deprimido.
A depressão se manifesta apenas se você olhar para o lado ruim das coisas. Todas as coisas têm dois lados: o lado ruim e o lado bom. Você pode olhar para o lado ruim e então ficará deprimido, ou pode olhar para o lado bom, o lado benigno, e ficará feliz. Portanto, depende.
A pessoa que é desesperançada olha sempre para o que é ruim. A primeira coisa que ela procura é o que está ruim. Se digo a ela: “Este homem é um ótimo flautista”, imediatamente ela olhará para ele e dirá: “Não, não posso acreditar que ele possa tocar flauta, pois ele é um ladrão.” Qual é a relação? Um homem pode ser um ladrão e um ótimo flautista. Mas a pessoa negará essa possibilidade. Dirá: “Não, não pode ser. Ele é um ladrão, um notório ladrão. Como pode ser um ótimo flautista?”
Essa é a mente desesperançada. A uma mente cheia de esperança, se eu disser: “Este homem é um ladrão”, a pessoa responderá: “Mas como pode ser um ladrão? Ele é um ótimo flautista.”
Como você olha para as coisas? Com esperança ou sem esperança? Comumente, a não ser que tenha entrado em contato com a música interior, você olhará para o mundo com uma atitude desesperançada. Então tudo estará ruim, e qualquer coisa que se faça será ruim, errada. E de toda parte você extrairá miséria. Tornar-se-á um perito em ser miserável. Qualquer coisa ajudará você a ser miserável – qualquer coisa.
Quando você entra em contato com esse silêncio interior, com essa música interior, torna-se esperançoso; torna-se a esperança. Seja o que for, você vê. Você sempre toca o íntimo, o coração das pessoas. E então, não há depressão.
E o amor. Comumente, o amor é um relacionamento. Mas quando você entra em contato com o ser mais íntimo, o amor torna-se o seu estado – não um relacionamento. Ele não ocorre entre você e alguém mais. A partir de agora você tornou-se amor, tornou-se amoroso. Não se trata de um relacionamento. Mesmo se você estiver sozinho, sentado embaixo de uma árvore, será amoroso. Sozinho, solitário, com mais ninguém ali, você será amoroso.
É como uma flor solitária que cresce num caminho desconhecido. Ninguém passa por ali, mas a flor continua a espalhar seu perfume. É o seu estado. Não é verdadeiro que ela dará seu perfume somente se um rei passar por ali, e o negará se, por ali, passar um mendigo. Se passar um mendigo, a flor dará o seu perfume. Se passar um rei, a flor dará o seu perfume. Se ninguém passar, mesmo assim a flor continuará a espalhar o seu perfume. O perfume é o modo de ser da flor. Não é um relacionamento.
Nosso amor é um relacionamento. E quando o amor é um relacionamento, ele cria a miséria. Quando o amor é um modo de ser, cria a bem-aventurança. Buda também está amando, mas ele não procura amar você. Simplesmente, em virtude de seu modo de ser, seu amor se espalha. Seu amor torna-se um perfume e se espalha pelos mais longínquos cantos da Terra.
Estas três qualidades se desenvolverão: fé, esperança e amor. E se as três estão presentes, você não precisa de mais nada. Elas o conduzirão ao cume supremo da vida e da existência.
“...Saiba que, seguramente, ela se encontra dentro de você. Procure-a aí, e, uma vez tendo-a ouvido, você a reconhecerá imediatamente ao seu redor.”
Se você puder sentir sua música interior – sua verdade interior, sua fé interior, seu amor interior, sua esperança interior –, começará a reconhecê-los ao seu redor. Todo o universo mudará a seus olhos porque você mudou. E tudo o que sentir em seu interior, será agora sentido ao seu redor.
O mundo permanece o mesmo; mas quando você muda, tudo muda. De acordo com você, seu universo torna-se diferente. Se você está enraizado no divino, toda a existência está enraizada no divino. Se você está enraizado na maldade, toda a existência é um inferno. Depende de você. Ela é você, ampliado.
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