"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

terça-feira, setembro 01, 2009

Bhakti, o caminho da devoção




Já faz algum tempo que eu andava querendo publicar neste blog alguma coisa a respeito da filosofia Hare Krishna. Isso porque eu nunca falei nada a respeito desta grande filosofia hindu, a qual admiro bastante, muito embora não seja praticante e não tenha um profundo entendimento.

O texto apresentado anteriormente foi escrito voltado mais para quem possui intimidade ou familiaridade com os ensinamentos; nele, o autor dirige-se às pessoas que são mais afeiçoadas ao movimento - é um texto fechado -, então ele não explica muito, mas vai direto ao ponto. Para quem nunca ouviu falar ou não conhece muito a respeito, este texto pode ter ficado um tanto obscuro, portanto. Por isso, quero falar um pouco hoje sobre os caminhos do Yoga. E acredito que isso deixará mais claro o que está escrito no texto do post anterior.

O Yoga é uma ciência da auto-realização, é um ensinamento ou um caminho que permite ao homem unir-se, a realizar sua união com Deus, a "religar-se" ao Todo. A palavra Yoga significa "união" e a palavra religião significa "religar". Unir o que? Religar o que? Religar o homem a Deus! O homem vive num mundo onde aparenta existir a dualidade, quando na verdade tudo é um. Existe somente uma imensa unidade - imensurável, infinita, sendo tudo quanto existe. Mas o homem está mergulhado num tremendo senso de separatividade; ele enxerga si mesmo e aos outros como seres distintos, individuais, isolados, desconectados uns dos outros, porque acredita somente naquilo que mostram os seus cinco sentidos. Deus está além da mente humana, além da mente individual, por isso, o homem que quiser conhecer a Verdade, o Supremo, ou Deus, precisa transcender a mente humana. Deus é encontrado e percebido quando vemos através da Mente Divina, a Mente Universal, que está presente em todos, porquanto une tudo e todos. O Yoga é um caminho que possibilita ao homem sair das ilusões da mente humana (de maya) e ter um reencontro com Deus.

O Yoga é uma ciência antiga, milenar - surgiu na Índia há milhares de anos, e ao longo do tempo foram aprendidas diversas técnicas/maneiras/métodos de fazer o homem atingir a transcendência. O Yoga dividiu-se em três caminhos: o Yoga da ação (Karma Yoga), o Yoga do conhecimento ou da sabedoria (Jnana Yoga) e o Yoga da devoção (Bhakti Yoga). Esses são os três métodos de meditação. Através deles, o homem consegue atingir o estado de liberação, de liberdade, a iluminação. Cada um desses métodos surgiu através de diferentes mestres, que, ao lerem e praticarem o Bhagavat Gita, atingiram a iluminação espiritual à sua própria maneira, e passaram adiante ensinamentos com base em suas compreensões. Tilak, Shankara, Ramanuja - esses homens conseguiram entender a fundo os ensinamentos de Krishna e conseguiram autorrealizar-se, cada um deles à sua maneira. Tilak atingiu o nirvana através da ação (Karma). Neste caminho, algo tem de ser feito para alcançar Deus, através dele um esforço é exigido/necessário. Shankara estudou a escrituras e atingiu através da compreensão; ele nada precisou "fazer" em termos de ação, mas meramente alcançou pelo entendimento, pelo esforço consciencial; essa é a via do conhecimento ou sabedoria (Jnana). E Ramanuja conseguiu apreender a Verdade através do caminho da devoção, o caminho do amor (Bhakti). Esse caminho é o mais simples, o mais direto, o mais íntimo. Nele, nada é necessário ser feito - você só precisa se entregar e confiar.

Esses fatos foram possíveis de acontecer porque, lendo o Bhagavat Gita, percebemos Krishna ensinando a Verdade valendo-se destes três métodos: ação, sabedoria e devoção. E é por isso que o Yoga possui tantos métodos, tantos caminhos, tantas vertentes.

O autor do texto publicado no post anterior é um mestre hare krishna. Pertence à linhagem do Bhakti, da devoção. Todos os três caminhos são eficientes, mas o Bhakti é o caminho mais delicado de todos os três. É um caminho onde o devoto vive um amor que aceita, que não exige, não questiona, mas que é leve, puro e incondicional. No caminho do amor, você simplesmente confia. As coisas acontecem quando é preciso que elas aconteçam. Se elas não estão acontecendo, elas não são necessárias. Isso é entrega. Existe uma história para ilustrar a pureza e a grandeza dessa entrega.

Conta-se que um homem santo costumava rezar diariamente a Deus pela manhã e pela noite, e sempre agradecia a Deus depois de realizar a sua oração: "Você é tão grandioso, tão lindo, você sempre cuida de mim, você sempre supre todas as minhas necessidades; tudo o que eu preciso, você me dá". Esse homem santo possuía discípulos que não entendiam como seu mestre era capaz de orar sempre dessa maneira, com tanta devoção e fé, porque sabiam que as coisas não andavam nada bem. E o velho homem sempre continuava rezando. Um dia, em meio às suas grandes dificuldades, tiveram que passar fome durante três dias, e ninguém os ajudava, não lhes davam comida nem abrigo. Um discípulo não pôde mais se conter e disse: "Durante três dias estivemos com fome, sedentos, nenhum abrigo, e você está agradecendo a Deus novamente? Por que?". O velho homem riu e disse: "sim, porque durante esses três dias, essa era a nossa necessidade. Estar sedento, ter fome, ser recusado e rejeitado, essa era a nossa necessidade - porque tudo o que nos acontece é nossa necessidade".

Isso é ter confiança. Esse é o caminho do amor. Não conhece reclamação, não espera nada. Você não pode frustrar um devoto, não há possibilidade. Até mesmo se você o matar, ele morrerá agradecendo a Deus: "Você é tão grandioso, tão lindo, você sempre supre as minhas necessidades. Se minha morte ocorreu era porque a morte era a minha necessidade". A confiança dele é absoluta. A história utilizada como ilustração é um exemplo extremo que foi usado para que se possa entender como é o amor que o devoto possui por Deus. A confiança dele é imensa! E quando um devoto atinge tal nível de confiança, muitas graças começam a acontecer, muitas bênçãos, e até mesmo a iluminação pode ser alcançada através desse método.

Quando o homem atinge tamanho grau de entrega, ele nada mais faz. Então ele é como um botão de rosa - da mesma maneira que um botão de rosa se abre ao sol, o devoto se abre a Deus. De fato, dizer que o devoto se abre a Deus não é verdade - a entrega é tanta que ele simplesmente permite que Deus o abra, ele não impede, isso é tudo. Na abertura, a iluminação! O botão não se abre, o botão simplesmente se permite ser aberto. O devoto permite que Deus o abra, ele é como um girassol: aonde quer que Deus se mova, ele o acompanha. Ele está sempre olhando para o sol, sempre pronto para ser movido, transformado. Não tem idéia de como as coisas deveriam ser. Esse é o sentido do que Jesus disse, ao ensinar na oração: "Deixe vir o teu reino. Seja feita a tua vontade".

No caminho da ação e no caminho do conhecimento, você luta para dissolver o ego. O bhakta, o devoto, não luta para dissolver o ego, e também não luta para se fazer merecedor de Deus. Se ele lutar para fazer-se digno de Deus... quem é este que luta e que quer/deseja ser merecedor de Deus? Ele, o ego! O verdadeiro devoto esquece tudo a respeito disso, porque ele segue o caminho espiritual através da aceitação, da confiança e da entrega. Assim, ele diz: "O que posso fazer? Merecedor ou não-merecedor, como sou, aqui estou. Estou disponível. Se você, ó Deus, sentir que chegou o momento, derrame-se em mim, eu esperarei com as portas abertas. Merecedor, não merecedor - sobre isso é o Senhor que tem de pensar. Seja qual for o seu pensamento, será o pensamento certo e eu aceitarei. Bom ou ruim, isso não me diz respeito. Pecador ou santo, não sei nada sobre isso. Isso é o que eu sou. Aceite-me, rejeite-me - isso eu confio e deixo com você". O devoto simplesmente se rende. Esse caminho livra o homem das armadilhas mais sutis do ego, porque querer ser piedoso, merecedor, humilde, virtuoso - essa também é uma forma de ego: um ego sutil, esperto, habilidoso, ladino, escorregadio. Mesmo esse ego precisa ser colocado de lado.

O Bhakti oferece ao homem a chave, o segredo dos segredos - a devoção, o amor. Ele pede que abandone sua dúvida, seu pensamento e sua mente, e dê um salto, um mergulho no Todo. Confie na vida. Essa chave abre as portas do céu. Muitos homens alcançarão Deus por esse caminho, porque ele é simples, fácil, e também o mais majestoso, o mais mágico, porque o homem não necessita fazer simplesmente nada. Se sua entrega e confiança for grande o bastante, Deus realiza em você a sua iluminação neste exato instante. Na realidade, nossa iluminação já está acontecendo exatamente agora, mas são a confiança e a entrega que nos permitem sentí-la, desfrutá-la.

Confiança. O verdadeiro devoto deixa essa única palavra se tornar sua Bíblia inteira, seu Alcorão, seu Veda, seu Gitá. Isso pode transformá-lo. É uma chave-mestra. Abre todas as portas.

Para finalizar este post, deixo as palavras de Yogananda, um dos maiores devotos que houve neste mundo até hoje. Sempre que Yogananda fala de devoção, ele o faz com tal poder, com tal autoridade, com tal pureza e com tal amor, a ponto de nos estremecer o ser da cabeça aos pés. Busquemos sentir com a alma a nobreza destas palavras:

"Primeiro você precisa ter uma idéia correta do que é Deus - um conceito definido, por meio do qual possa estabelecer uma relação com Ele - e, então, precisa meditar e orar até que essa concepção mental se transforme em realização. Então você O conhecerá. Se persistir, o Senhor virá. O Caçador de Corações quer apenas o seu amor sincero. Ele é como uma criança: alguém pode lhe oferecer toda a sua fortuna e Ele não a quer; mas outro grita: 'Senhor, eu Te amo!' e para o coração desse devoto Ele virá correndo.

Não procure Deus com segundas intenções, mas reze a Ele com devoção - devoção incondicional, exclusiva, imperturbável. Quando o seu amor a Ele for tão grande quanto o seu apego ao corpo mortal, Ele virá até você.

Na busca de Deus, a atividade tem o seu lugar, logo após a devoção. Há quem diga: 'Deus é poder; logo, vamos agir com poder.' Quando você for assíduo na prática do bem, com o Senhor sempre ocupando o primeiro plano em sua mente, você O perceberá desse modo. Porém, mesmo ao fazer o bem, pode-se agir correta ou incorretamente. Um sacerdote zeloso que traz para sua congregação um número crescente de pessoas, somente para satisfazer seu próprio ego, não agradará a Deus com essa conduta. Perceber a presença do Morador Divino deveria ser o desejo de todos os corações.

Quando de maneira persistente e inegoísta, você executar todas as suas ações com pensamentos inspirados pelo amor de Deus, Ele virá a você. Então, compreenderá que é o Oceano da Vida que se tornou a pequena onda da existência individual. Essa é a maneira de se conhecer o Senhor pela atividade. Quando, em cada ato, você pensar nEle antes, durante e depois da ação, Ele se revelará a você. Você tem de trabalhar, mas deixe que Deus trabalhe por seu intermédio; essa é a melhor parte da devoção. Se pensar constantemente que Ele está caminhando por meio de seus pés, trabalhando por meio de suas mãos, realizando as coisas por meio da sua vontade, você O conhecerá. É preciso também desenvolver o discernimento, dando preferência a atividades espiritualmente construtivas, com a consciência em Deus, em vez de trabalhos executados sem pensar nEle.

Trabalhe, coma, caminhe, cante, ria, chore, medite - só para Ele. É a melhor maneira de se viver. Se assim proceder, você será verdadeiramente feliz - servindo-O, amando-O, comungando com Ele. Talvez você pense que, após duas horas de meditação, eu estaria morto de tédio. Não, eu não poderia achar neste mundo nada que fosse mais inebriante do que esse meu Deus. Quando bebo desse vinho envelhecido de minha alma, um céu de felicidade pulsa em meu coração. A alegria divina se encontra em todos. A luz do sol brilha igualmente sobre o carvão e o diamente, mas é o diamante que reflete a luz. Da mesma forma, são as mentes transparentes (limpas, inocentes, puras) que refletem o Espírito. Estou lhe indicando um mundo mais belo do que qualquer coisa aqui. Estou falando de uma felicidade que o embriagará noite e dia. Essas verdades profundas não se destinam a inspirá-lo por um breve momento, mas devem ser assimiladas e postas em prática para seu maior proveito. (...)"
(Paramahansa Yogananda)




O que mais há para se dizer? Qualquer semelhança entre o Yoga e os ensinamentos de Jesus Cristo não são meras coincidências. Os ensinamentos cristãos também seguem o caminho do Bhakti, porque pedem a nós que tenhamos um profundo amor para com Deus. Devemos amá-lO em primeiro lugar. Devemos buscar primeiro o Reino de Deus e Sua justiça e, assim, as demais coisas nos serão dadas de acréscimo. Devemos amar ao próximo como a nós mesmos. Cristo disse: "Se vós fizerdes o bem a um destes pequeninos (e isso vale para todos, indistintamente, pois eles são o nosso próximo), em verdade o estareis fazendo a mim". Quem é este "mim"? Este "mim" é o Deus que vive no âmago de cada ser existente. O mesmo Deus que habita dentro de ti habita também dentro do teu próximo. É o mesmo Deus, a mesma Vida. Quando amamos ao nosso próximo, amamos a Deus diretamente, essa é uma outra maneira de prestarmos a nossa devoção a Deus. Essa maneira também faz parte do caminho do Bhakti. A Verdade é universal! O homem que é um verdadeiro iogue é também um praticante cristão. E o que é um verdadeiro cristão é também um iogue. Porque há apenas uma única Verdade; existe apenas um Deus.

Om Shanti!

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