"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

sexta-feira, janeiro 03, 2020

A Verdade da Budificação do Homem - 6/7

- Masaharu Taniguchi -


Então, o que fazer, na prática, para o homem se realizar como Buda assim mesmo como é? Como já disse várias vezes, se não se manifesta a Imagem Verdadeira na qual o homem já é Buda, é porque ele não a visualiza, não a mentaliza. Ver (visualizar) é manifestar. Mentalizar é criar forma. Mesmo que, na realidade, o indivíduo esteja dormindo num colchão de ouro, se a sua mente, não vê essa realidade e, sonhando pensa que é um mendigo maltrapilho perambulando pelas ruas, só poderá experienciar a vida de mendigo maltrapilho durante o sonho.

Se nós, seres humanos, perambulamos na vida como seres carnais sujeitos à pobreza, à doença, à velhice e à morte, é porque perambulamos em ilusão no sonho chamado cinco sentidos. Mas, quando despertamos do sonho e vemos o nosso corpo da Imagem Verdadeira, percebemos que este corpo, neste mesmo estado, é Buda Vairocana, é bodisatva Fugen.

Por isso, o mestre Kobo cita o seguinte trecho da Sutra do Grande Sol:

Se desejas nesta vida entrar no siddhi, mentaliza-o conforme sua adequação. Recebendo o ensinamento diretamente do venerável, observando-o e adequando-te a ele, conseguirás realiza-lo.

Citando esse trecho em sua obra Sokushin Jôbutsu-gi, o mestre Kobo prega a necessidade da mentalização e da visualização. Ele diz que o siddhi se realizará se a visualização e a mentalização forem adequadas à Imagem Verdadeira. Siddhi é um termo sânscrito e significa "realização sumamente maravilhosa". Para realizar o Buda Original, que é a Imagem Verdadeira sumamente maravilhosa, são necessárias mentalização e visualização (contemplação). A Sutra do Grande Sol fala em "entrar no siddhi e realiza-lo", mas nela não existe a expressão "realização deste corpo como Buda assim mesmo como é". Esta expressão aparece somente na obra Bodaishin-ron, do bodisatva Nagarjuna.

Bodaishin-ron, do bodisatva Nagarjuna, prega que este corpo se realiza como Buda somente dentro da lei do mantra, e por isso recomenda a lei da concentração mental. Isso não está escrito em nenhuma outra sutra (Sokushin-Jôbutsu-gi)

Então, como é a "budificação do corpo assim mesmo como é" pregada pelo esoterismo Shingon? Normalmente, pensa-se que este corpo carnal se torna Buda. Mas, como é possível o homem se tornar Buda? A única resposta é o fato de que o homem é Buda na sua essência. Budificação não é o fato de o homem se tornar Buda de agora em diante; ele já é Buda. A budificação já consumada se manifesta por meio da visualização (contemplação) e da mentalização.

Tradicionalmente, existem três versões para o significado da budificação do homem, a saber:

1ª – "O corpo já é Buda, assim mesmo como é";
2ª – "O homem se torna Buda juntamente com o corpo"; e
3ª – "O corpo se torna buda prontamente".

Certas pessoas acreditam que este corpo fenomênico se torna Buda e se espiritualiza, sem deixar o seu cadáver, tal como Jesus ou o profeta Elias, manifestando imediatamente poder sobrenatural igual ao de Buda. É dito que o mestre Kobo desencarnou quando meditava no seu retiro subterrâneo sem deixar o cadáver, e que, até hoje, ele percorre todo o Japão salvando as pessoas. E, na ocasião da troca de suas vestes uma vez por ano, a roupa do ano anterior está desgastada e esfarrapada devido à sua peregrinação. Os pequenos pedaços dessas vestes velhas são distribuídos aos fiéis, sob o nome de okoromo (veste sagrada), e acreditam que quem ingere um fragmento do okoromo se cura da dor de barriga. Eu desconheço a veracidade disso. Porém, se a budificação do corpo significasse desintegração e espiritualização do cadáver e sua transformação em Buda, seria muito estranho, pois, que eu saiba, nenhum dos eminentes monges do esoterismo Shingon conseguiu a budificação, excetuando o mestre Kobo. Que dizer, então, dos adeptos comuns do Shingon? Devo dizer que é impossível eles conseguirem a budificação do corpo. O mestre Kobo não iria pregar um ensinamento impossível de praticar. É evidente que não é o corpo carnal que se torna Buda. Então, como interpretar a seguinte frase do mestre Kobo?

Se alguém buscar a sabedoria de Buda e atingir o bodaishin (mente que transcende as paixões mundanais e atinge a Verdade que transcende o nascer e o morrer), comprovará o despertar de Buda em seu corpo nascido de pai e mãe.

Na Sutra do Grande Sol, encontramos o seguinte diálogo entre Buda Vairocana e Kongôshu Himitsushu:

Ó Himitsushu, o que é atingir o bodaishin? Resposta: conhecer verdadeiramente a mente própria.

Aqui diz que atingir o bodaishin consiste em "conhecer verdadeiramente a mente própria". Essa "mente própria" não se refere à ação mental produzida pelo cérebro. Ela se refere à mente verdadeira ou à Imagem Verdadeira, que é a fonte da mente cerebral e que a transcende. A ação mental originada do cérebro é inconstante, mudando sempre conforme as circunstâncias, razão pela qual tal mente não pode conhecer a mente verdadeira ou a Imagem Verdadeira, que é serena e perfeita. É preciso serenar a ação mental fenomênica por algum tempo e contemplar unicamente a Imagem Verdadeira e perfeita, visualizando-a. Na obra Hotsu-bodaishin-ron, traduzida por Fuku-Sanzô, está escrito:

Toda a humanidade é satva (bodhi) por toda a vida, mas, por estar dominada por avareza, ira e ignorância, os budas misericordiosos pregam sabiamente a concentração mental altamente secreta, ensinando os praticantes a visualizar e contemplar com sua mente o Sol ou a Luz. Por meio dessa concentração, a mente verdadeira se manifesta de modo profundamente calmo e puro como a luz da lua cheia que clareia o firmamento. Ela se chama incógnita ou mundo puro da Verdade, ou ainda mar da sabedoria do despertar da Imagem Verdadeira. Ela contem ilimitados tesouros raros de estados de concentração, tal como a lua cheia pura e clara. Isso porque todas as pessoas, encerram dentro de si a mente de Fugen bosatsu. (Hotsu-bodaishin-ron, de autoria de Nargajuna bodisatva)

O texto diz que, para controlar a mente cerebral agitada e acalmá-la, pode-se contemplar a imagem redonda e perfeita do Sol ou da Lua. Continuando essa contemplação, a mente cerebral fenomênica se acalma, e manifesta-se, de dentro, a mente verdadeira tal como a lua cheia que desponta, e a pessoa conscientiza que a sua imagem não é a de um corpo limitado como a do corpo carnal, mas sim uma imagem sem forma que preenche o firmamento.

Então Buda Vairocana explica o estado do seu despertar a Himitsushu como segue:

Caro Himitsushu, este anuttara samyak sambodhih é algo que não pode ser captado absolutamente como existência. Por que razão? Porque bodhi é como o firmamento; não existe quem o entenda, nem existe quem o compreenda. Por que razão? Porque bodhi não tem forma. (Dainichi-kyô)

Anuttara samyak sambodhih – esta expressão (em sânscrito) pode ser abreviada e chamada bodhi, e vulgarmente é dito despertar de Buda; em chinês, é traduzida como "suprema sabedoria correta e universal"; mas ela se refere à convicção "eu sou Buda". Mesmo que alguém pergunte "como é esse despertar de Buda? Mostre-me!", não há como mostra-lo. Como diz a sutra Dainichi-kyô, "não pode ser captado nenhum pouco". Não há como captá-lo e mostra-lo, dizendo "isso é assim". Não há como mostra-lo porque não tem forma, tal como o firmamento. Aliás, ele não pode ser captado não simplesmente porque não tem forma, pois, para se captar algo, é necessário que haja confronto entre o captar e o objeto captado. Para se compreender algo, é necessário haver confronto entre quem compreende e o objeto a ser compreendido. É preciso haver confronto entre quem alcança o despertar e o despertar a ser alcançado. Tal confronto é função da mente cerebral, que está sempre sujeita a abalos e agitações. Quando se aniquila essa mente, aniquila-se simultaneamente o confronto, e é então que a mente verdadeira se manifesta. A Imagem Verdadeira se manifesta e se clareia, assim como o céu se clareia quando a lua cheia desponta e sobe. Isso é que é sem forma.

A mente que desperta e o despertar a ser alcançado se anulam, o relativo se anula, e fica o absoluto. O absoluto é sem forma. A "budificação do corpo assim mesmo como é" consiste em despertar para a Verdade de que "o corpo nascido dos pais é corpo sem forma"; não consiste no desaparecimento do "corpo nascido dos pais" após o desencarne. Consiste em compreender que o corpo, ao mesmo tempo em que apresenta o corpo carnal com forma, é sem forma tal como o firmamento. Consiste em compreender que o "corpo com forma" é, assim mesmo como é, "sem forma"; que o corpo limitado, assim mesmo, é ilimitado como o firmamento, preenchendo o Universo, e um com Buda Vairocana. Em outras palavras, consiste em compreender verdadeiramente (não apenas com a inteligência cerebral) que este corpo, assim mesmo como é, está fundido com a Vida do Universo todo, e é ilimitado ao mesmo tempo que é limitado, e limitado ao mesmo tempo que é ilimitado.

O nosso corpo, aqui, agora, assim mesmo como é, é corpo de Buda Vairocana e, ao mesmo tempo, é corpo de Fugen-bosatsu, é corpo de Kanzeon Bosatsu, que são (ambos) corpos protetores, manifestações, respectivamente, de sabedoria e amor de Vairocana. Conscientizar isso constitui a "budificação do corpo assim mesmo como é". Nesta conscientização, já se eliminou completamente a ideia dualista de "alojar-se", ou "dentro" e "fora", que se vê em expressões tal como "Buda se aloja dentro de mim". Mesmo manifestando o corpo carnal, este já não existe (como não existe, não há necessidade de negá-lo), e se conscientiza verdadeiramente o corpo sem forma e infinito que preenche todo o Universo. Já não existe nem o sujeito que alcança o despertar, nem o despertar a ser alcançado, e se entra no estado de despertar absoluto. Isso não consiste apenas em compreender teoricamente o pensamento de desapego citado na Avatamsaka Sutra. Ele consiste em conscientizar esse estado como experiência da Vida por meio de exercitação da contemplação (visualização), mentalização e palavra – este é o procedimento do esoterismo.

Não há quem alcance o despertar, nem há despertar a ser alcançado. Da mesma forma, não há aquele que pratica, nem há prática a ser praticada. Por isso, no Dainichi kyoshô está escrito: "Praticar sem a prática, e atingir sem atingir; não há quem entre, nem local para se entrar; por isso se diz igualdade". Praticar sem a prática significa ser assim mesmo como éAssim mesmo, somos Vairocana, somos Fugen e somos Kanzeon. Não é após a prática que somos Vairocana; já somos Buda. Nós simplesmente perdemos o "assim mesmo como somos". Para recurerar o "assim mesmo como se é", na Tendai (ramificação do budismo, no Japão) se pratica o Shinkan (meditação que consiste em afastar a mente ilusória e se identificar com a sabedoria superior); no esoterismo Shingon se pratica Ajikan (contemplação da letra A do sânscrito: अ); e na Seicho-No-Ie se pratica a Meditação Shinsokan. Todos eles são formas de concentração mental. É necessário não só entender com o cérebro a verdade da fusão de este corpo com Buda,  mas assimilá-la.

Cont...

Do livro "A Verdade da Vida, vol. 39", pp. 217-225

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