Masaharu Taniguchi
A Seicho-No-Ie prega sobre o Mundo do Jisso e o mundo fenomênico. O mundo fenomênico não é existência real, embora pareça existir realmente. Ele é a sombra projetada pela nossa mente, ou seja, é a materialização de nossas ondas de pensamento, de nossas vibrações mentais.
Todos os seres e todas as coisas do mundo fenomênico são produtos das ondas mentais que se propagam e se materializam no mundo exterior, tais quais imagens que surgem no vídeo da televisão. Mesmo que estejamos vendo a imagem de uma pessoa movimentando-se no vídeo da TV, o que ali está não é, em absoluto, um ser humano com sua forma imutável. O que vemos não passa dos movimentos incessantes das ondas eletromagnéticas. Do mesmo modo, este nosso corpo carnal também é produto das vibrações de ondas mentais, que estão em constante transformação.
Na verdade, nem precisamos recorrer aos termos da eletrônica para explicar a transitoriedade do corpo carnal; basta atentarmos para as células que o compõem. Se o corpo carnal aparentemente continua a existir sempre sob a mesma forma, é porque, quando morre uma célula, logo se forma uma nova para substituí-la. É um processo comparável ao aparecimento de uma imagem cinematográfica na tela: um homem que vemos na tela parece uma unidade contínua, mas é apenas uma imagem resultante da projeção, em sequência, de centenas ou milhares de imagens passadas/sobrepostas rapidamente. Em outras palavras, se a imagem de um personagem do filme move-se na tela como se estivesse viva, é porque centenas e milhares de segmentos do filme vão passando rapidamente, um após o outro. O que parece uma unidade imutável é, na verdade, uma sucessão de fragmentos transitórios.
Segundo os biólogos, ao longo de um período aproximado de oito anos, todas as células do corpo, até mesmo as do tecido ósseo, são substituídas por novas células, não permanecendo no corpo nenhuma célula velha. As células da epiderme, do tecido muscular, etc., renovam-se quase que diariamente. Mesmo neste instante que estou falando sobre isso, o sangue circula nas minhas veias e artérias, ocorre a transpiração, processa-se continuamente em meu corpo a substituição de gás carbônico pelo oxigênio, etc. Tudo isso é transformação. Nada fica; nada é imutável.
Todavia, essas transformações não são repentinas. Citemos, por exemplo, o tecido ósseo. Como já foi dito, num período de mais ou menos 8 anos, até mesmo o tecido ósseo é totalmente renovado. Obviamente, isso não significa que as células permaneçam inalteradas durante cerca de 8 anos e então, de repente, ocorra a substituição. A substituição vai ocorrendo aos poucos, lenta e incessantemente. E, como resultado disso, ao cabo de mais ou menos 8 anos, o tecido ósseo está totalmente renovado. Trata-se, pois, de uma transformação incessante. Em linguagem budista, é a “inconstância” dos seres e das coisas. Sakyamuni, tendo percebido a inconstância dos seres e das coisas deste mundo, tornou-se monge e partiu numa peregrinação, visitando os principais sacerdotes da época, em busca de um caminho para transcender a inconstância.
Nos tempos de Sakyamuni, ainda não existiam inventos como o cinema, o rádio, a televisão, etc., nem era conhecida a ciência denominada “citologia”. Portanto, ele não podia constatar fatos como o de que “por detrás da sucessão das cenas de um filme na tela do cinema, existe a ação do operador do aparelho de projeção”, ou de que “por detrás do metabolismo do corpo humano existe a ação da força vital constante e imutável que comanda tal processo”, e por essa razão, vendo as vicissitudes dessa vida, que são “o nascimento, o envelhecimento, o adoecimento e a morte”, parece que teve bastante dificuldade em despertar – e também fazer os outros despertarem – para a Verdade de que, por detrás da vida fenomênica transitória e cheia de sofrimentos, existe a Vida imutável, eterna, indestrutível.
No budismo, comumente ensinam que o “eu” não existe. Isso leva à conclusão de que se o “eu” é inexistente, logicamente o espírito (a alma) também é inexistente. Por isso, muitos pensamentos que aludem ao ensinamento de que “o eu não existe” pregam uma teoria que nega a existência da alma. Mas, lendo as escrituras budistas, constatamos diversas passagens em que Sakyamuni diz a seus discípulos que quando eles deixarem o mundo terreno renascerão em algum outro lugar. Em uma das sutras está escrito que, por ocasião da estada de Sakyamuni no jardim de Kalandaka, recebeu a visita de uma sacerdotisa chamada Sen-ni, a qual expôs suas dúvidas quanto a essa questão.
Respondendo, Sakyamuni disse: “Neste mundo, há três diferentes ideias a respeito da vida. A primeira é aquela que considera o eu manifestado no mundo presente como eu verdadeiro, e em crer que, após a morte do corpo carnal neste mundo, o eu se extingue completamente”. Essa ideia corresponde à filosofia materialista de hoje, segundo a qual a consciência do eu é resultado da ação química da matéria.
Em seguida, Sakyamuni disse: “a segunda ideia é a que considera como verdadeiros tanto o eu manifestado no mundo presente, como o eu que se transfere para o mundo espiritual após a morte do corpo carnal.” Segundo essa ideia, o eu, ao passar para o mundo espiritual, simplesmente se despoja da pesada vestimenta chamada corpo carnal; portanto, segundo essa ideia, deve-se considerar como verdadeiro o eu que vive alternadamente neste mundo e no mundo espiritual. Esse modo de pensar corresponde ao ponto de vista da ciência psíquica e da doutrina espírita dos dias atuais. É a visão dos que admitem a existência do eu no mundo espiritual, o qual, em certos casos, aparece em sessões mediúnicas e declara que está sofrendo, que se encontra num lugar escuro, que não conseguiu encontrar a salvação, etc. Em resumo, trata-se da visão da vida que admite a imortalidade do “eu fenomênico”.
Sakyamuni disse que não corroborava nenhuma das duas ideias e afirmou: “O eu que vocês pensam existir, não é existência real. O eu manifestado no mundo presente não é existência real, assim como não é existência real o eu que vai para o mundo espiritual”.
Não tendo entendido o significado dessas palavras, Sen-ni redarguiu: “Venerando, tendo ouvido a nossa explicação, minhas dúvidas aumentaram ainda mais”. Então, Sakyamuni disse-lhe: “É natural que suas dúvidas tenham aumentado. A Verdade de que o eu parece ser real não é existência real, é uma Verdade muito profunda e difícil de ser compreendida. Para compreendê-la é necessária a Sabedoria Superior que lhe permita ver o Jisso perfeito e maravilhoso”.
Há pessoas que refutam a irrealidade do “eu fenomênico” pregada pela Seicho-no-Ie, argumentando: “Se o eu fenomênico não existe realmente, a quem vocês pregam a Verdade? Penso que a religião não consiste em pregar a Verdade ao eu verdadeiro, que está salvo desde o princípio. Se se prega a Verdade, é porque existe o eu fenomênico, que não está salvo”. Realmente, é muito difícil compreender o que seja a negação do eu fenomênico, visto que ele parece existir concretamente como “eu” que está, neste momento, refletindo, duvidando, questionando...
Sen-ni também não conseguiu compreender, apesar das explicações de Sakyamuni. Então, prosseguindo, Sakyamuni procedeu a um diálogo com Sen-ni:
(1) Os aspectos do mundo fenomênico são imutáveis ou transitórios?
- São transitórios – respondeu Sen-ni.
- Os aspectos do eu fenomênico são imutáveis?
- São transitórios, senhor.
- Esses aspectos fenomênicos transitórios e mutáveis é que constituem o eu verdadeiro?
- Não, senhor.
(2) Então, o eu verdadeiro existe à parte do aspecto fenomênico?
- Não é assim.
(3) O eu verdadeiro existe dentro do mundo fenomênico?
- Não senhor.
(4) Então, é o mundo fenomênico que existe dentro do eu verdadeiro?
- Não senhor.
(5) Então, negando e destruindo o mundo fenomênico, surgirá o eu verdadeiro?
- Também não é assim.
Este diálogo contém os diversos conceitos do 'eu' existentes no mundo atual, que são os seguintes:
(1) Fenômeno = eu --> Conceito segundo o qual não há distinção entre o eu verdadeiro e o eu fenomênico; o eu é apenas um fenômeno físico e não há outro eu além do eu carnal; portanto, extinguindo-se o corpo carnal, o eu também se extingue. Este conceito corresponde à primeira indagação feita por Sakyamuni, em seu diálogo com Sen-ni.
(2) Corpo Carnal vs. Eu-espírito --> Conceito que admite a existência de um outro eu além do eu carnal. Segundo esta teoria, mesmo após a morte do corpo carnal, o eu continua a existir no mundo espiritual. Porém esse eu ainda é fenomênico, ou seja, eu mutável que reencarna várias vezes, sofre mudanças e continua sujeito a sofrimentos. (Portanto, é uma teoria que admite a existência do mundo espiritual além deste mundo). Este conceito corresponde à segunda pergunta feita à Sen-ni por Sakyamuni.
(3) Eu verdadeiro contido no eu fenomênico --> Conceito segundo o qual o eu verdadeiro está contido no eu fenomênico, e se considera existente o eu fenomênico tanto neste mundo como no mundo espiritual. Corresponde à terceira pergunta feita por Sakyamuni, em seu diálogo com Sen-ni.
(4) Eu fenomênico contido no Eu verdadeiro --> Conceito segundo o qual o eu verdadeiro contém elementos de ilusão, e o eu fenomênico é a sombra da ilusão projetada pelo eu verdadeiro. Corresponde à quarta questão levantada por Sakyamuni.
(5) Eu Verdadeiro --> Conceito segundo o qual existe unicamente o Jisso, o eu verdadeiro, independentemente de estar ou não manifestado o fenômeno. Está correlacionado ao quinto ponto levantado por Buda.
O conceito (1) é o conceito dos materialistas. Do ponto de vista destes, esse conceito é correto, pois, vendo o seu eu unicamente através da lente chamada “mundo fenomênico” (mundo presente), parece-lhes que não há outro eu além do eu carnal. Entretanto essa visão da vida leva o indivíduo ao pessimismo e ao desespero, já que a vida é efêmera. Também o conceito (2) não é falso quando vemos o eu com os olhos espirituais do mesmo modo que vemos este mundo com olhos carnais, pois inevitavelmente chegamos à conclusão de que o eu é um espírito que continua vivendo no mundo espiritual.
Há quem se refira ao mundo espiritual como um mundo que transcende o mundo fenomênico. De fato, se entendermos o mundo fenomênico como mundo visível aos olhos carnais, teremos que admitir que o mundo espiritual transcende o mundo fenomênico. Mas, se entendermos o mundo fenomênico como um mundo mutável, transitório e provisório – que parece existir, mas não é substancial -, temos de reconhecer que o mundo espiritual também é um mundo fenomênico. Os que admitem a existência do mundo espiritual são mais evoluídos do que os materialistas, que só admitem a existência deste mundo. Todavia, pelo fato de conhecerem apenas o eu mutável e transitório (seja neste mundo ou no mundo espiritual), tendem também à visão pessimista da vida. Essa visão compreende a ideia de que o espírito de pessoas falecidas pode “encostar” nas pessoas e atormentá-las. Tal ideia acaba levando as pessoas a verem este mundo como um lugar repleto de seres malignos que, embora invisíveis aos olhos carnais, podem, a qualquer momento, causar danos. Neste caso, no lugar da visão pessimista da vida que caracteriza o conceito (1), tem-se uma visão da vida caracterizada pelo medo.
Com o intuito de orientar e conduzir à correta visão de vida uma humanidade que, por admitir a existência do “eu fenomênico” mutável e efêmero, deixou-se levar por uma visão da vida caracterizada pelo pessimismo, medo, ceticismo, etc., surgiram os conceitos (3), (4) e (5), que reconhecem o “eu verdadeiro”.
O conceito (3) exprime a visão panteísta da vida; consiste em crer que o mundo fenomênico também é real; em alcançar a compreensão de que, se ocorrem fenômenos, é porque existe a ação de Deus por detrás disso; e, vendo a maneira ordenada com que se movimenta o mundo fenomênico, compreender que, por detrás tudo isso, existe a Sabedoria de Deus. Em suma, é a visão da vida que as escrituras budistas assim expressam: “Em todos os seres e em todas as coisas existe a natureza búdica”. Entretanto, observando o mundo fenomênico, constatamos aspectos que fazem-nos duvidar de que tudo neste mundo seja a manifestação da Sabedoria de Deus (ou da natureza búdica, na linguagem do budismo). Vemos doenças, matanças, destruições mútuas... Então surge inevitavelmente a crítica de que não se pode considerar este mundo como manifestação da Sabedoria de Deus ou natureza búdica.
Para amenizar tal crítica, surgiu o conceito (4), que exprime uma visão da vida segundo a qual mesmo a natureza divina (ou natureza búdica) não é perfeita, estando em processo gradual de evolução; portanto, mesmo a natureza divina (ou natureza búdica) – que constitui o Eu verdadeiro – traz dentro de si os germes da ilusão, e este mundo é a projeção das ilusões originadas do eu verdadeiro. Este conceito apresenta uma explicação mais racional que o conceito (3); porém, por adotar a interpretação de que mesmo a natureza divina (natureza búdica) é imperfeita e sujeita à ilusão, admite a existência de nódoas de ilusão e sofrimento na Fonte de onde nos originamos, e isso nos impede de chegar a uma visão de vida radicalmente otimista. Não se pode, portanto, alcançar a verdadeira salvação através de tal crença.
No conceito (5) temos, finalmente, a visão de vida radicalmente otimista. Ela consiste na compreensão de que existe unicamente o Eu verdadeiro, unicamente o Jisso. Não é após a extinção do mundo fenomênico que irá revelar-se finalmente o eu verdadeiro ou Jisso. O mundo fenomênico é originariamente inexistente. Portanto, não importa que se extinga ou não o mundo fenomênico, que estejam manifestados ou não no mundo fenomênico as ilusões, o envelhecimento, a enfermidade e a morte. Independentemente disso, existe aqui e agora o eu verdadeiro, o mundo do Jisso de eterna felicidade, o paraíso. Não é através do treinamento ou de artifícios que o homem se torna finalmente perfeito. Ele é perfeito desde o princípio. Como de pode perceber, não há visão de vida mais otimista do que essa.
Esta visão de vida, que consiste na conscientização de que existe unicamente o Jisso perfeito, o “eu verdadeiro”, e na compreensão de que todas as coisas e seres fenomênicos não são existências verdadeiras apesar de parecerem existir – esta é que é a visão de vida da Seicho-No-Ie. Tendo essa visão de vida, não precisamos mais fugir dos sofrimentos do mundo fenomênico, nem nos apegarmos às coisas materiais para alcançar a felicidade; o “eu fenomênico”, refletindo a perfeição do “eu-Jisso”, passa a se revelar como um ser livre, feliz e em perfeita harmonia com tudo e todos.
O MUNDO FENOMÊNICO É OBRA DE ARTE CRIADA PELA VIDA DO MUNDO DO JISSO
Se existe unicamente o Jisso, o eu verdadeiro, o eu que já é um com Deus Absoluto, e não existe o eu imperfeito do mundo fenomênico, por que está manifestado o mundo fenomênico (este mundo e o mundo espiritual) como uma etapa do progresso do eu? É que o mundo fenomênico é uma obra de arte feita pela Vida; é um mundo de sombras desenhadas e projetadas pela Vida, do mundo do Jisso. A sombra é um recurso simulado pela Vida para projetar imagens na tela de tempo e espaço. Os filmes cinematográficos são obras artísticas que consistem na projeção de sombras. Do mesmo modo, o mundo fenomênico é uma obra de arte feita pela projeção de sombras. O mundo do Jisso é o mundo completo e perfeito e, assim sendo, nele coexistem o passado, o presente e o futuro; leste, oeste, norte e sul; o céu e a terra. Isso é algo impossível de se constatar por meio do intelecto e sentidos humanos. Tudo está contido num único ponto. Aliás, na verdade, não há nenhum ponto; pode-se dizer que tudo está contido no nada. Porém, como o mundo fenomênico é o mundo da projeção de imagens (sombras) comparável à arte cinematográfica, ele requer uma tela de “espaço” e “tempo” para projeção (que corresponde à tela do cinema de “comprimento” e “largura”). Requer um curso de tempo para a manifestação em sequências de imagens (à semelhança da sequência das cenas do filme). É por isso que está manifestada a dimensão de tempo e espaço.
Os grandes artistas não se limitam a apreender em suas obras apenas as imagens projetadas na tela de tempo e espaço. Considerar reais as imagens projetadas na tela do tempo e espaço, medir com exatidão o tamanho e o peso delas e estudar as leis físicas que as regem – isso é trabalho dos cientistas. Os artistas, em vez de aceitar como real a imagem que veem diante de si, procuram captar – e expressar através de sua arte – a Vida, a Vida-Jisso que existe por detrás da imagem. Eis porque, mesmo pintando ou esculpindo rostos deformados, eles conseguem apreender e expressar a beleza da Vida-Jisso.
A obra escultural O Homem do Nariz Quebrado, de Rodin, não é bela em sua forma, mas, pelo fato de o artista ter expressado a Vida-jisso, captamos nela a beleza da Vida. Em outras palavras, pode-se dizer que Rodin, mesmo esculpindo a imagem de um homem com o nariz quebrado, na realidade esculpiu o Jisso perfeito sem a deformidade do nariz quebrado. Pode-se dizer também que um grande artista é aquele que, mesmo pintando ou esculpindo no aspecto fenomênico uma imagem que apresenta deformidade, procura exprimir o mundo do Jisso onde não existem deformidades.
Neste sentido, pode-se dizer que o artista se identifica com o religioso. Homens de ciência como os médicos, por exemplo, veriam um “nariz quebrado” simplesmente como um “nariz quebrado”. Mas os artistas conseguem transcender o aspecto fenomênico do “nariz quebrado” e ver o “nariz perfeito”. O preceito que constitui a essência da ética da Seicho-No-Ie é: Mesmo vendo o “homem fenomênico” cheio de defeitos no tocante a seu comportamento, é preciso transcender essa aparência fenomênica e ver o homem unicamente como Filho de Deus sem nenhum defeito. Assim, manifestar-se-á concretamente o homem sem defeitos. Pode-se dizer que isso é viver a vida com a atitude de um artista.
Todos os seres e todas as coisas do mundo fenomênico são produtos das ondas mentais que se propagam e se materializam no mundo exterior, tais quais imagens que surgem no vídeo da televisão. Mesmo que estejamos vendo a imagem de uma pessoa movimentando-se no vídeo da TV, o que ali está não é, em absoluto, um ser humano com sua forma imutável. O que vemos não passa dos movimentos incessantes das ondas eletromagnéticas. Do mesmo modo, este nosso corpo carnal também é produto das vibrações de ondas mentais, que estão em constante transformação.
Na verdade, nem precisamos recorrer aos termos da eletrônica para explicar a transitoriedade do corpo carnal; basta atentarmos para as células que o compõem. Se o corpo carnal aparentemente continua a existir sempre sob a mesma forma, é porque, quando morre uma célula, logo se forma uma nova para substituí-la. É um processo comparável ao aparecimento de uma imagem cinematográfica na tela: um homem que vemos na tela parece uma unidade contínua, mas é apenas uma imagem resultante da projeção, em sequência, de centenas ou milhares de imagens passadas/sobrepostas rapidamente. Em outras palavras, se a imagem de um personagem do filme move-se na tela como se estivesse viva, é porque centenas e milhares de segmentos do filme vão passando rapidamente, um após o outro. O que parece uma unidade imutável é, na verdade, uma sucessão de fragmentos transitórios.
Segundo os biólogos, ao longo de um período aproximado de oito anos, todas as células do corpo, até mesmo as do tecido ósseo, são substituídas por novas células, não permanecendo no corpo nenhuma célula velha. As células da epiderme, do tecido muscular, etc., renovam-se quase que diariamente. Mesmo neste instante que estou falando sobre isso, o sangue circula nas minhas veias e artérias, ocorre a transpiração, processa-se continuamente em meu corpo a substituição de gás carbônico pelo oxigênio, etc. Tudo isso é transformação. Nada fica; nada é imutável.
Todavia, essas transformações não são repentinas. Citemos, por exemplo, o tecido ósseo. Como já foi dito, num período de mais ou menos 8 anos, até mesmo o tecido ósseo é totalmente renovado. Obviamente, isso não significa que as células permaneçam inalteradas durante cerca de 8 anos e então, de repente, ocorra a substituição. A substituição vai ocorrendo aos poucos, lenta e incessantemente. E, como resultado disso, ao cabo de mais ou menos 8 anos, o tecido ósseo está totalmente renovado. Trata-se, pois, de uma transformação incessante. Em linguagem budista, é a “inconstância” dos seres e das coisas. Sakyamuni, tendo percebido a inconstância dos seres e das coisas deste mundo, tornou-se monge e partiu numa peregrinação, visitando os principais sacerdotes da época, em busca de um caminho para transcender a inconstância.
Nos tempos de Sakyamuni, ainda não existiam inventos como o cinema, o rádio, a televisão, etc., nem era conhecida a ciência denominada “citologia”. Portanto, ele não podia constatar fatos como o de que “por detrás da sucessão das cenas de um filme na tela do cinema, existe a ação do operador do aparelho de projeção”, ou de que “por detrás do metabolismo do corpo humano existe a ação da força vital constante e imutável que comanda tal processo”, e por essa razão, vendo as vicissitudes dessa vida, que são “o nascimento, o envelhecimento, o adoecimento e a morte”, parece que teve bastante dificuldade em despertar – e também fazer os outros despertarem – para a Verdade de que, por detrás da vida fenomênica transitória e cheia de sofrimentos, existe a Vida imutável, eterna, indestrutível.
No budismo, comumente ensinam que o “eu” não existe. Isso leva à conclusão de que se o “eu” é inexistente, logicamente o espírito (a alma) também é inexistente. Por isso, muitos pensamentos que aludem ao ensinamento de que “o eu não existe” pregam uma teoria que nega a existência da alma. Mas, lendo as escrituras budistas, constatamos diversas passagens em que Sakyamuni diz a seus discípulos que quando eles deixarem o mundo terreno renascerão em algum outro lugar. Em uma das sutras está escrito que, por ocasião da estada de Sakyamuni no jardim de Kalandaka, recebeu a visita de uma sacerdotisa chamada Sen-ni, a qual expôs suas dúvidas quanto a essa questão.
Respondendo, Sakyamuni disse: “Neste mundo, há três diferentes ideias a respeito da vida. A primeira é aquela que considera o eu manifestado no mundo presente como eu verdadeiro, e em crer que, após a morte do corpo carnal neste mundo, o eu se extingue completamente”. Essa ideia corresponde à filosofia materialista de hoje, segundo a qual a consciência do eu é resultado da ação química da matéria.
Em seguida, Sakyamuni disse: “a segunda ideia é a que considera como verdadeiros tanto o eu manifestado no mundo presente, como o eu que se transfere para o mundo espiritual após a morte do corpo carnal.” Segundo essa ideia, o eu, ao passar para o mundo espiritual, simplesmente se despoja da pesada vestimenta chamada corpo carnal; portanto, segundo essa ideia, deve-se considerar como verdadeiro o eu que vive alternadamente neste mundo e no mundo espiritual. Esse modo de pensar corresponde ao ponto de vista da ciência psíquica e da doutrina espírita dos dias atuais. É a visão dos que admitem a existência do eu no mundo espiritual, o qual, em certos casos, aparece em sessões mediúnicas e declara que está sofrendo, que se encontra num lugar escuro, que não conseguiu encontrar a salvação, etc. Em resumo, trata-se da visão da vida que admite a imortalidade do “eu fenomênico”.
Sakyamuni disse que não corroborava nenhuma das duas ideias e afirmou: “O eu que vocês pensam existir, não é existência real. O eu manifestado no mundo presente não é existência real, assim como não é existência real o eu que vai para o mundo espiritual”.
Não tendo entendido o significado dessas palavras, Sen-ni redarguiu: “Venerando, tendo ouvido a nossa explicação, minhas dúvidas aumentaram ainda mais”. Então, Sakyamuni disse-lhe: “É natural que suas dúvidas tenham aumentado. A Verdade de que o eu parece ser real não é existência real, é uma Verdade muito profunda e difícil de ser compreendida. Para compreendê-la é necessária a Sabedoria Superior que lhe permita ver o Jisso perfeito e maravilhoso”.
Há pessoas que refutam a irrealidade do “eu fenomênico” pregada pela Seicho-no-Ie, argumentando: “Se o eu fenomênico não existe realmente, a quem vocês pregam a Verdade? Penso que a religião não consiste em pregar a Verdade ao eu verdadeiro, que está salvo desde o princípio. Se se prega a Verdade, é porque existe o eu fenomênico, que não está salvo”. Realmente, é muito difícil compreender o que seja a negação do eu fenomênico, visto que ele parece existir concretamente como “eu” que está, neste momento, refletindo, duvidando, questionando...
Sen-ni também não conseguiu compreender, apesar das explicações de Sakyamuni. Então, prosseguindo, Sakyamuni procedeu a um diálogo com Sen-ni:
(1) Os aspectos do mundo fenomênico são imutáveis ou transitórios?
- São transitórios – respondeu Sen-ni.
- Os aspectos do eu fenomênico são imutáveis?
- São transitórios, senhor.
- Esses aspectos fenomênicos transitórios e mutáveis é que constituem o eu verdadeiro?
- Não, senhor.
(2) Então, o eu verdadeiro existe à parte do aspecto fenomênico?
- Não é assim.
(3) O eu verdadeiro existe dentro do mundo fenomênico?
- Não senhor.
(4) Então, é o mundo fenomênico que existe dentro do eu verdadeiro?
- Não senhor.
(5) Então, negando e destruindo o mundo fenomênico, surgirá o eu verdadeiro?
- Também não é assim.
Este diálogo contém os diversos conceitos do 'eu' existentes no mundo atual, que são os seguintes:
(1) Fenômeno = eu --> Conceito segundo o qual não há distinção entre o eu verdadeiro e o eu fenomênico; o eu é apenas um fenômeno físico e não há outro eu além do eu carnal; portanto, extinguindo-se o corpo carnal, o eu também se extingue. Este conceito corresponde à primeira indagação feita por Sakyamuni, em seu diálogo com Sen-ni.
(2) Corpo Carnal vs. Eu-espírito --> Conceito que admite a existência de um outro eu além do eu carnal. Segundo esta teoria, mesmo após a morte do corpo carnal, o eu continua a existir no mundo espiritual. Porém esse eu ainda é fenomênico, ou seja, eu mutável que reencarna várias vezes, sofre mudanças e continua sujeito a sofrimentos. (Portanto, é uma teoria que admite a existência do mundo espiritual além deste mundo). Este conceito corresponde à segunda pergunta feita à Sen-ni por Sakyamuni.
(3) Eu verdadeiro contido no eu fenomênico --> Conceito segundo o qual o eu verdadeiro está contido no eu fenomênico, e se considera existente o eu fenomênico tanto neste mundo como no mundo espiritual. Corresponde à terceira pergunta feita por Sakyamuni, em seu diálogo com Sen-ni.
(4) Eu fenomênico contido no Eu verdadeiro --> Conceito segundo o qual o eu verdadeiro contém elementos de ilusão, e o eu fenomênico é a sombra da ilusão projetada pelo eu verdadeiro. Corresponde à quarta questão levantada por Sakyamuni.
(5) Eu Verdadeiro --> Conceito segundo o qual existe unicamente o Jisso, o eu verdadeiro, independentemente de estar ou não manifestado o fenômeno. Está correlacionado ao quinto ponto levantado por Buda.
O conceito (1) é o conceito dos materialistas. Do ponto de vista destes, esse conceito é correto, pois, vendo o seu eu unicamente através da lente chamada “mundo fenomênico” (mundo presente), parece-lhes que não há outro eu além do eu carnal. Entretanto essa visão da vida leva o indivíduo ao pessimismo e ao desespero, já que a vida é efêmera. Também o conceito (2) não é falso quando vemos o eu com os olhos espirituais do mesmo modo que vemos este mundo com olhos carnais, pois inevitavelmente chegamos à conclusão de que o eu é um espírito que continua vivendo no mundo espiritual.
Há quem se refira ao mundo espiritual como um mundo que transcende o mundo fenomênico. De fato, se entendermos o mundo fenomênico como mundo visível aos olhos carnais, teremos que admitir que o mundo espiritual transcende o mundo fenomênico. Mas, se entendermos o mundo fenomênico como um mundo mutável, transitório e provisório – que parece existir, mas não é substancial -, temos de reconhecer que o mundo espiritual também é um mundo fenomênico. Os que admitem a existência do mundo espiritual são mais evoluídos do que os materialistas, que só admitem a existência deste mundo. Todavia, pelo fato de conhecerem apenas o eu mutável e transitório (seja neste mundo ou no mundo espiritual), tendem também à visão pessimista da vida. Essa visão compreende a ideia de que o espírito de pessoas falecidas pode “encostar” nas pessoas e atormentá-las. Tal ideia acaba levando as pessoas a verem este mundo como um lugar repleto de seres malignos que, embora invisíveis aos olhos carnais, podem, a qualquer momento, causar danos. Neste caso, no lugar da visão pessimista da vida que caracteriza o conceito (1), tem-se uma visão da vida caracterizada pelo medo.
Com o intuito de orientar e conduzir à correta visão de vida uma humanidade que, por admitir a existência do “eu fenomênico” mutável e efêmero, deixou-se levar por uma visão da vida caracterizada pelo pessimismo, medo, ceticismo, etc., surgiram os conceitos (3), (4) e (5), que reconhecem o “eu verdadeiro”.
O conceito (3) exprime a visão panteísta da vida; consiste em crer que o mundo fenomênico também é real; em alcançar a compreensão de que, se ocorrem fenômenos, é porque existe a ação de Deus por detrás disso; e, vendo a maneira ordenada com que se movimenta o mundo fenomênico, compreender que, por detrás tudo isso, existe a Sabedoria de Deus. Em suma, é a visão da vida que as escrituras budistas assim expressam: “Em todos os seres e em todas as coisas existe a natureza búdica”. Entretanto, observando o mundo fenomênico, constatamos aspectos que fazem-nos duvidar de que tudo neste mundo seja a manifestação da Sabedoria de Deus (ou da natureza búdica, na linguagem do budismo). Vemos doenças, matanças, destruições mútuas... Então surge inevitavelmente a crítica de que não se pode considerar este mundo como manifestação da Sabedoria de Deus ou natureza búdica.
Para amenizar tal crítica, surgiu o conceito (4), que exprime uma visão da vida segundo a qual mesmo a natureza divina (ou natureza búdica) não é perfeita, estando em processo gradual de evolução; portanto, mesmo a natureza divina (ou natureza búdica) – que constitui o Eu verdadeiro – traz dentro de si os germes da ilusão, e este mundo é a projeção das ilusões originadas do eu verdadeiro. Este conceito apresenta uma explicação mais racional que o conceito (3); porém, por adotar a interpretação de que mesmo a natureza divina (natureza búdica) é imperfeita e sujeita à ilusão, admite a existência de nódoas de ilusão e sofrimento na Fonte de onde nos originamos, e isso nos impede de chegar a uma visão de vida radicalmente otimista. Não se pode, portanto, alcançar a verdadeira salvação através de tal crença.
No conceito (5) temos, finalmente, a visão de vida radicalmente otimista. Ela consiste na compreensão de que existe unicamente o Eu verdadeiro, unicamente o Jisso. Não é após a extinção do mundo fenomênico que irá revelar-se finalmente o eu verdadeiro ou Jisso. O mundo fenomênico é originariamente inexistente. Portanto, não importa que se extinga ou não o mundo fenomênico, que estejam manifestados ou não no mundo fenomênico as ilusões, o envelhecimento, a enfermidade e a morte. Independentemente disso, existe aqui e agora o eu verdadeiro, o mundo do Jisso de eterna felicidade, o paraíso. Não é através do treinamento ou de artifícios que o homem se torna finalmente perfeito. Ele é perfeito desde o princípio. Como de pode perceber, não há visão de vida mais otimista do que essa.
Esta visão de vida, que consiste na conscientização de que existe unicamente o Jisso perfeito, o “eu verdadeiro”, e na compreensão de que todas as coisas e seres fenomênicos não são existências verdadeiras apesar de parecerem existir – esta é que é a visão de vida da Seicho-No-Ie. Tendo essa visão de vida, não precisamos mais fugir dos sofrimentos do mundo fenomênico, nem nos apegarmos às coisas materiais para alcançar a felicidade; o “eu fenomênico”, refletindo a perfeição do “eu-Jisso”, passa a se revelar como um ser livre, feliz e em perfeita harmonia com tudo e todos.
O MUNDO FENOMÊNICO É OBRA DE ARTE CRIADA PELA VIDA DO MUNDO DO JISSO
Se existe unicamente o Jisso, o eu verdadeiro, o eu que já é um com Deus Absoluto, e não existe o eu imperfeito do mundo fenomênico, por que está manifestado o mundo fenomênico (este mundo e o mundo espiritual) como uma etapa do progresso do eu? É que o mundo fenomênico é uma obra de arte feita pela Vida; é um mundo de sombras desenhadas e projetadas pela Vida, do mundo do Jisso. A sombra é um recurso simulado pela Vida para projetar imagens na tela de tempo e espaço. Os filmes cinematográficos são obras artísticas que consistem na projeção de sombras. Do mesmo modo, o mundo fenomênico é uma obra de arte feita pela projeção de sombras. O mundo do Jisso é o mundo completo e perfeito e, assim sendo, nele coexistem o passado, o presente e o futuro; leste, oeste, norte e sul; o céu e a terra. Isso é algo impossível de se constatar por meio do intelecto e sentidos humanos. Tudo está contido num único ponto. Aliás, na verdade, não há nenhum ponto; pode-se dizer que tudo está contido no nada. Porém, como o mundo fenomênico é o mundo da projeção de imagens (sombras) comparável à arte cinematográfica, ele requer uma tela de “espaço” e “tempo” para projeção (que corresponde à tela do cinema de “comprimento” e “largura”). Requer um curso de tempo para a manifestação em sequências de imagens (à semelhança da sequência das cenas do filme). É por isso que está manifestada a dimensão de tempo e espaço.
Os grandes artistas não se limitam a apreender em suas obras apenas as imagens projetadas na tela de tempo e espaço. Considerar reais as imagens projetadas na tela do tempo e espaço, medir com exatidão o tamanho e o peso delas e estudar as leis físicas que as regem – isso é trabalho dos cientistas. Os artistas, em vez de aceitar como real a imagem que veem diante de si, procuram captar – e expressar através de sua arte – a Vida, a Vida-Jisso que existe por detrás da imagem. Eis porque, mesmo pintando ou esculpindo rostos deformados, eles conseguem apreender e expressar a beleza da Vida-Jisso.
A obra escultural O Homem do Nariz Quebrado, de Rodin, não é bela em sua forma, mas, pelo fato de o artista ter expressado a Vida-jisso, captamos nela a beleza da Vida. Em outras palavras, pode-se dizer que Rodin, mesmo esculpindo a imagem de um homem com o nariz quebrado, na realidade esculpiu o Jisso perfeito sem a deformidade do nariz quebrado. Pode-se dizer também que um grande artista é aquele que, mesmo pintando ou esculpindo no aspecto fenomênico uma imagem que apresenta deformidade, procura exprimir o mundo do Jisso onde não existem deformidades.
Neste sentido, pode-se dizer que o artista se identifica com o religioso. Homens de ciência como os médicos, por exemplo, veriam um “nariz quebrado” simplesmente como um “nariz quebrado”. Mas os artistas conseguem transcender o aspecto fenomênico do “nariz quebrado” e ver o “nariz perfeito”. O preceito que constitui a essência da ética da Seicho-No-Ie é: Mesmo vendo o “homem fenomênico” cheio de defeitos no tocante a seu comportamento, é preciso transcender essa aparência fenomênica e ver o homem unicamente como Filho de Deus sem nenhum defeito. Assim, manifestar-se-á concretamente o homem sem defeitos. Pode-se dizer que isso é viver a vida com a atitude de um artista.
(Do livro “A Verdade da Vida, vol. 14”, pgs. 75 à 88)