quarta-feira, abril 04, 2012

Filosofia da inexistência originária do conflito

Masaharu Taniguchi



A "FILOSOFIA QUE ADMITE A EXISTÊNCIA DO CONFLITO" E A "FILOSOFIA DA INEXISTÊNCIA ORIGINÁRIA DO CONFLITO"

Taniguchi – O senhor é o sr. Kozu, do 13º templo de Ozaka, cujo nome sai de vez em quando na revista Sei do sr. Masao Takahashi?

Kozu – Sim, sou Eisaboru Kozu.

Taniguchi – A fé do sr. Takahashi é de nível muito elevado. Parece que ele apreendeu a Vida eterna...

Kozu – Compreender a eternidade da Vida é coisa de suprema importância, mas eu, ultimamente, estou interessado na continuidade da Vida individual após a morte do corpo carnal. O senhor já se diplomou há muito tempo no estudo do espiritismo, mas eu estou a isso me dedicando há cerca de um ano e meio, e por isso às vezes frequento o Grupo de Estudos da Ciência Espírita do sr. Asano.

Tsukada – (Mudando de assunto) Será que é errado nos defendermos levantando as mãos quando o adversário vem nos bater?

Taniguchi – O certo seria aprimorar nossa mente de tal maneira que não venham nos bater. Mas, se por exemplo um vulcão entrar em erupção e voarem sobre nós pedras ou cinzas, ocorrerá em nós o impulso de evitá-los, levantando as mãos. Como essa reação ocorre espontaneamente, não é certa nem errada. Naturalmente, numa situação ideal, em que o mundo fenomênico reflete a perfeição do Mundo da Imagem verdadeira, o certo é a pedra não vir voando em nossa direção. Mas, como o mundo até agora ainda manifesta uma imagem distorcida do Mundo da Imagem Verdadeira, ocorrem abalos para colocar as coisas no devido lugar para corrigir essa distorção.

Nosso corpo carnal também se defende: quando ingerimos alimento estragado, ocorrem fenômenos como diarreia ou vômito, com a finalidade de expeli-lo. O ideal é não comermos alimento estragado, mas, já que o ingerimos, o jeito é expelirmos através do vômito ou diarreia. Isso é um processo de defesa para fazer voltar ao estado natural o que está em estado desnatural. Portanto, não podemos rotular de bem ou de mal a função de resistência contra substâncias tóxicas chamada vômito, ou a função da excreção de elemento tóxico chamada diarreia; que são reações corretivas naturais que ocorrem espontaneamente. Devemos aceitá-los naturalmente, transcendendo o julgamento humano de bem e mal.

Tsukada – Se evitar com a mão o choque da pedra e defender-se de elementos tóxicos como o vômito é uma reação natural, o que os homens se sentem impelidos a fazer, tal como utilizar um analgésico quando sentem dor ou submeter-se à cirurgia quando ocorre algum ferimento externo, também não seria ação corretiva natural? Se admitimos os meios de defesa contra ações externas no sentido amplo, não deveria ser admitida também a utilização de remédios como um meio de defesa do corpo carnal?

Taniguchi – A Seicho-No-Ie não rejeita absolutamente o tratamento médico. Apenas há certos pontos com que não pode concordar na condição atual, pois o tratamento médico ainda é imaturo e por vezes atrapalha a função curativa natural. Da mesma forma que é certo evitar o choque da pedra que vem de fora, podemos curar os ferimentos causados pela ação externa, extraindo um espinho que se cravou ou suturando por fora no caso de corte grande. Como a parte externa do corpo é dotada de mãos, que servem para realizar trabalhos externos como estes, executá-los é obedecer à Natureza. Como a parte interior do corpo não permite o acesso das mãos, há uma mão interna invisível chamada poder curativo natural. Por isso, podemos dizer que confiar nesse poder é a providência mais natural possível. Drogas de uso interno ou injeções nem sempre são recomendadas pela Seicho-No-Ie, pois às vezes funcionam como força externa perturbadora do poder curativo natural. Estas são providências tomadas após o surgimento da doença ou do ferimento, mas, fundamentalmente, todo e qualquer tratamento sintomático, seja cirúrgico, seja medicamentoso de uso interno, trata partindo da ilusão de que existe neste mundo algo desarmonioso que pode nos atingir. Portanto, ainda que tal expediente seja aceito fenomenicamente, não o é no nível da Imagem Verdadeira.

Quando passamos a acreditar firmemente na Verdade de que Essencialmente inexiste algo desarmonioso que possa nos prejudicar, conseguiremos ser como o mestre Shinran que, apesar de perseguido por Be-en, sempre se desencontrava deste e nunca sofreu seu ataque; naturalmente, elementos prejudiciais nem entrarão em contato com nosso organismo. Lutar e sair salvo após a investida de um atacante é um bem relativo. Fazer tratamento cirúrgico após ser atingido por uma bala é um bem relativo. O bem resultante da compreensão da Essência (Jisso) não é algo como defender-se após ser atacado; tais situações desarmoniosas deixam de ocorrer, e isto é o bem absoluto.

Se compreendermos que o fenômeno exterior é projeção da mente, que a mente não se manifesta somente no interior do corpo carnal, mas age também no ambiente ao redor da pessoa, perceberemos que é natural que o despertar da mente se reflita no exterior, fazendo com que o ambiente e a circunstância também se tornem harmoniosos. Se realmente a grande maioria da humanidade atingir o mais alto nível desse despertar, surgirá um mundo em que a ovelha e o leão conviverão pacificamente, em que o gato e o rato brincarão em paz, como consta na Bíblia, em Isaías. Sendo o homem o soberano de toda a Criação, seu estado mental comanda todos os seres criados.

Kozu – O rato ser devorado pelo gato não é um fato harmonioso? Por que o senhor acha que é desarmonioso?

Taniguchi – Porque o rato não deseja ser devorado. Podemos percebê-lo porque o rato teme o gato e foge deste. No entanto, o gato o persegue e insiste em devorá-lo. E o amor que se aloja em nós faz-nos sentir que é um ato desarmonioso capturar cruelmente e devorar aquele que foge temeroso.

Kozu – Desculpe-me, mas não concordo. Por que o rato não quer ser devorado pelo gato, teme-o e foge?

Taniguchi - Porque sente sofrimento, sente dor no fato de ser devorado.

Kozu – Se o rato compreender que, mesmo sendo devorado pelo gato, seu espírito não se extingue e renascerá em outro lugar, e que seu corpo material viverá em forma de energia do corpo material do gato, ele não sofrerá. O senhor fala também que é desarmonioso porque quando o rato é devorado sente dor. Então, se a ausência da dor significa harmonia, podemos dizer que, ficando anestesiado, o indivíduo estaria numa situação harmoniosa, já que não sente mais dor. Se for assim, como os organismos primitivos não têm células nervosas que sentem a dor, podemos dizer que a Vida é mais harmoniosa na forma não evoluída. Entretanto, se houve evolução da forma primitiva para forma superior como a do ser humano e surgiram células nervosas responsáveis pela sensação da dor, não há nada de errado com a dor, pois ela é sinal de evolução da Vida.

Para começar, evolução significa a transformação da forma de Vida simples para a complexa; quanto mais se torna complexa, mais aumenta a dor. O belo, num certo sentido, não existiria se não houvesse o feio, o negativo. O colorido também se torna belo porque existe o contraste. No caso da eletricidade também é a mesma coisa: surgem o raio, a chuva e a luz porque o positivo e o negativo entram em choque. Se alguém vê a oposição como desarmonia, a tragédia como desarmonia, é porque não vê a essência da vida. O mundo é bom justamente porque existem o conflito, o sofrimento, a tragédia.

Se o ser humano perceber que o mundo é bom porque existe oposição, deixará de sofrer, mesmo estando em conflito, mesmo estando em briga. A nossa função de religiosos é fazer co que os homens compreendam que há meio de não sofrer mesmo brigando, e levá-los à grande paz espiritual assim como estão, e não consiste em eliminar deste mundo a desavença propriamente dita.

Taniguchi - Tenho a impressão de que, prosseguindo na sua teoria, desaparecerá a sua missão como religioso. Seguindo a sua linha de pensamento – de que nada há de errado com o sofrimento, a dor e o conflito porque a vida, quanto mais evolui e se torna mais complexa, mais aumenta a dor e o sofrimento, porquanto foi criando células nervosas responsáveis pela sensação de dor –, chegaremos à conclusão de que a vida, evoluindo ainda mais, fez desenvolver um sistema mais complexo do que o sistema nervoso que capta a sensação de dor física, isto é, um sistema que capta o sofrimento moral; portanto, ter sofrimento moral significaria, em última análise, uma vida evoluída. Se fosse assim, a missão dos religiosos – que consiste em livrar os homens do sofrimento moral – não significaria inverter o processo de evolução da vida, como se torpecesse os nervos sensitivos com anestesia?

Kozu – Lógico que não! Há casos em que a vida do homem tem a sua evolução retardada justamente por causa do sofrimento. Por exemplo, queremos curar a doença de uma determinada pessoa, mas essa pessoa não tem chance de recuperação se não for operada. Porém, uma cirurgia não pode ser feita cm a pessoa consciente, porque ela sentirá muita dor. Se, em casos como este, eliminarmos a dor com um anestésico e operarmos a pessoa, salvá-la-emos da doença. Da mesma forma nós, religiosos, temos como função eliminar os sofrimentos mentais que impedem a evolução da Vida das pessoas e criar condições propícias para tal evolução.

Taniguchi – Mal o senhor acaba de dizer que a existência da dor significa evolução da vida, e que por isso não há necessidade de eliminá-la, mas sim fazer a pessoa entender que o fato de existir a dor é bom, cita um exemplo de que é necessário eliminar a dor? Para defender sua teoria, ora diz que é bom que exista a dor, ora diz que é melhor ela não existir. Para mim, o que o senhor diz é contraditório e não dá para compreender.

Kozu – O que eu quero dizer é que devemos fazer a distinção entre a dor e o sofrimento. Não é porque sentimos dor que precisamos sofrer; a dor é uma sensação captada pelo corpo carnal, mas o sofrimento pode ser controlado pela mente. É possível não sofrer mesmo sentindo dor, bem como não sofrer mesmo estando em conflito com alguém. Se o sofrimento do homem não acaba enquanto sua dor não for eliminada, ele não tem possibilidade de escapar do sofrimento, pois cada homem nasce com uma mente complexa, diferente da dos outros, sujeita a constantes atritos, e a cada atrito sofrerá. Se não se tornar capaz de não sofrer mesmo sentindo dor, mesmo estando em conflito com alguém, o homem não poderá se livrar do sofrimento, pois o mundo está repleto de dor, repleto de conflito. Por isso penso que é missão do religioso tornar o homem capaz de não sofrer mesmo estado doente, mesmo estando em conflito com alguém.

Taniguchi - Então o senhor quer dizer que é missão do religioso fazer com que ratos não sofram mesmo sendo devorados pelos gatos.

Kozu – Sim. Devorar ratos é próprio da natureza do gato e por isso não pode ser mudado. Portanto, não adianta ensinarmos o gato a não comer ratos. Se um rato se deixar devorar pelo gato com prazer, sem sofrer, esse rato será salvo.

Taniguchi – Isso me parece teorização de gabinete. Creio que, enquanto o rato tiver sensibilidade para a dor, ele não se deixará devorar com prazer pelo gato. Se a sensibilidade à dor se desenvolveu nos seres vivos, é para que eles evitem a dor e vivam de um modo em que ela não ocorra. A ocorrência da dor nos seres vivos é um aviso da Natureza de que algo está desarmonioso e que devem tomar alguma providência interna ou externa para desfazer a desarmonia. E, quando pelo esforço, desfaz-se a desarmonia e surge a harmonia, desaparece a dor como sinal disso. Não é que a dor em si seja sinal de evolução da vida, como o senhor disse, nem que a dor em si seja a harmonia. Sentir que a desarmonia é dolorosa, e que a harmonia é prazerosa, isto é, ser sensível à diferença entre a harmonia e a desarmonia, é sinal de que esse ser é evoluído. E se os seres vivos desenvolveram essa capacidade, é para poder captar a existência da desarmonia através da dor e tomar medidas para superá-las. A possibilidade de ensinar os seres vivos a aceitarem com prazer a desarmonia acompanhada de dor, tal como o rato se atirando para dentro da boca do gato mesmo sentindo dor, não seria ficção sua?

Kozu – Não consigo achar que isso seja ficção. Acho que o gato pode se atirar com prazer para dentro da boca do rato. O mundo, se virmos bem a sua essência, constataremos que ele é, em última análise, um mundo de luta, um mundo de dor. Não creio que o homem não seja salvo se não cessar essa luta e eliminar a dor. A luta entre os homens é como o jogo de damas; não é necessário deixar de jogar damas para o homem ser feliz. Assim como há mestres de damas que são capazes de competir deixando de lado o sentimento de humilhação e de tristeza pela derrota, tanto o homem como outros seres vivos se tornarão capazes de viver felizes sem deixar de lutar entre si, sem deixar de se devorar uns aos outros.

Taniguchi – Não é possível comparar o jogo de damas com a lei do mais forte.

Kozu – Eu acho que, convertendo todas as lutas em jogo, em esporte, os seres vivos deixarão de sofrer, mesmo se mantendo em luta. Acho que serão capazes de aceitar a derrota, dizendo: “Perdi, mas tudo bem”, “Ai, que dor! Rendo-me! Mas tudo bem”. Quando o homem se torna assim, surgirá uma vida iluminada, sem sofrimento, mesmo permanecendo o conflito e a dor como antes, mesmo brigando entre si. Tanto o conflito como a lei do mais forte são uma dura realidade necessária para a evolução da vida individual; por isso, não há necessidade de acabar com eles. O que devemos é apenas deixar de senti-los como sofrimento.

Taniguchi – O senhor vem argumentando muito teoricamente. Na prática, a lei do mais forte é disputa séria, sangrenta, chocante, pela sobrevivência, ao passo que o esporte é uma disputa que não tem importância vital alguma, que não precisamos necessariamente praticar. Portanto, o próprio fato de locá-los no mesmo nível não estaria errado? Gostaria que o senhor citasse uma situação verídica comprovando que a pessoa pode se salvar tornando a mente livre de sofrimento apesar do conflito, como o senhor disse há pouco. Na minha opinião, o mundo fenomênico nada mais é do que projeção da mente; a forma é projeção da mente; portanto, quando a mente se tornar pacífica e harmoniosa, a pessoa deixará de brigar também na forma, deixará de haver desarmonia tanto no corpo como no ambiente.

Kozu – Eu me dava muito mal com meu falecido pai, tínhamos divergência de opiniões e vivíamos brigando. Esforçava-me desesperadamente para sair dessa situação, para me tornar melhor, mas, por mais que me esforçasse, não conseguia me corrigir, e o relacionamento familiar ia piorando cada vez mais. Quando cheguei a uma situação desesperadora, então abri os olhos, isto é, percebi que eu era um ser incapaz de mudar apesar de todos os esforços, portanto era com razão que eu vinha sendo tão veementemente contestado por meu pai. Então pensei: “Já que é a minha mente que está provocando reação de meu pai, vou deixar de pensar mal dele”. Assim, deixei de sofrer, mesmo brigando com meu pai.

Taniguchi – Ah, então a situação de não-sofrimento apesar da briga resulta desse estado de resignação? As religiões tradicionais se esforçavam por levar os homens à resignação, em vez de resolver as dificuldades concretas da vida. Foi por isso que a religião ficou desvinculada da vida prática e passou-se a pensar que ela não tinha nenhuma relação com a vida. Como o mundo fenomênico não é nada mais do que projeção da mente, não é possível que não possamos salvar este mundo com a religião. Se não o conseguimos, é devido à projeção da mente de religiosos como o senhor, que pensam “não dá pra salvar”. Não posso considerar como salvação a situação em que a pessoa deixa de sofrer estando em conflito. Isso não passa de resignação.

Utilizando o gato e o rato como exemplo, o rato, ao ser devorado pelo gato, mesmo sentindo dor e terror, pensaria resignado: “Se meu corpo parece apetitoso para o gato, é minha culpa porque exalo cheiro apetitoso; se não sou forte o bastante para não ser devorado pelo gato, é minha culpa”. O senhor, na sua utopia, imagina que o rato pode ficar em paz resignando-se assim, mas essa luta sangrenta da lei do mais forte constitui um sofrimento que nem se compara com o conflito entre pai e filho – uma simples luta verbal – como foi o seu caso. Situações como divergências entre pai e filho são fatos que, se quisermos, tornar-se-ão problemas, mas, se não quisermos, jamais serão problemas. Por isso, mesmo brigando, a mente da pessoa pode manter-se livre de sofrimento. Mas como na verdade o ambiente é projeção da mente, se o senhor compreendesse realmente que “originariamente a briga não existe”, a briga de fato não ocorreria em seu ambiente. A doença também pode ser curada se a mente da pessoa deixar de se afligir. Mas, se a pessoa está com a mente resignada e pacificada apenas pela metade, manifestará um estado de perfeição incompleta, em que a doença ainda permanece, estando livre do sofrimento apenas a mente. Portanto, se o senhor refletir mais profundamente, com certeza descobrirá que toda situação que ainda apresenta problema, apesar de a mente deixar de sofrer, ainda é projeção de um despertar parcial e não do despertar verdadeiro.

Kozu – Será?

Taniguchi – Os exemplos que o senhor citou, tanto o do jogo de damas como o do conflito entre pai e filho, não constituem fatos dolorosos como o de o rato ser devorado pelo gato. Se a situação do rato causa pena e nos faz achá-la desarmoniosa é porque tal fato é contrário à eterna harmonia do Mundo da Imagem Verdadeira. O que está de acordo com a eterna harmonia do Mundo da Imagem Verdadeira não nos causa dor nem sofrimento.

Kozu – Eu não penso assim. Sentir pena do ser fraco que está agonizando, devorado pelo ser mais forte, parece à primeira vista bondade, mas, se a pessoa sente pena, é porque é egoísta. Toda pessoa que sente pena de alguém está se colocando no lugar dele e pensando que seria horrível se aquilo acontecesse consigo. Como é egoísta e não gosta de se sacrificar pelo próximo, sente pena quando vê os outros se sacrificando. Se a pessoa deixar de ser egoísta e for capaz de compreender que na vida é necessário alguém se sacrificar, e que esse sacrifício é uma nobre missão, ao ver alguém se sacrificando, deverá pensar “Eles está realizando um nobre trabalho! Que inveja!” e não terá esse sentimento de pena.

Taniguchi – O senhor me rebate com bastante eloquência, mas como parte de uma premissa radicalmente diversa da minha, mesmo que o senhor apresente mil e um argumentos, é como se desse socos no ar. Ambos usamos o termo “Vida”, mas a vida de que o senhor fala é a vida fenomênica cuja evolução necessita do sacrifício de alguém. A Vida de que falo é a Vida-Imagem-Verdadeira que não necessita do sacrifício de ninguém, Vida que jamais mata ou sacrifica o outro, Vida que somente beneficia o outro e promove a harmonia – esta é a Vida-Imagem-Verdadeira que existe realmente. O mundo que vejo é o Mundo da Imagem Verdadeira, que está em harmonia sem haver sacrifício ou dor.

Kozu – Nada deste mundo teria beleza ou vida se não houvesse luta, conflito, oposição. Tanto a energia elétrica como a relação entre homem e mulher geram algo belo porque elementos de naturezas opostas se chocam entre si. Conhecendo essa essência da vida, a pessoa deixará de sofrer, mesmo havendo lutas e sacrifícios.

Taniguchi – O senhor diz que se não houver atrito, conflito ou sacrifício, não surgirá a beleza. O senhor está olhando somente a vida fenomênica e os acontecimentos que nela se verificam, e chama isso de “essência da vida”. Como eu também já pensei assim há quase dez anos atrás, entendo bem o que o senhor quer dizer. Mas agora não posso concordar com essa visão da Vida.

Tsukada – Parece-me que o Mestre tinha essa visão quando escreveu o livro “Shodo-E” (Em Direção ao Caminho Sagrado).

Taniguchi – Quando escrevi “Shodo-E” já estava começando a deixar essa visão da Vida que o sr. Kozu está defendendo e que é semelhante à visão da vida do escritor francês Romain Rolland: “Deus está sofrendo junto com o homem. Deus é uma Vida que evolui através de lutas” – assim consta no seu vasto romance em dez partes “Jean Christophe”, que lhe valeu p prêmio Nobel de Literatura.

Mas a vida que sofre junto com o homem, a vida que evolui através de lutas, é a vida fenomênica e não é a Vida-Imagem-Verdadeira; é a imagem falsa da Vida. Ela é a imagem distorcida que aparece quando a Imagem Verdadeira da Vida (Jisso) – na qual todos os seres são um – é encoberta pela ilusão chamada “eu isolado dos outros”. Na verdadeira Vida, ou seja, na Vida-Imagem-Verdadeira, não há conflito, somente se favorecem uns aos outros, e dessa harmonia nasce uma beleza ainda mais sublime. É possível haver beleza sem oposição à feiura; é possível haver beleza sem sombra, com luz apenas; é possível haver saúde que transcenda aquela que existe em oposição à doença.

Kozu – Não consigo imaginar tal mundo.

Taniguchi – Quem vê somente a beleza do mundo fenomênico constituída de sombra e luz não consegue imaginar a beleza do Mundo da Imagem Verdadeira, sem sombras. É errado afirmar que algo não existe só porque não se consegue imaginá-lo. Não podemos dizer que uma determinada música não terá beleza se não houver acordes dissonantes que firam as notas restantes, não é? Uma melodia em que uma nota realça a nota seguinte e assim sucessivamente, valorizando a si própria e às demais notas, esta é a música verdadeiramente bela. Não podemos dizer que se gato não devorar o rato não haverá a beleza da Vida. Um mundo em que o gato brinca em harmonia com o rato não é um mundo ainda mais belo?

Kozu – Se o gato não comer o rato, o que ele comerá para sobreviver?

Taniguchi – A cena em que o gato e o rato está comendo vegetais e brincando juntos é uma imagem do Mundo da Imagem Verdadeira. A ideia de que a Vida não poderá evoluir a não ser roubando ou devorando-se uns aos outros é uma ilusão de quem desconhece a Imagem Verdadeira. A situação em que as vidas se devoram umas às outras é a concretização dessa ilusão. Desfazendo-se essa ilusão, deixa de existir também a creofagia (hábito de alimentar-se de carne) da vida fenomênica. Entre os adeptos da Seicho-No-Ie são numerosos os casos verídicos de harmonização do gato com o rato através apenas da mudança da mente.

Kozu – Não consigo acreditar em tal coisa. Mesmo que o gato deixe de comer o rato e todos os animais deixem de devorar uns aos outros, a dor e o sofrimento humano não se acabarão. As catástrofes como terremoto ou maremoto, por exemplo, não deixarão de existir. Despertar o homem para que não fora mesmo deparando com tais sofrimentos é a missão dos religiosos.

Taniguchi – Já que o mundo fenomênico é manifestação da mente, o terremoto ou o maremoto também deixarão de ocorrer se nossa mente (mente coletiva dos povos) se purificar. A salvação de que o senhor fala consiste em libertar-se do sofrimento da vida concreta porque não se admite que ele seja existência verdadeira. Assim que a pessoa desperta para essa Verdade, cura-se a doença e o ambiente em que vive também melhora.

Kozu – Mesmo que de fato deixe de haver terremotos, isso será daqui a milhões de séculos, não é? Isso pode acontecer ou não. Não é possível salvar a pessoa do sofrimento da vida concreta imaginando tal mundo. Para salvar a pessoa do sofrimento, não há outro meio senão fazê-la mergulhar nele e compreender a verdade de que, mesmo com sofrimento e tudo, a Vida está aí presente.

Taniguchi – Para a extinção total de terremotos e maremotos deste planeta, é preciso que a mente de todos os seres vivos da Terra se purifique. Portanto, o tempo necessário para a extinção das catástrofes está relacionado com o tempo que se levará para purificar a mente de todos no globo terrestre. Mas, para melhorar o ambiente em que vive um indivíduo, basta a sua própria mente mudar para melhor. Mesmo que ocorram terremotos ou maremotos, tais catástrofes não poderão causar dano à pessoa em cuja mente deixou de haver terremotos ou maremotos. Este fato é confirmado pelos próprios adeptos da Seicho-No-Ie através de numerosas experiências. E, em se tratando de uma família, purificando-se a ente dos cônjuges, esse lar começa a melhorar de fato: a relação conjugal melhora, os membros da família deixam de adoecer e a renda também aumenta devidamente. A Verdade pregada pela Seicho-No-Ie salva também a vida concreta simultaneamente com o despertar espiritual da pessoa, e não proporciona apenas uma situação de resignação como a que o senhor defende, em que permanece a doença, a discórdia na família, a dificuldade financeira, e só a mente deixa de sofrer.

Kozu – Por qual princípio o mundo fenomênico também se salva?

Taniguchi – Tudo neste mundo fenomênico, seja o nosso corpo como o ambiente ao nosso redor, é sombra projetada de nossa própria mente; logo, mudando a mente, mudam os fatos – este é o princípio.

Kozu – Eu também não acredito que este mundo fenomênico seja existência verdadeira; penso que ele é sombra projetada. E acredito que por trás do fenômeno existe a Vida, a Verdade. Reconhecendo essa Vida, sinto-me grato, por maiores que sejam os sofrimentos.

Taniguchi – O senhor também diz que o mundo fenomênico é sombra projetada, mas está usando o vocábulo “sombra” em sentido diferente daquele em que eu o emprego. O senhor admite a existência de “sombras” tais como conflitos, doenças e sofrimentos e diz que tudo isso é harmonioso e bom porque existe por trás a Vida. Quando digo que o fenômeno é “sombra”, quero dizer que o mundo fenomênico repleto de conflitos e sofrimentos, embora pareça existir, não existe verdadeiramente e que existe unicamente o mundo da perfeita harmonia onde não há conflitos nem sofrimentos. E contemplando esse mundo da perfeita harmonia com os olhos da mente, não só transcendemos os sofrimentos, como também transformamos este mundo fenomênico, eliminando concretamente as doenças e os sofrimentos. Se tomarmos a doença como exemplo, o senhor diz que é a Vida que determina que o homem adoeça, e que, portanto, devemos nos alegrar com a doença. A Seicho-No-Ie diz que a doença não existe, mesmo que pareça existir; portanto devemos nos alegrar pensando que ela não existe. Para conseguir o mesmo fim, isto é, para transcender a doença, o senhor pensa que a doença é existência verdadeira, que ela faz parte da Imagem Verdadeira da Vida. Na Seicho-No-Ie, desperta-se para a Verdade a doença não existe, e a doença por si desaparece. Tentando superar a doença pensando que ela existe, poderá agravá-la por ação da ideia de que ela existe, mas jamais curá-la. Porém, pelo método da Seicho-No-Ie, graças à ação da ideia de que “a doença não existe”, a doença acaba desaparecendo.

Kozu – Com que fundamento o senhor diz isso?

Taniguchi – Fundamentado em fatos, e não em argumentos teóricos. Existem numerosos casos de doentes desenganados pela medicina, tais como tuberculosos, cancerosos, que se curaram assim que leram o livro A Verdade da Vida e mudaram de atitude mental.

Kozu – Mas nem todas as pessoas se curam de doença ao ler A Verdade da Vida, não é?

Taniguchi – Isso mesmo. Nem todos se curam.

Kozu – Então o senhor não pode afirmar categoricamente que as pessoas se curaram porque leram A Verdade da Vida.

Taniguchi – As pessoas que, mesmo lendo A Verdade da Vida, não concordam realmente com o seu conteúdo e não conseguem despertar para a Imagem Verdadeira da Vida não se curam. Como a Verdade é semente, lançando-a em terras áridas ou pedregosas, não brota. Mas o fato de não germinar não significa que a semente seja má. Se lançarmos dez das mesmas sementes, e metade delas germinam, podemos afirmar que a semente tem capacidade de germinar, e que, se algumas não germinam, é porque a terra é estéril. Como o homem é um ser que possui mente, não podemos obter um resultado uniforme como o de cura de doenças sempre que “acrescentamos” A Verdade da Vida ao homem, como se obtivéssemos água sempre que acrescentamos oxigênio ao hidrogênio. Há pessoas que, quanto mais explico sobre a Imagem Verdadeira da Vida, mais se negam a aceitá-la docilmente e contrapõem argumentos, como é o caso do senhor. Portanto, surgem diversos resultados de acordo com a atitude mental com que as pessoas lêem A Verdade da Vida. Mas não podemos negar o fato de que a grande maioria das pessoas que o leram tem sido salva da doença.


(Do livro “A Verdade da Vida, vol. 16”, pp. 89-110)


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Devido aos spams que chegam constantemente, os comentários estão sujeitos à moderação.
Grato pela compreensão!