domingo, julho 31, 2016

A liberdade infinita da Vida - 2/3

- Masaharu Taniguchi - 


A salvação por meio da força alheia

Com isso, se aqui existisse a essência da liberdade perfeita e infinita da Vida e, só de ligarmos a ela, fluísse em nós a força infinita da salvação – do mesmo modo que a energia elétrica vem até nós através de um fio ligado à usina elétrica –, e assim adquiríssemos a infinita liberdade da nossa Vida, não haveria nada melhor que isso. Em algum lugar deve existir essa essência da salvação infinitamente perfeita. Uma vez que é infinita, deve estar em todos os lugares e, portanto, a fé baseada na salvação por meio da força alheia consiste em confiar nessa onipresente força misteriosa. Quando nos unimos a essa onipresente força de salvação, só com isso, manifestar-se-á a liberdade infinita do nosso interior. É o mesmo que, só de passar corrente elétrica na bobina, o ferro que está dentro dela adquire o originário magnetismo. Assim se obtém, ou tenta-se obter, a salvação por meio da força alheia.


A consciência de pecado constitui obstáculo para a salvação

Entretanto, mesmo que pensemos em nos unir a essa essência da liberdade infinita, sentimos que não o conseguiremos. É a nossa consciência de pecado que está nos estorvando. Tratando-se da energia elétrica, se houver um material isolante, nele não passará a eletricidade, mesmo que venha da maior usina elétrica. De modo similar, desejamos nos conectar com o Ente infinito, perfeito e sem falha alguma – que pode ser chamado de Deus, de Amida Nyorai, ou algum outro nome – porque, se assim nos conectarmos com a fonte dessa salvação infinita e perfeita, estaremos perfeitamente incorporados a essa perfeição infinita. Mas surge a questão: "Será que conseguiremos isso?". Resta em algum canto da nossa mente a incerteza: "Será que um indivíduo repugnante como eu, que só consegue sobreviver matando outros seres vivos; que, por qualquer motivo, fica irado, nervoso, triste; que, às vezes, tem vontade de acabar com o outro; poderá se conectar com esse Ente infinitamente perfeito?". E, assim, deixamos de nos unir a essa grandiosa fonte da salvação. Em suma, essa consciência de pecado torna-se um "isolante" da salvação.


Significado da expiação

Então, surge a questão da expiação dos pecados. O ser humano nada pode fazer contra a consciência de pecado. Quanto mais nobre é o caráter da pessoa, mais intensa é a sua consciência de pecado. E quanto mais intensa é a consciência de pecado, maior é a sensação de que não merece a salvação. Essa pessoa pensa: "Já cometi homicídio, ou, mesmo que eu não tenha matado ninguém, matei diversos seres vivos, como também comi e matei muitos micro-organismos. Estou sendo egoísta em pensar que, por ter ficado em jejum apenas três semanas, ou por ter praticado suigyô durante cem dias, todos os meus pecados foram apagados. E, mesmo que tenham sido apagados, no dia seguinte precisarei me alimentar, acender o fogo e matar micro-organismos, pois, sem isso não conseguirei viver".

Assim, já no dia posterior ao da expiação dos pecados por meio de jejum e banhos frios, a pessoa estará cometendo pecados novamente e sentindo que não conseguirá conectar-se com a essência infinita, perfeita e livre. Portanto, nós, seres humanos, dificilmente conseguimos nos conectar com o Ente infinitamente perfeito, mesmo que o tentemos, realizando a expiação de todos os pecados de até agora com a nossa própria força. Por isso, nos afligimos e sofremos.

A essa altura, conclui-se que a humanidade não conseguirá se conectar com a essência da liberdade infinita e perfeita se não surgir um ser extraordinariamente superior, uma pessoa dotada de poder divino, que diga: "Como vocês não conseguirão jamais expiar os seus pecados sozinhos, vou expiá-los no lugar de todos. Vou me responsabilizar por todos os pecados da humanidade e os purificarei". E, de fato, surgiram pessoas com poderes sobrenaturais. No cristianismo foi Jesus Cristo e no budismo Hozo Bosatsu (Amida Nyorai). Jesus Cristo foi crucificado para expiar os pecados de toda a humanidade. Hozo Bosatsu meditou arduamente durante cinco kalpas (ciclos cósmicos), submeteu-se a disciplinamento espiritual durante infinitamente longo espaço de tempo, com o desejo de salvar toda a humanidade: "Venham a mim, que todos serão salvos. Se alguém não for salvo, não me tornarei Buda". Por sim, foi definido que só de ligar-se a ele todos os homens seriam salvos, e ele se tornou Buda.

Jesus Cristo se deixou crucificar e Hozo Bosatsu tornou-se Buda, ambos com o compromisso de apagar todos os pecados da humanidade, do passado e do futuro, transcendendo o tempo e o espaço só de unir-se a Cristo e ligar-se a Buda. Assim, quando passamos pelo processo de filtragem dos pecados através da cruz de Jesus Cristo ou de Amida Nyorai, que tomaram para si todos os pecados da humanidade os nossos pecados são purificados e a nossa mente recupera a pureza originária, conseguindo assim nos integrar na imaculada água do Universo. Isso é, em suma, a salvação por meio da força alheia.

Como mencionei até aqui, assim surgiram o processo da salvação por meio da força própria e por meio da força alheia. Diz-se que é bastante difícil alcançar a salvação por meio da força própria, porque é necessário que a própria pessoa seja o dispositivo de filtragem dos pecados, dedicando-se à prática da meditação zen ou de outras concentrações mentais, recorrendo a diversos meios para anular totalmente os próprios pensamentos negativos, reprimindo todos os seus desejos, esforçando-se de todas a maneiras para não causar aborrecimento aos demais, mas proporcionar a todos apenas alegria. Portanto, só pessoas especiais conseguirão realizar isso. Creio que Bodhidharma, que dizem ter praticado a meditação zen voltado para uma parede, durante nove anos, tenha realizado esse tipo de disciplinamento mental. Sakyamuni também praticou inicialmente disciplinamentos baseados na força própria. Consta na biografia dele que ele teve a iluminação após realizar diversas práticas de disciplinamento espiritual por meio da força própria, até se purificar, livrando-se totalmente de todos os desejos pessoais.

Sakyamuni foi inicialmente praticante da salvação por meio da força própria e, após severos disciplinamentos, tornou-se iluminado, demonstrando, no final, o que é o despertar espiritual. Assim, transmitiu a todos que descobriu, finalmente, por meio das práticas ascéticas o caminho que conduz à iluminação e que, portanto, ninguém precisa mais passar por esse auto-adestramento. Basta buscar o resultado. Ele disse: "Eu inventei, com muito esforço, o veículo que conduz à salvação, mas você não precisam se preocupar em fazer o mesmo. Apenas fiquem comodamente dentro desse veículo de salvação que eu projetei. Aqui está o veículo que já conduz todos à salvação. Tomem esse veículo".


Do livro: "A Verdade da Vida, vol. 36", pp. 100-105

sexta-feira, julho 29, 2016

A liberdade infinita da Vida - 1/3


- Masaharu Taniguchi -


Mente que anseia pelo infinito

Para atingir o estado mental de aceitar uma situação tal qual ela se apresenta, com docilidade e gratidão, é necessário conscientizar que o homem é originariamente perfeito e puro, um ser que já está naturalmente purificado e remido. Nada há que liberte a Vida do homem como esta Verdade.

O homem não foi criado originariamente de modo imperfeito e restrito, que só consegue se purificar por meio de práticas religiosas ou lavando o corpo com água. "O homem é filho de Deus" – eis a Verdade vertical anunciada pela Seicho-No-Ie.

Conforme já disse anteriormente, a religião tem, em princípio, o objetivo de fazer o homem reconquistar verdadeira e totalmente a liberdade da Vida. Todavia, existem pessoas que pensam ser a religião algo que nos dá a sensação de estarmos salvos, ao receber a leitura da sutra após a morte do corpo carnal, ou ao ouvir de boca alheia a comprovação de que, após a morte, conseguiremos ir para o paraíso celestial. A religião, porém,  é aquilo que nos dá a liberdade total da Vida. Ficar curado de doença, conseguir ganhar dinheiro, ter sucesso na vida, ter sorte, todas essas coisas não fazem parte do objetivo primário das religiões. Não são senão uma parcela da projeção daquilo que resulta da perfeita reconquista da liberdade da Vida.

Como anseio originário da Vida, o homem possui basicamente, no seu interior, desejos relacionados com o infinito, como o de conseguir liberdade infinita, ou, então, capacidade infinita, ou sabedoria infinita. Na questão de ganhar dinheiro, por exemplo, ele nunca se satisfaz: mesmo que ganhe 100 ienes, deseja a seguir 1.000 ienes; mesmo ganhando 1.000 ienes, que mais ainda. Se ganhar 100.000 ienes, deseja ganhar 1.000.000 de ienes e, assim, infinitamente. Se passar a ganhar dinheiro à vontade, começa a desejar outras coisas. Deseja fama, poder e, conseguindo poder cada vez maior, no final passa a ter a ambição infinita de dominar o mundo, como teve Napoleão. Assim é a natureza do ser humano. Em seu interior estão armazenados anseios relacionados com o infinito. Entretanto, por mais que vá satisfazendo esses desejos, um após outros no mundo material, será impossível satisfazer plenamente todos os desejos e anseios infinitos por intermédio deste corpo físico, de apenas cento e tantos centímetros. É aí que surge a angústia do ser humano.


Os quatro sofrimentos de Sakyamuni

Os quatro sofrimentos padecidos por Sakyamuni – viver, envelhecer, adoecer e morrer – também foram restrições em relação à liberdade infinita do homem. O sofrimento do viver, ou seja, o sofrimento da luta pela sobrevivência, também é, em suma, uma consequência de atrito com a vida alheia quando tentamos viver livremente a nossa vida, segundo nosso desejo. Ou seja, surge conflito por incongruência entre a liberdade intrínseca da Vida que brota do nosso interior e os obstáculos externos, relacionados com o meio ambiente e a vida alheia. Assim, surgem naturalmente limitações na manifestação plena da liberdade intrínseca da Vida. Se não houvesse essas limitações, não haveria o sofrimento do viver, mas isso é difícil acontecer.

O sofrimento de envelhecer, ou seja, a tristeza e a angústia de ir envelhecendo, também resulta do desejo intrínseco do homem de viver eternamente, de manter-se eternamente jovem e saudável, jamais se definhar. Apesar desse desejo, quando observamos nosso corpo carnal, notamos que ele não deixa de envelhecer. Na Seicho-No-Ie existem muitos idosos que rejuvenesceram, mas, mesmo assim, a vida na Terra terá um fim, eles acabarão se aproximando passo a passo da morte do corpo. Nisso surge uma lacuna, uma condição entre o eu real e o desejo de liberdade infinita que brota do seu interior, dando origem ao sofrimento.

A seguir, vem o sofrimento da doença. Todos os homens desejam viver sempre com saúde. Contudo, geralmente adoecem. Constituem exceção as pessoas que compreenderam a Verdade da Seicho-No-Ie, mas mesmo elas, quando se aproxima a hora da morte, apresentam o processo de chemicalization (processo de autodesintegração) que, na visão do médico, é manifestação semelhante à doença. Isso constitui uma divergência entre a realidade e o ideal, causando sofrimento.

No final, vem o sofrimento da morte. Naturalmente, no plano da Imagem Verdadeira o homem vive eternamente, mas surge a contradição entre o eu real e o desejo de ser imortal até no plano do corpo carnal, que é uma imagem temporária. O que resulta dessa divergência são os quatro sofrimentos: do viver, do envelhecer, do adoecer e do morrer. O verdadeiro objetivo da religião é conceber aos homens a total liberdade da Vida, libertando-os completamente desses sofrimentos. Portanto, as graças mundanas como a de ganhar dinheiro, a de curar-se das doenças, não constituem uma parte, a metade nem dez por cento do seu objetivo.


Desejo ardente de se libertar dos quatro sofrimentos

A seguir, apresenta-se para nós a questão: "De que modo a liberdade infinita em nós se manifesta do nosso interior, de modo realístico, e não apenas como potencialidade?". Se, dentro de nós, não estivesse latente a originária liberdade infinita, não teríamos o desejo de conquistar essa liberdade. E não nos satisfazemos apenas com o fato de essa liberdade infinita estar alojada em nosso interior. Temos a necessidade de manifestá-la. Então, desde a Antiguidade, filósofos, sábios e santos do mundo religioso vieram se esforçando e descobrindo modos de conseguir essa liberdade infinita.

Na minha opinião, há, em linhas gerais, duas formas de alcançar isso.


O esforço próprio leva, no fim, a um impasse

Uma das formas é tentar tornar concreta a liberdade infinita imanente por meio de esforço próprio, e a outra é consegui-la por meio de fé na força alheia. A tentativa de conquistar a liberdade infinita neste mundo concreto por meio da força própria manifesta-se ora como um projeto de enriquecimento, ora como ambição de dominar o mundo, conquistando-se poder com muito esforço. Mas os senhores já comprovaram que é impossível adquirir a liberdade infinita por meio do esforço próprio. Até mesmo Napoleão, que afirmou não existir em seu vocabulário a palavra impossível, não conseguiu conquistar a liberdade infinita por meio da sua própria força. Ele conquistou até certo ponto o mundo, mas só com isso lhe foi impossível dominar todas as coisas. Ou seja, não conseguiu, enfim, conquistar a liberdade infinita.

A humanidade já comprovou que é impossível ter liberdade infinita na vida física, por meio de conquistas feitas com esforço próprio. Quando esse esforço em conquistar a liberdade infinita por meio da força própria passou a ser direcionado para o interior, tentando dominar a ilusão própria – em vez de se dedicar simplesmente às conquistas externas deste mundo –, surgiram as práticas religiosas de auto-adestramento. Dentre as pessoas que tiveram sucesso nesse tipo de esforço estão Bodhidharma, Kobo Daishi, Dögen e outros numerosos sábios que pertenceram à Shodomon (Escola budista que procura exteriorizar a natureza búdica originária através do esforço próprio)., como a seita zen-budista e a Shingon.

As práticas religiosas que utilizam a força própria para alcançar a iluminação se originaram da faculdade que os homens têm de conscientizar a priori, ou seja, antes da experiência, o fato de que em seu interior está alojado o infinito. A intuição de que o infinito existe dentro de si evoca do âmago do ser o esforço para buscar a liberdade infinita alojada em si. E como se faz para manifestar essa liberdade infinita? Excetuando os geniais sábios que citei há pouco, quanto mais pessoas comuns lutarem para dominar o mundo fenomênico, mais ficarão presas e sujeitas a ele e mais aumentarão os sofrimentos da sua mente.


Averiguar a origem do sofrimento

Quanto mais nos esforçamos para curar a doença, tentando subjugá-la, mais doentes ficaremos. Ou então, por mais que tentemos nos recuperar de um fracasso nos negócios, enquanto estivermos sendo arrastados e perseguidos pelos fatos fenomênicos imediatos, isso só aumentará o nosso sofrimento. Então, que faremos com esse sofrimento, a fim de manifestar a liberdade infinita da Vida latente em nós? É preciso, primeiramente, averiguar a origem desse sofrimento. Por que sofremos quando acontece algo? É preciso investigar sua causa fundamental. Pensando bem, a causa dos sofrimentos se encontra na mente ilusória que é arrastada pelos acontecimentos fenomênicos. Devido a essa mente, nos apegamos aos fenômenos externos e sofremos. A origem das preocupações e sofrimentos está na ilusão que se apega a esses fenômenos. É essa mente e ilusão que nos faz sofrer. Se descobrirmos a causa dos sofrimentos e nos livrarmos dela, as consequências, ou seja, os sofrimentos, deverão desaparecer.

Quando as pessoas passaram a se esforçar para se livrar da mente que se apega aos acontecimentos fenomênicos, a fim de afastar a causa dos sofrimentos, surgiu a escola religiosa que adota a força própria para alcançar a iluminação. Seus seguidores procuram reprimir ao máximo os desejos do eu fenomênico por meio do esforço próprio. Se conseguirmos abandonar totalmente a mente que se apega ao fenômeno, manifestar-se-á naturalmente a liberdade infinita latente em nosso interior desde o início, e alcançaremos a liberdade originária da nossa Vida.

Se dominarmos toda a agitação da mente ilusória manifestada externamente, revelar-se-á naturalmente a magnífica liberdade infinita do interior. Isso equivale a ter dentro de nós um cristal coberto de barro ou nuvens. Limpando-o, se manifestará um maravilhoso cristal, totalmente translúcido, que estava originalmente alojado em nosso interior. O princípio é simples e o ritual também.

Entretanto, colocando-os em prática, perceberemos que limpar uma por uma as nódoas da nossa mente é uma prática que exige muito autodomínio. A nossa mente, a força motriz que domina e ordena a nossa mente em ilusão, muitas vezes é a própria mente ilusória, tornando extremamente difícil o disciplinamento mental, que só seria possível de ser realizado por pessoas especiais, por gênios do mundo religioso. Esse disciplinamento mental por meio da força própria é praticado na seita xintoísta Mitake-kyo, no zen-budismo e no cristianismo, sendo que neste último equivale ao que foi praticado pelo seu precursor, João Batista.


O ascetismo não leva à iluminação

Tanto Sakyamuni quanto Jesus Cristo praticaram o ascetismo, e eu também me dediquei a isso num período da minha vida. Quando digo que em certa época pratiquei jejum ou passei cem dias praticando suigyô (prática que consiste em banhar-se numa cachoeira, ou jogar água fria no corpo em pleno inverno, a fim de purificar o corpo), refiro-me a isso.

Precisamos nos alimentar para viver. Para conseguir alimentos, precisamos disputá-los com os outros. Mesmo que possamos ter os alimentos sem disputar com os demais, precisamos, pelo menos, sacrificar micro-organismos. Para nos alimentar, usamos o fogo para cozinhar os alimentos e, nisso, acabamos eliminando inúmeros micro-organismos. E, ainda, a nossa alimentação é acompanhada de diversas outras mortes. Assim, até o ato de nos servir das refeições não é uma ação verdadeiramente perfeita. É uma imagem de morte e disputa. Se não conseguirmos viver sem matar outro ser, esse modo de viver não deve ser o verdadeiro. Deverá haver em algum ponto do nosso interior a Vida verdadeira, que consegue viver sem prejudicar o outro. Eu desejava descobrir isso de alguma forma e experimentei praticar o jejum e o suigyô.

Será que, tomando banhos frios e ficando sem comer nada, manifestou-se em meu interior a liberdade infinita? Não. Não se revelou a liberdade infinita nem senti que os meus pecados foram purificados. Ao ficar sem me alimentar, apenas tive sofrimento. Em vez de me levar à liberdade, o jejum fazia me sentir fraco e próximo da morte. Não era possível viver sem me alimentar. Se não me alimentasse, não precisaria matar outros seres vivos, mas acabaria matando este ser vivo que sou eu. Assim, estaria sendo bondoso com outros seres vivos, mas não comigo. Entretanto, sendo eu próprio um ser vivo, se tenho compaixão pelos outros seres vivos, preciso tê-la também por mim mesmo. Se não quero matar os micro-organismos, preciso matar a mim mesmo. Tanto de um lado, como de outro, acabo cometendo o pecado da matança. Fui assim atormentado por um sofrimento insolúvel: o de não conseguir viver sem cometer algum mal. Imaginando com base nesse meu sofrimento, creio que o sofrimento do viver, o primeiro dos sofrimentos padecidos por Sakyamuni, tenha sido algo assim. Esse é um sofrimento pelo que passou a maioria das pessoas que fundaram alguma organização religiosa.

Mesmo que consigamos dominar as ilusões por meio de disciplinamentos exteriores, não é possível viver sem prejudicar outro ser. E, uma vez que vivemos prejudicando o outro, o que existe aqui é uma imagem imperfeita. Portanto, a não ser que sejamos dotados de uma genialidade especial, não conseguiremos manifestar a perfeição infinita interior por meio desse método. Contudo, uma vez que o ser humano possui o desejo interior de manifestar a perfeição infinita, teria de pensar num método mais adequado e, finalmente, surgiu a escola Takiri (seitas budistas que creem na força alheia).


Do livro: "A Verdade da Vida, vol. 36", pp. 91-100

quarta-feira, julho 27, 2016

Viver com Naturalidade - 2/2

- Masaharu Taniguchi - 


Não há dúvida de que as coisas percebidas pelos cinco sentidos não têm existência originária. Apenas nós as vemos como tal, sendo algo que não existe tal como enxergamos. Portanto, se negarmos de vez a existência delas, compreendendo a inexistência do mundo fenomênico e, após isso, apreendermos a corrente da Vida que transcende os cinco sentidos e passarmos a viver naturalmente essa Vida, teremos de volta em nossa vida concreta e visível as atividades da Vida.

Se passarmos a menosprezar o corpo carnal, a matéria e a vida, alegando que o corpo não existe, a matéria não existe, teremos perdido o estado natural da Vida que vive e trabalha. Assim, teremos perdido a liberdade, apenas apegando-nos ao nada. Dizemos que a matéria não existe, o corpo carnal não existe, a fim de deixarmos de nos preocupar com a matéria, com o corpo carnal. Entretanto, se nada fizermos porque inexistem, estaremos presos ao nada, ao vazio. O apego ao vazio também é uma ilusão e, sendo assim, não devemos nos apegar ao vazio. Precisamos anular o vazio, transformando-o em nada, e sermos a própria Vida. Denominamos Vida, tal como é, de Imagem Verdadeira da Vida. Se nos tornarmos exatamente como é a Vida, adquiriremos naturalmente a liberdade da Vida, como também a provisão infinita.

Na Seicho-No-Ie não se fala em algo rígido como auto-suficiência. Basicamente, é impossível haver auto-suficiência neste mundo. Se todo o Universo forma um corpo harmonioso, é impossível haver auto-suficiência. Mesmo que seja possível, a vida da pessoa que conseguir auto-suficiência se tornará extremamente limitada e desnatural, arruinando a  naturalidade da vida. Por isso, a Seicho-No-Ie não diz que devemos ser auto-suficientes, mas sim viver recebendo auxílio dos demais. Devemos viver recebendo auxílio dos outros e, ao mesmo tempo, prover os demais com aquilo que produzimos. Oferecemos aos outros e também recebemos deles. Vivemos auxiliando-nos uns aos outros.

Seneatsu Mushakoji criou na província de Miyazaki, num local denominado Koyu-gun Kijo, uma aldeia ideal auto-suficiente, mas, apesar do intento inicial de criar uma aldeia auto-suficiente, ele compreendeu que isso não era possível. Compreendeu que, para efetuar a irrigação, era preciso trazer de fora o motor, como também adquirir de fora os instrumentos necessários para a lavoura e para a vida diária. Percebemos com isso que tudo se realiza quando há auxílio mútuo.

Dentre as pessoas de caráter elevado, existem muitas que detestam receber favores dos outros e que pensam em fazer o possível para não depender dos demais. Nos ensinamentos da Seicho-No-Ie também consta que devemos andar com nossas próprias pernas. Por exemplo, um paralítico anda apoiando-se na bengala, convencido de que não consegue andar sem ela. Por causa disso, nunca se cura da paralisia. No entanto, se essa pessoa acreditar realmente no ensinamento de que não deve ficar sempre na dependência alheia, que deve se levantar sozinho – pois o natural é que a Vida tenha autonomia –, e aceitar isso com docilidade, ela se curará da paralisia. Isso, porém, é uma orientação que se dá para uma pessoa que vive sempre na dependência dos outros, ensinando-lhe que isso não é certo.

Ensinar desse modo a alguém que se esqueceu de que possui força para andar com suas próprias pernas e que possui mentalidade sórdida de viver na dependência de tudo – de remédios, da força alheia, ou, então, de donativos – é dar vida a ele. Sendo, porém, uma orientação adequada a esse tipo de pessoa, não se pode afirmar que seja uma Verdade que se adapta a todos. O Universo forma um só corpo e, portanto, o natural é que as pessoas vivam auxiliando-se mutuamente. Quem tem mentalidade de dependência é um velhaco que só pensa em receber auxílio, e não em dar auxílio. Então, dizer "Levante-se sozinho" é uma advertência dada a esse tipo de pessoa. Mesmo que se diga "Levante-se sozinho", o ser humano jamais consegue viver totalmente sozinho, sem depender de ninguém. Mesmo que a pessoa diga "Não dependo de ninguém", dificilmente conseguiria viver absolutamente sozinha, plantando e colhendo arroz, criando bicho-da-seda, fiando a seda, tecendo, tingindo, costurando. Então, a Verdade absoluta é que "Eu e o outro somos um". É viver recebendo auxílio dos outros e também dando-lhes auxílio. Não deve falhar nem um, nem outro. A quem vive sempre dependendo de remédios, de coisas materiais, pensando sempre em receber cuidados alheios, dizemos: "Ande com suas próprias pernas", "A matéria não existe", "A Vida possui autonomia".

Esse é um ponto que o leitor de A Verdade da Vida deve ponderar muito. Sendo a Verdade algo invisível, ao expressá-la com palavras do mundo fenomênico é preciso usar termos convenientes a cada pessoa. Tudo que existe no mundo fenomênico está manifestado de modo relativo e, portanto, pode-se usar expressões adequadas a cada pessoa, a cada situação. Se pedirem para descrever a Verdade, tal qual ela é, sem usar adequações, não há alternativa senão ficar em silêncio como o céu e a terra. O céu e a terra estão sempre ensinando a Verdade, em silêncio.

Aquele que, observando a orientação adequada a cada pessoa e situação, diz que há incoerência, pois em determinado local está escrito "Não dependa dos demais, ande com as próprias pernas" e, em outro, "Viva auxiliando-se mutuamente", está se apegando à palavra do texto. O texto é escrito para conduzir as pessoas para a Verdade, e não contém incoerência, em absoluto. Se alguém se prender às palavras, encontrará contradição. Vendo apenas a escrita, pode parecer que seja incoerente, mas não há incoerência. Para nadar, movimenta-se o braço direito e também o esquerdo, mas o objetivo não é se dirigir para o lado direito, nem para o esquerdo. Nada-se em linha reta movimentando ora o braço direito, ora o esquerdo. O objetivo não se encontra à direita, nem à esquerda.

Portanto, ao orientarmos uma pessoa que é demasiadamente dependente, dizemos "Não dependa dos outros". Para essa pessoa, deixar de depender dos outros fará com que vivifique sua Vida. Nos estudos, por exemplo, não progrediremos se os outros estudarem por nós. Para que haja progresso, é preciso que nós mesmos estudemos. Por essa razão, ensinamos aos principiantes para não dependerem dos demais. Entretanto, se a pessoa passar a se prender ao fato de que não deve depender dos demais, se tornará alguém muito rígido e exclusivista. Por exemplo, apesar de um adepto fervoroso oferecer-nos um local para realizar uma reunião, se recusarmos essa oferta dizendo "Não aceitamos favores de ninguém", não conseguiremos desfrutar a providencial cortesia dessa pessoa. Com isso, não poderemos vivificar a gentileza nem a boa intenção dessa pessoa, e nós próprios perderemos a oportunidade de polir mutuamente a alma e crescer. Portanto, se ficarmos demasiadamente presos à questão "Não devemos incomodar os demais", não estaremos vivificando a Vida. Essa é uma questão delicada, muito importante.

Meu pai verdadeiro era uma pessoa que detestava causar incômodo aos demais. Chegava a levar sua própria comida ao visitar os parentes, dizendo que não queria lhes causar incômodo. Não causar incômodo aos demais pode ser uma atitude conveniente em ceras ocasiões, mas, nesse caso, acaba com a intimidade entre parentes. Mesmo que o parente pense "Já que veio nos visitar depois de tanto tempo, gostaria de preparar-lhe algo gostoso", se o visitante vem trazendo marmita de casa, será difícil manter um relacionamento cordial e íntimo. Em tal caso, a pessoa construiu uma barreira, delimitando "Até aqui sou eu", sem considerar que o eu e o outro somos um, sentindo que as demais pessoas estão todas fora do limite do seu eu. Assim, meu pai mantinha por demais nítida a distinção entre o eu e os outros e tratava até os parentes com reserva, sem intimidade. Talvez por ter nascido filho de uma pessoa assim extremamente discreta e cerimoniosa, eu também herdei muito essa índole e tive de me esforçar muito para vencer isso. Por meio de esforços e mais esforços, a muito custo, consegui adotar a visão atual de vida que é o de viver auxiliando-nos uns aos outros, porque o eu e o outro somos um.

Quando pensar "Até aqui sou eu, e daqui para diante é o outro", a pessoa achará que não deve receber gentilezas dos outros, mas a barreira do eu será rompida quando compreender que "O eu não existe originariamente". Ao ser rompida essa barreira, desaparecerá a existência do eu. Quando o eu deixar de existir fundamentalmente, não haverá eu e o outro, desaparecendo também o auxílio mútuo. Desaparecendo a distinção entre dar auxílio ao outro e receber auxílio do outro, se realizará naturalmente a vivência de auxílio mútuo. Rompendo a barreira do eu, o eu e o outro ficarão misturados, e a vida se tornará livre. Chegando a esse estado, todas as provisões da Vida, como do mundo econômico, passarão a circular sem cessar, e se manifestará aí o aspecto da circulação ilimitada de Deus.

Desse modo, precisamos, às vezes, contar com favores alheios, mas não existe esse eu que recebe favores. Se o eu é uma existência pública, ainda que receba favores alheios, seria o mesmo que o outro estar ajudando a si próprio.

Antes de tudo, o importante é a conscientização "Que é que sou?". Se o eu fosse uma existência egoística, que só pensa em vantagens próprias, por mínimo que fosse o favor recebido dos demais, estaria sendo interesseiro. Entretanto, sendo estabelecido o suporte fundamental de que o eu não é originariamente o eu, não é originariamente um ser interesseiro, um ser egoístico, mas um ser público, mesmo o fato de receber favores dos outros, será um benefício que um ser público estará recebendo da comunidade, sendo algo natural e correto.

Portanto, se alguém considerasse, por hipótese, que este eu é fundamentalmente um ser egoístico e interesseiro, mesmo que se retirasse para a montanha, ou levasse marmita para não incomodar ninguém, enquanto pensasse, por mínimo que fosse, que é um ser interesseiro, o pouco que comesse ou bebesse estaria reduzindo a comida do outro e apoderando-se da água alheia. E, se o eu fosse fundamentalmente um ser egoístico, por mais que usasse de modéstia e vestisse roupas pobres, que vestisse trapos, poderia concluir que estaria explorando as operárias da tecelagem. Dessa forma, se o eu fosse um ser egoísta, mesmo que se retirasse na montanha, que vivesse de maneira mais humilde possível, estaria vivendo de modo egoísta.

Contudo, se adquirir a conscientização fundamental de que o eu não é originariamente um ser egoísta e decidir jamais viver de modo egoísta, por mais rica que seja a vida que leva, esse alguém não estará servindo para dar prazer a si, mas para enriquecer o ser público que é o eu. Sendo assim, não é preciso mais ter reservas, porque se manifestará a Imagem Verdadeira da provisão infinita que circulará sem cessar, e todos se auxiliarão mutuamente.

Em suma, antes de tudo, o primordial é que o eu se transforme totalmente num ser público. E será que isso é difícil? Em absoluto. Nós nascemos da Grande Vida. No plano da Imagem Verdadeira, em relação à Grande Vida, o eu e o outro somos um. Portanto, somos naturalmente um ser público. O natural é que a nossa vida seja pública. Dizer que devemos viver com naturalidade significa, na verdade, que devemos levar um vida pública, como seres públicos que somos.

Em nós está alojada a Vida imanente no Universo. Em outras palavras, está alojada a Vida em comum. Nós somos irmãos que nasceram da Vida comum a todos e, portanto, quando vivemos com naturalidade, tal qual somos, só podemos levar uma vida pública, como seres públicos. Viver naturalmente a Vida tal qual ela é significa, em suma, que a verdadeira naturalidade é viver despertando para o fato de que o eu é um ser público.

Chegando a esse ponto, desaparecerão por completo a sensação de só sentir prazer ao alcançar o sucesso pisando nos demais, de disputar a prioridade dizendo que tal teoria veio antes ou depois, ou então de ter prazer apenas por estímulos sensoriais muito fortes. Passamos, assim, a vivenciar a Vida em comum, baseados simplesmente na conscientização de que somos filhos da Vida comum a todos e, como a corrente dessa Vida comum circulará e fluirá na nossa vida, sentiremos verdadeiramente a alegria universal da alma em tudo que fizermos.

Basicamente, sentimos alegria da alma quando a Vida comum a todos vive em nós, e essa não é uma alegria do ego. É a alegria que vem das profundezas da alma, isto é, do âmago dessa Vida comum. Vivemos a Vida comum a todos e sentimos mais profundamente a alegria da alma de conformidade com o grau da vivência em comunhão com a corrente da Vida comum, rompendo a vivência enclausurada dentro da casca chamada eu, o pequeno indivíduo. Toda alegria da Vida é a alegria que provém da expansão do eu, sentida quando a nossa Vida se expande, por pouco que seja, ou, em outras palavras, quando rompemos a casca do pequeno ego. Atingimos a última escala da expansão do eu quando rompemos completamente a casca do pequeno ego e nos fundimos com a corrente da Grande Vida que preenche o Universo. Nessa hora, sentimos a alegria que nos deixa exultantes. Podemos afirmar que toda alegria da Vida resulta do sentimento de auto-expansão.

Até mesmo a alegria sensorial vem da sensação da expansão do eu ao limite máximo. Através dos "tentáculos" dos sentidos, o eu vai prolongando-se e expandindo para o mundo exterior. Por exemplo, sentimos prazer quando comemos algo delicioso, porque os nossos "tentáculos" alcançaram esse algo gostoso e nossa mente se expandiu, tornando-se um com o sabor dessa iguaria, por exemplo, um doce, assim sentindo prazer, porque aí se manifesta o paladar. Portanto, a alegria sensorial também pode ser considerada expansão do eu ao limite máximo. Dando outro exemplo, quando vemos uma bela flor, sentimos a alegria da Vida. Se o eu estiver de olhos fechados, dentro da sua própria casca e só perceber a si, não ocorrerá a auto-expansão e ele não verá a flor, não sentindo o prazer de apreciar o belo. Quando vemos a flor com a mente aberta, com os olhos abertos e com o eu expandido, sentimos a felicidade de poder admirar quão bela ela é. E isso significa que a nossa mente chegou até ela, expandindo-se.

Desse modo, encontramos toda alegria da Vida quando o eu se expande. Quando o eu fica contraído, manifesta-se o estado de sofrimento, de tristeza ou de dor mental. Alcança-se o apogeu dessa auto-expansão quando desaparece o eu, quando se anula aquilo que se chama eu individual. Esse sim é o momento máximo da auto-expansão, que nos faz sentir uma alegria profunda e grandiosa. É mentira a afirmação de que não se tem alegria na vida normal. Não se tem alegria quando a vida não está de acordo com a Imagem Verdadeira. Não é exagero dizer que não há alegria maior que a de quando passamos a viver de modo natural e normal, porque é retirada a divisória que nos separava da Vida Universal.

A alegria sensorial é uma auto-expansão em pequena escala. Nela há ainda uma divisória separando o eu e o outro, uma relatividade – eu sinto prazer olhando aquilo – e não é uma alegria tão marcante. E se nos apegarmos a isso, a Vida perderá a liberdade de fluir devido a esse apego, e a alegria se transformará em dor. Como já citei anteriormente, a verdadeira imagem da Vida é a liberdade, portanto, enquanto existir o eu que se apega a coisas de fora, perde-se essa liberdade. Perdendo a liberdade, a Vida passa a sofrer. A alegria sensorial também não deixa de ser uma expansão do eu, mas tendemos a nos apegar a ela e isso pode se transformar em sofrimento, porque o eu e o outro se confrontam e, como resultado do apego que o eu passa a ter por algo de fora, perdemos a flexibilidade e a liberdade. Destarte, todo sofrimento ou preocupação nasce do apego a algo. E a forma de identificar esse apego é pela imagem de perda da normalidade.

A imagem natural e originária da Vida é a de liberdade absoluta, semelhante a nuvens que se movem sem parar e à água que flui incessantemente. Conseguiremos essa imagem livre e desimpedida quando nos livrarmos dessa pequena casca chamada eu. O eu não existe – quando passarmos a viver pensando apenas na prosperidade da Vida em comum, a nossa alma estará sempre feliz, mesmo sem ansiarmos por milagres nem por acontecimentos misteriosos. Assim, desaparece naturalmente a estagnação da mente, e as doenças também desaparecem. Fenômenos anormais são todos uma espécie de doença e, portanto, sendo as doenças fenômenos anormais, elas desaparecem quando a Vida do homem retoma a naturalidade. Desejo que todos consigam sentir alegria com a Vida natural, exatamente como ela é.


(Do livro: A Verdade da Vida, volume 36; pp. 58-69)

segunda-feira, julho 25, 2016

Viver com Naturalidade - 1/2

- Masaharu Taniguchi - 

Quando se compreende a Verdade, ocorrem curas de diversas doenças e, por isso, há quem diga que são milagres ou que somos modernos padres cristãos, tecendo elogios ou críticas a nosso respeito. Contudo, a Seicho-No-Ie não é, em absoluto, um local onde ocorrem milagres. E isso está claramente escrito na coletânea A Verdade da Vida. Na página 27 do volume 3 dessa coletânea, está escrito: "Seicho-No-Ie é um lugar que faz desaparecer os milagres".

Há quem considere a cura de doenças um milagre misterioso, mas isso não é, absolutamente, um milagre, e sim algo natural. O normal é ter saúde, e milagre seria o adoecimento desse homem que deveria ser saudável. O certo é o homem saber se contentar com aquilo que é natural. Por isso, se a pessoa deseja algo antinatural chamado milagre, significa que seu estado mental ainda não atingiu a naturalidade. Em outras palavras, sua mente está doente.  Essa mentalidade doentia está se projetando em seu corpo físico, criando a doença. Quando compreender que o melhor é viver de modo natural, essa pessoa recuperará a naturalidade. Todos os obstáculos, preocupações, tristezas e sofrimentos surgem quando quando não se vive naturalmente. Vivendo-se de modo natural e normal, jamais se tem sofrimentos nem preocupações. Entretanto, quando se vive de modo antinatural, aparecem complicações, dando origem a sofrimentos e preocupações.

Então, que vem a ser essa mentalidade antinatural? É a mentalidade que não aceita os fatos naturais de modo natural. Existe o ego, a escolha egoística, não aceitando tudo com gratidão e naturalidade. Faz-se escolhas e se contenta com aquilo que não é natural. Essa mentalidade antinatural cria ambientes e estado de saúde física que não são naturais. O ambiente é sombra da mente, o corpo carnal também é sombra da mente. Quando a pessoa não aceita tudo que é normal, com gratidão, e se contenta com aquilo que é antinatural, não consegue dar vida total ao seu estado natural de agora, e seu corpo físico como também seu ambiente não são vivificados integralmente, manifestando-se de modo defeituoso e imperfeito.

O melhor para o homem é viver de modo natural. Desejar ser alguém importante usando de diversas estratégias para derrubar os outros, não se contentar nem sentir que é importante se não fizer algo diferente – isso já demonstra mentalidade doentia. É uma mentalidade que atrai coisas desnaturais. Se, por exemplo, alguém passar a sentir prazer em beber bebida alcoólica, achando que a a água natural não é gostosa, e assim buscar coisas que não são naturais, essa pessoa já estará doente. Por isso, quando a mentalidade da pessoa restabelecer a naturalidade por meio da leitura de A Verdade da Vida, mesmo que antes tenha sido um grande apreciador de bebida alcoólica, passará a não sentir mais necessidade dela, perdendo naturalmente a vontade de beber. E a pessoa que fumava três maços de cigarro por dia perderá a vontade de fumar. Esses fatos demonstram ser a mente que não se satisfaz com coisas naturais uma mente que busca algo antinatural, algo anormal, e, portanto, não sente prazer na vida se não buscar estímulos sensoriais anormais, através de bebida alcoólica ou cigarro.

Contudo, se, com a leitura de A Verdade da Vida, a mente que não se satisfaz com coisas naturais se transformar em mente que considera melhor aquilo que é natural, a pessoa deixará de gostar dos estímulos anormais e se curará do vício do álcool e do fumo. Tanto o gosto pela bebida ou pelo cigarro quanto o desejo de ter secretamente outros parceiros sexuais além da esposa ou do marido fazem parte da mente que busca estímulos anormais, sendo também mentalidade doentia. Assim como é gostoso comer arroz todos os dias, quem tem mentalidade saudável e dócil sente-se bem com o marido ou a esposa sempre. O caminho da Seicho-No-Ie é aquele em que se vive com a mente natural.

Eu disse "caminho da Seicho-No-Ie", mas isso não significa que seja uma descoberta da Seicho-No-Ie. A naturalidade existe desde a Antiguidade. Nada é tão antigo quanto a naturalidade, porém muitas são as pessoas que não conseguem retomar essa naturalidade e por isso vivem na pobreza ou sofrem com doenças. Se passarem a ter mentalidade natural, não terão doenças nem infelicidades. Desde a Antiguidade, os japoneses chamam essa naturalidade de kan'nagara (vontade de Deus, caminho de Deus). No budismo chamam-na jinen höni (entrega total à doutrina de Buda), e no cristianismo dizem "Se é a vontade do Pai..." ou "Seja feita a Tua vontade". Significa aceitar tudo que é natural com gratidão e, entregando tudo nas mãos de Deus, não desejar aquilo que não é natural. Certa religião denomina esse estado mental de "mente legítima". Seja qual for a denominação, o melhor é manter o espírito no seu estado natural.

Que acontece com a conduta de uma pessoa quando sua mente retoma seu estado natural? Passa a executar os princípios de vida humana declarados pelo Imperador Meiji no Rescrito Imperial da Educação e vive respeitando os pais, harmonizando-se com os irmãos, sendo gentil com os amigos e amando o cônjuge. O caminho indicado pelo Imperador Meiji é a grande senda do céu e da terra, absolutamente simples e natural. Portanto, se a esposa conseguir cumprir naturalmente o dever filial, o corpo físico também retoma seu estado natural e recupera a saúde. Com isso, já houve, no passado, uma seita que promovia a cura de doenças , melhorando a saúde dos fiéis, tendo-se como doutrina o respeito, amor e gratidão aos pais. A mente, que retribui ao amor dos pais e se harmoniza com eles, faz com que o homem retorne naturalmente ao caminho do céu e da terra, o que o torna saudável.

Parece que, na juventude, o homem passa por uma fase em que acha melhor ser diferente, fora do natural. Eu também passei por uma fase em que não sentia razão na vida se não fizesse algo diferente. Considerando ser ruim tudo que é antigo, apegava-me à palavra novo. Os jovens de hoje também parecem ter essa tendência, e muitos pensam que tudo que é velho não tem valor, dizendo, sem ao menos analisar o conteúdo, "Aquele... ismo é velho" ou "Aquele é um pensamento ultrapassado".

Entretanto, não existe nada mais antigo do que a naturalidade. Mesmo sendo antigo, o que é natural não entra em moda nem se torna obsoleto. As coisas da moda torna-se obsoletas, mas aquilo que é natural, que é normal, jamais se torna ultrapassado e continua sempre novo, apesar de ser mais antigo.

Nossa Vida é o que há de mais antigo que continua existindo desde a eterna Antiguidade, mas está sempre nova e vivaz. E o que cria novas épocas é a corrente dessa velha Vida. A Vida que vive no nosso interior é uma existência natural que perdura desde tempos infinitamente remotos. Portanto, é a existência mais antiga e a mais nova. Em nós se aloja a Vida natural e, para fazer com que essa Vida atue de modo perfeito, é necessário que tenhamos a mente natural. Por isso, só quando conseguirmos nos contentar com aquilo que é natural, desaparecerão todas as nossas infelicidades.

O que devemos saber antes de tudo é que somos Vida. E a naturalidade é inerente à Vida. Para vivificarmos a Vida, precisamos agir com naturalidade. Às vezes as pessoas pensam equivocadamente que viver com naturalidade é ficar sem nada fazer ou desejar algo diferente, fora do normal, mas recebemos nossa Vida naturalmente de Deus, desde o início. Só temos de aceitá-la, tal qual é. A Vida foi feita para ser vivida naturalmente. Vivificar essa naturalidade consiste em fazer a Vida trabalhar. A vida foi feita para ser feliz e basta vivificá-la que desaparecerão todas as infelicidades do homem.

Basta vivificar naturalmente a Vida concedida a nós. Vivificar é fazê-la trabalhar. Devemos aceitar com gratidão e naturalidade a Vida natural tal como ela é e vivificá-la cem por cento. A Vida flui. A Vida se movimenta. Quando estacionar, já não existirá aí a Vida. Portanto, basta fazer com que a Vida se movimente e trabalhe que já estaremos recebendo infinitamente as provisões necessárias, tornando-nos ricos e saudáveis. Não somos, absolutamente, pobres nem doentios. Mas são muitas as pessoas que não conseguem viver com naturalidade. Mesmo pessoas sábias, às vezes, não conseguem viver com naturalidade. Até mesmo uma pessoa pura como São Francisco não conseguiu aceitar a Vida tal como é e vivificá-la. Ele pensou que não teria valor se não fosse diferente dos demais, se não vivesse na pobreza. Eu também passei por isso. Escrevi detalhadamente a respeito do modo como venci e transcendi essa época (volume 19 de A Verdade da Vida). O ser humano deve transcender e se livrar também do estado de espírito que considera a pobreza louvável.

Por outro lado, há pessoas que pensam que só terão valor se ficarem ricos. Os dois modos de pensar estão errados. O ser humano não precisa ser pobre nem rico para ter valor. Sendo naturalmente o que ele é, já tem valor, porque o homem é filho de Deus. Só aquele que consegue se contentar por ser exatamente como é compreendeu a Imagem Verdadeira do homem que tal como é, é filho de Deus. Ser exatamente como é não significa ficar inerte, porque a Vida sem ação não está no seu estado natural. A Vida é ação, portanto quando nos submetemos ao estado natural da Vida, que é movimento e trabalho, passamos a nos movimentar e trabalhar espontaneamente.

Se a pessoa pensar que manter-se de modo natural seja ficar quieta e esforçar-se para ficar imóvel, no exato momento em que tomou essa postura já perdeu a naturalidade. Ocorrendo essa perda da naturalidade, essa postura não terá nenhum valor, porque já não manifestará o filho de Deus, tal qual é. A pessoa manifestará deslumbrantemente o valor infinito do filho de Deus, quando, sem qualquer ato intencional, tornar-se absolutamente natural, manifestando, tal qual a Vida original, o caráter original. Esse brilho do filho de Deus é a Vida tal qual ela é, a Vida no seu estado original, e é precioso – mesmo que não tenha qualquer ornamento externo, qualquer artifício nem providências próprias. Consequentemente, não precisará ser pobre nem rico. Poderá ter dinheiro como também não ter. Porém, ao adquirir esse estado mental, tudo que lhe for necessário passará a fluir naturalmente, como também, mesmo que não flua, não sentirá carência alguma e conseguirá contentar-se, aceitando com naturalidade a Vida, tal qual ela é.

Um monge em treinamento perguntou ao mestre Joshu: "Qual é o segredo do treinamento espiritual?", e este lhe indagou: "Já tomou a refeição matinal?". "Sim, já tomei", respondeu o monge, e Joshu lhe disse: "Então, lave a tigela". Diz-se que esse monge despertou nesse momento. Esse é o segredo do treinamento espiritual, ou seja, aceitar naturalmente o que é natural e vivificá-lo cem por cento com a força que possui agora. Com isso, passará a resplandecer a Vida no cotidiano normal da pessoa e manifestará o verdadeiro valor da Vida. Esse estado natural, a Vida originária, é a Imagem Verdadeira. Um iniciante poderá pensar que Imagem Verdadeira seja algo que está distante dele, mas está enganado. A Imagem Verdadeira está resplandecente dentro da naturalidade, da normalidade.


Do livro: A Verdade da Vida, volume 36; pp. 51-58

sexta-feira, julho 22, 2016

Só a Presença de Deus nos basta


- Joel S. Goldsmith -


O princípio de manter a unicidade consciente com Deus é eficaz em todas as atividades da vida.

Quando estou fazendo uma palestra ou conduzindo uma aula, vou a Deus para percebê-lo como sendo o EU que Sou. Quando medito, faço-o para perceber a presença de Deus, e, quando consigo isso, a presença de Deus me dá a mensagem.

Se eu tivesse de me dirigir a Deus para obter dele uma mensagem, eu o estaria fazendo tendo em vista um efeito, ou uma forma, e perderia a essência.

Na medida em que não busco uma mensagem, mas desejo apenas a presença de Deus, é a presença de Deus que falará e dará a mensagem que deve fluir através de mim.

Muito do que está em meus livros, eu mesmo não o sabia até que fluiu sozinho, e fui ensinado ao mesmo tempo que os alunos.

Não tenho nenhuma maneira de obter conhecimento, exceto na medida em que ele me vem por inspiração. Assim, a partir da experiência, aprendi a não querer mensagens, a não querer pacientes, a não querer alunos.

Só uma coisa quero e dela necessito: o sentimento e a consciência da presença de Deus, a consciência de minha unicidade para com Deus.

Deixem-me sentir que Deus está vivendo minha vida, e confiarei em mim mesmo para sair pelo mundo sem bolsa e sem documento, ou irei dar qualquer aula sem uma mensagem. Deixem-me apenas sentir que Deus está segurando a minha mão, que a presença de Deus está comigo, e, tal como Daniel, não temerei nem os leões – mas quereria ter certeza de ter Deus ali ao meu lado, caso contrário ficaria profundamente amedrontado por um gatinho inofensivo.

Se estabelecermos nosso contato consciente com Deus, nossa vida se realizará plenamente de acordo com o plano de Deus, não de acordo com o nosso esboço do que ela devesse ser, e o plano de Deus geralmente se revela muito melhor do que qualquer coisa que pudéssemos ter planejado.

Não existe essa coisa de poder pessoal, e aqueles que acreditam que exista acabam, mais cedo ou mais tarde, encontrando um poder maior do que eles próprios, e são, por vezes, vencidos por ele.

Até o apoiar-se em Deus para alguma coisa poder ser perigoso, porque, muitas e muitas vezes, não é em Deus que nos estamos apoiando, mas sim na ideia da nossa cabeça, uma crença, um conceito de Deus, e não podemos nos dar o luxo de apoiar-nos nisso.

A única coisa em que podemos apoiar-nos é no Nada: nada sabemos, nada podemos ver, ouvir, sentir, tocar ou cheirar. Nisso podemos nos apoiar. Quando estamos realmente apoiados em Deus, é como se houvesse nada para se nos apoiar, pois em Deus nada há que precise ser realizado, tudo já está feito.

Por isso, na verdade, não teremos de nos apoiar: estaremos descansando no Existir de Deus.

“Pois meus pensamentos não são teus, nem são teus os meus caminhos... Minha paz, dou-a a ti: não como a dá o mundo, dou-a a ti”

Os pensamentos de Deus e a paz de Deus transcendem a compreensão humana, mas só chegam à pessoa que fez a união consciente com Deus. Nessa união, todas as coisas aparecem no mundo exterior.


terça-feira, julho 19, 2016

Como abrir a Porta da Felicidade - 2/2

- Masaharu Taniguchi -


A coleta de relatos de experiência constitui ciência

Na Seicho-No-Ie costuma-se realizar relatos de experiência, ou seja, os adeptos que leram o livro A Verdade da Vida, por mim escrita, apreendem a Verdade absoluta (Shintai), passam a manifestar naturalmente essa Verdade na vida prática e narram oralmente o resultado obtido.

Como já afirmei anteriormente, toda ciência é produto do acúmulo de experiências. Não é possível existir ciência se não houver o registro das experiências realizadas por um cientista no seu laboratório. A descoberta da gravitação universal por Newton também foi possível graças à experiência que ele teve observando a queda de uma maçã. Se essa experiência fosse exclusivamente de Newton, a conclusão dele poderia ser falsa, mas outras pessoas também observaram o fato de corpos materiais sempre caírem e tornaram público o relatório de suas experiências. E, como todas as pessoas apresentaram relatórios semelhantes, a ciência estabeleceu que realmente existe a gravitação universal. Aliás, os corpos materiais nem sempre caem. Há exceções, pois materiais muito leves ou minúsculos como o pó sobem. E esse é um fato que tem a devida explicação. Em todo caso, a gravitação universal foi confirmada.

Nem todas as pessoas que leram A Verdade da Vida curaram-se das doenças. Há casos em que não ocorre a cura. Contudo, uma vez que existem inúmeros relatos de curas comprovadas de doenças, o fato da ocorrência de cura pela leitura de A Verdade da Vida deve ser confirmado, da mesma forma que, apesar de haverem materiais como o algodão e a poeira que sobem ao invés de caírem, foi confirmado, por princípio, que os corpos materiais caem.

Pode ser que haja entre os leitores alguém que não queira relatar sua experiência, achando seu caso insignificante, apesar de ter recebido graças e estar agradecido por isso. Entretanto, a coleta de registro de experiências oferece fatos científicos de suma importância que comprovam a Verdade experienciada no "laboratório da vida", em que a pessoa que apreendeu a Shintai, ou seja, a Verdade absoluta, realizou de tal modo a setai (manifestação da Verdade na vida prática). Se é valioso o registro da experiência em que se obteve água ao juntar oxigênio e hidrogênio, é bem mais importante a apresentação de relato de experiência em que se obteve determinado resultado quando se acrescentou ao homem a Imagem Verdadeira da Vida.


O mundo fenomênico é projeção da imagem desenhada na mente

Se, por meio das experiências dos leitores, for comprovado que, ao tomar ciência clara da provisão infinita de Deus, a pessoa ordena naturalmente os seus atos, passa a merecer a simpatia dos demais e tem no mundo material a manifestação da provisão infinita, isso passará a ser uma comprovação científica. Não significa que uma conclusão científica deva se limitar apenas a registros de experiências de algo visível, de coisas materiais. Mesmo se tratando de componentes invisíveis, de componentes mentais, quando forem acumuladas experiências e descoberta uma lei imutável regendo-os, conclui-se que é uma lei da ciência mental.

A Seicho-No-Ie denomina essa lei da ciência mental de lei mental. Usando termos religiosos, essa lei é expressa com as palavras de Sakyamuni "Os três mundos são projeções da mente" e com as de Cristo "A tua fé te salvou". As palavras "A tua fé te salvou" significam que, por intermédio de Cristo, foi despertada a fé da pessoa doente e ela se curou devido ao poder dessa fé. A doença, porém, nem sempre se manifesta no corpo carnal. A falta de dinheiro também é uma doença financeira, e há quem tenha dado o nome de "mal de carência monetária".

Diz-se doença ao estado em que a Vida não está atuando de modo perfeito. Se a Vida passar a se manifestar no mundo econômico de modo perfeito, sem qualquer defeito, desaparecerão as deficiências financeiras, ou seja, a pobreza. Se o mundo econômico não se desenrola de modo plenamente livre, é sinal de que a Vida não está atuando nele de modo perfeito e, portanto, é uma espécie de doença. Se compreendermos que a pobreza é uma doença, teremos de encontrar, nós mesmos, o modo de curá-la. Em suma, quando a Vida começa a trabalhar com vivacidade e a mente passa a atuar com toda a liberdade, surge em nossa mente a sabedoria capaz de discernir, sem erro algum, os acontecimentos, e a situação financeira melhorará naturalmente.

Se eu afirmo que a mente se torna plenamente livre, pode haver quem diga "Onde está essa mente? Gostaria de pegar essa mente e fazer com que ela trabalhe livremente". Pode ser que os senhores estejam pensando que a mente se encontra dentro da nossa cabeça e digam: "A cabeça fica ruim quando enfraquece a atuação da mente"; "A cabeça fica boa ou passa a funcionar de forma extraordinária quando melhora a atuação da mente da pessoa". Também em relação ao ganho de dinheiro, costuma-se pensar que a situação financeira melhora quando a cabeça funciona harmoniosamente e a pessoa trabalha com afinco, sem cometer nenhuma falha. Esse pensamento faz parte do senso comum.

Entretanto, se nos restringirmos a esse pensamento, não encontraremos explicação para o caso ocorrido com o sr. Ishibashi. Para que casos desse gênero tenham uma explicação lógica, é preciso libertar-nos do conceito materialista de que a mente seja produto da atuação química no cérebro humano.

"Onde está a mente?" – este é o maior enigma religioso, e ainda não houve quem indicasse com exatidão onde se encontra a mente. O médico, sem dúvida, reconhece que a função mental se manifesta do cérebro. Mas ele não diz, com certeza, que a mente se encontra no cérebro. Mesmo que ache que a mente esteja no cérebro e a procure retalhando o mesmo, não a encontrará em parte alguma. Então, não há prova de que a mente se encontra no cérebro.

Antigamente, as pessoas achavam que a mente se encontrava no ventre e praticavam o seppuku (prática de suicídio cortando a barriga) para demonstrar que possuíam a mente pura. Ainda hoje há quem pense que a mente se encontre na barriga, pois costuma-se dizer "A barriga daquela pessoa é negra" ou "Ela tem barriga limpa". Com o passar do tempo, o local onde se encontra a mente veio se elevando e começaram a dizer "Tudo está no meu peito". Ultimamente, do peito subiu para a cabeça, e concluíram que a mente se encontra na cabeça.

Entretanto, se a mente não se encontra nem mesmo na cabeça, deduz-se que não está em parte alguma do corpo carnal, e sim no céu, no espaço. Não há dúvida de que a nossa mente não se encontra no ventre, no peito nem na cabeça. Não se encontra dentro nem fora. Na sutra Vimalakirti consta "A mente não mora dentro, fora, nem no meio". Então, onde se encontra a mente? Ela se encontra em toda parte. A mente está em todo lugar e está manifestando todas as coisas. A função da mente que se manifesta do nosso cérebro é apenas parcial, pois, na verdade, a mente se encontra em toda parte, preenche o Universo, e essa é a mente verdadeira, a mente global. E essa mente global é a Vida de Deus. Essa Vida de Deus se projeta no cérebro de cada pessoa e nele revela o brilho da mente. Essa é a mente individual, e quem projeta nela de modo perfeito a mente global, a Mente de Deus, está com a mente próxima de Deus. A Mente de Deus se projeta no sistema cerebral, nas experiências da vida da pessoa e, ao se projetar, gera feixes de luz ou se refrata e se manifesta no mundo exterior em forma de função mental. Por isso, a mente de cada indivíduo é igualmente projeção da Mente de Deus, mas possui personalidade, talento e capacidades diferenciadas.

Isso é o mesmo que um feixe de luz solar se manifestar de diversas cores conforme o ângulo da refração do prisma, porque difere a dispersão dessa luz. A função mental de cada indivíduo pode ser comparada a um feixe de luz incolor do Sol que se manifesta em diversas cores, formando um arco-íris, quando incide através do prisma. Se quebrar o prisma triangular de vidro, desaparecerão os raios de luz colorida, ou seja, o arco-íris. Contudo, os raios solares continuarão existindo, sem se extinguirem. Portanto, é infundado o argumento de que a mente se encontra no cérebro, porque, destruindo o nosso cérebro (que seria o prisma), a mente deixa de se manifestar. Seguindo esse raciocínio, se desaparece o arco-íris quando se destrói o prisma, conclui-se que o arco-íris está no prisma, e não no Sol. Todos sabem, porém, que a origem das sete cores do arco-íris está no sol, e não no prisma. Do mesmo modo, a fonte da mente individual que se manifesta em diversas formas está na Mente imanente no céu e na terra, ou seja, na Mente de Deus, e não no cérebro de cada indivíduo. O cérebro individual apenas traspassa, refrata e reflete a mente global.

Portanto, a Mente imanente do Universo, a mente global ainda não dividida em indivíduos, não se encontra nem dentro nem fora do nosso corpo. Ela está em toda parte, como uma existência comum a todos os homens e a todas as coisas. Como a mente é algo imanente no universo e interligado na origem, quando um indivíduo se conscientiza da provisão infinita, assim como relatou há pouco o sr. Ishibashi, manifesta-se essa provisão infinita no mundo concreto, refletindo, na intensidade dessa conscientização, a Mente imanente no Universo, a Mente de Deus.

Ele não recebeu a provisão infinita  porque escreveu essas palavras numa grande folha de papel. O tamanho da folha de papel não entra em questão. Apenas, no caso dele, a intensidade da conscientização se refletiu nesse ato e fez com que ele escrevesse "Provisão infinita" numa folha de papel e colasse na parede. Se a conscientização fosse intensa, não haveria necessidade de escrevê-la no papel e afixá-la na parede, mas esse ato teve efeito semelhante ao de um grande anúncio de remédio (estampado na página de um jornal) que estimula as pessoas a pensarem que é um medicamento eficaz, e que ingerindo-o com essa convicção obtém-se a cura. O tamanho do anúncio, ou seja, o tamanho da folha de papel é uma estratégia para incitar a crença no produto e a cura é uma consequência dessa crença.

"A tua fé te curou" – isso também é consequência da crença. Portanto, quando você acreditar "Deus é a fonte da provisão infinita, e, sendo eu filho de Deus, terei provisão infinita" e assim agir, essa crença sintonizará com a Mente imanente no universo e, tal qual ondas de rádio, entrará em contato com a mente de alguém conhecido deste mundo. E, esse conhecido, que captou essas ondas mentais, sentirá vontade inexplicável de mandar dinheiro a você. É por essa razão que, vez ou outra, nos lembramos repentinamente de um velho conhecido e temos vontade de enviar-lhe algo, sentindo por estarmos em falta com ele.

No caso relatado pelo sr. Ishibashi, quando ele passou a pensar "Deus é provisão infinita", suscitou na mente de um amigo seu o desejo de dar-lhe 500 ienes como pagamento por sua colaboração na compilação de dados para o registro da história da terra natal dele. Então, onde se encontra a origem dessa mente? Não se encontra na mente de A nem de B. A Mente imanente no Universo, que liga a mente de A com a de B, serve de veículo, de intermediário, e vai se comunicando em forma de onda. Daí ocorre sintonia mental e B fica com vontade de dar a A algo que ele necessite. Portanto, mesmo que seja uma só pessoa, quando se pensa com a mente verdadeiramente entregue à Mente imanente no Universo, seu pensamento tem grande força.

Diz-se que Shinran afirmou: "Se pensa que está sozinho, pense que está em dois. Essa outra pessoa é Shinran". Na Verdade, essa outra pessoa não é Shinran, mas a Mente imanente no Universo. Quando pensamos, pensamos junto com a Mente imanente no Universo. Aquilo que o filho de Deus pensa é o pensamento de Deus-Pai. Aquilo que pensamos, a Mente imanente no Universo pensa conosco. Quando as pessoas pensam e falam, estão pensando e falando junto com as ondas da rádio mental da Mente imanente no Universo. A força criadora imanente no Universo atua exatamente conforme o nosso pensamento e as palavras por nós emitidas. Essas ondas mentais entram em sintonia com a pessoa adequada para ser o receptor. Desse modo, o nosso pensamento é extremamente importante.

Tanto a força da Meditação Shinsokan quanto a oração são forças do nosso pensamento, e dizemos que captamos ondas espirituais de luz. A maneira como funciona isso já foi comprovada por meio dos resultados obtidos pela cura a distância que efetuamos a numerosas pessoas, como também se manifestou em forma de um misterioso acontecimento na batalha de Shangai* (relato registrado no volume 3 de A Verdade da Vida) e como função criadora da provisão infinita experienciada pelo sr. Ishibashi.

A provisão infinita já nos foi dada, a todos nós, e está aqui, bem perto de nós. Basta abrirmos a "torneira". O primeiro procedimento para abrirmos essa "torneira" é utilizarmos a força do pensamento. A força dos pensamentos gera a força da palavra, que por sua vez se manifesta em forma de força da ação, concretizando o pensamento. A origem de tudo está na força do pensamento. O pensamento possui grande força criadora, porque, quando pensamos em algo, pensamos junto com Deus. Deus também pensa naquilo que pensamos. Por isso, entre as Palavras de Sabedoria, há a que diz: "Entregue a Deus os teus padecimentos". Despertar para a Shintai (Verdade absoluta) é entregar-se a Deus, confiar em Deus e tornar-se um com Ele. Compreendendo a Shintai ordena-se a setai; compreendendo a Verdade, recebemos graças neste mundo. Receber graças não é fruto de crendice nem de heresia. É fato que acompanha o verdadeiro despertar.


Do livro: "A Verdade da Vida, volume 36", pp. 20-29

domingo, julho 17, 2016

Como abrir a Porta da Felicidade - 1/2

- Masaharu Taniguchi - 


"Os semelhantes se atraem" – esta é a lei que atrai a felicidade. Diz o budismo que os três mundos (mundo fenomênico) são projeções da mente, e o cristianismo diz "Seja-te feito conforme creste"(Mateus 8:13). A seita Konko diz: "A graça está na minha mente", e a seita Kurozumi, "A mente do outro é um espelho que reflete a minha mente". O povo diz: "Onde há risos, vem a felicidade"; "O marimbondo pica o rosto de quem chora". Tudo se refere à lei "Os semelhantes se atraem". Significa que "Quem chor atrai marimbondo" e "quem sorri atrai felicidade".

Agora há pouco, o sr. Ishibashi relatou uma misteriosa ocorrência em sua vida, dizendo que, ao escrever numa pequena folha de papel o seu próprio nome acompanhado de "Provisão infinita", recebeu pouco dinheiro, mas ao escrever isso numa grande folha de papel recebeu grande soma de dinheiro.

Ouvindo isso, poderão pensar que o ato de escrever um pedido acrescentando o próprio nome seja a fonte da provisão infinita, mas não se trata disso. Mesmo que não se escreva no papel, Deus já nos concedeu a provisão infinita, desde o princípio, mas, ao escrevê-la claramente num papel, ela manifestou-se concretamente porque foi nitidamente desenhada na mente. Esse ato teve a função de captar vibrações semelhantes e, assim, atuou a lei da manifestação fenomênica "Os semelhantes se atraem".

Mesmo sem escrever no papel, um desejo mentalizado com intensidade e clareza se manifesta. Jesus Cristo se referiu a isso dizendo: "Tudo o que pedirdes na oração, credes que o haveis de conseguir, e o obtereis" (Marcos 11:24). A oração concretiza o desejo porque tem a função de desenhá-lo bem nítido na mente.

Oremos ou não, já nos foi concedida a provisão. Assim como a água sai ao abrir a torneira, a provisão de Deus já está aqui. A oração, que é o ato de desenhar bem claro na mente a provisão desejada, tem a função de abrir a "torneira". Então, a questão de como abrir com eficácia essa "torneira" e fazer jorrar a provisão infinita de Deus torna-se importante para levar uma vida feliz no mundo fenomênico. Basta conseguirmos fazer isso com destreza que o mundo onde vivemos será naturalmente um mundo de provisão infinita, sem doença nem infelicidades, e a Terra será naturalmente um paraíso.

A Seicho-No-Ie pesquisou a forma como manifestar neste mundo a provisão infinita da felicidade que nos foi concedida por Deus e divulga esse método. Publicamos isso na coletânea A Verdade da Vida, e os leitores que o colocaram em prática constataram "Realmente, funcionou".

Dentre as provisões infinitas, existem provisão infinita de dinheiro, de trabalho, como também de Vida, de Sabedoria, enfim de todas as espécies. E, como somos filhos de Deus, Ele já nos concedeu tudo. Se conseguimos usufruir ou não isso, depende unicamente do modo de abrir a porta da Imagem Verdadeira.

Para abrir uma porta, é preciso que a chave esteja de acordo com a respectiva fechadura. Há necessidade de a chave e a fechadura serem semelhantes. Para manifestar concretamente a Imagem Verdadeira da provisão infinita já concedida a nós, é preciso usar a chave que tem a mesma forma da Imagem Verdadeira, ou seja, suscitar pensamentos semelhantes à Imagem Verdadeira. Por mais que a pessoa use belas palavras, se tem dificuldade financeira ou desarmonia familiar e se seu mundo fenomênico não está em ordem, é prova de que sua mente não tomou a forma da chave que abre a porta da Imagem Verdadeira, ou seja, não alcançou o despertar espiritual.


SHINTAI E SETAI

O budismo se refere à Imagem Verdadeira com o termo Verdade primeira ou Shintai (Verdade absoluta). E usa o termo setai (verdade mundanal) em referência à manifestação no mundo fenomênico da paz e da felicidade, obtendo a cura de doenças e a provisão infinita. Diz-se que se realizou setai quando a Verdade se manifesta na vida de pessoas comuns. No mundo existem pessoas que consideram nobre apenas a Shintai, a Verdade absoluta, desprezando o segundo nível da Verdade que é a setai. Não obstante, tomam refeições diariamente. E isso faz parte da setai. Se é possível realizar normalmente a setai, significa que a forma da chave mental está de acordo com as linguetas da fechadura do cofre de tesouros da Imagem Verdadeira.

Mesmo que alguém convenceu os pais com argumentos, se esquecer-se do dever filial, causar incômodo a eles e achar isso algo natural, como também não ter dinheiro para pagar as contas, é prova de que a chave da mente não está de acordo com a fechadura da porta da Imagem Verdadeira.

Todos nós, seres humanos, somos filhos de Deus no âmbito da Imagem Verdadeira e donos do cofre da provisão infinita na qualidade de herdeiros do infinitamente rico Deus. Apesar disso, se não conseguimos abrir esse cofre, significa que ainda não nos tornamos pessoas adultas e independentes. A realização da setai consiste em como conseguir manifestar neste mundo a provisão infinita e, para isso, a chave que abre o cofre da provisão infinita deve ter a forma adequada. Por isso, o monge zen-budista Jyoshu disse: "Após a refeição, lave a tigela que usou". Não se pode admitir a postura de quem está sendo sustentado pelos ensinamentos e deixa a tigela do pai suja de areia, alegando que já está se sustentando sozinho.

O budismo expressa a realização da setai com as palavras: "Os três mundos são projeções da mente". Na Sutra Avatamska consta: "A mente é semelhante a um hábil desenhista. Nada há que possa criar. Tudo se cria desenhando-o na mente". Isso se refere a setai, ao mundo fenomênico que se transforma. Estou falando do ensinamento budista, mas em todas as religiões existem a Shintai (Verdade absoluta) e a setai (verdade mundanal / relativa). Quando se apreende a Shintai, realiza-se naturalmente a setai.

Existe a expressão "Höni jinen" que expressa o aspecto da Shintai (Verdade) se revelando de modo natural no mundo fenomênico. É um erro pensar que Shintai e setai são duas coisas distintas. Quando se desperta para a Shintai, ordena-se naturalmente a setai. Não há necessidade de repudiar a parte de setai, ou seja, as graças fenomênicas, dizendo que isso é crendice ou fé interesseira.

Existem muitas pessoas que repudiam a busca de benefícios fenomênicos através da religião, mas é fato que, na vida prática, todos os homens anseiam por esses benefícios. Acordamos de manhã e lavamos o rosto – isso já significa que já estamos usufruindo dos benefícios deste mundo. Depois, tomamos uma refeição. Isso também é um benefício mundanal. Fazemos as necessidades fisiológicas, e isso não deixa de ser um benefício fenomênico. Assim, estamos todos os dias usufruindo esses benefícios. É a Verdade que se manifesta e lava o rosto, toma a refeição e faz a necessidade fisiológica. Tudo é manifestação da Grande Verdade que preenche o Universo. Sendo tudo manifestação da própria Verdade, diz-se Höni Jinen. O fato de o pé de chorão ser verde, e a flor, vermelha, também é manifestação da Grande Verdade.

Afirmando isso, pode haver quem pergunte: "Faz parte também da Grande Verdade o inadimplente ou o ingrato que desonra o benfeitor?". A resposta é negativa, pois essas atitudes seriam manifestações da pequena verdade. Algo foi reduzido da Grande Verdade. Não sendo manifestação natural da própria Verdade, mas uma manifestação imperfeita, onde a Verdade está sendo ocultada pela ilusão, é uma atitude incorreta. Uma vida iluminada deve ser aquela em que a Verdade absoluta e a Verdade mundanal estejam firmemente unidas, como se fossem o verso e o anverso de uma moeda. Se a vida da pessoa não está manifestando a própria Verdade, estando a setai firmemente colada no verso da Shintai, significa que ela está ocultando a Verdade em alguma parte e encobrindo a Imagem Verdadeira. Se da torneira não sai muita água, apesar de a água estar vindo de um reservatório inesgotável, é porque a pessoa não a abriu de modo suficiente. De modo similar, na vida dessa pessoa há alguma parte que não está aberta totalmente. A Seicho-No-Ie ensina a maneira de abrir corretamente essa torneira do reservatório inesgotável de água.


(Do livro: A Verdade da Vida, volume 36, pp. 15-20)

quinta-feira, julho 14, 2016

As nossas obras não somos nós quem as realizamos

 - Masaharu Taniguchi - 


Muitas vezes ficamos indignados dizendo "Estou ajudando tanto aquela pessoa, mas ela não reconhece isso e está sendo ingrata comigo". Não há dúvida de que é errado uma pessoa que recebe ajuda não sentir gratidão por isso, mas também é errado quem presta auxílio pensar que conseguiu ajudá-la com a própria força. Nada há neste mundo que seja possível fazer com a nossa própria força. Até o fato de estarmos vivendo aqui não depende da nossa força. Nós vivemos recebendo auxílio de diversas forças. Vivemos graças ao trabalho dos lavradores, dos cerealistas, dos operários das indústrias de fiação, como também dos tecelões. Estamos recebendo auxílio de todo o Universo e da força que o sustenta. E nós somos seres que vivem graças à união dessas diversas forças. E nós somos nobres, justamente por estarmos sendo vivificados por essas diversas forças. Essa força é nossa e, ao mesmo tempo, não é nossa. A nossa força é semelhante a um diamante que se formou com a junção de todas as forças do Universo.

No mundo existe algo chamado tesouro nacional, que é bem mais importante do que o tesouro de cada indivíduo. Entretanto, a nossa força vital é bem mais valiosa do que o tesouro nacional. Podemos dizer que é um tesouro universal. Sendo um tesouro universal, é muito natural que exista para o bem de todo o Universo e que trabalhe em benefício de todos. A força que nos permite trabalhar é nossa e, ao mesmo tempo, não é nossa - ela é sustentada pela força global. Aquilo que está sendo sustentado pela força global trabalha para o bem global. É uma crendice apegada a formas exteriores afirmar que "Eu ofereci a ele", "Eu fiz para ele". Na verdade, nada fizemos para o outro.

Uma oração xintoísta diz "Ame no mikage, hi no mikage to kakurimashite". Isso significa que tudo existe graças ao céu e a terra, graças ao Espírito universal, e que nada foi feito com a nossa força. Se compreendermos verdadeiramente que nada foi feito com a nossa força, não ficaremos indignados pensando "Fiz por ele, mas ele foi ingrato comigo". Assim, o mundo ficará em paz.

Também na oração xintoísta consta que reinará a paz se considerarmos que tudo existe graças ao céu e a terra, graças ao Espírito universal, e nada reconhecermos como sendo o nosso mérito. E na sutra budista consta que o verdadeiro trabalho de um bodisatva é ser misericordioso com os demais, cônscio de que não existe misericórdia nem o eu que foi misericordioso com alguém. Jesus Cristo também disse: "O Pai, que está em mim, é quem faz as obras" e jamais considerou que ele próprio tivesse feito algo. Desse modo, todos os ensinamentos, tanto do xintoísmo, do budismo quanto do cristianismo, são idênticos na essência. À primeira vista, é algo muito louvável ser misericordioso com os demais, mas de nada adiantará se depois ficar indignado, conturbando a mente, justamente por ter sido misericordioso. Estará, ao contrário, cometendo pecado se assim macular o Universo com vibrações conturbadas da sua mente.

Portanto, o que quer que façamos aos demais, devemos ter a consciência de que não somos nós que fazemos, mas sim uma obra da mão sagrada que move todo o Universo. Desse modo, por mais ingrata que seja a atitude do outro, jamais ficaremos chateados ou indignados.

O fundamental para não ficarmos irados é anularmos este pequeno eu e nos conscientizarmos do Eu que está unido a Deus, do Eu que é um com o Universo. Para isso, na Seicho-No-Ie realiza-se a Meditação Shinsokan, uma prática que une o nosso eu com Deus, não sendo o nosso objetivo apenas a cura de doenças. O que quer que façamos, ficaremos indignados se manifestarmos a ilusão "Eu fiz". Simultaneamente, acontece o mesmo no caso de outra pessoa cometer algo contra nós. Ficaremos indignados se pensarmos "Fulano fez essa desfeita contra mim". Entretanto, deixaremos de nos indignar se compreendermos "O Fulano não está vivendo com a força dele. Está sendo vivificado pela força global e se movimenta por meio dessa força global". Se pensarmos "Sicrano bateu em minha cabeça", ficaremos com raiva, mas, se considerarmos que "Atuou a força de todo o Universo e bateu em minha cabeça", não haverá como ficarmos irritados. Não há alternativa senão refletirmos. "Certamente fiz algo inconveniente em relação a todo o Universo". Se assim se revelar em nós a Sabedoria de Deus e compreendermos a Verdade de que todo o Universo, ele e eu somos um só corpo, a nossa mente se tornará extremamente livre, e deixaremos de ser escravos da ira.

Certa vez escrevi na revista Seicho-No-Ie que, quando se sente raiva, isso ocorre devido ao temor. O temor em outras palavras é uma falsa crença, porque, pela visão da Verdade, todo o Universo e eu somos um só corpo e é impossível alguém nos prejudicar. Quando estamos perdidos na ilusão, pensamos que alguém nos prejudicou se sofremos por algum motivo, mas refletindo depois compreendemos "Existe o eu de hoje justamente porque passei por tal sofrimento naquela ocasião". Aquilo que pareceu nos causar o maior dano estava, ao contrário, sendo o maior benefício para nós. Quanto maior o sofrimento, maior será o progresso da alma. E, vencendo esse estado mental de sofrimento, conseguiremos viver numa circunstância em que teremos progresso sem sofrer.

A lei mental da Seicho-No-Ie dita que "Semelhante trai semelhante". Portanto, se houver em nós a mente que julga, seremos também julgados pelos outros. Se houver em nós a mente que odeia, seremos odiados pelos outros. Se formos avarentos, os outros também o serão perante nós. E por que as pessoas ao nosso redor se manifestam da mesma forma que somos nós? Devido à misericórdia de Deus. Assim como não enxergamos os nossos próprios globos oculares, quando estamos julgando ou odiando os demais, ou sendo avarentos, não percebemos o que isso causa a eles. Então, da mesma forma que miramos no espelho para ver nosso rosto, para sabermos que tipo de efeito mental estamos causando aos demais, temos ao nosso redor pessoas que nos julgam ou nos odeiam do mesmo modo que julgamos e odiamos os outros; e experimentamos na carne o efeito que isso estava causando aos demais. 

Compreendendo através da nossa própria experiência o que estávamos causando aos outros, decidimos não mais tratá-los daquela forma má. Compreendermos nosso estado mental negativo e nos aproximarmos da natureza divina ainda mais superior - este é o verdadeiro crescimento, o verdadeiro progresso moral. Não se obtém o verdadeiro crescimento, o verdadeiro progresso, por meio de algo imposto de fora, mas por meio da livre vontade. A misericórdia de Deus manifesta ao nosso redor situações e circuntâncias semelhantes ao nosso estado mental, para despertar em nós essa livre vontade de progredir e crescer. Portanto "Semelhante atrai semelhante" é uma lei e também misericórdia. Percebemos com isso que Deus, além de Lei é simultaneamente Lei e Amor.


Do livro: "A Verdade da Vida, vol. 36"

terça-feira, julho 12, 2016

Passos no desenvolvimento da Consciência espiritual

- Joel S. Goldsmith -


Quando o estudante deste caminho se põe sob a orientação de um Instrutor, é-lhe ensinado que o primeiro e importante passo que deve dar, é o do RECONHECIMENTO CONSCIENTE do governo de Deus; é submeter-se, sincera e voluntariamente à orientação do Divino interno, como Sua Lei e Substância. Deve praticar diariamente a conscientização da Presença interna, recordando-se constantemente dela como inspiração e ajuda; como poder que supera qualquer problema ou desafio na vida exterior.

Com esta prática ele chegará à firme convicção do que disse o Mestre: “Eu venci o mundo”. Que desejou o Mestre significar com isto? Que havia alcançado um alto nível de consciência, onde não mais podia ser afetado pela “consciência da massa”, ou leis mentais e materiais. O comportamento dos governos, a segurança do mundo, o clima, as flutuações econômicas, os alimentos, as crenças reinantes, os eventos todos — nada disso já o podia afetar. Ele havia atingido tal alto nível de consciência que lá só podiam funcionar as leis espirituais.

Os primeiros passos para o alcance desse elevado estado de consciência são:

a) o reconhecimento da Presença interna;
b) o reconhecimento de que esse Espírito interno é o único poder, a única Lei e a única Realidade.


Desde manhã, através do dia, até à noite, somos bombardeados pelas crenças mundanas em poderes materiais, mentais e legais. Devemos estar alertas para não nos deixarmos afetar por elas. Cada um de nós deve conquistar algum grau de reconhecimento de que o único poder real é o espiritual: a Lei, a Vida espiritual, onipresente. As leis materiais e mentais não têm poder – a não ser o poder que lhes damos quando nelas acreditamos. Eis a Verdade que liberta o homem das restrições deste mundo. Este é o principio básico; a serena e firme convicção a que devemos chegar:

"o poder espiritual é a única realidade!"

Deste modo podemos começar a compreender, ainda que em pequena medida, o que disse o Mestre: “Levanta-te, toma o teu leito e anda!” “Estende a tua mão!” Jesus quis dizer: Qual poder poderia existir fora de Deus? Há outro poder que não seja Deus? O erro será um poder? Ou a doença? Ou o dinheiro? Será que existe realmente um poder fora de Deus e de seu amoroso governo?

Gradual e seguramente, também chegaremos àquele ponto em que diremos: “Levanta-te, toma o teu leito e anda!” – porque aquilo que reconhecíamos como poder ou limitação, fora de nós (em virtude de nossas crenças em dois poderes: o bem e o mal) – já não representam poder e nem limitação para nós. Enquanto aceitamos dois poderes, ficamos sujeitos a eles. Logo, o primeiro passo de realização que devemos fortalecer, é de que há somente uma Presença e um Poder internos, que governam nossa vida e circunstanciais. E esse poder é espiritual. Essa Lei é espiritual. Essa atividade é espiritual. Tudo o mais é desprovido de poder, de presença, de continuidade, de causa e de efeito – porque não tem lei que o sustente. A única Lei é Deus e Deus é amor!