sexta-feira, maio 29, 2015

A Divindade e a experiência

- Mooji -


Pergunta: "Mooji, se somos Seres Divinos, então por que temos que sofrer, e esquecer por completo?"

Mooji: "Alguns seres humanos parecem ter esquecido tão completamente que não tem nenhum interesse, em absoluto. Eu mesmo, em um tempo, não estava interessado em despertar. Não me interessavam estes tipos de coisas, tinha outros interesses, mas não nisto. Então, de onde veio este interesse? Então da mesma maneira em que surgiu dentro do meu coração, e de alguma forma chegou ao lugar em que se encontra agora, que há paz dentro de mim, em meu coração, paz em minha mente, não a paz gerada por algo, nem sequer tem uma razão.

É simplesmente Paz, alegria, silêncio e espaço.

Como isso chegou a alguém tão comum como eu? Por isso, vejo que deve ser possível a todos, porque não me sinto mais especial que ninguém. Alguém pode parecer completamente desinteressado e até mentalmente obscurecido, e sua vida pode mudar. Pode chegar a uma plena compreensão, ou a um completo despertar dentro de si mesmo.

Este é o Milagre, de fato.

É uma transformação orgânica, ou um giro, sem poder dizer sua causa.Mas não é que algumas pessoas têm sorte e outras não. Aqueles que sentem que chegou o momento de começar a descobrir, começam a sentir-se diferentes, se sentem atraídos, e começam a olhar para os livros espirituais, não querem mais livros românticos.

Querem saber sobre Buda. Se você quer dar-lhe um livro de viagem, eles não querem, o que desejam é saber o que o Buda disse sobre essas coisas.

O que o leva a pensar desta maneira? Não sabemos. Simplesmente esta atração floresce dentro de teu coração, e se começa a pensar diferente. 

No sonho da vida tem que existir estes opostos: como esquecer e lembrar. Se nunca se sentiu ódio ou tristeza, não se saberia o que é o Amor ou a Felicidade. Aprendemos através dos opostos, de alguma maneira. Então, se estivéssemos, como dizes: ‘todos despertos e divinos’, não saberíamos o que é Despertar. Não saberíamos o que é a Divindade, não saberíamos absolutamente nada, de fato, no estado original, não sabemos absolutamente nada, porque não há nada mais que saber. Quando tu estás completo em tua harmonia natural tu não sabes absolutamente nada.

O que há para saber?

Qual é a razão para saber algo? Estás em completa Alegria. Quando você está feliz, você não quer saber nada, você simplesmente está feliz, não é? Mas quando você está triste você quer saber muitas coisas.

Quando estamos em um estado de sofrimento e dor, algo assim, então surge esta pergunta: Porque devemos sofrer desta maneira?Quando estamos nos divertindo, nós não fazemos esta pergunta. Estamos suficientemente contentes para continuar nos divertindo. Mas quando se sofre, sente dor ou perda, ou tem uma profunda ferida emocional.

Aí surgem estas perguntas: ‘o que é esta vida’?, ‘porque estamos aqui’? Este gosto pela experiência é parte do que poderíamos chamar “a Obra Divina”.

Nós amamos experimentar, amamos o contraste, amamos também a incerteza da experiência, amamos os altos e os baixos da experiência, amamos tudo isso. É parte do Jogo e da Obra: O gosto por experimentar."




quarta-feira, maio 27, 2015

Vendo a partir da real perspectiva

- Sri Nisargadatta Maharaj -

Visitante: Meu filho único morreu há alguns dias em um acidente de carro, e eu achei quase impossível aceitar sua morte com uma coragem filosófica. Sei que não... sou a primeira pessoa a sofrer tal perda. Também sei que cada um de nós terá que morrer algum dia. Tenho buscado alívio em minha mente recorrendo a todos os truques usuais pelos quais nos consolamos uns aos outros em tais situações. E, ainda assim, volto ao fato trágico de que um destino cruel privou de tudo o meu filho, na flor da juventude. Por quê? Por quê? Pergunto-me todo o tempo. Mestre, não posso superar minha dor.

Maharaj: (Depois de meditar por um minuto ou mais, com os olhos fechados) É inútil e fútil dizer que eu estou aflito, pois, na ausência do ‘eu’ (de ‘mim’ como um indivíduo) não há ‘outros’, e me vejo refletido em todos vocês. Obviamente, você não veio a mim buscando mera simpatia, a qual você deve ter recebido em abundância de seus parentes e amigos. Lembre-se, vai-se pela vida, ano após ano, apreciando os prazeres habituais e sofrendo as dores normais, mas sem nunca ver a vida uma vez sequer em sua verdadeira perspectiva. E o que seria esta verdadeira perspectiva? Seria isto: Não há nenhum ‘eu’, nenhum ‘você’; não podem existir tais entidades. Todo homem deverá entender isto e ter a coragem para viver sua vida com esta compreensão. Você tem esta coragem, meu amigo? Ou, você se dedicará inteiramente ao que você chama de seu pesar?

V: Maharaj, perdoe-me, não entendi inteiramente o que você disse, mas me sinto assustado e chocado. Você expôs a essência de meu ser, e o que você disse de forma tão resumida parece ser a regra de ouro para a vida. Por favor, poderia explicar com mais detalhes o que você disse? O que exatamente deverei fazer?

M: Fazer? Fazer? Absolutamente nada: Apenas veja o transitório como transitório, o irreal como irreal, o falso como falso, e você compreenderá sua verdadeira natureza. Você mencionou o seu pesar. Você já olhou para o ‘pesar’ face a face e tentou entender o que ele realmente é?

Perder alguém ou alguma coisa que você amou muito causará aflição. E, desde que a morte é a aniquilação total, com irrevogabilidade absoluta, a aflição causada por ela não será suavizada. Mas, mesmo uma esmagadora aflição não poderá durar muito, se você a analisar intelectualmente. O que é exatamente que o aflige? Volte para o início: você e sua esposa concordaram com alguém que teriam um filho – um corpo particular – e que ele teria um destino determinado? Não é um fato que a própria concepção foi um acaso? Que o feto tenha sobrevivido a muitos perigos no útero foi outro acaso. Que a criança era um menino foi outro acaso. Em outras palavras, o que você chamou seu ‘filho’ foi apenas um evento ocasional, um acontecimento sobre o qual você não teve qualquer controle em qualquer momento, e, agora, aquele evento chegou ao fim.

O que é exatamente que você lamenta? Lamenta acaso pelas poucas experiências agradáveis e pelas muitas outras desagradáveis que seu filho perdeu nos anos por vir? Ou, você está, real e verdadeiramente, lamentando pelos prazeres e amenidades que você não mais receberá dele? Lembre-se, tudo isto é do ponto de vista do falso! Acompanhou-me até aqui?

V: Estou assustado, e continuo abalado. Certamente, segui o que você disse. Apenas não entendi o que você quis dizer quando disse que tudo isto era do nível do falso?

M: Ah! Agora passaremos ao verdadeiro. Entenda, por favor, como verdadeiro, o fato de que você não é um indivíduo, uma ‘pessoa’. A pessoa, aquela que se pensa que se é, é apenas um produto da imaginação, e o ser é a vítima desta ilusão. A ‘pessoa’ não pode existir por si mesma. É o ser, a consciência, que erroneamente acredita que exista uma pessoa e que é consciente de sê-la. Mude seu ponto de vista. Não olhe o mundo como algo externo a você mesmo. Veja a pessoa que você imagina ser como uma parte do mundo – realmente um mundo de sonhos – o qual você percebe como uma aparência em sua consciência, e olhe para todo o espetáculo de fora. Lembre-se, você não é a mente, a qual não é senão o conteúdo da consciência. Enquanto você se identificar com o corpo-mente, será vulnerável à aflição e ao sofrimento. Fora da mente há apenas ser, não ser pai ou filho, isto ou aquilo

Você está além do tempo e do espaço, em contato com eles apenas no ponto do aqui e do agora, mas, de outra forma, é atemporal, ilimitado e invulnerável a qualquer experiência. Entenda isto e não se lamente mais. Uma vez que compreenda que não há nada no mundo que você possa ou necessite chamar seu próprio, você olhará para ele do exterior, como veria uma peça em um palco ou um filme sobre a tela, admirando e apreciando, talvez sofrendo, mas, no fundo, completamente impassível.

(Do livro: "Sinais do Absoluto".)


sexta-feira, maio 22, 2015

Perguntas e respostas sobre a Iluminação - 2/2



15. É possível fazer uma comparação do ensinamento budista com o célebre exemplo da caverna de Platão?

Uma analogia é algo limitado, útil somente até determinado ponto. Na analogia da caverna, Platão imagina seres que estão ao fundo de uma caverna e interpretam o mundo atrávés das sombras que a luz externa projeta na parede. Nenhum deles jamais saiu de lá.

O mundo do samsara, o mundo das ilusões em que vivemos, é assim: um mundo de sombras que interpretamos e nas quais vemos relações. Lá fora existe uma luminosidade pura que permite que tudo surja por meio de sombras.

Mas a luminosidade não são as sombras e as sombras não são a luminosidade. No entanto, estão tão ligadas que, sem a luminosidade, as sombras não existem, e sabemos que há luminosidade porque há sombras.

A vacuidade, o Vazio (o não manifesto, o incondicionado, o além de características) é, nesta analogia, a luminosidade. As sombras, as nossas percepções, as palavras os símbolos com que tentamos entender a luminosidade, através das interpretações que fazemos das sombras.

Não admira que seja tão difícil duas pessoas se entenderem, quando um quer que surja a lógica através dos raciocínios que faz com palavras (semiótico) a respeito das sombras e dos relatos sobre estas relações, e o outro, por sua vez, deseja falar sobre a luminosidade, também usando símbolos criados através do estudo das sombras para explicar que a luminosidade está "além" de qualquer sombra.

No Zen, diríamos de imediato que: "As sombras e a luminosidade não são um e também não são dois". Ou seja, a luminosidade externa é não definível pelas sombras, as sombras,embora manifestação que só surja se existe luminosidade, estão num nível inferior de complexidade que não permite que, com elas, analisemos o nível superior. Assim como as pedras e sua ciência não esclarecem a biologia, como a fisiologia do cérebro não esclarece a consciência: podem, no máximo, dar uma sombra da manifestação mais complexa.

Se é útil este ensinamento baseado nas sombras? Com certeza, a maior parte dos ensinamentos budistas são assim. Deve-se falar no "além" disso? Com certeza, sob pena de nos recusarmos a virar e sair da caverna. Iluminação seria isto? De certa forma sim. Samsara (as sombras) e nirvana (fora da caverna) são o mesmo? Sim e não, os dois não são um, mas também não são dois, e os bodisatvas são os que retornam para dentro da caverna e falam sobre a luminosidade, porém não podem iluminar ninguém, podem apenas dizer:saia, saia, vire-se, isto aqui são só as sombras, você mesmo é sombra!

Porém, sem ver a luminosidade não é possível entender. Nessa analogia (limitada, lembre-se), iluminação é mergulhar na luminosidade. O mundo das sombras, assim, fica paupérrimo.

Nirvana é, vendo isto, livrar-se de todas as relações entre sombras, ficar sem "ventos" internos. Pode-se estar no Nirvana e não ser um bodisatva. Parinirvana é dissolver-se em pura luminosidade.

Assim sendo, com o vocabulário e as técnicas úteis dentro de um âmbito, não podemos entender o outro. É preciso sempre abandonar a caverna para, mergulhados na luminosidade, compreender que aquele mundo é inexprimível para o expectador da face de pedra interna.


16. De que adianta chegar à iluminação se, no final, tudo dá no mesmo?

Não, não dá no mesmo. Como onda, você está irremediavelmente obrigado a se manifestar. Se você se ilumina, pode escolher até mesmo não mais se manifestar, escapando da Roda. Sem a iluminação, você é apenas arrastado, sem escolhas.Aqui parece que estou dizendo que existe algo como alma, mas não é assim, é o movimento cármico que se extingue no iluminado.


17. De que adianta o individuo escapar desse mundo se o ponto final é ser absorvido no todo?

Se o indivíduo é ilusão, querer permanecer é a prisão. Escapar não é ser absorvido no todo, é descobrir-se o todo. Descobrir-se o todo é ver a face original, é a experiência religiosa mais profunda, a morte de si. Mesmo no Cristianismo, isso surge: veja Paulo, que diz "não sou mais eu quem vive, mas Cristo que vive em mim". São Francisco de Assis "é morrendo que nascemos para a vida eterna". No budismo: 'a experiência do nada é a maneira de engolir o universo'.


18. Jurar renunciar à busca da iluminação porque é impossível alcançá-la enquanto o processo seja uma meta consciente do eu: esse pensamento me tocou profundamente. Poderia falar mais a respeito?

No Zen dizemos que quando sentamos em iluminação já estamos iluminados. Se você sentar procurando por ela, não poderá encontrá-la, porque estará procurando algo para si mesmo e isso implica continuar agarrado ao ego. Ou seja, sentar-se sem nada mais querer é um ato iluminado.


19. O único caminho para alcançar a iluminação é através da meditação?

Não. Alguém pode se iluminar apenas ouvindo um ensinamento, por exemplo. Mas essa é apenas uma possibilidade teórica. Mesmo Buda praticou meditação por seis anos antes da iluminação. Os mais fantásticos mestres tiveram muito trabalho para chegar lá. Mesmo que você acumule muitas vidas de dedicação terá uma chance em milhões sem meditar. Agora pergunto: por que adiar uma prática tão preciosa sobre qualquer ponto de vista? É dura e difícil, mas é a essência do zen. Aliás, a palavra "zen" quer dizer "meditação".


20. Por que os iluminados continuam no mundo?

Para a mente iluminada, há ação neste mundo de fantasmagoria, não se abdica dele por ser não existente.


21. Se não existe nada para reencarnar, obviamente tudo se extingue após a morte. Sendo assim para que buscar a iluminação?

Nem tudo, o karma persiste, o que se extingue é o ilusório, a energia kármica prossegue se manifestando. Você busca a iluminação para acordar e escapar do sofrimento causado pelo fenômeno vida em que você está aprisionado.


22. Para se livrar do fenômeno 'vida' em que estamos aprisionados, não bastaria esperar a morte?

Sim, mas embora não haja identidade para sobreviver, novo fenômeno se origina deste karma não resolvido. E você pertence ao universo,do qual não pode escapar.Nesse sentido, jamais pode morrer ou desaparecer, está preso a se manifestar como fenômeno já que é uma onda kármica.


23. Como o carma pode funcionar para cada indivíduo, se a individualidade é apenas ilusão? A parte que me causa problema é imaginar que a individualidade é totalmente ilusória. Se o que o que o senhor diz é a verdade, parece que se anularia a noção de progresso: o universo daria sempre no mesmo. Para que ter consciência se, na cena final, na vitória final,vai-se compreender que o ego e a individualidade são sustentados pela desejo ardente de defender o 'eu'? O ser consciente chega a essa realização e a consciência, com esse valioso conhecimento e com vidas de experiência, se apaga?

Muito interessante a pergunta. Até porque é exatamente assim que o universo parece se comportar. Ele não parece ser infinito. Se o fosse, quando você saísse ao relento, à noite, o céu seria branco, reluzente como o sol, porque para qualquer ponto que você olhasse, veria uma estrela e, na infinitude, não haveria pontos sem luz.

Para o Budismo, os universos são cíclicos e múltiplos. Não se destinam ao surgimento de seres, simplesmente acontecem 'big bangs' e colapsos finais em que tudo desaparece, ou em entropia, ou em 'crunchs'. Mesmo assim, tais explicações não importam ao Budismo, que não tem como objetivo dar explicações científicas, mas visa à libertação. Obtida esta, o próprio Budismo deve ser abandonado, como um barco que serviu para atravessar um rio.

O carma tem repercussões nas ondas de manifestação individuais, que não são o mesmo 'eu', tal como a chama que acende uma vela não é a mesma chama. Mas, de outro ponto de vista é a mesma chama... Assim são as vidas, chamas que são passadas, sem individualidade, mas guardando suas características.

Os tempos universais têm progresso, mas ele não é contínuo e há retrocessos. Não tenho dificuldade em imaginar a onda de um criminoso nazista se manifestando em um cachorro sarnento em um país miserável por milênios, até que seu carma se esgote... Também basta colocar o pé na Alemanha para ver que os jovens alemães de hoje sofrem o carma que herdaram do passado de seu país. Temos o carma de nosso país, de nossa família, de nossa onda individual, de nosso planeta...

O Vazio a que pertencemos tem tudo. Nós é que nos perdemos nesta pequenas e limitadas manifestações individuais. Nada há para ser perdido. Nem para ser obtido. A iluminação é libertação desse eu aprisionado, limitado, sem conhecimento. Um universo cessa quando seus carmas se esgotam, quando a energia se equilibra sem distinções. Querer guardar algo, obter algo para um eu individual é a cegueira básica que impede a iluminação.

A iluminação já está aqui, agora, só não a vemos porque a ilusão do eu deseja obter sabedoria, poder, vitórias, conhecimentos, mergulhando-nos em um sonho sem fim. É por isso que despertar desse pesadelo é que faz de um homem um Buda. Buda, afinal, quer dizer, Desperto, Aquele que acordou.


24. A experiência mística (kenshô) é a iluminação?

Antigamente ela era tratada como tal. Contudo, ter uma experiência de kenshô (teofania, êxtase religioso) pode dar resultados apenas temporários, como uma lembrança espetacular, e não alterar realmente a vida do praticante. Portanto, tem todo o sentido um professor perguntar: 'muito bem, e daí? O que mudou realmente em suas atitudes?'. A prática não é ter uma experiência, é praticar continuamente.


25. O que é o Satori?

É uma experiência definitiva, revolucionária, um cair de céus e terra que muda profunda e permanentemente a pessoa. Distingue-se do kenshô por sua permanência e pela aptidão para ser recuperado a qualquer momento por quem o possui. É também chamado de iluminação, embora haja numerosos níveis de profundidade em sua qualidade.


26. O uso de drogas pode abrir caminho para a iluminação?

Mergulhar em ilusões provocadas pela alteração do funcionamento cerebral só pode tornar ainda mais difícil a liberação. Ela depende de imensa clareza, de limpeza dos processos mentais. As alucinações e alterações da percepção só nos distanciam da clareza, sem considerar os danos permanentes que podem ocorrer.


27. As atividades neste mundo de egoísmo não impedem o caminho espiritual? Como se iluminar sem ser um monge?

Todas as nossas atividades no mundo podem ser meios hábeis para a iluminação. Procure ler o Sutra de Vilamakirti, que era discípulo de Buda e grande comerciante; nenhum dos outros conseguia vencê-lo em sabedoria. A lição é de que não é a atividade em si o problema, mas a mente com que ela é feita. Você pode ser um vendedor e estar agindo com compaixão a todo o tempo, mesmo que isso não seja transparente para os que o vêem. O livro 'A doutrina zen da não mente' de D.T. Suzuki também lhe pode ser útil. Os atos são aparentemente os mesmos, a postura interna é que muda. Para algumas pessoas, isso aparece e elas perguntam: - o que há de diferente em você?

Como Vilamakirti demonstrou, não há necessidade alguma de sermos monges; esta é apenas uma forma mais fácil de prática, não necessariamente mais meritória, apenas um caminho para os que desejam ajudar outros.


28. A história de Mestre Sawaki, respondendo 'não' à pergunta se teria obtido a iluminação, não me parece ter um ensinamento budista evidente. O senhor pode esclarecer?

Essa história é muito bonita: se ele dissesse 'sim,' estaria consciente do satori, uma contradição; se estivesse consciente, não teria a 'não mente' e, portanto, não teria o satori. Quando ele disse não, o discípulo que estava à beira do entendimento repentinamente percebeu o significado da resposta, por isso chorou. Não chorou por se sentir magoado, mas por se emocionar com o entendimento da não mente (mushin) que o mestre tinha.



Fonte: www.dharmanet.com.br

quinta-feira, maio 21, 2015

Perguntas e respostas sobre a Iluminação - 1/2




1. Falar em pessoas iluminadas e não iluminadas não seria uma visão dualista?

Sim, é uma visão dualista. Costumamos dizer, no Zen, que todos já estão iluminados, somente não o percebem. Mas temos que ter cuidado com estes paradoxos do pensamento no Zen. A mente intelectual não pode alcançar o Zen. Usamos as palavras porque não há outra maneira, mas sempre haverá enganos e armadilhas no discurso. É preciso ir além, senão ficaremos como teólogos discutindo os detalhes. A compreensão é perfeita sem palavras, como quando entendemos uma anedota. Se for explicada , perde a graça.


2. Mas existe uma diferença entre os dois estados de consciência (iluminação e não-iluminação)?

Existe. Um discípulo perguntou a um mestre:

- Qual a diferença quando eu me queimo e o senhor se queima?
- Nenhuma diferença, é a mesma coisa, mas eu sei disto e você não.


3. Por que não acordo?

Porque a prática é fraca ou insuficiente. Muito dificilmente se chega lá apenas pensando, estudando, ou mesmo acumulando poderes e sabedorias. Chega-se por meio da meditação correta. Nada mais do que isto.


4. Sei bem que a personalidade é algo montada, artificial e transitória. Sinto-me tendente a fazer a defesa desta personalidade barulhenta e inconveniente. Quero saber como posso aprender apreciar e entender o medo que me resta.

Penso que esse medo é um belo instrumento. Deve-se e mergulhar nele. É preciso meditar e morrer, morrer sinceramente, perder tudo completamente, deixar extinguir toda essa ilusão de separação, toda essa ilusão de um eu construído, que não tem como sobreviver a cada dia e morre a todo instante. Quero dizer com isto que você precisa sentar em meditação e deixar realmente que este medo mais do que se apresente, que ele se impregne em você até que você seja apenas medo e então se pergunte: "quem é este que tem medo? onde ele está?".


5. Há uma história no livro do Rev. Ricardo Gonçalves (Textos Budistas e Zen-Budistas) "Hakuin e a Jovem Iluminada", em cujo final consta: "A Iluminação do Zen está longe de matar os sentimentos inerentes ao ser humano". O senhor poderia comentar esta frase?

Vou contar outra história e penso que tudo se esclarecerá:

Um mestre recebeu uma carta que comunicava a morte de um parente e começou a chorar sentado em uma pedra. Chocado, um aluno aproximou-se e disse:

- O senhor ensinou-nos sobre a impermanência, sobre o Dharma, sobre a clara percepção das coisas e agora está chorando por causa de uma morte?

O mestre parou de chorar, olhou para ele, e disse:

- Seu idiota! Eu estou chorando porque eu quero! E voltando a baixar a cabeça, retornou a soluçar tristemente.


6. Se nós já temos a iluminação, apenas não enxergamos as coisas corretamente, qual o sentido de nossa busca?

Você já tem em potência, mas não a realizou. Para realizar, precisa enxergar.


7. Como é a conduta dos mestres?

Melhor que falar sobre a conduta dos mestres, é explicar sobre os passos do caminho: primeiramente, a pessoa percebe as questões de entendimento, a vacuidade, a interdependência a ilusão da individualidade e assim vai progredindo em um caminho que, obrigatoriamente, engloba uma conduta ética que é consequência lógica desse entendimento.

É comum então a aparência de uma virtude muito grande, uma aura de santidade. Quando este estágio é superado, com a iluminação real, a santidade e a virtude são deixadas de lado. Na realidade, o próprio Budismo será deixado de lado. Homens iluminados podem ter uma conduta incompreensível, a chamada louca sabedoria.


8. A transmissão mente a mente é a única e verdadeira forma de compreender o Dharma?

Em absoluto. Basta ver os numerosos métodos e escolas existentes. Porém, no Zen (e outras linhas Mahayana), a transmissão pessoal é considerada um método poderoso. A iluminação, sem esse auxílio, é vista como uma extrema raridade dentro das escolas Zen.


9. É possível julgar as ações de um Mestre iluminado?

Existe, em geral, uma crença de que é possível discernir com precisão o que é certo e o que é errado. No Zen, acredita-se que essa capacidade, por parte de um indivíduo não iluminado, é relativa, visto estar contaminada pelos condicionamentos gerais que todos carregam.

Até mesmo o método de julgamento ensinado no sutra teria uma efetividade relativa, se empregado por um ser imperfeito em seus julgamentos.

Trata-se da crença de que as regras são suficientes para indicar o caminho da virtude. Do ponto de vista do zen (e, creio, do mahayana em geral), esse é um bom caminho, mas limitado a um determinado ponto, em que a fronteira entre o certo e errado começa a ficar embaçada. A partir de certo estágio, somente uma compreensão iluminada pode discernir a melhor ação em uma determinada circunstância. As regras tornam-se o que são: letras no papel. Em um nível absoluto, não pode haver distinções baseadas em regras ou leis.

É um problema filosófico não somente no budismo: para julgar os atos do Deus cristão, dizem estes que a mente humana seria incapaz. É, em síntese, o mesmo caso: a mente não iluminada não detém capacidade para apreender e julgar os atos da iluminação. Do contrário, o mestre zen, ao dar uma bastonada no aluno, não passaria de um ser violento. É um exemplo bem primário, sei, mas o utilizo porque fácil de decodificar.

Basta aumentar o nível de complexidade, para que o julgamento se torne obscuro e impossível para o praticante: ele não tem meios mentais para julgar os atos de um mestre, que podem estar muito à frente de seu julgamento no tempo, e visar a coisas incompreensíveis à mente comum.


10. O Buddha não disse que todos os seres podem e vão alcançar a Iluminação, independentemente de qualquer fator?

Até mesmo a existência dos seres é uma delusão. A crença em um samsara eterno é produto do pensamento de que os carmas não podem se esgotar. Não é verdade, visto que há surgimento e cessação de todos os movimentos, já que que eles tendem a se manifestar e se compensar. Também ajuda pensarmos em termos matemáticos: "dado tempo suficiente, todos os eventos possíveis sucederão". E tempo é o que não falta.

A afirmação que você questionou surge da crença que:

1) Existem seres individuais (que permanecem e se libertam ou não no tempo);
2) Esses seres são separados e têm algo permanente (que os individualiza e portanto pode 'não se salvar');
3) O samsara é permanente e eterno (dentro de um ciclo sim, mas o que é eternidade?);
4) Há seres privilegiados que se libertam (de novo noção de individualidade separada).

Estes pontos contrariam aquilo que é aceito no budismo mahayana. Basta ver o voto do bodisatva: "Mesmo que os seres sejam inumeráveis eu faço o voto de salva-los todos", repetido sempre nos centros zen.


11. Existem exemplos de pessoas que fizeram o caminho de esquecer de si mesmas e que são felizes assim?

O caminho do asceta leva à virtude, não à iluminação. Nosso objetivo não é a santidade, mas a iluminação. Isso é que é felicidade plena.


12. Uns meses atrás, coloquei um alimentador para colibris em frente da janela da sala. Sentado na sala, vejo quando um vem, bebe e vai; cada um é uma pequena maravilha de penas verdes e azuis iridescentes, quando voa pairando no ar, bebendo... Fico encantado e, às vezes - às vezes! - durante uma longa fração de segundo - suponho - pois nao sei - o mundo pára em beleza e tudo tem um sentido que não é meu. Por que esses momentos de abertura não duram? O que representam eles na caminhada para a iluminação?

Penso que representam muito. São a demonstração de que você tem capacidade para se iluminar. Através da meditação, você começa a desenvolver a capacidade de chamar esse maravilhamento quando deseja, cada vez mais fortemente. Chamamos a isso de samadhi, concentração plena no momento. Eles não duram porque surgem novos pensamentos que, invasivos, nos tiram do presente e nos levam a considerações, passado ou futuro. Para fazer durar, você precisará estar plenamente naquele agora. Na meditação, você aprenderá a ficar assim cada vez mais tempo. Depois, por longos minutos. Pode ser tão maravilhoso que cria uma armadilha: um estado tão feliz que queremos ficar nele, mas ele ainda não é iluminação, é "maravilhamento". Será preciso ir além disso. Mais profundamente que essa plenitude de felicidade por estar "aqui, agora", livre de todo o carma acumulado, dissolvido na experiência tal como ela é.


13. Como o senhor avalia a frase de um místico cristão: 'fique sem movimento e conheça a Deus'?

A mim parece um bom resumo do Zen. (1) Ficar ser movimento mental é destruir a mente conceitual que, aliás, é muito forte em geral em todas as pessoas inteligentes.(2) Esta abstenção de movimento é obtida através da prática da meditação. Essa experiência lhe fará muita diferença.


14. Católicos, protestantes, muçulmanos, etc. também podem alcançar a iluminação?

Impossível, nesse contexto de palavras, não classificar e distinguir... não conversaremos sem usar a mente discriminativa até mesmo quando usamos os termos que designam as tradições. Sim, o Dharma, para nós budistas, é o ensinamento supremo. Mas daí acreditar que outras tradições não possam alcançar a iluminação através do reconhecimento direto, vai uma distância. Elas podem. O Zen não detém o monopólio da iluminação, nem o budismo o detém. O zen está focado em atingir a iluminação, descarta o resto. Algumas formas budistas nem têm como objetivo alcançá-la nesta vida porque o creem difícil agora, e pretendem, por exemplo, adiá-la para depois de estar em condições melhores. Dessa forma o zen considera que detém uma metodologia de prática efetiva e crê na possibilidade de iluminação aqui, agora.


Fonte: www.dharmanet.com.br

domingo, maio 17, 2015

Tao Te Ching (Eckhart Tolle) - 4/4

Eckhart Tolle


Nós vivemos como que em um sonho. Por exemplo: Onde está o que lhe aconteceu ontem? Em certo sentido, se analisar cuidadosamente isso, verá que é como um sonho. Qualquer coisa que lhe aconteceu, e que pra você foi importante, onde está isso agora? Quer se trate de algo que aconteceu há pouco ou há muito tempo - não há muita diferença. Quando chegas ao final de sua vida, e recorda todos os anos vividos, esse foi um longo sonho! Ou um pequeno pesadelo, talvez!

"Seu coração se torna terno como o de uma avó."

Uma linda imagem. A avó já passou por tudo, é um pouco como o Buda barrigudo - o Tao está influenciado pelo Buda chinês barrigudo. Recomendo àqueles que acreditam possuir muitos problemas que se compre este Buda de barriga grande e o olhem por um longo tempo; é um Buda que está rindo, ele não é sério. Significa que ele está conectado a algo mais profundo. Não se leva esse mundo muito a sério. Essa influência é benéfica.

Só quem não leva o mundo tão a sério pode ser um bem para o mundo e assim melhorá-lo. Os que acreditarem que o mudo é algo muito sério não poderão melhorá-lo, só irão contribuir para aumentar sua loucura; pois estarão, de uma maneira ou de outra, lutando com alguém, alguma organização, ou um grupo de gente.

É necessário que haja uma certa desidentificação, para que alguém possa se converta no Buda barrigudo, ou na avó.

"Ter a dignidade de um rei" quer dizer a dignidade, ou a integridade de quem és. A mesma que existe em cada animal, mas que muitos humanos perderam. Não há divisão. Sempre que você olha um cão, ou um gato, um pássaro, ou o que seja, ele é um contigo mesmo. Tem uma enorme dignidade.

Às vezes se pode notar a diferença entre um ser humano e sua estupidez. E às vezes os humanos são tolos, e têm um cão digno. (risos...)

E as únicas ocasiões em que saem da sua estupidez é quando acariciam seu cão. Por esse momento podem ser eles mesmos. Já com outras pessoas interpretam algum papel, sem saber que o estão interpretando. Por alguns momentos com o cão, existe a habilidade de serem eles mesmos, sem ter que fingir, e relaxar. E é por isso que não entendem como podem amar tanto aquele cão, ou como podem gostar tanto de estar com seu gato.

Isso é porque os animais permitem que eles sejam eles mesmos, autênticos; as pessoas encontram a si mesmas através destes animais. Essa é a dignidade do animal, mas que também está em você.

Essas próximas frases são interessantes para aqueles que estão a cargo de liderança de alguma organização, ou país, ou seja, como governar um país, ou uma organização.

"Quando o mestre governa, as pessoas são apenas conscientes de que ele existe.
O governante inferior é aquele que é amado.
O governante mais inferior ainda, é temido.
O pior é o que é depreciado.
Se não confias nas pessoas, as pessoas perdem sua confiança.
O mestre não fala, age. Quando seu trabalho está feito, as pessoas dizem: 'Que bom, nós fizemos por nós mesmos.'"

Então, quando existe um governante verdadeiro, ninguém é consciente dele. Ele se faz notar raramente. Não fala. Não fica dizendo: "Olhem para mim! Eu fiz isso!"

Isso significa que, identificar-se com as ações, e atribuir-se méritos, ou discutir com alguém, não se trata de um verdadeiro mestre.

O verdadeiro mestre governa além da mente, além da identificação com as ações. Este é o mesmo fenômeno que encontramos em pessoas simples, humildes, que ainda não desenvolveram um ego. Às vezes elas fazem coisas incríveis, mas não existe dentro delas uma entidade dizendo: "Olha, eu fiz isso!", nem se sente como se fosse importante.

Isso é muito bem expresso no filme "Forest Gump". Ali o herói, ou anti-herói, não tem ego. Ele está abaixo do ego; ajuda muitas pessoas, e vive coisas boas, mas ele não tem o sentido de separação, de diferença dos outros. Ele vive bem.

O que dissemos antes tratava-se de transcender ao ego, mas aqui no caso de Forest ainda não foi desenvolvido um ego, daí ele viver com um sentido de unidade. Quando se vive assim, o universo se torna amigo, nos ajuda; muitas coisas boas chegam a sua vida, porque deixas de se separar-se da vida. Começa-se a viver em unidade com o momento presente.

Seu destino não é determinado pelo que te ocorre, isso é o que a maioria das pessoas acreditam: "O que acontece comigo, determina minha vida". O seu destino se determina de acordo como você responde ao que acontece. E o que acontece depois, está determinado pelo modo como você reage ou responde ao que acontece agora.

Algo que parece ser mal acontece, algo dá errado, sua reação é negativa - você está atraindo o momento seguinte de forma negativa. Se sua reação é uma resposta, se você diz: "Bom, assim são as coisas; vamos observar isso", o que vier em seguida irá refletir esse estado de consciência. A maioria das pessoas vivem todas suas vidas presas a uma corrente em que as mesmas coisas negativas vão sempre acontecendo. Elas não se dão conta de que a todo momento têm a liberdade de mudar suas vidas, mudando de atitude, reagindo de modo diferente ao que acontece. Sua reação presente determina o futuro. Não é o que lhe acontece, mas sim como você reage ao que lhe acontece - isso é o que determina o momento seguinte. É assim que você pode mudar sua vida. Em vez de estar preso a um mau Karma, por um longo tempo, na verdade é muito fácil: só necessita estar consciente.

Aqui o Tao Te Ching fala de como a consciência coletiva afeta o planeta:

"Em harmonia com o Tao, o céu é claro e espaçoso. A Terra é sólida e plena. Todas as criaturas florescem juntas, felizes com aquilo que são, renovando-se infinitamente.
Quando o homem interfere no Tao, o céu se torna sujo e a Terra pobre; o equilíbrio tomba e as criaturas se extinguem.
O mestre vê tudo com os olhos da compaixão, porque ele compreende o todo. 
Sua prática é contínua na humildade. 
Não brilha como joia, mas se deixa moldar pelo Tao; é tão forte e comum como uma rocha."

Belas imagens.

Quando os homens vivem desconectados da consciência superior, o Tao, o transcendente, a realidade, tudo que manifestam externamente reflete esta desconexão. E então o planeta e todos a sua volta sofrem com isso. Isso é um reflexo do estado de consciência.

Este princípio eterno foi visto por Lao Tsé há 2.500 anos atrás. E isso implica também que a solução para o que acontece no planeta não pode encontrar-se somente na dimensão externa. É claro que devemos mudar as coisas com respeito à dimensão externa, mas a não ser que mudemos nosso estado de consciência habitual não servirá de nada remover qualquer demônio que ande por aí afora, porque aparecerá outra coisa que terá a mesma influência danosa sobre a natureza e o planeta.

Logo o fundamental é a mudança de consciência da humanidade. Ao invés de esperar que os outros mudem, lembre-se primeiramente de que a humanidade é você, a humanidade sou eu. A mudança de consciência deve acontecer em ti, em mim, então o planeta estará salvo. Isso é decisivo.

Aqui temos duas belas linhas: "O mestre vê as partes com compaixão, porque compreende o todo."

"O mestre" significa o ser iluminado, aquele que está em contato com o Tao. Ele compreende o todo porque está conectado com o todo. Ele pode olhar uma parte - cada ser humano, ou cada uma das formas de vida - com compaixão, porque as reconhece como expressões/manifestações da vida única, a mesma que também se manifesta nele mesmo. Tudo é expressão da vida única, consciência única. Quando não impomos pensamentos sobre a realidade, mas ao invés disso permitimos que a realidade se expresse livremente (por exemplo: quando permitimos a uma flor ser como é, o mesmo vale para o outro ser humano -, eis que surge a compaixão. A compaixão tem uma dimensão mais profunda: o reconhecimento da unidade. É daí que provém a verdadeira compaixão.

Eu Sou a vida! Sou a expressão da vida única! A consciência única, o Tao, expressando-se a si mesmo por um tempo e através desta forma. E o mesmo poder da vida está aqui. Para quê ter uma estrutura mental que me dê uma identidade, que me diga quem sou com definições, juízos, e que diz que "não sou bom o bastante", ou que diga " sou melhor do que..."? 

Isso é desnecessário!

Como às vezes é chamado no Tao Te Ching: "bagagem desnecessária". Andar por aí com uma bagagem desnecessária.

Alguém poderia dizer: "Minha vida é tão pesada e difícil... Tenho uma vida muito dura..."

Onde está sua vida dura neste momento? Não consigo ver! Ela existe somente quando pensa nisso. Mas, onde ela está quando você a vê a partir do agora? É uma entidade imaginária! O "eu" consiste de pensamentos e opiniões, é imaginário. Irreal.

É maravilhoso dar-se conta de que no agora não se tem carga nenhuma. No agora não existe nenhuma "minha vida". Você é a vida no agora. Eu sou a vida. Não preciso me definir mentalmente como "bom ou ruim",  "melhor que", "tenho sucesso ou sou um fracassado"... Tudo isso me afasta do poder que já está aqui: o poder do Tao.

É por isso que o livro diz, como nós vimos antes: "Esvazie-se de tudo". Isso significa: esvazie-se dessas ideias de quem és, que pelos pensamentos te dominam. 

Jesus disse a mesma coisa: "Bem aventurados são os pobres em espírito." Pobres de espírito significa que não levam bagagens internas. Bagagens de seus pensamentos, de quem são. A frase de Jesus faz referência àqueles que se sentem livres por dentro, não ficam aprisionados pelos pensamentos, e pelas identificações, nem em criam uma imagem de quem eles acreditam ser. Essas bagagens mentais se tornam a sua própria vida. E se chega a acreditar que podem perder sua vida.

Você é a vida, não há como alguém existir separado da vida. Isto é, ninguém pode dizer: "eu tenho uma vida"! Quem você é não é separado da vida. Você não tem uma vida, você é a própria Vida. A mente lhe diz que você tem uma vida... isso é loucura! Mas pra ela isso normal... normal e louco.

Uma mais.

"Aquele que fica na ponta dos pés não tem estabilidade.
Aquele que está com pressa não vai longe.
Aquele que tenta brilhar, obscurece a própria luz.
Aquele que define a si mesmo, não pode saber quem é.
Aquele que tem poder sobre os outros, não pode apoderar-se de si mesmo.
Aquele que se prende ao trabalho não criará nada duradouro.
Se quiser estar em harmonia com o Tao, faz seu trabalho e logo deixe-o ir."

"Aquele que fica na ponta dos pés não tem estabilidade."

"Olhe para mim!! Eu, minha vida!". Ou então: "Olha como estou infeliz!". Ou: "olha como sou grandioso!"

"Aquele que está com pressa não vai longe." Sempre olhando o passo seguinte. O que devo fazer agora? Sempre se arrastando entre um pensamento e o próximo. Qual será o seguinte pensamento para me preocupar? Toda uma civilização estressada. Todos desconectados do Tao. Todos apressados. Não há mais tempo para nada!! Aquele que está com pressa, não vai longe. Não chegará a parte alguma.

"Aquele que tenta brilhar, obscurece a própria luz." Ao acreditar nos papéis que representa, ao identificar-se com a ideia de que é especial tais como: "Olhem-me!", você se afasta do poder do Tao. Quando deixas de prestar atenção ao "falso eu", o poder flui através de ti. Quando deixas de se identificar com o que fazer, o poder flui através de ti, porque não é você quem faz.

Algo importante aqui: "Aquele que define a si mesmo, não pode saber quem é". É disso que estamos falando. Essas definições constantes de quem somos que trazemos em mente. Porque não ser simplesmente Consciência? Ser a Presença? Agora! Aí está o poder.

Que ensinamento maravilhoso.


sexta-feira, maio 15, 2015

Tao Te Ching (Eckhart Tolle) - 3/4

Eckhart Tolle 


Vamos, agora, adentrar em outra pergunta extensa: "O quanto estás aberto para receber esta mensagem?". Isso é muito familiar para mim, por isso lerei apenas algumas linhas.

Alguns dizem que meus ensinamentos não têm sentido. Outros os chamam de "nobres" mas não os colocam em prática. Mas para aqueles que os vêem a partir do profundo de si mesmos, este ensinamento "sem sentido" faz todo sentido; e para aqueles que os colocam em prática, esta nobreza tem raízes que penetram profundamente.

Então, existem algumas pessoas que não possuem essa abertura, porque não encontram nenhum sentido nisso; tem que haver algo em ti que reconheça a verdade disso, além das palavras e dos conceitos.

"Esvazia sua mente de todos os pensamentos, e deixa que seu coração esteja em paz."

Vou ler o mesmo, mas em outra das traduções. Verá uma pequena mudança no sentido, outra sensação.

"Esvazie-se de tudo. Deixe que a mente se transforme em silêncio. Observa a agitação dos seres, mas contempla seu retorno."

Observa a agitação que existe neste mundo, toda a atividade dos seres... como vão correndo. Observe. Aqui está dizendo: seja consciência, e contempla o retorno dos seres; tudo volta ao sem forma, cedo ou tarde. Imagine que está vendo um filme. A mim me encantam os filmes antigos, dos anos 30-40; me encantam por exemplo cenas na rua, em Londres, Nova York, centenas de pessoas correndo por causa de seus trabalhos... esta é a agitação dos seres, como diz aqui. Você precisa vê-los. Eu vejo, e observo surpreso essas pessoas e cenas acontecendo. Mesmo quando não estou vendo cenas de filmes, sempre que olho os cenários das ruas e pessoas passando, digo: "Todas essas pessoas já não estão mais aí! Estão todos mortos neste momento." Era tão "importante" o que estavam fazendo, parecia ser importante... todas elas correndo daqui e dali... carros passando (...).

E não resta mais nada. Só o vazio. Mesmo todos nós aqui... se colocarem câmeras aqui filmando, veremos os corpos gradualmente se dissolverem, ou evaporarem. E não demora muito. Às vezes comparamos à bolhas de sabão que se dissolvem uma atrás das outras e não sobra nada. Os corpos físicos duram um pouco mais, até que eles se dissolvam também. Mesmo as pedras se dissolvem, podem durar dois mil anos, mas um dia irão se dissolver.

Tudo o que existe se dissolve. Todas as formas terminam por se dissolver, são impermanentes. E observar isso é extremamente poderoso, por isso é que o Tao Te Ching diz: "Observa a agitação dos seres, mas contempla seu retorno". Significa: seja consciente da impermanência de toda forma que existe. Não como algo negativo, mas que veja como é. E se és consciente da impermanência das formas - que todas as formas duram pouco -, como é que você pode ser consciente? Deve haver algo em ti que está além disso. Às vezes é como dizer: se todo o universo fosse azul, a cor azul não existiria, porque não existiria nada para diferenciá-lo. Alguém diria: "Tudo é azul". E as pessoas responderiam a ele: "Do que está falando? Azul? o que é azul?".

Se tudo fosse impermanente, nem sequer haveria o que saber. Mas existe algo em ti que transcende a isso, e é por isso que sabes. É pós isso que, ao contemplar o impermanente, te conecta com isso. Isso em ti, que é a Consciência, a Presença eterna, a Luz da consciência, não é afetada pela impermanência.

E o que a mente diz sobre isso? "Sim, mas o que acontece quando eu morrer? Perderei a consciência? Ou, se cair uma pedra na minha cabeça, perco a consciência? Como é isso?"

Só significa que a consciência não pode seguir fluindo através do seu cérebro, neste mundo, então, deves se retirar e buscar outro canal.

Não podes perder a consciência. Isso não é surpreendente? Por que não? Porque você é Consciência. É a sua essência. Não se pode perder a si mesmo. Em lugar de Consciência podes usar Vida. O Tao é o imanifesto, aquilo que subjaz à essência eterna de toda vida. Você é o que dá a vida a todas as formas, mesmo que durem pouco. Você é Isso. Não se pode conceituar Isso. Se pensar nisso, não fará sentido algum. Tens que sentir em si mesmo. Sentir. Não se pode conhecer Isso como se conhece um objeto, só se pode conhecê-lo como a si mesmo. Porque é o sujeito de todo conhecimento.

"Cada ser retorna à fonte comum, regressa a esta fonte que é serenidade".

Uma outra palavras para esta serenidade, pode ser silêncio. Tudo retorna à fonte da qual veio a vida. A vida única é não-manifestada. Retornar à fonte é silêncio. 

O bom é que não precisas esperar a morte para retornar à fonte. Ao viver uma vida de plena sabedoria e poder, podemos regressar à fonte, antes que o corpo morra. E viver conectados com a fonte da vida.

Por isso diz que: "regressar à fonte que é silêncio."

Quando encontrar o silêncio dentro de ti, regressas à fonte de toda vida.

O que é o silêncio? Um momento em que não estás pensando, mas estás consciente, em um espaço interior. Como agora. (...) Podem sentir que há um espaço em ti, que é apenas consciente? Que não te diga nada, ou não me diga nada... só isso. Voltar à fonte, ao sem forma, ao eterno em ti.

"Se não te dás conta de que existe essa fonte, tropeças em confusão e em dor."

É assim que a maioria das pessoas vivem, infelizmente. Tropeçam, por estarem desconectados da sua essência, sem se dar conta da fonte do seu ser. Imediatamente surge a confusão - confusão mental -, a mente cria todo tipo de problemas falsos. Você mesmo se torna um problema para si mesmo, e um problema para os outros, um problema para o planeta, e contribui para aumentar os problemas do mundo. E é a isso que chamam de ser "normal". Se tropeça em confusões, como acabamos de dizer - e a dor é o que provém quando se está desconectado com essa dimensão que há em ti -, sofres em sua vida cotidiana.

É por isso que Buda disse: "A vida é sofrimento". A menos que vá além desse sofrimento, a menos que te dês conta de que existe essa fonte, continuarás em confusão e dor. E é isso que te mostra o ensinamento, o caminho... é isso que nos mostra o Tao Te Ching.

Continua...

quinta-feira, maio 14, 2015

Tao Te Ching (Eckhart Tolle) - 2/4

Eckhart Tolle


Tenho aqui duas traduções, que são as minhas favoritas neste momento. Vamos usar a de Stephen Mitchel, um livro sobre o Tao Te Ching, que é muito recente; e outra que tenho há muito tempo e que gosto muito é a de Gia-fu Feng e Jane English, eles o traduziram juntos. Essa é uma outra belíssima tradução. Hoje estarei usando a versão de Stephen Mitchell.

As primeiras duas linhas do Tao Te Ching são muito famosas, algumas vezes eu já as citei. Mesmo aí as traduções variam.

As duas primeiras linhas:

"O Tao que se pode expressar
não é o Tao eterno"

O que isso quer dizer é que não se pode falar sobre a realidade transcendental. Qualquer coisa que se diga a cerca dessa Realidade Última, é falso. Entretanto ele continua falando sobre isso. Como pode ser isso, então? Ele está dizendo para que nós não fiquemos presos a essas palavras, para que não creiamos nessas palavras, nesses conceitos; dessa forma elas não se converterão em crença. A Verdade é infinitamente maior que qualquer descrição que façamos dela, ou sobre ela.

Estas duas linhas são muito importantes: "O Tao que pode ser expressado (ou contado, ou falado) não é o Tao eterno". E, agora que isso está dito, posso contá-lo a vocês! Porque o Tao está em ti, e o único lugar em que podes descobri-lo é em você mesmo. O livro mostra a forma de descobrir Quem você é, mais além daquilo que você acredita ser, mais além daquilo que a sua mente está te dizendo quem você é.

O mais próximo que podemos chegar nessa definição de Tao é que ele é indefinível. E é isso que encontramos nas próximas linhas que vou ler agora; vocês devem escutar não só com a cabeça, mas com todo o seu ser. Porque não se pode entender só com a mente. Se puderem sentir o poder que existe nessas palavras, é porque estão sentindo o seu próprio poder, além da atividade mental.

"Já existia algo perfeito e sem forma antes do nascimento do Universo.
É sereno, vazio, solitário, imutável, infinito. 
Eternamente presente. É a mãe do Universo.
Por não encontrar um nome apropriado, lhe dei o nome de Tao."

Notem que ele começa dizendo: "Havia algo perfeito e sem forma, antes do Universo nascer." Antes que surgisse a forma - antes do Big Bang -, podemos dizer. Reparem que ele usa o verbo no passado. E na seguinte linha ele diz: "é sereno, vazio, solitário". Não está se referindo ao que existia antes do nascimento do universo, e sim a Algo que permanece existindo fora do tempo, em ti mesmo. Isso que estava ali antes do Big Bang, segue sendo presente em você. É a Vida única, não-manifestada, a Consciência única, sem a qual não existirias. É a essência de quem és.

E claro, se dissermos isso a qualquer cientista materialista, ele dirá: "Mas que absurdo!". Ou se dizemos isso a alguém muito fechado, ele dirá: "Isso não faz sentido. Algo existir antes do Universo? Do que você está falando?".

Muito sabiamente, Mitchell cita um dos grandes cientistas, Albert Einstein. O que ele teria a dizer sobre isso? Einstein utilizou enormemente o pensamento, mas um pensamento que estava enraizado no silêncio. O pensamento, por certo, é uma parte essencial do Tao. Seu pensamento estava enraizado no Tao, no silêncio que está além do ruído mental. Deste lugar, dessa dimensão, surgiam os descobrimentos de Einstein. Ele não estava preso em seu ruído mental, como a maioria dos cientistas que negam a realidade do transcendental.

Einstein estava conectado com a realidade, e disse:

"O sentimento religioso dos cientistas toma a forma de um extasiado assombro, ante a harmonia da lei natural, que revela uma inteligência de tal superioridade que, comparada a esta, todos pensamentos sistemáticos dos seres humanos são apenas reflexo absolutamente insignificante. Este sentimento é o valor central da minha vida e do meu trabalho."

O reconhecimento de que existe uma Vasta Inteligência que está por trás de toda a criação. Isso está na flor. Isso a cria. Está em ti e em mim, inundando todo o espaço que nos rodeia. Surge através do cérebro humano, e este lhe dá forma; quando o cérebro não opera, deixa de mover-se através dessa forma. Trata-se da própria Consciência que você é.

Isto demonstra que Einstein estava conectado com essa dimensão, e por isso tinha essa inspiração em seu pensamento, por isso obteve descobrimentos repentinos.

Agora chegamos a algo um pouco mais amplo, está escrito em poucas linhas... nós iremos vendo aos poucos, umas linhas de cada vez.

Como viver Isso? Como estar em contato com Isso?

Irei ler a primeira sessão, e logo veremos mais detalhadamente algumas linhas. Ouçamos não só com o a mente intelectual, mas sentindo com todo nosso ser.

"Podes deslocar sua mente de suas inquietações e deixá-la nas mãos da unidade?
Podes deixar que seu corpo se torne tão sutil, como o de um bebê recém-nascido?
Podes limpar sua visão interior, até que somente vejas a luz?
Podes amar aos demais e guiá-los sem impor sua própria vontade?
Podes lidar com assuntos importantes, deixando que eles sigam seus caminhos?
Podes tomar distância de sua própria mente e entender tudo?
Dar a luz e nutrir?
Ter sem possuir?
Agir sem expectativas?
Guiar sem tentar controlar?
Esta é a suprema virtude.

Virtude significa "Poder". O poder flui através de você, se vives dessa maneira, se se transformar nisso. Se te das conta de que és uno com isso.

Vamos ao início: "Podes deslocar sua mente de suas inquietações...". Se prestar atenção em sua própria mente, verás que isso é o que você faz. Você vai de uma coisa a outra, de um pensamento a outro, e continua e continua indefinidamente... Chamamos isso de "voz em nossa cabeça".

"Podes deslocar sua mente de suas inquietações e deixá-la nas mãos da unidade?" Em outras palavras: É possível a você se sentar por um momento em silêncio, e não dar atenção a cada pensamento que diz: "Siga-me eu lhe mostrarei o caminho! Sou um pensamento importante!"? E uma vez que siga a um pensamento, chega outro e outro... é uma corrente que não termina. É assim que a maioria das pessoas vivem, imersos continuamente em sua tagarelice mental.

Vemos isso, inclusive, na literatura do século 20. Há um livro que se chama "A Corrente da Consciência", de James Joyce. Nele, você encontra trinta páginas seguidas sem nenhuma pontuação. A autora observava sua própria mente e anotava o funcionamento. Fazia sem nenhuma pausa, sem nenhum ponto, nem vírgulas, nem nada... "normal". (risos...)

Se você entende esse processo... é surpreendente que as pessoas não se percam nele, pois estão tão identificadas com a excessividade de pensamentos, que se convertem nisso. Elas dizem: "eu penso, eu sou isso." Na verdade são os próprios pensamentos que dizem isso, eles que dizem: "eu penso" (risos...)

E é assim que as pessoas perdem a vasta dimensão interior que está por baixo dos pensamentos, e é por isso que o Tao Te Ching diz para não darmos muita importância a esses pensamentos, e encontremos um descanso. E é por isso que o momento presente é tão importante, porque é ele que pode te tirar dessa corrente de pensamentos. Apenas se tornando atento a este momento. Não há muito no que pensar, basta permanecer sentado (atento) aqui.

O que poderia ser acrescentado a este momento, para que ele se torne melhor, e que já não esteja aqui? Ao olhar uma flor, porque agregar pensamentos a ela? Ou, ao olhar um outro ser humano, porque agregar  pensamentos a esta percepção tão linda? Deixe nas mãos da Unidade. Quando deixa de estar sob o controle dos pensamentos e te dás conta de que existe um lugar dentro de ti que transcende ao pensamento, você se conecta com a Unidade. É somente através do pensar que surge a ilusão de separação. E é então começas a nomear as coisas - isso, aquilo, julgando as coisas... Não significa que já não possa mais fazê-lo, é apenas que já não estás preso a isso.

"Podes deixar que seu corpo se torne tão sutil, como o de um bebê recém-nascido?"

Quando você está imerso em pensamentos, seu corpo se torna rígido, pois ele espelha o que está se passado na mente. E, na maioria das vezes, o que se passa na mente é problema que a própria mente está criando. "Preciso pensar nisso, e naquilo..." Quanto mais problemático for um pensamento - e todo pensamento é problemático -, menos vida haverá em seu corpo. O fluxo de energia corporal diminui. Você se torna rígido, tenso, você se reprime.

"Podes deixar que seu corpo se torne tão sutil, como o de um bebe recém-nascido?". Lembre-se que esta é uma tradução livre; se você for levado em conta uma tradução mais literal, o que se diz aqui é: "Você pode concentrar seu Chi, ou energia vital, até que seu corpo se torne tão sutil como o de um recém-nascido?"

Este ensinamento pode ser chamado de Consciência Corporal. Pode você se interiorizar? Levar sua atenção até o interior do corpo, e sentir que você está vivo por dentro? Pode sentir a vitalidade em suas mãos? Pode sentir a vitalidade em seus pés? Pode sentir a vitalidade que inunda todo o corpo? Isso te tira da mente. Mesmo sentados aqui, vocês conseguem sentir isso?

Essa é uma prática taoista muito antiga, ela existe há milhares de anos, é quase tão antiga quanto o Tao Te Ching. Trata-se de respirar dos calcanhares até encima. É dito: "Você pode respirar dos calcanhares até encima?". Claro que não, porque não se podem aspirar com os pés. Mas o que eles querem dizer é para você dirigir sua atenção aos seus pés e imaginar que está respirando daí, que respiras pelos calcanhares. Isso é feito para torná-lo consciente. Comece na parte inferior de todo o seu campo energético. Quando imaginas que respiras desde os seus pés, a energia começa a fluir de baixo até encima. Ao imaginar que realmente se está respirando com os calcanhares, a energia da respiração fluirá pelo corpo. Uma prática muito antiga. (...)

"Podes limpar sua visão interior, até que somente vejas a luz?"

Aí dentro parece que existe algo obscuro, embora haja apenas luz. É somente a mente que "cria" o escuro. Então, o que significa "limpar a visão interior, até que só se veja a luz"?

Por "luz", está se referindo à Luz da Consciência. E "limpar a visão interior" significa silenciar a mente até o ponto em que se torne consciente da própria consciência. Até que você se torne consciente de que você é Consciência. E então você constata que essa Verdade é a que sempre permanece.

Este capítulo, em essência, trata sobre como estar no mundo e, ao mesmo tempo, conectado com a Fonte. Neste momento pode ser útil que te percebas como uma pessoa que não tem passado e um futuro. O que resta de você, aqui e agora, sem isso? O que resta é a Consciência, apenas sua presença. É simplesmente uma presença. Não uma opinião, ou memória. É a luz da consciência, e também é o Tao. Você não pode capturar isso, não pode convertê-la em um objeto de conhecimento e dizer: "Ah, aí está! Ali está, posso vê-la. É a luz da consciência!". Não! Você é a Luz da Consciência e, através dela, pode-se ver tudo. Não pode vê-la, nem tocá-la. Ela subjaz a tudo. É isso que cada um de nós somos em realidade. Dizer "sua presença"... isso não é de todo correto. Porque não existe uma presença para ser "sua", tu mesmo és isso. Há uma unidade nisso. Ao dizer "sua presença" parece que existe uma presença de um lado e a presença de outro por outro lado. Essa linguagem parece criar uma dualidade. E é por isso que o Tao Te Ching nos aponta como a mente, a linguagem, cria uma espécie de ilusão de separação.

"Podes amar aos demais e guiá-los sem impor sua própria vontade?" 

Impor sua vontade, conforme outras traduções - já que estamos vendo distintas versões -, quer dizer: "Você pode viver neste mundo sem ser astuto?". Eu falo sobre isso em um dos meus livros, de como o ego é engenhoso, no sentido de que tenta levar vantagem para si mesmo, ou para "nós". Ele tem seus pequenos planos, tenta usar as pessoas. A maioria dos políticos são engenhosos, são espertos, apenas uns poucos são inteligentes.

Não se envolver em discussões inúteis... não se identificar com posições mentais de "estar certo" todo o tempo: "eu estou certo você está errado!". Essa energia te deixa afasta completamente de si mesmo; não discuta inutilmente. Esteja disposto a escutar, em um estado de abertura. Não se identifique com suas opiniões, já que assim acaba por se opor às opiniões dos outros.

"Podes lidar com assuntos importantes, deixando que eles sigam seus caminhos?" 

Encontrei uma outra tradução, mais próxima da original, que em lugar de dizer "deixando que eles tomem seu caminho", diz: "convertendo-se em feminino". Podes lidar com os assuntos mais importantes, convertendo-se em feminino?

O princípio da feminilidade - e às vezes a palavra feminilidade é usada como sinônimo de Tao. Poderíamos dizer que o princípio feminino é o de "permitir ser", que é assim (neste instante E. Tolle faz movimento de "braços abertos") e o masculino é assim (faz movimento de "braços fechados"). De acordo com este ensinamento, o gênero feminino expressa o Tao mais claramente do que o masculino. É mais fácil de expressar o Tao através da forma feminina do que da masculina.

Se és masculino terás que descobrir a feminilidade (a receptividade) em si mesmo para ser uno com o Tao. Deves descobrir essa receptividade e permitir que a realidade seja aquilo que é. Quando digo "permitir a este momento ser como é", essa é a feminilidade. Não lute com aquilo que é: permita que seja, que haja aceitação.

Às vezes vêem-se estátuas de Kuan Nin com as mãos estendidas, como as da Virgem Maria. Todas são expressões da feminilidade. Tudo é acolhido, tudo é Universal.

Podes tu ser esse acolhimento, em qualquer situação?

Isso gera muitas discussões. Alguma mulher pode dizer: "Não gosto dessa ideia, quero ser poderosa!". Sem se dar conta de que o poder da feminilidade é enorme. O poder desse "permitir ser" é muito maior do que aquele que interfere.

Continua...


terça-feira, maio 12, 2015

Tao Te Ching (Eckhart Tolle) - 1/4

Eckhart Tolle


"Estaremos falando - não apenas falando -, mas entrando na essência de um livro que me tem acompanhado nos últimos trinta anos. Um livro que sempre consulto diariamente, e sigo consultando todos os dias. Leio uma página, ou duas ou três, e medito...

Trata-se de um dos grandes tesouros da literatura espiritual.
É um livro escrito na China há 2.500 anos atrás, o TAO-TE-CHING.

Pode parecer que se passou muito tempo desde aquela época, e sem dúvida o livro continua sendo imensamente vivo. E para um livro escrito há tanto tempo ainda estar tão vivo, significa que foi escrito a partir de uma dimensão muito profunda, apontando algo que está fora do tempo (dimensão atemporal). Se não tivesse sido escrito a partir dessa dimensão - que está fora do tempo - e não apontasse esse algo atemporal, um livro escrito há 2.500 seria irrelevante, não teria sentido e seria na verdade incompreensível.

Isso ocorre com muitos livros, que foram escritos há 20 anos atrás! Até mesmo o jornal de ontem pode hoje estar desatualizado. Logo, existe algo para que este livro continue vivo agora e siga tendo profundo em significado para muitas pessoas. Deve haver algo aí que está fora do tempo.

Essa é a essência deste livro, e isso é o que eu gostaria de aprofundar com vocês.

Assim, não é um livro que abordaremos, mas, não vamos analisar o texto, vamos usar o texto para ir profundamente para nosso interior, e descobrir algo dentro de nós mesmos. O livro não é mais que um recurso, que nos ajuda a descobrir, ajuda a ver nossa conexão com o Todo, com o Universo, ou como vocês o chamam.

Vou explicar brevemente o contexto histórico; pode nos ser útil saber um pouco mais sobre isso.

Este livro foi escrito por volta de 2.500 ou 2.600 anos, na China. Em outras palavras, há 500-600 anos antes de Cristo. Esse foi um período muito apaixonante e significativo, algo incrível estava acontecendo nesses 150-200 anos.

Pela primeira vez na humanidade, pelo que podemos ver, estava acontecendo uma onda universal de despertar espiritual por todo planeta. O autor do Tao Te Ching, Lao-Tse, é um contemporâneo de Buda, que estava na Índia. Os ensinamentos de Buda surgiram aproximadamente na mesma época dos ensinamentos de Lao-Tse, o autor de Tao-Te-Ching.

O Buda começava a ensinar na Índia, e lá também havia outro mestre muito importante, Mahavira, cujos ensinamentos não foram muito longe neste momento, nem tampouco hoje em dia, mas se manteve como algo muito significativo naquele País. Era aproximadamente a mesma época que viveu Buda. Mahavira deu início ao Jainísmo, uma religião muito bonita, que continua sendo praticada na Índia, embasada no termo "ahimsa", que quer dizer "não-violência", isto é, um profundo respeito por todos os seres vivos.

Neses tempos, todos esses ensinamentos estavam sendo revelados e ensinados.

Temos Buda e Mahavira na Índia. Também Zoroastro estava surgindo na Pérsia (não confundir com Zaratrusta de Nietszche). Zoroastro, o Profeta da Pérsia. Temos também na antiga Grécia - e estou falando de antes dos grandes filósofos como Platão, Aristóteles, Sócrates, começarem a ensinar. Estamos falando de antes disso.

Estamos falando dos filósofos pré-Socráticos, pois precediam a Sócrates. Somente encontramos fragmentos de suas filosofias, mas são suficientes para nos mostrar que seus ensinamentos eram, em alguns aspectos, mais profundas que os de Platão, Sócrates e Aristóteles, que eram de outro tipo.

Meus filósofos pré-socráticos favoritos são Heráclito e Parménides. Só temos pequenos fragmentos, mas estes fragmentos nos mostram que estes ensinamentos estavam em contato com a fonte do Ser, a fonte da Vida. A Unidade que existe na essência de todos os fenômenos. E depois, à medida que a filosofia foi se diferenciando, isso foi se perdendo. Os filósofos se tornaram interessados nas diferenças, e a conexão com a raiz da vida, a unidade imanifestada, a dimensão transcendental, gradualmente foi se perdendo.

Estes filósofos de 500-600 anos a.C. ainda tinham esta conexão. Eles também se haviam dado conta de que a humanidade havia perdido essa dimensão, assim foi que tudo se tornou numa onda de despertar, que estava passando por todo o planeta. Vejam que não estamos falando da filosofia como a vemos hoje em dia, tratava-se de uma transformação interior, e não de uma especulação, como ocorre hoje.

Aqueles, eram filósofos que investigavam a si mesmos. Buda e Mahavira não eram especulativos, eram investigadores de si mesmos. Seus ensinamentos eram vivenciados. Tudo era em função de uma transformação interior, e não de se entender algo com sua mente.

Assim, o que temos é: o despertar na Pérsia, o despertar na Índia, o despertar na antiga Grécia... e também Lao-Tsé e seus ensinamentos que surgiam na mesma época na China. Ocorreu uma onda de despertar global, a qual também estamos vivendo nos dias de hoje - só que em uma escala muito maior do que naquela época.

Estamos em um período similar a aquele, exceto porque desta vez a onda de despertar espiritual é muito mais poderosa, está em uma escala muito maior e muito mais generalizada que antigamente. Estamos no meio disso.

Há 200 anos ninguém no Ocidente falava do Tao-Te-Ching. Agora estamos despertando, e é por isso que agora podemos falar do Tao-Te-Ching e compreendê-lo.

Lao Tse estava - pouco se sabe de sua vida... - dizem que ele estava a cargo dos arquetipos de um reino chamado Zhou.Não sabemos com que idade estava, mas começou a se sentir cansado com a corrupção, de como atuava a corte e os conflitos a sua volta, e então ele decidiu deixar seu trabalho e partir sozinho para as montanhas.

A história conta isso, mas não sabemos se é verdade. Diz-se que ele chegou até a fronteira do reino, onde havia uma porteira, e o guardião da fronteira disse que Lao-Tse não poderia passar a menos que escrevesse sua sabedoria. Ele tinha a reputação de um sábio mas nunca havia escrito nada. Então, ele disse: "Está bem vou escrever."

Não sabemos quanto tempo levou, mas escreveu. Após isso a porteira se abriu e o guardião o deixou partir. Este pequeno livro é o Tao-Te-Ching. Esse é o ensinamento, esse é o livro. E então, de acordo com uma versão do que se conta, Lao-Tse montou em um búfalo e partiu para as montanhas e nunca mais foi visto. Em outra versão, dizem que ele seguiu ensinando e chegou a viver até os seus 160 anos.

Tao-Te-Ching é o título do livro, e geralmente não se traduz. Alguns tentaram traduzir o título, mas não tiveram sucesso. Às vezes se coloca um sub-título, que diz assim: "Tao Te Ching - o caminho da virtude". E essa é uma das traduções errôneas. Tao poderia ser traduzido por "O caminho", mas não é possível traduzir o que seja Tao. Mesmo que se traduza como "O caminho", faz pouco sentido. E se você for chinês, isso pouco importa, seguirá sem saber o que significa Tao.

O Tao não se pode nomear - logo falaremos disso.

Em um subtítulo "O caminho da virtude"; Virtude é uma tradução errônea para "Te". Virtude em nosso idioma inglês, não tem vida. Quando foi a última vez que você usou a palavra virtude? Provavelmente há muito tempo, se é que usou alguma vez. Virtude não se usa; O termo "Te" realmente quer dizer é "poder".

Logo, Tao-Te-Ching, seria "O Poder do Espírito", "O Poder da dimensão transcendental". "O Caminho e seu poder" é um subtítulo mais adequado para o Tao-Te-Ching.

O caminho se refere a como viver. O caminho é viver alinhado com o único poder que subjaz no universo. A única coisa que não pode se nomear, que não é uma "coisa". Viver alinhado com o Absoluto, que às vezes chamamos de Deus. Mas quando se diz "Deus", o transformamos em algo, e isso não é certo. Por que Deus não é "algo". É uma "não-coisa" que flui por todo o universo, que confere vida ao universo, e ao mesmo tempo está além dele. Isso é Tao. E somente podes descobri-Lo em si mesmo. Podes viver de uma maneira em que estejas conectado com essa Fonte interior de toda a vida, de todo ser.

"O Caminho e seu poder" - Isto nos ensina como nos alinharmos com esse poder que subjaz a toda a vida; E como disse Lao Tsé: "Por não existir uma palavra adequada para designa-Lo, eu o chamarei de Tao."

Está bem chamá-lo assim, porque é uma palavra que não se presta a distintos significados. Não se pode entender o que exatamente significa.

Da mesma forma, Buda usava a palavra "vazio". Não se pode venerar o vazio. É um termo negativo, que nega a existência da forma. Os humanos sempre tiveram a tendência a venerar a forma. O conceito de Deus surge na mente, que logo começa a falar Dele. Assim Deus se transforma em um conceito, em um ídolo, porque passou a ser nada mais que um pensamento.

Mas não se pode fazer o mesmo com Tao, porque não se pode imaginá-lo, formar uma imagem dele, da mesma maneira que não se pode imaginar o vazio.

Essa é a realidade transcendental da qual o livro fala, e se mostra como um caminho. Existe um grande poder aí.

O Tao Te Ching veio a mim na década dos meus 20 anos. Alguém me disse: "dê uma olhada nisso, é interessante". E fui ver, e algo do livro me atraiu, mas estava tão oculto que não pude compreender. Eu sabia que havia algo ali, alguma verdade, mas não sabia o que era, não podia decifrá-la. Então, o coloquei de lado, e me dediquei a outras coisas. Depois de uns anos, no início dos meus 30 anos, redescobri o livro em outra tradução, que já não existe mais, e não só me encontrei com uma tradução melhor, mas havia ocorrido algo em mim, um despertar, uma mudança de consciência, e através desta nova consciência, li o livro e disse: "Uau!! É a isso que ele se refere!!". Me dei conta da profundidade dessas palavras.

Desde então, o livro em suas diversas versões - não me refiro ao livro físico, mas ao que o Tao-Te-Ching se refere -, nunca mais me abandonou. Sempre esteve comigo, de uma forma ou de outra.

Esta é a história por trás do Tao-Te-Ching. Agora podemos, sim, adentrar nele mais profundamente.

Continua...