quinta-feira, maio 08, 2014

A descoberta do Buda - 2/2

Osho


A Estátua de Buda: um projeto para o interior

Os profetas do antigo Oriente foram muito enfáticos ao afirmar que todas as grandes artes – música, poesia, dança, pintura, escultura – originam-se da meditação. Elas são, de algum modo, um esforço para trazer o incognoscível ao mundo do conhecido, àqueles que ainda não estão prontos para a peregrinação – são só presentes para aqueles que não estão prontos para empreender a peregrinação. Talvez uma canção possa desencadear um desejo de sair em busca da fonte, talvez uma estátua...

Na próxima vez em que você entrar num templo de Gautama, o Buda, ou de Mahavira – o mestre dos jainas –, sente-se silenciosamente e olhe para a estátua , porque a estátua foi feita de tal modo, em tais proporções que, se olhar para ela, você entrará em silêncio. Trata-se de uma estátua de meditação; ela não tem nada a ver com Gautama, o Buda, ou Mahavira.

Eis por que todas aquelas estátuas se parecem – Mahavira, Gautama, o Buda; Neminatha; Adinatha; todos os 24 mestres dos jainas... No mesmo templo você encontrará 24 estátuas, todas parecidas, exatamente iguais. Na infância eu perguntava a meu pai: “Pode me dizer como é possível que 24 pessoas sejam exatamente iguais? – o mesmo tamanho, o mesmo nariz, o mesmo rosto, o mesmo corpo...”

Ele costumava dizer: “Não sei. Eu mesmo fico espantado de que não haja nem uma diferença mínima. E quase não se ouve falar nisso – não existem nem duas pessoas no mundo que sejam iguais, o que se dizer de 24!

Mas à medida que minha meditação floresceu, eu descobri a resposta – ela não foi dada por outra pessoa. Eu descobri a resposta. Essas estátuas não têm nada a ver com pessoas. Essas estátuas têm algo a ver com o que estava acontecendo dentro daquelas 24 pessoas, e era exatamente a mesma coisa.

E nós não nos incomodamos com o lado de fora: insistimos que temos de prestar atenção somente no interior. O exterior não tem importância. Um é jovem, outro é velho; um é negro, outro é branco, um é homem outro é mulher – não importa; o que importa é que dentro existe um oceano de silêncio. Nesse estado oceânico, o corpo assume certa postura.

Você já observou isso em si mesmo, mas não estava alerta. Quando está com raiva – já observou? – seu corpo assume uma certa postura. Na raiva, você não consegue manter as mãos abertas. Com a raiva, elas se fecham. Na raiva, você não consegue sorrir – ou consegue? Com uma certa emoção, o corpo tem de seguir uma certa postura. Coisas bem pequenas estão profundamente relacionadas interiormente.

Assim, aquelas estátuas são feitas de tal modo que, se você simplesmente se sentar silenciosamente e observar, e depois fechar os olhos, uma imagem de sombra negativa entra no seu corpo e você começa a sentir algo que você nunca sentiu antes.

Aquelas estátuas e templos não foram construídos para serem adorados; eles foram construídos para proporcionar uma experiência. Eles são laboratórios científicos. Eles não têm nada a ver com religião. Uma certa ciência secreta foi usada durante séculos; assim, as gerações vindouras pudera entrar em contato com as experiências das antigas gerações – não por meio dos livros, não por meio das palavras, mas por meio de algo que vai mais fundo – por meio do silêncio, da meditação, da paz.


A origem dos Sutras – O Dhammapada

Essas máximas de Buda são chamadas Dhammapada. Esse nome precisa ser compreendido. Dhamma significa muitas coisas. Significa a suprema lei, o logos. Por “suprema lei” quer-se dizer aquilo que mantém todo o universo coeso. É algo invisível, intangível – mas certamente está presente, caso contrário o universo se desintegraria. Um universo tão vasto e infinito, seguindo tão serenamente, tão harmoniosamente, é prova suficiente de que deve haver uma subcorrente que conecta tudo, que junta todas as coisas, que liga todas as coisas – de que não somos ilhas, de que a menor folha de grama está ligada à maior das estrelas. Destrua uma pequena folha de grama e você destruiu algo de imenso valor para a própria existência.

Na existência, não há nenhuma hierarquia, não há nada melhor e nada maior. A maior estrela e a menor folha de grama, ambas, existem como iguais. Daí, o outro significado da palavra dhamma. O outro significado é “justiça”, a igualdade, a existência não-hierárquica. A existência é absolutamente comunista; ela não conhece classes, ela é um todo só. Daí o outro significado da palavra dhamma – justiça.

E o terceiro significado é retidão, virtude. A existência é muito virtuosa. Mesmo que você encontre algo que não possa chamar de virtude, deve ser por causa da sua incompreensão, pois a existência é absolutamente virtuosa. Seja o que for que aconteça, sempre acontece acertadamente. O errado nunca acontece. Pode parecer errado para você, porque você tem uma ideia do que é certo, mas quando você olha sem nenhum preconceito, nada é errado, tudo está certo. Nascimento é certo, morte é certo. Beleza é certo e feiura é certo.

Mas nossa mente é pequena, nossa compreensão é limitada; não podemos ver o todo, sempre vemos somente uma pequena parte. Somos como uma pessoa escondida atrás da porta e que olha para a rua através do buraco da fechadura. Ela sempre vê coisas... sim, alguém está se movendo, um carro passa de repente. Num momento não estava lá, noutro momento está ali e, em seguida, vai embora para sempre. É assim que estamos olhando para a existência. Dizemos que algo está no futuro, então entra o presente e, em seguida, vai para o passado.

Na verdade, o tempo é uma invenção humana. Ele é sempre agora! A existência não conhece nenhum passado, nenhum futuro – ela conhece somente o presente.

Mas nós estamos sentados atrás de um buraco de fechadura, espiando. Uma pessoa não está presente; depois, de repente, aparece; e depois, de repente, assim como apareceu, desaparece outra vez. Então, você tem de criar o tempo. Antes de a pessoa aparecer, ela estava no futuro. Então ela apareceu; agora está no presente – mas ela é a mesma! E, de repente, você não pode vê-la nunca mais através do buraquinho da fechadura – ela tornou-se passado. Nada é passado, nada é futuro – tudo é sempre presente. Mas nossos modos de ver são muito limitados.

Desse modo, continuamos a perguntar por que existe miséria no mundo, por que existe isso e aquilo... Por quê? Se pudéssemos olhar para o todo, todos esses “porquês” desapareceriam. E para olhar para o todo, você terá de sair do seu quarto, você terá de abrir a porta... – você terá de abandonar essa visão de buraco de fechadura.

Eia o que é a mente: um buraco de fechadura, e um buraco de fechadura bem pequeno. Comparado com o vasto universo, o que são os nossos olhos, ouvidos e mãos? O que podemos abarcar? Nada de muita importância. E ficamos muito apegado àqueles diminutos fragmentos de verdade.

Se você vir o todo, tudo é como deveria ser – esse é o significado de “tudo está certo”. O errado não existe. Somente Deus existe; o demônio é criação do homem.

O terceiro significado de dhamma pode ser “Deus” – mas Buda jamais usa a palavra “deus”, porque ela ficou erradamente associada com a ideia de uma pessoa, e a Lei é uma presença, não uma pessoa. Desse modo, Buda jamais usa a palavra “deus”, mas sempre que ele quer transmitir algo de Deus, ele usa a palavra dhamma. A mente de Buda é a de um cientista muito profundo. Por causa disso, muitos chegaram a pensar que ele era ateu. Ele não é. Ele é o maior teísta que o mundo já conheceu ou conhecerá – mas ele nunca fala sobre Deus. Ele nunca usa a palavra, eis tudo. Mas, por dhamma, ele quer dizer exatamente o mesmo. “Aquilo que é” é o significado da palavra “deus”, e esse é exatamente o significado de dhamma.

Dhamma também significa “disciplina” – diferentes dimensões da palavra. A pessoa que quer saber a verdade terá de disciplinar-se de muitos modos. Não se esqueça do significado da palavra “disciplina” – ela simplesmente quer dizer a capacidade de aprender, a disponibilidade para aprender, a receptividade para aprender. Daí a palavra “discípulo”. “Discípulo” quer dizer “aquele que está pronto para abandonar seus antigos preconceitos”, para deixar a mente de lado e olhar para a questão sem nenhum preconceito, sem nenhum conceito a priori.

E dhamma também quer dizer verdade suprema. Quando a mente desaparece, quando o ego desaparece, o que permanece? Algo certamente permanece, mas isso não pode ser chamado de “algo” – assim, Buda o chama de “nada” (nothing). Mas deixe-me lembrar-lhe, caso contrário, você compreenderá mal: sempre que ele usa a palavra “nada”, ele quer dizer “não-coisa” (no-thing). Divida a palavra em duas: não a use como uma só palavra – use um hífen entre “não” e “coisa”, então você saberá exatamente o significado de “nada” (nothing).

A lei suprema não é uma coisa. Não é um objeto que você possa observar. Trata-se da sua interioridade; é subjetividade.

Buda teria concordado totalmente com o pensador dinamarquês Sören Kierkegaard. Ele diz: Verdade é subjetividade – eis a diferença entre fato e verdade. Um fato é algo objetivo. A ciência continua buscando cada vez mais fatos, e a ciência nunca chega À verdade – ela não pode, pela própria definição da palavra. A verdade é interioridade do cientista, mas ele nunca olha para ela. Ele continua observando outras coisas. Ele nunca fica ciente do seu próprio ser.

Este é o último significado de dhamma: sua interioridade, sua subjetividade, sua verdade.

Uma coisa muito significativa – deixe que ela penetre fundo no seu coração: a verdade jamais é uma teoria, uma hipótese; ela é sempre uma experiência. Desse modo, minha verdade não pode ser a sua verdade. Minha verdade é, inescapavelmente, minha verdade; ela continuará sendo minha verdade, não pode ser a sua. Nós não a compartilhamos. A verdade não pode ser compartilhada, ela é intransferível, incomunicável, inexprimível.

Eu posso explicar a você como eu cheguei a ela, mas eu não posso dizer o que ela é. O “como” é explicável, mas não o “porquê”. A disciplina pode ser mostrada, mas não o alvo final. Cada um tem de chegar a ele do seu próprio modo. Cada um tem de chegar a ele no seu próprio ser interior. Na absoluta solitude, ele é revelado.

E a segunda palavra é pada. Pada também tem muitos significados. Um deles, o significado mais fundamental, é “caminho”. A religião tem duas dimensões: a dimensão do “o que” e a dimensão do “como”. Sobre o “o que”, nada se pode falar – é impossível. Mas do “como”, pode-se falar, o “como” pode ser compartilhado. Esse é o significado de “caminho”. Eu posso indicar o caminho a você, posso lhe mostrar como eu viajei, como eu cheguei aos picos ensolarados. Mas eu não posso dizer como é estar nos picos ensolarados.

Pada quer dizer "caminho". Pada também quer dizer "passo" - base, fundação. Todos esses significados são expressivos. Você tem de sair de onde você está. Você tem de ser tornar um grande processo, um grande crescimento. As pessoas tornaram-se poços estagnados; elas têm de se tornar rios, porque somente rios chegam no oceano. E também quer dizer fundação, porque é a verdade fundamental da vida. Sem dhamma, sem relacionar-se de algum modo com a verdade suprema, sua vida não tem nenhuma fundação, nenhum sentido, nenhuma significância, ela não pode ter nenhuma glória.

Esses sutras que compõem o dhammapada precisam ser compreendidos não intelecutalmente, mas existencialmente.


Numa única palavra, tudo o que é significativo está contido: Sammasati

Gautama, o Buda, não é o único buda na história do mundo: milhares de budas vivem e já viveram no mundo, em diferentes partes do mundo. Eles podem não ser conhecidos como "budas", mas "buda" simplesmente significa "o desperto".

A palavra "buda" simplesmente quer dizer "o desperto". Esse não era o nome dele. Seu nome era Gautama Sidarta. Quando ele se tornou iluminado, aqueles que compreenderam sua iluminação começaram a chamá-lo de Gautama, o Buda. Mas a palavra "buda", de acordo também com Gautama Buda, é simplesmente inerente a todo ser humano - e não somente a todo ser humano, mas a todo ser vivo. É a qualidade intrínseca de todo mundo. Todo mundo tem direito, por nascimento, de tornar-se um buda. Qualquer pessoa desperta, em qualquer lugar do mundo, tem o direito de ser chamado de "buda". Gautama, o Buda, é somente um dos milhões de budas que aconteceram e que acontecerão.

A única qualidade que o buda tem, no centro do seu ser, é a observação, o testemunhar. Testemunhar é o todo da espiritualidade resumido numa única palavra. Testemunhe que você não é o corpo, testemunhe que você não é a mente e testemunhe que você é somente a testemunha. Apenas um espelho refletindo - sem nenhum julgamento, sem nenhuma apreciação, sem nenhuma condenação - espelho puro. Eis o que o buda é.

Ser um buda não é ser budista. O budista é um seguidor, o buda sabe. A descoberta do Buda significa a descoberta de si mesmo.

No momento em que você conhece sua própria condição de buda, você conhece todos os budas - a experiência é a mesma.


Fique silencioso. Feche os olhos.
Olhe para dentro tão profundamente quanto possível.
Esse é o caminho.
Lá, no fim do caminho, você é o buda.

E a jornada é muito curta - um único passo.
Só é preciso total urgência e absoluta honestidade
para olhar direto dentro do seu próprio ser.
Lá está o espelho; o espelho é o buda.
Ele é sua natureza eterna.
Você tem de entrar cada vez mais e mais fundo, até descobrir a si mesmo.
Não hesite. Não há nenhum medo.
É claro, você está sozinho, mas essa solitude é uma experiência enorme, bela.
E neste caminho você não encontrará ninguém, exceto você mesmo.

Relaxe e seja apenas um espelho observador,
que testemunha, refletindo tudo.
Nem aquelas coisas têm intenção de ser refletidas,
Nem você tem intenção de captar seus reflexos.
Simplesmente seja um lago silencioso refletindo,
e toda a bem-aventurança é sua.
Este momento presente se torna a não-mente, o não-tempo,
apenas uma pureza, um espaço sem fronteiras.
Essa é a sua liberdade.

E a menos que você seja um buda, você não é livre.
Você não conhece nada da liberdade.
Deixe essa experiência mergulhar fundo em cada fibra do seu ser.
Fique ensopado, encharcado.
Quando você voltar, volte encharcado
com a névoa da sua natureza búdica.
E lembre-se desse espaço, desse caminho,
porque você tem de carregá-lo durante as 24 horas
em todas as suas ações.
Sentado, em pé, andando, dormindo, você permanece um buda.
Então, toda a existência se torna um êxtase.


4 comentários:

  1. Foi dito: "Ser um buda não é ser budista. O budista é um seguidor, o buda sabe. A descoberta do Buda significa a descoberta de si mesmo."

    No Núcleo dizemos que "a mente (do personagem) acredita/não acredita; a Consciência (do Ser)sabe." O budista é o personagem; buda é o Ser Real. So há buda! Quando o personagem é des-coberto... revela-se buda!

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  2. Aproveitando o ensejo:
    Ser budista é a "mentira";ser Buda, é a "Verdade".

    Ou,ser cristão é a mentira; ser Cristo é a Verdade...

    O convite dAquele que É, é: Seja Quem você É! (conscientemente).

    O personagem, que normalmente, pensamos que somos (sem as revelações), não pode perceber ISTO. Só Buda/Cristo percebe Buda/Cristo.

    E, Quem somos Agora, é a única Presença Onipresente, quer isto seja percebido ou não.

    Namastê!

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  3. Perfeito SERgio!

    Que isso seja contemplado, percebido e experienciado!

    Namastê! _/\_

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