segunda-feira, abril 08, 2013

A instrução Silenciosa - 3/5

 
Ramana Maharshi


Discípulo: Que é Dyana ou Meditação?

Mestre: É a permanência no Eu Real a todo instante, sem que haja nem mesmo o pensamento “eu estou em meditação”. Meditar é estar absorto no Ser. Nesse estado não há nem vestígios dos estados de vigília, sonho e sono. Portanto , o Sono aparente também deve ser considerado meditação.
 
Discípulo: Que diferença há entre essa meditação e o Samadhi?

Mestre: A meditação é iniciada e mantida pelo esforço mental consciente, ao passo que o Samadhi ocorre quando esse esforço desaparece de todo.

Discípulo: Quais são os fatores essenciais a que devemos prestar atenção especial na prática da meditação?

Mestre: Para nos mantermos fixos no Eu Real, o mais importante é não nos distrairmos – nem por um momento. Não nos devemos enganar e deixar levar imaginando como reais os fotismos e visões que se nos apresentam, nem mesmo ouvindo o harmonioso e estranho “nada” (som) ou “figurar divinas” que apareça, dentro ou diante de nós. Se o conhecimento das impressões externas é irreal, como podem ser reais os objetos revelados por tal conhecimento?

Na sadhana deve-se prestar atenção especial aos pontos seguintes:

a) O aspirante atingiria a autorealização em muito pouco tempo se dedicasse à investigação séria em busca do Ser todos os minutos que desperdiça a pensar em objetos, os quais constituem o não ser.

b) Enquanto a mente não houver conseguido fixar-se no Ser, ser-lhe-á essencial a prática da meditação impregnada de emoção religiosa (bhâvâna) (1) pois do contrário se tornará presa fácil de pensamentos errantes ou será vencida pelo sono.

c) O aspirante não deve gastar seu tempo em interminável e vã repetição de mantras como (Sivohah) -  (Eu sou o Senhor Supremo) ou “aham Brahmasmi” (Eu sou Brahman), os quais podem ser considerados características do Nirgunopasana (culto do Ser sem atributos). Isso ajuda a fortalecer a mente, mas, uma vez fortalecida esta por tal repetição ou upâsana, o aspirante deverá praticar a Atmavichâra, permanecendo como é, sem superposição das idéias de que “Eu sou Brahman”etc..

d) A excelência da sadhana ou método de prática adotado consiste essencialmente em não permitir que entre em nossa mente pensamento algum.

Discípulo: Se, como se diz, tudo acontece de acordo com o destino e, por isso, os obstáculos que nos retardam e impedem a meditação podem ser considerados insuperáveis, como podemos ter esperança de vencê-los?

Mestre: O chamado destino, que impede a meditação (dhyana), existe para a mente extrovertida, mas não para a mente introvertida. Portando, quem busca o SER interiormente permanecendo como é, não se impressiona por qualquer impedimento que surja na prática da meditação. O pensar em tais obstáculos é o maior impedimento.

Discípulo: Qual a disciplina que o aspirante observar?

Mestre: Sobriedade na alimentação, no falar e no dormir.

Discípulo: Quanto tempo deve durar a sadhana?

Mestre: É indispensável a prática incessante até que, sem esforço, a mente se fixe no seu estado original, livre de pensamentos, isto é, até que as idéias de “eu” e “meu” sejam completamente extirpadas e destruídas.

Discípulo: Que significa a solidão ou retiro que se recomenda para o desenvolvimento espiritual?

Mestre: Sendo o Eu Real onipresente, não se pode determinar um lugar para o seu retiro. Contudo, estar tranqüilo é permanecer litário.

Discípulo: Como se distingue a verdadeira sabedoria?

Mestre: Conhecido o que é verdadeiro e real, a sabedoria consiste em não de deixar atrair e desviar por coisa alguma. Enquanto vir a mínima diferenciação no Absoluto, que é uno, universal e perfeito, e com o qual deve identificar-se, o aspirante terá desejos, medo, ira etc., o que denota falta de sabedoria. Aquele que se identifica com o corpo físico é muito ignorante, e dessa falsa identificação, causa de todas as “vkâras (perversões) da mente, tais como o desejo, o medo e a ira”.

Discípulo: É a Sânnyâsa (renúncia completa a toda posição mundana, propriedade e nome) condição indispensável para a realização da Âtmanishtha (permanência firme no Eu Real)?

Mestre: O único meio de se atingir a Âtmanishtha é o esforço continuado no sentido de se desligar do corpo. Esse desligamento resulta da maturidade e pureza da mente e da prática da Âtmavichara (auto-investigação) e não de fatores como as “Âsrâmas”.

A ligação ao corpo é um complexo da mente. Os símbolos das Âsrâmas (tais como a tonsura, as túnicas ocres, etc.) e suas respectivas regras de conduta pertencem exceto até onde purifiquem a mente – apenas ao corpo e são exteriores. Como poderá a submissão a regras de conduta externa eliminar as ligações que são da mente? E muito menos o uso de símbolos.

Sendo a ligação ao corpo devida à imaturidade e impureza da mente e à falta de Atmavichâra, essa ligação não poderá ser desfeita enquanto a mente não amadureça e se purifique e adote a prática da Atmavichâra.

A Sânnyâsa Âsrâma é simplesmente um meio para se chegar a vairâgya ou calma, e esta por sua vez, um meio de facilitar a Atmavichâra.

A Sânnyâsa Âsrâma pressupõe pureza e maturidade da mente, mas, na ausência disto, é muito mais benéfico, para o indivíduo e a sociedade, levar a vida de chefe de família, cumprindo fielmente seus deveres, que desperdiçar a existência adotando a Sânnyâsa Âsrâma.

A verdadeira significação da Sânnyâsa, ou renúncia consiste em o homem e libertar das sankalpas e vikalpas, as quais absorvem a mente e constituem de fato, “a família da ligação”;  ou, em outras palavras, consiste na renúncia às ligações mentais domésticas (e não simplesmente no uso de símbolos de renúncia), de modo que a mente possa fixar-(se no Eu Real).

Discípulo: Se o conhecimento do Ser não pode revelar-se ao aspirante enquanto persiste neste qualquer vestígio da ideia de “ eu sou o fazedor” – como poderá o chefe de família que deseja a Libertação cumprir seus deveres sem essa ideia (“eu-sou-o-fazedor”)?

Mestre: Não existe tal princípio de que só se façam as coisas em virtude da ideia – de “ eu sou o fazedor”; portanto não há razão para se duvidar disso e perguntar: “Podem-se fazer as coisas ou desempenhar funções sem a ideia de “eu-sou-o-fazedor?” Vejamos um exemplo comum: o funcionário do Tesouro, ao trabalhar, o dia inteiro, com grande cuidado e atenção, pareceria como se estivesse arcando com todas as responsabilidades financeiras da instituição. Entretanto, sendo cônscio de que não está absolutamente ligado à renda, em tudo o que faz permanece livre à renda, em tudo o que faz permanece livre da ideia de “eu-sou-o-fazedor”, embora cumprindo satisfatoriamente os seus deveres. Assim, também é possível ao sábio chefe de família, cumprir seus deveres na vida (o que, afinal, correspondem ao seu Karma) sem qualquer ligação, considerando-se como simples instrumento empregado para esse fim. Tal Karma não representa um obstáculo no caminho que o conduz ao Conhecimento, e este não dificulta o cumprimento de seus deveres na vida. O Conhecimento e o Karma nunca são incompatíveis.

Discípulo: Como pode o chefe-de-família que seja um Sábio (Jnani), indiferente ao seu próprio conforto pessoal, ser útil ao lar, vice-versa?

Mestre: Se for de seu Karma o trabalhar para a manutenção da família, ele o fará. E tendo-se utilizado o cumprimento dos deveres de chefe-de-família como um meio para a aquisição do Conhecimento, que é superior a todas as vantagens, sentir-se-á perfeitamente satisfeito e feliz, sem necessidade de mais benefício algum de parte da família.

Discípulo: Como podem a quietude (nivritti) e a Paz da mente ser adquirida em meio das prementes obrigações para a família?

Mestre: O Sábio (Jnani) percebe ativo aos outros, mas em si mesmo, ele não o é: embora cumpra tarefas imensas, não se considera ativo. As aparentes atividades de um chefe-de-família iluminado – não podem interromper sua quietude e repouso. Sabe que todas as atividades dependem dele e que ele não depende delas; permanece como testemunha tranquila de todas as atividades empíricas que se operam em sue redor.

Discípulo: Suas atividades empíricas, como produtos do Karma passado, não lhe deixam na mente impressões para se manifestarem outra vez?

Mestre: Como poderá o Karma deixar impressões na mente de um Jnani; se este como tal já está livre de tendências mentais latentes e não se liga a nenhuma atividade?

Discípulo: Que é Brahmacharya?

Mestre: A busca de Brahma.

Discípulo: Pode a Brahmacharya (como ordem de vida    religiosa) auxiliar-nos na aquisição do Conhecimento?

Mestre: Sendo a observância das regras da Brahmacharya, o controle dos sentidos etc., o mesmo que se exige ao pesquisador do Conhecimento, tal vida disciplinada tem que ser condizente ao progresso espiritual.

Discípulo: É admissível passar-se da primeira ordem de vida religiosa (Brahmacharya) diretamente à quarta (Sânnyâsa)?

Mestre: As quatro ordens de vida não são imperativas para o pesquisador intimamente amadurecido. O auto-realizado não faz distinção entre as ordens de vida religiosa. A asrama não o ajuda nem o prejudica.

Discípulo: O Sadhaka (aspirante) perde se não observa as regras de casta e ordens de vida?

Mestre: Todas as observâncias têm em mira a prática do conhecimento. Quem pratica o conhecimento constantemente não está preso a regras. Se adere a alguma disciplina, é simplesmente para que sua vida sirva de exemplo para os outros. Sua adesão a uma disciplina ou seu afastamento dela não lhe significa lucro nem perda.
 
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