- Masaharu Taniguchi -
Algumas pessoas pensam que a finalidade da religião é pregar a salvação do homem após a morte. Porém, a verdadeira religião prega a salvação do homem nesta vida, ensinando a Verdade da Vida. Tanto o cristianismo como o budismo tem como essência a Verdade da Vida – portanto são religiões verdadeiras. Se a religião não pudesse salvar o ser humano nesta existência, como poderia ela garantir-nos a salvação após a morte? Mesmo que a salvação após a morte nos seja garantida, não há razão para não buscarmos a salvação nesta vida. Penso que é justamente a salvação nesta vida que nos conduz à certeza da salvação após a morte.
Em que consiste, então, a salvação nesta vida? Alguns pensam que ser salvo é ser liberto dos sofrimentos e das dificuldades e passar a desfrutar uma vida de fartura e conforto, tal como um peixe liberto da rede e solto no oceano. Porém, a verdadeira salvação não consiste simplesmente em alcançar melhor situação econômica ou obter a cura da doença.
Penso que, em última análise, alcançar a salvação é recuperar a verdadeira liberdade que nos é inerente – a liberdade da Vida. Referindo-se a isso, Sakyamuni usou o termo gedatsu, que significa "ser salvo", isto é, libertar-se de todos os apegos, aflições e sofrimentos e alcançar o satori – a iluminação. O "satori" do budismo corresponde ao "arrependimento" de que fala a doutrina cristã. Arrependimento não consiste somente em reconhecer o erro cometido e tomar a decisão de não tornar a errar. Isto é apenas "arrependimento parcial". O arrependimento completo consiste na transformação total da postura mental. Algumas pessoas traduzem a palavra inglesa "conversion" simplesmente como o ato de aderir a um doutrina; mas o verdadeiro significa dessa palavra é "arrependimento completo, em que a pessoa muda por inteiro a sua postura mental e, como consequência disso, o seu mundo se transforma totalmente". O "mundo" a que me refiro aqui não é o mundo físico, e sim o mundo interior. Mudar completamente a postura mental, abandonando, de uma vez por todas, a ideia de que somos criaturas cheias de pecado, e descobrir o nosso "Eu Verdadeiro" isento de pecado e sofrimento – este é o verdadeiro arrependimento. Em outras palavras, o verdadeiro arrependimento consiste em abandonarmos completamente a ideia de que somos seres constituídos de corpo carnal, sujeito a pecados, e nos conscientizarmos de que somos filhos de Deus, isentos de pecado. Esta é a verdadeira conversão.
Em última análise, o verdadeiro arrependimento consiste em deixarmos de pensar que somos mera existência material e alcançarmos a sublime conscientização de que somos filhos de Deus e, portanto, existência espiritual. Jesus Cristo pregou: "Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus" (Mateus 3:2). Lendo a Bíblia em inglês, constatei que o referido versículo diz: "The Kingdom of Heaven is at hand". Na tradução do inglês para o japonês, o termo "at hand" é usado com a conotação de "estar se aproximando"; devido a isso, muitos pensam que o reino dos céus "está para chegar". Porém, o referido termo em inglês significa também "ao alcance", e no mencionado versículo foi usado com esse significado. Portanto, a advertência de Jesus Cristo não foi no sentido de que "devemos nos preparar, arrependendo-nos dos pecados, porque o reino dos céus vai chegar daqui a algum tempo". A referida afirmação "at hand" significa "estar à mão" ou "estar ao alcance, para ser desfrutado desde já". Sendo assim, contanto que nos arrependamos verdadeiramente, podemos passar a desfrutar imediatamente as graças do reino dos céus. Este é o verdadeiro significado da referida passagem bíblica.
O verdadeiro arrependimento não consiste em tentarmos nos redimir cada vez que cometemos um erro, de modo a melhorarmos gradativamente, mas sim em abandonarmos, de uma vez por todas, a ideia de que somos criaturas pecadoras, e compreendermos que somos filhos de Deus, criados à imagem do Pai, que é Existência espiritual e eterna. Quem se arrepender verdadeiramente há de encontrar o paraíso aqui e agora, nesta vida terrena.
"Ninguém subiu ao céu, senão aquele que desceu do céu"
No Evangelho de São João (3: 2-13), consta a passagem em que Jesus diz o seguinte a Nicodemos, um dos principais entre os judeus: "Em verdade, em verdade te digo que não pode ver o reino de Deus senão aquele que nascer de novo". Nicodemos, que já era bastante idoso, perguntou-lhe então: "Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe e renascer?". Jesus explicou, em linhas gerais, o seguinte: "Não estou falando em renascimento físico. O que nasce da carne, será sempre carne. Ainda que o ser humano pudesse renascer do útero de uma mulher, e passasse por tal renascimento quantas vezes desejasse, ele nascerá sempre como um ser carnal (material)". Isso não é o verdadeiro renascimento. O verdadeiro renascimento consiste em compreendermos a sublime Verdade de que não somos meros corpos carnais, e sim "existência real" de natureza espiritual. O vento sopra, e você ouve o ruído, mas não sabe de onde o vento vem, nem para onde ele vai. Se nem das coisas terrenas você entende, como pode entender das coisas celestes? "Somente aquele que desceu do céu, pode subir ao céu". Dessas palavras de Jesus Cristo, podemos depreender que somente aqueles que desceram do céu podem tornar ao reino do céu, ou, em outras palavras, somente aqueles que se originaram de Deus podem voltar para junto de Deus. O que nasce da carne será sempre carne. O ser humano enquanto "corpo carnal" sujeito aos pecados não pode entrar no reino do céu, ou seja, reino de Deus, por mais que se arrependa e procure melhorar sua conduta.
Como será o reino de Deus? Conforme consta numa passagem do Evangelho de São Lucas (17:20-21), Jesus Cristo disse: "O reino de Deus não virá com aparato; nem se dirá: 'Ei-lo aqui, ou ei-lo acolá'. Porque eis que o reino de Deus está no meio de vós". O significado dessas palavras é o seguinte: O reino de Deus não pode ser visto "aqui" ou "acolá", no mundo material, pois ele existe dentro de nós mesmos, e o encontramos quando compreendemos que nossa Vida provém do Espírito de Deus que se alojou em nós. Assim sendo, não é possível descrever o aspecto do reino de Deus como se descreve o aspecto do mundo material. O reino de Deus existe dentro de nós mesmos, e o encontramos quando mudamos completamente o conceito acerca de nossa própria natureza.
Até agora, julgávamos o ser humano uma criatura cheia de pecados e prisioneira de seu próprio carma, e com esse pensamento vínhamos tolhendo a nós mesmos. Devemos nos libertar desse tolhimento, transcendendo o "eu fenomênico" cheio de pecados, e conscientizando verdadeiramente que o Espírito de Deus proveniente dos céus vive dentro de nós. Portanto, o nosso "Eu verdadeiro" não é o "corpo carnal" sujeito ao tolhimento e cheio de imperfeições, mas sim a Vida infinita presente em nós, proveniente de Deus. Só então podemos dizer que nos arrependemos verdadeiramente; só então podemos afirmar a nossa natureza divina, tal como o apóstolo Paulo expressou: "E vivo, não mais eu, mas é Cristo quem vive em mim". Cristo não é apenas uma pessoa de carne e osso que nasceu na Judeia há cerca de dois mil anos, mas sim uma expressão sublime da Verdade eterna, que surgiu na Judeia naquele tempo. O próprio Jesus Cristo disse: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (João 14:6). Assim como Jesus Cristo, todo ser humano traz dentro de si a natureza divina eterna. No Evangelho de São João, lemos as seguintes palavras de Jesus Cristo: "Já não vos chamarei de servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor. Mas chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo aquilo que ouvi de meu Pai" (João 15:15). Todos nós temos, latente, a mesma natureza divina de Jesus Cristo. E quando compreendemos isso, deixamos de ser servos e tornamo-nos irmãos e amigos do Cristo-Filho de Deus.
Parábola do mendigo e a riqueza oculta, contida na Sutra do Lótus
Todos nós temos, latente, a natureza divina eterna, mas não percebemos isso. Enquanto não nos damos conta de nossa natureza divina, somos meros servos de Jesus Cristo, mas quando despertamos para essa nossa natureza verdadeira, tornamo-nos amigos dele.
Também no budismo (sutra do Lótus) há uma passagem que se refere à natureza divina latente do ser humano. Trata-se da parábola do mendigo e a riqueza oculta: Certa vez, um homem rico, que saiu para tratar de negócios, encontrou no caminho um velho amigo a quem não via há muitos anos. O amigo estava num estado deplorável: sujo, maltrapilho e macilento, parecendo não ter se alimentado há muitos dias. "Que foi que aconteceu com você? – perguntou-lhe o homem rico. "Estou desempregado e passando necessidade, como pode ver" – respondeu o amigo. Compadecido, o homem rico lhe disse: "Eu estava indo para tratar de negócios, mas não posso deixá-lo nesse estado. Vou levá-lo à minha casa, e oferecer-lhe almoço". Assim, o homem rico levou o amigo pobre para sua casa e mandou servir uma lauta refeição acompanhada de saquê. O amigo pobre, após comer e beber até saciar-se, acabou adormecendo. O homem rico, vendo que já estava na hora de sair para atender a um compromisso de negócio, sacudiu o amigo para acordá-lo, mas este continuou profundamente adormecido. O homem rico, que queria tirar o amigo da miséria, teve uma ideia e imediatamente colocou-a em prática: Descosturou um pouco a gola do casaco do amigo, colocou dentro dela uma pedra preciosa de grande valor, e refez a costura. "Pronto! Agora o meu amigo é dono desta pedra preciosa de grande valor. Basta ele apalpar a gola para descobri-la. Vendendo esta pedra, poderá conseguir muito dinheiro e refazer sua vida".
Em seguida, o homem rico saiu para tratar de negócios, e quando ele voltou ao anoitecer, o amigo pobre já havia partido. Passaram-se alguns meses, e um dia o homem rico tornou a deparar com aquele velho amigo, o qual continuava sujo e maltrapilho como da vez anterior. Surpreso, o homem rico perguntou: "Que é que você tem feito de sua vida?", e o outro respondeu: "Como vê, continuo na miséria". "Não é possível" – disse o homem rico – "eu lhe dei uma pedra preciosa de enorme valor". "Não sei do que você está falando". "Examine a gola do seu casaco. Isso! Notou que há algo dentro dela, não é? Abra-a e verá que se trata de uma pedra preciosa de grande valor". E assim o amigo pobre, que se julgava sem um tostão, finalmente descobriu a pedra preciosa de valor incalculável que estava oculta dentro gola de seu casaco.
Nesta parábola, a pedra preciosa de valor incalculável corresponde à natureza divina de que todos nós somos dotados. Embora tenhamos natureza divina, ela será inútil enquanto não conscientizarmos isso. Porém, a partir do momento em que despertarmos para nossa natureza divina, ela passará a manifestar infinitas virtudes.
Dentre todos os sutras budistas, o sutra do Lótus é o que contém a verdade mais profunda, que Sakyamuni guardou consigo durante quarenta anos e revelou por último. Nele consta a Verdade de que todos nós temos natureza búdica (ou seja, natureza divina), perfeita e eterna. O verdadeiro arrependimento consiste em compreendermos que não somos criaturas imperfeitas e pecadoras, mas sim seres dotados de natureza divina eterna. Parafraseando Jesus Cristo, podemos dizer: "Arrepende-te, pois o reino de Deus está aí mesmo, junto a ti", "Abre os olhos e vê, o paraíso está 'dentro da gola' de tua própria roupa". Quando descobrimos nossa natureza verdadeira, compreendemos que estamos no Paraíso, na Terra Pura, aqui mesmo neste mundo.
Nosso "Eu Verdadeiro" não é o corpo físico, de duração limitada, que com o passar dos anos se desgasta e envelhece, e sim o ser espiritual dotado de natureza divina. O apóstolo Paulo disse: "E vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim". Quem não é cristão, não precisa mencionar "Cristo". Os budistas podem dizer "Buda vive em mim", e os seguidores do hinduísmo podem dizer "Brahma vive em mim". Qualquer que seja a religião, é fundamental que a pessoa desperte para a Verdade e compreenda que traz dentro de si a Vida de Deus. Esse despertar é a conversão, é o verdadeiro arrependimento; no budismo, é a iluminação, a libertação, a "obtenção da serenidade espiritual".
Quando despertamos para nossa natureza divina, manifesta-se a força infinita, latente em nós desde o princípio. O que acontece quando se manifesta a força infinita? Naturalmente, passam a ocorrer efeitos correspondentes, beneficiando-nos em tudo: se estamos doentes, recuperamos a saúde; se temos problemas, encontramos a solução; se estamos com dificuldades financeiras, a situação melhora rapidamente, e assim por diante. Alguns riem, quando afirmo isto; dizem que acreditar nisso é crer numa magia. Porém, não se trata disso. Como podemos constatar em diversas passagens bíblicas, o próprio Jesus Cristo, pelo poder de sua força divina, curava os doentes e socorria os pobres. Quanto a resolver o problema de carência material, não consta alusão clara na Bíblia, mas isso fica subtendido em algumas passagens, como – por exemplo – aquela em que Jesus Cristo, após pregar para a multidão à margem do lago Genesaré, falou com Simão Pedro (que nessa época ainda era pescador), e aconselhou-o a "fazer-se ao largo e lançar a rede"; por terem seguido o conselho, Simão Pedro e seus colegas conseguiram apanhar "tão grande quantidade de peixes, que a sua rede rompia-se" (Lucas 5: 4-7). Eles obtiveram a fartura porque, ouvindo as palavras da Verdade que Jesus Cristo pregara, compreenderam que o ser humano traz dentro de si Vida infinita e a capacidade ilimitada que o possibilitam conseguir todas as coisas necessárias para seu sustento.
Em Mateus 14: 17-21, Marcos 6:38-44 e Lucas 9:13-17, consta que Jesus Cristo, tomando cinco pães, multiplicou-os e distribuiu-os a cinco mil pessoas. Segundo as referidas passagens bíblicas, todos se saciaram e ainda sobraram doze cestos cheios de pães. Talvez haja quem duvide que possa acontecer tal milagre. Mas aconteceu. Assim é a religião. Ela transcende a matemática. A salvação que oferece transcende as leis matemáticas e as leis físicas, e por isso podemos dizer que é a verdadeira salvação, proporcionada por Deus. Enquanto estivermos presos ao mundo regido pelas leis físicas, onde prevalece a relação de causa e efeito, não podemos nos considerar verdadeiramente salvos. Alcançar a verdadeira salvação, proporcionada por Deus através da religião, consiste em transcender o mundo regido pela lei da causalidade e atingir o estado de liberdade total, pelo conhecimento da Verdade. Jesus Cristo disse: "A Verdade vos tornará livres" (João 8:32). Sendo ele próprio a personificação da Verdade, Jesus Cristo tem o poder de nos livrar do tolhimento da lei da causalidade e tornar-nos verdadeiramente livres.
Se o único meio de nos livrarmos dos efeitos cármicos que acumulamos ao longo de nossas existências anteriores consistisse em irmos pagando um por um todos os erros e pecados do passado, não precisaríamos de religião. Bastaria nos esforçarmos incessantemente para acumularmos boas ações e irmos redimindo, pouco a pouco, os erros e pecados cometidos ao longo de nossas existências. Porém, como os efeitos cármicos também continuarão se acumulando, jamais conseguiríamos redimir todos os erros e pecados. Desse modo, jamais poderíamos alcançar a verdadeira salvação. Para alcançarmos a verdadeira salvação, precisamos nos libertar da "corrente cármica", e para isso é necessário arrependermo-nos verdadeiramente, ou seja, volver nossa mente para Deus e despertar para nossa natureza divina.
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