quarta-feira, junho 12, 2019

Preleções Nucleares: A Unidade Essencial - 1/4

- Gustavo -


I - INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é facilitar a compreensão que temos da Verdade. Para isso, vou me valer das explicações didáticas ensinadas no Núcleo. O Núcleo é uma instituição (ainda não oficial) que visa difundir ao mundo ensinamentos espirituais profundos, percepções conscienciais, iluminadas. São ensinamentos de grande porte, tal como os de muitos mestres iluminados já tão amplamente conhecidos. Não se trata de algum ensinamento novo, apenas de uma nova e eficiente forma de expor a mesma Verdade conhecida há milênios e expressada pelas diversas grandes religiões e filosofias. A metodologia de ensino do Núcleo tem a característica especial de ser ao mesmo tempo simples e profunda e também prática. Devido a isso, ela tem o poder de facilitar sobremaneira a compreensão (percepção) da Verdade Eterna em contraposição às verdades temporais e efêmeras.

A compreensão da Verdade a que me refiro não é uma compreensão intelectual, da mente; é, isto sim, uma compreensão mais profunda, uma compreensão intuitiva. Em geral, é assim que ocorre o processo de aprendizado: inicia-se com o entendimento intelectual e, quando este é bem colocado, as portas para uma compreensão mais profunda (compreensão intuitiva, além do intelecto) se abrem. E a compreensão intuitiva, por sua vez, pode nos levar à percepção da Verdade intuída. A realização da Verdade ocorre somente quando alcançamos a percepção da Verdade, não bastando uma simples compreensão intelectual. Uma palestra ou livro podem ser elaborados contendo explicações muito bonitas, inteligentes e com uma lógica muito bem construída; contudo, por mais que eles contenham todas essas coisas, ainda não poderão nos proporcionar a percepção da Verdade a que se referem. Por isso o ensinamento nuclear, acima de todas as coisas, leva em conta a percepção. Você estará sempre se deparando com o termo "percepção", a fim de que a sua percepção seja direcionada e encontre o seu centro, a sua fonte, a essência, o Núcleo.

O Ser que somos é Consciência/Percepção/Atenção silenciosa, inteligente, indivisa e una. Todavia, para a visão mental, ela parece estar dividida ou fragmentada – porque é assim que a mente percebe. E se estamos identificados com a mente, a percepção nos parecerá estar dividida ou fragmentada. Por isso, a sua percepção deverá ser empurrada de volta para a percepção. A sua atenção deverá voltar-se para a própria atenção, fundir-se nela, e estabelecer-se ali completamente. Não somos corpos físicos e tampouco somos mente. Somos, isto sim, uma Existência misteriosa e insondável, que também pode ser denominada Inteligência, Silêncio, Consciência, Atenção ou Percepção.


II - O UNIVERSO REAL E A REPRESENTAÇÃO DIVINA

A fim de propiciar um fácil entendimento das verdades profundas, o Núcleo adota a metáfora do ator e da representação. Essa mesma metáfora está implícita nos ensinamentos utilizados por Krishna, na escritura sagrada do Bhagavad Gita, para revelar a verdade a Arjuna.

Quando uma peça de teatro está sendo encenada, um ator irá atuar no palco representando o papel de um personagem. Quanto melhor ele representar o personagem, melhor ator ele é. Um ator deve saber tudo a respeito de seu personagem, deve conhecer detalhes, adquirir grande intimidade com o personagem que irá representar; e quanto mais identificado ele estiver, mais fácil para ele será atuar como aquele personagem. Existem inclusive atores tão bons e eficientes que, ao atuarem, mergulham no papel de seus personagens tão profundamente ao ponto de esquecerem completamente de si mesmos. Nos momentos em que a peça teatral está sendo encenada, a história e o universo do personagem são tudo o que existe, e a realidade da vida do ator fica encoberta/esquecida em função de seu profundo envolvimento com a representação. A representação ganha extrema realidade para ele; se na representação ele for insultado, ele vai reagir ao insulto e ficar bravo. Ou, se na representação ele encontrar um ente querido que não via há muito tempo, ele vai ficar muito feliz. Quando o ator está mergulhado na representação, ele passa a agir em função dela; a representação torna-se real para ele.

O que Krishna revelou a Arjuna, no Bhagavad Gita, é que Deus é como um Ator e todo este universo é uma representação divina. Toda a história e todos os personagens que aqui existem estão sendo encenados por Deus. Deus é perfeito em tudo, até no ato de representar!

Neste mundo existem atores que, ao representarem o papel de um personagem, esquecem-se por completo da sua realidade como atores e tornam-se muito identificados com os personagens que estão representando. Eles são excelentes atores, a representação deles é perfeita! Se uma deles se envolver demasiadamente com a trama de uma peça,  a representação de repente poderá cair como um peso para ele. O que se passa numa representação não possui consistência ou peso algum, mas para aquele ator um peso irreal subitamente pode passar a ser real, e sua irritação ou aflição pode extrapolar os limites da realidade teatral. Até mesmo é possível o ator começar a chorar compulsivamente em razão do que está se desenrolando na trama. Nesse caso, basta que um companheiro mais consciente da realidade dê uma cutucada em seu colega ator e diga: "Calma, amigo! Não vê que o que está acontecendo é apenas uma representação? Por que tanta reação ou aflição excessiva? Você parece pensar que é o personagem que está representando, mas o seu personagem é apenas um personagem. Você é o ator, lembra?".

Também há aqueles atores que, enquanto estão representando o papel de seus personagens, mantém-se conscientes/alertas para o fato de que na realidade eles são atores e não o personagem que estão representando. Para eles a representação jamais cai como um peso, eles levam a representação com grande leveza e desenvoltura. Estes são os personagens despertos – eles permanecem conscientes de quem são, mesmo estando em meio à representação; eles em nada são afetados, pois sabem que a representação é apenas uma representação.

Um ser iluminado é aquele que conheceu a sua realidade como sendo Deus – a Consciência iluminada, o Ser Supremo – e manteve-se consciente disto. Ele está ciente de que é o Ator e pode perfeitamente prosseguir representando o papel de seu personagem no palco onde está ocorrendo a representação divina. Seres como Jesus, Buda, Krishna, Lao-Tsé, Yogananda (e toda sua linhagem de mestres), Ramana Maharshi, Nisargadatta Maharaj (e demais mestres da linhagem Advaita), Osho, Krishnamurti, Ramakrishna, Joel Goldsmith, Masaharu Taniguchi, Sri AmmaBhagavan e inúmeros outros... todos eles identificaram-se como sendo o Eu Real e mantiveram suas luzes acessas no mundo da representação, e cutucando aqueles colegas atores que estavam desempenhando uma perfeita representação de seus personagens, dizendo: "Amigo, não vê que tudo isso não passa de uma representação? Você é o Ator! Basta ficar consciente disso e tudo se resolve! Desperte!".

Se não estamos conscientes de nossa realidade divina, é porque ainda estamos demasiadamente identificados com os personagens que estamos representando.  Pensamos ser o Fulano, o Beltrano ou o Sicrano... o nosso senso de "eu sou" está atrelado a um personagem específico. Nesse sentido, "eu sou" não existe de verdade. Se em meditação nós o investigarmos e o perseguirmos até a sua origem (da mesma forma como seguimos uma correnteza de águas rio acima a fim de encontrar a nascente), veremos que no final ele desaparecerá. Se seguirmos o pensamento "eu sou" (que está atrelado ao corpo-mente) rio acima, descobriremos que não existe origem alguma para ele, e então ele desaparece. O senso "Eu sou" somente é real quando há a identificação do indivíduo com a Totalidade de tudo o que existe – então ele é permanente, nunca desaparece.

Não há nada de errado em estarmos inconscientes de Quem somos. "Quem somos" é um Ser perfeito, e Ele é perfeito até quando está representando. Se estamos identificados unicamente com os nossos personagens, isso apenas significa que somos grandes atores, a nossa representação está divina. Não há o julgamento de que "isso não deveria ser assim" ou de que "o ator não deveria estar tão identificado com o personagem". Mesmo nos teatros ou sets de filmagens não há nada de errado nisso. Os atores podem estar sempre à vontade para fazer o que quiserem. É apenas que a situação poderia ser outra – e bem melhor: se a pessoa estiver com a consciência de que é o ator e não o personagem, a qualidade da representação muda totalmente, adquire um sentido de universalidade, totalidade, leveza, abundância, completude. Quando na representação você se mantém consciente de Quem é, o desfrute da representação passa a ser pleno, de pura bem-aventurança, ao invés de ora bom ora ruim. E quem não iria querer algo assim?

Quando finalmente despertarmos, lembraremos de que somos o Ator que existe por detrás de nossos personagens; perceberemos o universo da dualidade como sendo uma representação divina. A Realidade Divina não é o mesmo que representação divina – elas são distintas. Teremos o nosso sentido de "eu sou" transportado para uma dimensão muito mais ampla, abrangente, universal, ilimitada e livre – a dimensão da Consciência do Ser.  No tempo certo, virá para cada um o momento em que a pessoa despertará e se lembrará de sua realidade como Ator, ao invés do personagem com o qual se identificou e representou tão perfeitamente.


III - CONSCIÊNCIA DO SER vs. MENTE DO PERSONAGEM

Começamos fazendo a distinção entre o que é a Consciência e a mente. A Consciência é Deus. Ela é infinita. A Fonte e a Origem, o Pai e a Mãe de tudo o que existe. Ela é atemporal, está completamente fora do tempo: passado, presente e futuro estão contidos nela. É um estado de potencialidade infinita, na qual todas as coisas já existem. Na Consciência do Ser tudo está consumado, terminado, pronto. É o Ser onipresente, onipotente e onisciente. A Consciência existe como tudo e ao mesmo tempo está além de tudo. Devido a isso, é impossível descrever definitivamente o que é a Consciência – porque ela sempre será isso, mas será muito mais. Em algumas tentativas de dizer algo sobre ela, os ensinamentos utilizam as qualificações: Amor, Sabedoria, Luz, Força, Paz, Bem-Aventurança, Vida, Harmonia, Alegria, Liberdade, Plenitude. Todas essas são qualidades divinas que o indivíduo experimenta em si mesmo (e expressa!) ao entrar em contato com Deus.

A Consciência é Universal, impessoal, toda-abrangente. No universo inteiro existe apenas uma única Consciência, e essa Consciência é a consciência de cada ser existente. Pedras, vegetais, animais, homens – são todos detentores da mesma consciência. Tudo está vivo e todos eles são a Consciência se expressando de maneiras distintas. Em um determinado lugar, a Consciência deseja Se manifestar e conhecer a experiência de ser uma pedra. Em outro momento, a Consciência Se manifesta como planta ou árvore a fim de saber o que é ser uma árvore. Depois, a Consciência decide Se expressar como animal porque deseja saber o que é ter essa experiência. E, por fim, manifesta-se também como o indivíduo, homem ou mulher, a fim de experienciar o que é ser homem ou mulher. Todas as coisas são a Consciência aparecendo como – aparecendo como a pedra, o vegetal, o animal, a humanidade. É com esse entendimento sagrado que determinadas religiões reconhecem, louvam e reverenciam tudo como sendo o divino. Toda a existência é divina. "Eu apareço como...".

Não há nada na existência que esteja "acima" ou "além" da Consciência. Ela ocupa a maior posição hierárquica, o grau máximo. A Consciência é suprema. Quando a mente surge, ela é um fenômeno menor. A mente ocupa o papel de ser um instrumento da Consciência do Ser.

Ao contrário da Consciência, a mente não é universal, não é impessoal e não é todo-abrangente. A mente tem a característica de estreitar as coisas. Ela restringe o senso de "Eu Sou" a uma parte (corpo) específico. Com a mente, Eu sou deixa de Se perceber como o Todo-Universal para Se perceber como sendo uma "parte" específica. Também, ao contrário da Consciência, a mente é sempre pessoal. Cada personagem tem uma história pessoal, vivenciou experiências pessoais, e foi construindo a sua visão pessoal (condicionamento) sobre a vida e o mundo. Ninguém jamais vivenciou exatamente as mesmas experiências. Mesmo aqueles que nasceram gêmeos siameses tiveram a sua visão ou interpretação de mundo construída de forma diferente, eles possuem mentes distintas. Neste mundo existem mais de 6 bilhões de pessoas, portanto mais de 6 bilhões de mentes, e cada uma delas pode declarar: "esta é a minha mente", mas ninguém pode afirmar que "esta é a minha consciência", porque a Consciência é uma só e não pertence a uma pessoa específica. A Consciência pertence a todos, ou a ninguém, dá no mesmo.

Sabendo tudo isso, chegamos à consagração de um princípio espiritual: A Consciência é do Ser; a mente é sempre do personagem. O Ser percebe com a Consciência; o personagem percebe com a mente.

Há em nós duas percepções: a percepção da Consciência do Ser (a percepção real) e a percepção da mente de nossos personagens. Em verdade, há apenas uma percepção que é sempre total, completa, una, integrada. A percepção é sempre a mesma. Quando a percepção está focada na mente, ela se adequa e percebe em conformidade com a mente. A mente é apenas um instrumento, ela é como uma lente de percepção, assim como um óculos. Se vestirmos um óculos com a lente azulada, ao olharmos para a paisagem lá fora, nós veremos tudo azulado, embora o que exista lá não seja necessariamente da cor azul. Olhando através desses óculos, a árvore marrom e verde será vista/percebida como azulada. A mente é esse óculos que limita e distorce a realidade. É importante compreender que a percepção que enxerga com os óculos é a mesma percepção que enxerga sem os óculos. Quando a percepção desloca o seu foco/atenção da mente para a Consciência, passamos a perceber do modo como a Consciência percebe.

Assim, podemos perceber a realidade através da percepção da Consciência do Ser ou através da percepção da mente do personagem. O modo como o Ser percebe a realidade é diferente do modo como a mente do personagem concebe (interpreta) a realidade. A mente enxerga muitos onde há apenas Um. E a Consciência enxerga um onde há apenas um – porque essa é de fato a Verdade. Deus, o Universo, é UM.

Devido a tudo o que foi explanado até agora, as percepções provenientes da Consciência do Ser foram chamadas pelo Núcleo de "percepções conscienciais". E as percepções oriundas da mente do personagem foram denominadas "percepções mentais."

A seguir abordaremos um quadro comparativo contrapondo as características da percepção consciencial e da percepção mental.

Continua...


3 comentários:

  1. Amigo,nesse caso então eu sou um excelente ator, digno de óscar e com direito a deixar minha marca na calçada da fama! Não lembro de nada! Nadinha! Aqui na minha peça a lei Rouanet patrocinou com força! Coisa de super produção! Um espetáculo! Tem que ver: Drama, comedia, suspense, sexo(nem tanto) e até terror. Acho que me empolguei demais na atuação. Preciso de um cutucão ou uma paulada na cabeça para lembrar do real... Amigo, desculpe a brincadeira, mas de verdade, como faço para cair no real e voltar para casa? Tô cansado, sabe...

    Fábio

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  2. Olá Fábio,

    Há muito de nós cansados das peças que estão sendo encenadas neste mundo. E quem ainda não está cansado, um dia vai ficar! Este mundo foi feito pra isso: para nos cansar até chegarmos ao ponto de desejarmos sair dele. Aqui não é a nossa casa. Cristo disse: "O Reino de Deus não é deste mundo, e eu também deste mundo não sou. Vós também não sois deste mundo."... "Se o mundo vos aborrece, saibam que aborreceu a mim também. No mundo tereis tribulações. Mas, tente bom ânimo, porque eu VENCI o mundo". "Vinde a MIM, vós que estais cansados e oprimidos, e EU vos aliviarei... o Meu jugo é suave e o Meu fardo é leve." Só quando surge em nós o desejo de (vencer) ir embora deste mundo - voltar ao Lar - é que passamos a ter condições de viver de verdade uma vida espiritual.

    Para cair no real e voltar pra casa... em geral não é assim tão simples. Não existe uma receita fácil e rápida que eu possa lhe dar. Existem muitos mestres, muitos ensinamentos, muitos caminhos, cada um deles traçando um caminho de volta ao estado natural de autorrealização do ser humano. Depois que descobrimos o nosso caminho e andamos nele, encontramos adversidades, desafios, condicionamentos, etc., a serem vencidos. Ao trilharmos o caminho que nos conduzirá à libertação, fatalmente nos depararemos com o nosso maior inimigo (que é quem nos mantém aprisionados neste mundo): o ego.

    A vida neste mundo é uma "aventura" para passarmos pelos caminhos sedutores, perigosos e difíceis do ego. Até conseguirmos vencer e nos libertar. Este mundo é uma espécie de prisão. Foi feito para nos manter dentro de uma estrutura/experiência de "sofrimento" e não nos deixar sair dele. Se não tivermos um forte desejo de obter a libertação (iluminação), permaneceremos sendo mantidos aqui.

    A dica (que não é bem uma dica, rsrs) que eu lhe dou é: busque um caminho que conduza você ao entendimento da UNIDADE (essa unidade de que o texto "Preleções Nucleares" está falando). É na Unidade, no EU ÚNICO, que encontramos alívio, fardo leve e jugo suave. Até chegarmos a essa consciência de Unidade, deveremos orar, meditar e praticar bastante os ensinamentos, sempre pedindo orientação e proteção ao Espírito da Verdade, ao Espírito Santo de Deus. Ele nos revelará o melhor ensinamento a ser seguido, nos dará a necessária compreensão, e nos conduzirá através de todo o caminho.

    Que bom que você está cansado. Isso é um indício muito forte de que você está apto a querer buscar o lugar aonde você pertence.

    Namastê!

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    1. Considero-me louco, se assim posso dizer como se estivesse sempre em busca de algo sem saber o que é, realmente desorientado.
      E o estranho de tudo é que quanto mais me apercebo disso mas tenho a consciência de que estou voltando para casa ao meu verdadeiro Eu.

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