quinta-feira, maio 03, 2018

Reverenciando a Vida e o Coração dos Homens


- OSHO -


"Respeite intensamente toda a vida que o rodeia."

"...Respeite a vida que o rodeia e que está em constante mudança e movimento, pois ela é formada pelos corações dos homens; e quando você aprender a compreender a constituição e o significado deles, será capaz, gradualmente, de interpretar o mundo mais amplo da vida."

Reverência pela vida, respeito pela vida.

Geralmente, os assim-chamados religiosos são negativos em relação à vida. Eles estão contra a vida. Observe seus rostos, observe seus olhos. Eles condenam todas as coisas. Essa atitude negativa causou em todo o mundo uma negação da vida. A religião parece ter se tornado um aliado da morte e não um amigo da vida. Ela parece ser contra a vida, pois lhe diz constantemente: “Abandone a vida. Transcenda-a. Mova-se na direção da outra vida, que se encontra além desta vida.”

Deus parece não concordar que você seja uma parte da vida. É como se a vida fosse considerada uma punição. “Você está aqui porque pecou. Você não estaria aqui se não houvesse nenhum pecado em sua vida.” Mas essa atitude é inteiramente doentia, patológica. Na verdade, o divino e a vida não são duas coisas. Ao contrário, são uma extensão de um único fenômeno.

Aqui e ali (isto e o além) não são duas coisas. O que está aqui, esta vida, é um degrau na direção do além. Se você negar esta vida, não alcançará a outra – não poderá ir além. Para se ir além disto não é preciso nenhuma negação.

Para se ir além, é preciso uma profunda compreensão desta vida. Como conseguir uma profunda compreensão desta vida? Isso será impossível se você não reverenciar a vida. Reverencie a vida sempre que a encontrar.

Estes sutras são muito significativos. Eles dizem para reverenciar a vida em todas as suas formas, porque quanto mais você a reverenciar mais profundamente poderá ir. Na verdade, Deus não se encontra além desta vida, mas dentro dela. Deus é o centro, o próprio centro, e a vida é apenas a periferia. Penetre profundamente na vida e você chegará ao verdadeiro centro, ao verdadeiro fundamento da própria vida.

Deus não é o criador; ele é a própria criatividade. As concepções cristãs e maometanas a respeito de um “Deus criador” criaram muita confusão. Essas atitudes são um tanto infantis. São admissíveis se você estiver conversando com crianças, mas absurdas se estiver conversando com pessoas de discernimento.

Conclui-se dos dogmas cristão e maometanos que Deus criou o mundo em algum lugar no passado. Ele criou o mundo em seis dias e, no sétimo dia, descansou. E, depois disso, não fez mais nada. O mundo começou a caminhar por si mesmo.

Essa concepção cria uma atitude dividida: que Deus e o mundo são duas coisas diferentes. Isso não é verdade. Deus não criou o mundo tornando-o separado de si mesmo. Ele não é como o pintor que pinta um quadro. O pintor é uma coisa e o quadro é outra. A concepção hindu é mais profunda. Ela diz que Deus não é como um pintor, mas sim como um dançarino: Shiva, o dançarino.

Deus é semelhante a um dançarino – porque a dança e o dançarino não são dois. Você não pode separá-los. O pintor pode ser separado da sua pintura, mas o dançarino não pode ser separado da sua dança. O dançarino é uno com sua dança.

Deus não é um criador no sentido de uma entidade separada. Deus é a própria criatividade, a própria vida. Assim, se você é contra a vida, você é contra Deus.

Se você entrar profundamente na dança, alcançará o dançarino. A dança é apenas a forma. Se entrar profundamente na dança, alcançará o próprio coração do dançarino. E se você entrar profundamente na vida, alcançará o princípio originador da vida: Deus.

Deus é criatividade. Ou, se me permitem dizê-lo, eu preferiria dizer que Deus é a própria existência. Deus é vida.

Jesus disse: “Deus é amor.” Essa foi uma das razões pelas quais ele foi crucificado – porque ele chamou Deus de “amor”. O amor é condenado, é um pecado, e ele chamou Deus de “amor”. Isso fez com que ele parecesse muito rebelde; ele deve ter se mostrado demasiadamente a favor da vida. A velha mente judaica, a velha mente religiosa, não pôde tolerar isso. Era um sacrilégio! Jesus falando sobre Deus em termos de amor? Deus está além da vida e do amor! Você precisa abandonar todas as coisas: a vida, o amor, tudo. Somente então você pode encontrá-lo. E esse homem, Jesus, traz Deus aqui para a Terra e fala em termos de amor!

Na verdade, Deus é vida, Deus é amor. Deus é este próprio mundo. Não crie uma divisão, não crie um dualismo. Somente então você pode reverenciar a vida. Sempre que, em qualquer lugar, você se deparar com a vida – uma semente germinando, uma árvore florescendo, estrelas se movendo, um rio fluindo, uma criança rindo – lembre-se, Deus está perto de você. Quando uma criança ri, observe o riso. Entre nele. Você terá entrado no próprio templo. Quando o rio fluir, observe-o amorosamente. Una-se a esse fluxo, permaneça em profunda reverência.

Os hindus chamaram todos os rios de deuses; chamaram todas as montanhas de divindades. Eles tornaram a Terra sagrada. Essa é uma das coisas mais belas que já aconteceram à consciência humana. Os hindus chamam o Ganges de Mãe. Isso significa reverência pela vida. As montanhas eles chamam de deuses. Isso significa reverência pela vida. Eles veneram as árvores. Os que se tornaram intelectualmente sofisticados pensam que os hindus são estúpidos, um povo supersticioso, mas eles não o são. A árvore não é o ponto importante. Quando eles estão venerando uma árvore ou um rio, estão venerando a vida.

Uma árvore é mais viva do que qualquer templo, do que qualquer igreja; um rio é mais vivo do que qualquer mesquita. Os ídolos de pedra em seus templos estão mortos; uma árvore é mais viva. Você pode ser supersticioso, mas a pessoa que está venerando uma árvore não o é. Ela pode não estar ciente do que está fazendo, mas há uma profunda reverência pela vida em todas as suas formas, um profundo respeito.

E celebre. Onde quer que você sinta que a vida está crescendo, celebre-a, ame-a, acolha-a, e uma grande transformação acontecerá a você. Se a vida é reverenciada em todas as suas formas, você se torna mais vivo. Torna-se mais receptivo à vida, e a vida começa a fluir abundantemente em você; ela transborda em você. Bem-aventurança é isso: vida transbordando.

Mas você está mais interessado na morte e menos interessado na vida. Mais interessado na destruição, no ódio; mais interessado nas guerras do que no amor, na vida. Isso o torna morto e insensível. Antes de morrer realmente, você já está morto. Quando a morte lhe sobrevém, você já está morto. Você se transformará naquilo que você reverenciar. Se você reverenciar a vida, tornar-se-á, cada vez mais, vida. Se reverenciar a morte, tornar-se-á, cada vez mais, morte.

Lembre-se disto: 

"Respeite a vida que o rodeia e que está em constante mudança e movimento, pois ela é formada pelos corações dos homens; e quando você aprender a compreender a constituição e o significado deles, será capaz, gradualmente, de interpretar o mundo mais amplo da vida."

"Aprenda a olhar inteligentemente para os corações dos homens."

"... Estude os corações dos homens, a fim de que possa saber o que é este mundo no qual você vive e do qual você será uma parte."

Jamais olhamos diretamente para o coração de alguém. Isso é perigoso, inseguro, porque então você pode ficar envolvido; você precisará fazer alguma coisa. Assim, jamais tocamos em alguém. Permanecemos apenas à distância, longe, afastados.

Movimentamo-nos sem tocar em ninguém. E, quando digo isto, não o estou dizendo apenas no sentido físico. Psicologicamente também. Movimentamo-nos sem tocar em ninguém fisicamente. Temos medo de tocar em alguém ou de ser tocados por alguém. Psicologicamente, também vivemos dentro de uma casca: fechados, encapsulados.

Há motivos para isso. Se você penetrar no coração de alguém, terá de fazer alguma coisa a respeito. Você será inundado de amor, de valores mais nobres, superiores. Então não poderá permanecer tão mesquinho como você é, tão cruel e insensível como você é, tão egocêntrico como você é. Se olhar para o coração do outro, você terá de se dissolver. O próprio ato de olhar para o coração do outro tornar-se-á uma fusão (dissolução) de seus egos.

Assim, ninguém olha para ninguém. Nem sequer olhamos para os corações de nossos amigos. Nós os tomamos como algo conhecido. Nunca olhamos sequer para os corações de nossas esposas ou de nossos maridos, de nossos amantes ou amados. Criamos uma imagem e vivemos com a imagem. Nunca conversamos um com o outro diretamente, porque se você conversa diretamente não se sente seguro, torna-se vulnerável. Lembre-se disto: se você penetrar no coração de alguém, simultaneamente o seu próprio coração se torna vulnerável. Não é possível de outra maneira. Se olho profundamente para dentro de você, torno-me acessível a você. Você também poderá olhar profundamente para dentro de mim.

Mas isso parece perigoso. Não quero que ninguém olhe profundamente para dentro de mim porque, na superfície, sou diferente, uma pessoa falsa. Lá dentro, lá no fundo, sou outra pessoa. Na superfície, continuo a sorrir – muito gentil, muito amável –, e lá dentro há muito ódio, muita feiúra. Assim, não quero que ninguém penetre em meu interior.

Mas se eu penetrar em seu interior, o próprio esforço para penetrar em você torna-me simultaneamente acessível a você. Temos medo. Não queremos que ninguém nos invada, olhando para dentro de nós. É perigoso olhar para dentro do coração de alguém e ter nosso interior exposto aos olhos de alguém. Tornamo-nos encapsulados, mortos. Ficamos nos movendo dentro de uma prisão.

Dessa maneira, como você pode conhecer a vida? Se até mesmo um coração humano lhe é estranho, e se você nunca olhou para dentro dele, como pode penetrar profundamente no interior do imenso coração divino, do próprio centro da existência? Aprenda a olhar. Olhando os corações dos outros, você pode aprender a olhar profundamente. Trata-se das profundezas das pessoas. A profundeza da pessoa é o seu coração.

Conversamos através da mente, mas a mente não é o profundo. A mente está na superfície, na periferia. Conversamos, discutimos, comunicamo-nos apenas com palavras. Jamais ficamos em silêncio, nem mesmo por alguns instantes. Mesmo os que estão amando continuam a conversar incessantemente, porque, se você estiver em silêncio, o coração pode ser penetrado. Assim, continuamos a conversar e a conversar.

O marido chega em casa. Começa a falar. Coisas bobas, irrelevantes. O que aconteceu no mercado, o que aconteceu na loja, o que está nos jornais, o que se falou no rádio. Continua a falar. E a esposa também fala sem cessar: o que as outras esposas estão falando a respeito de suas casas e assim por diante. Falam, falam, falam sem cessar até caírem adormecidos. Por que tanta conversa? Qual é o propósito disso? Eles estão realmente interessados em comunicar alguma coisa? Não! Eles estão com medo de comunicar. Se ficarem em silêncio, então seus corações começarão a se comunicar; por isso, eles continuam a falar. A conversa cria uma barreira. Eles se encontram de mente para mente para que não se encontrem de coração para coração. Um encontro de corações só é possível em silêncio.

É assim que vivemos. Então dizemos que nossa vida é uma miséria. Que mais poderia ser? A miséria será inevitável. Mas não se trata do seu destino. A miséria é criação sua você mesmo a produziu. Encapsulado, você estará na miséria. Aberto, vulnerável, você se tornará capaz de ser bem-aventurado. Essa abertura será aprendida olhando-se dentro do coração dos homens.

Este sutra diz:

"Aprenda a olhar inteligentemente para o coração dos homens."

“...A inteligência é imparcial: nenhum homem é seu inimigo; nenhum homem é seu amigo. Todos, sem distinção, são seus professores. Seu inimigo torna-se um mistério que precisa ser resolvido, mesmo se levar muito tempo: pois o homem precisa ser compreendido. Seu amigo torna-se uma parte de você mesmo, uma extensão de você mesmo, um difícil enigma a ser decifrado.”

O sutra diz: "Aprenda a olhar inteligentemente"... Por “inteligentemente” quer-se dizer: ser imparcial. Se você é parcial, não pode chegar ao coração. Toda parcialidade deixa-o focado na mente; apenas a consciência imparcial chega ao coração.

O coração é imparcial; a mente sempre é parcial. A mente sempre é partidária, sectária, a favor disto e contra aquilo. O coração não é nem a favor nem contra. O coração está simplesmente aberto, receptivo, acolhedor. Ele não tem inimigos nem amigos; apenas a mente tem inimigos e amigos. “Inteligência” significa imparcialidade. Somente então você é inteligente.

Se você é parcial, não é inteligente. Você pode dar a impressão de ser sofisticado, instruído, lógico, mas não é sábio, não é realmente inteligente. A inteligência se caracteriza por não ser preconceituosa, parcial, com sentimentos a favor ou contra – pois somente assim você pode olhar para o todo.

Por exemplo: se digo que você é meu amigo, será impossível para mim entrar no seu coração. Ou se digo que você é meu inimigo, também será impossível alcançar o seu coração. Quando digo que você é meu amigo, ou meu inimigo, já o rotulei. Sinto que o conheço. Penso que já o compreendi. De outro modo, como seria possível a amizade? Quando digo que você é meu amigo, demonstro que gosto de você; estou dizendo que gosto de você. E quando digo que gosto de você, torno-me parcial. Então não posso alcançar o seu coração. Minha preferência tornar-se-á uma barreira.

Quando digo que gosto de você, estou, na verdade, impondo-me a você. Você é a minha preferência. Digo que você é bom porque seu modo de ser está de acordo com a minha preferência. Então, eu entrei em você, eu me impus a você. Não posso atingir o seu coração, não posso conhecê-lo como você é, por causa da minha preferência.

Quando digo que você é meu inimigo, estou dizendo que não gosto de você, que não simpatizo com você. Essa antipatia torna-se uma barreira. Quando digo que gosto de você, procuro descobrir as coisas de que eu gosto. Quando digo que não gosto de você, procuro descobrir as coisas de que não gosto. Então, estou apenas tentando comprovar essas coisas, e não tentando conhecê-lo como você é. Simpatia/amizade, antipatia/inimizade são minhas interpretações, minhas ficções. Sua realidade nua, aquilo que você é realmente, fica esquecido.

Inteligência significa que você não é nem meu amigo nem meu inimigo. Você é você, eu sou eu. Não me imporei a você. Tentarei compreender o que você é. Não segundo minhas simpatias e antipatias, mas pelo que você de fato é. Cada homem é um mistério, cada homem é um enigma. Se você tentar solucionar o mistério de pelo menos um único indivíduo, se for capaz de decifrar pelo menos um único enigma, tornar-se-á capaz de muito mais, porque mesmo um único indivíduo só é compreendido através do coração. Você terá conseguido descobrir a arte de como penetrar no coração.

E a mesma técnica, o mesmo método, ajudará você a penetrar no coração divino. O coração divino é imenso, infinito, mas o coração humano é um lampejo dele. O coração humano é um fragmento dele, vivo. Assim, não fique morto em relação à humanidade que está ao seu redor. Aprenda a amá-la, a reverenciá-la. "E aprenda a olhar inteligentemente para o coração dos homens."

Esse aprendizado o tornará mais maduro; esse aprendizado o tornará mais sensível em relação a um aprendizado superior, que é divino. O coração do divino pode ser penetrado somente por aqueles que se tornaram capazes de conhecer o coração humano tal como ele é.

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