quinta-feira, maio 17, 2018

A Voz Silenciosa

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"Está escrito que, para aquele que está no limiar da divindade, nenhuma lei pode ser criada, nenhum guia pode existir. Contudo, a fim de instruir o discípulo, o esforço final pode ser expresso da seguinte maneira: Agarre-se firmemente àquilo que não tem nem substância nem existência."

"Está escrito que, para aquele que está no limiar da divindade, nenhuma lei pode ser criada, nenhum guia pode existir..." 

O supremo é desconhecido. Nada se pode dizer sobre ele porque nada que possa ser dito será verdadeiro. Ele permanece indefinível, desconhecido, inexplorado, por muitas razões. Não somente desconhecido, mas, em certo sentido, incognoscível.

A primeira razão é que aqueles que nele penetram nele se dissolvem. Eles não podem permanecer eles mesmos. São totalmente destruídos por ele. Eles renascem, são totalmente novos. E somente o velho pode definir.

Tente compreender isto. Somente o velho pode definir. Se eu vejo você e já o vi antes, reconheço-o prontamente. Quem o reconhece? O passado. Porque o conheci antes, lembro-me do seu rosto, reconheço-o. O reconhecimento ocorre devido ao passado. Mas se minha mente estiver totalmente limpa e eu tiver esquecido completamente o passado, ou se minha memória for eliminada e não houver nenhuma conexão com o passado, não posso reconhecê-lo. Aquele que penetra no supremo perde completamente seu passado; assim, ele não pode reconhecer o que está acontecendo agora. Não há nenhuma referência.

Em segundo lugar, você pode reconhecer apenas aquilo que conheceu antes. E este fenômeno do divino é absolutamente desconhecido. Você nunca o conheceu antes. Em que termos interpretá-lo, defini-lo? Você não tem nenhuma referência, não possui nenhum termo, não tem nenhuma definição. A experiência é absolutamente nova – como traduzi-la numa linguagem?

Em terceiro lugar, quando você penetra no supremo, a linguagem torna-se impossível, pois toda a linguagem se baseia na dualidade. Você define a vida pela morte. Talvez não esteja consciente desse absurdo. Você define a matéria pela mente, define a mente pela matéria. Se alguém pergunta: “Que é matéria?” – você responde: “É aquilo que não é mente.”... Mas tem certeza? Que é mente? Então você define a mente como aquilo que não é matéria. Você se move em círculos.

Quando lhe é feita a pergunta a respeito da matéria, você fala a respeito da mente como se conhecesse a mente. Você diz: “Aquilo que não é mente.” Mas se alguém lhe pergunta: “Que é mente?” – você passa a defini-la em termos de matéria: “Aquilo que não é matéria.” Ambas são desconhecidas. Mas você está enganando a si mesmo. Quando lhe perguntam a respeito de uma, você a define pela outra. Quando lhe perguntam a respeito da outra, você a define pela primeira. Ambas são indefiníveis.

No que se refere às atividades terrenas, não há nada de mal em agir dessa maneira. É proveitoso, útil. Não verdadeiro, mas útil. Porém, quando você penetra no supremo, esse dualismo não será de nenhuma serventia. Você não pode definir o divino por alguma coisa que esteja em oposição a ele, porque não há nada que esteja em oposição a ele. Ele é o todo.

Você pode dizer que a matéria não é mente, ou pode dizer que a mente não é a matéria, porque a mente não é o todo e a matéria não é o todo; matéria e mente existem como opostos um do outro. Você pode definir cada um deles pelo seu oposto. Pode dizer que a vida não é morte; pode dizer que a morte não é vida. Pode dizer que a escuridão não é luz e que luz não é escuridão. Pode dizer que homem não é mulher e que mulher não é homem. Pode continuar definindo através do oposto.

Mas qual é o oposto do divino? Não há nada em oposição a ele. “Divino” significa o todo, a totalidade; portanto, como defini-lo? Ele é indefinível, porque todas as definições se baseiam nos opostos e nada está em oposição a ele. A linguagem mostra-se inútil. Ela diz: “Não posso penetrar nessa dimensão.” – A linguagem existe na dualidade e não pode penetrar no não-dual.

O divino é desconhecido porque é exatamente como o céu. Não é como a Terra. Se você caminha sobre a Terra, deixa pegadas atrás de você; outros podem segui-lo. Você passou por um certo lugar –outros podem segui-lo. Seguindo suas pegadas, eles podem chegar ao lugar onde você chegou. Mas a totalidade – o divino, ou Deus, ou como você preferir chamá-lo: X, Y, Z, o Todo – é exatamente como o céu. Pássaros voaram através dele mas nenhum rastro foi deixado. Você não pode segui-los. Precisa começar do ABC.

Sempre que você penetra no divino... Buda penetrou antes de você, Jesus penetrou antes de você, Krishna penetrou antes de você, mas não há pegadas. Quando você penetra no divino, é como se o homem estivesse penetrando pela primeira vez. O céu permanece virgem, intacto, sem marcas. Mas isso é bom. Essa absoluta virgindade é boa porque então a experiência é unicamente sua.

De outro modo, se você encontrasse as pegadas de Buda, as pegadas de Krishna – mapas, definições, manuais – tudo seria de segunda mão. Muitos conheceram isso, muitos chegaram antes de você. Eles diriam tudo o que você poderia chegar a conhecer. Tudo seria de segunda mão.

Mas o divino não é de segunda mão; é sempre de primeira mão. Sempre que você penetra nele, é como se estivesse penetrando pela primeira vez. Ninguém penetrou antes de você e ninguém penetrará depois, porque nenhuma pegada pode ser deixada; cada um é único.

É por isso que todas as experiências terrenas tornam-se cansativas. Ficamos fartos porque tudo se torna de segunda mão; tudo se torna emprestado. Algum outro já conhece; nada é virgem.

O divino é sempre virgem, absolutamente virgem. Você não pode estragá-lo, não pode torná-lo velho, não pode torná-lo repetitivo. É por isso que nada pode ser definido, nada pode ser mapeado, nenhum guia pode ser fornecido.

"Contudo, a fim de instruir o discípulo, o esforço final pode ser expresso da seguinte maneira..." Mas apenas para instruir o discípulo - aquele que ainda não penetrou mas que está a um passo, pronto para dar o salto – pode-se tentar dizer alguma coisa, podem ser dadas algumas indicações. Mas não se deve tomá-las em nenhum sentido absoluto. Trata-se apenas de uma ajuda, de última ajuda que pode ser dada.

Esta é a última instrução do Mestre:

"Agarre-se firmemente àquilo que não tem substância nem existência."

Agarre-se firmemente àquilo que não tem substância nem existência. Temos aqui duas coisas. A matéria tem substância; é substancial. Se eu atirar uma pedra em você, há nela substância, massa. Ela o atingirá; matéria é substância. Mas o que é a mente? O que é você, em seu interior, em sua consciência?

A consciência não é uma substância. Ela existe, tem existência, mas não é uma substância. Não posso atirar uma consciência em você. E, mesmo se eu pudesse, você não seria atingido. A consciência existe; a matéria subsiste. A matéria tem substância; a consciência tem existência.

Este sutra diz: "Agarre-se firmemente àquilo que não tem nem substância nem existência." 

O divino não tem nem uma nem outra. Ele não é como a matéria, não é como a substância. Ele não é como a mente ou a consciência. Você não pode dizer que Deus é substância e não pode dizer que Deus existe.

Há muitas razões para isso. Quando você diz que Deus existe, está fazendo uma afirmação tautológica, uma repetição. Quando digo que esta mesa existe, essa afirmação é significativa, porque a mesa pode deixar de existir; podemos destruí-la. Mas quando digo que Deus existe, trata-se de uma afirmação sem sentido, porque Deus não pode deixar de existir e não pode ser destruído. A existência é significativa somente se a não-existência for possível. Se a não-existência é impossível, a existência não tem sentido.

Quando você diz que Deus existe, o que você quer dizer? Que Deus pode não existir? Então, essa afirmação seria significativa. Mas se você quer dizer que ele não pode estar num estado de não-existência, então o que você realmente está dizendo é que Deus é existência, e não que Deus existe.

Deus não pode existir; Deus somente pode ser a existência. Quando digo que a mesa existe, a mesa não é a existência. Ela pode sair da existência; portanto, a proposição é significativa. Quando digo que Deus existe, a proposição é sem sentido, porque ele não pode sair da existência. Quando digo que Deus existe, estou dizendo que a existência existe. Uma tautologia, uma repetição, inútil. Até mesmo dizer que Deus é trata-se de uma proposição sem sentido, porque ele é o próprio estado-de-ser. Não há necessidade de se dizer é. Deus não é; ele é o estado-de-ser.

Você não pode dizer que Deus é substância, assim como não pode dizer que ele existe. Ele está além de ambos: além da matéria e além da mente. Ou, ele é as duas. De qualquer maneira, ele transcende.

Assim, estas são as últimas instruções para o discípulo, quando está prestes a penetrar no templo do divino. Nada mais pode ser dito.

Lembre-se, Deus não é matéria. Possuímos uma ideia de Deus enquanto matéria. É por isso que criamos ídolos, criamos templos, fazemos imagens. Substâncias!

O islamismo não permite que se façam ídolos de Deus justamente por este motivo: para que Deus não seja identificado, de modo algum, com a matéria. Nenhum ídolo, nenhuma imagem pode ser feita de Deus, porque uma imagem produz a idéia de substância, e ele não é substância.

Mas então concebemos Deus enquanto mente: o controlador, o criador, o que dá o sustento. Temos uma vaga ideia de Deus como uma mente suprema, que está sentado em algum lugar no céu controlando todas as coisas. Mas, nesse caso, Deus torna-se a mente. Ele pode ser um notável engenheiro ou, como diz Platão, um grande matemático, mas a ideia é de que ele é a mente. Ele não é nem mente nem matéria. Ele está além de ambas.

Este sutra diz: lembre-se dessa transcendência. Ele não é nem o exterior nem o interior. Não é nem o corpo nem a mente. Não é nem uma coisa nem um pensamento. Antes de você penetrar no templo supremo de onde nenhum retorno é possível, lembre-se disto: "Agarre-se firmemente àquilo que não tem nem substância nem existência."

"Ouça apenas a voz que é silenciosa."

Ouça apenas a voz que é silenciosa. Todos os sons são criados. Todos os sons que conhecemos são, de um modo ou de outro, criados. O vento sopra, e um som é criado. Você bate palmas e um som é criado. Eu falo, e um som é criado. Mas todos estes sons são criados. Eles morrerão, porque aquilo que nasce está destinado a morrer, aquilo que é criado será destruído.

Há algum som que seja incriado? Se há algum som incriado, a verdade pode ser expressa somente através dele – porque aquilo que pode morrer não pode expressar a verdade. É por isso que se diz frequentemente que a verdade só pode ser expressa no silêncio; não pode ser dita através das palavras.

As palavras podem levá-lo ao silêncio, mas não podem exprimir a verdade. As palavras morrerão, e aquilo que é imortal não pode ser dito através de palavras mortais. Como poderão sê-lo? É impossível. Como aquilo que é eterno pode estar contigo no temporal? Como aquilo que é atemporal pode ser trazido para o tempo? Como aquilo que está além do espaço pode ser colocado em algum lugar num templo, num espaço? A verdade só pode ser revelada através de alguma coisa que seja eterna.

Por intermédio da meditação, muitos buscadores chegaram a conhecer, em seu interior, um som sem som, um som silencioso. As palavras são contraditórias: "um som sem som". Ele é sem som porque você não pode ouvi-lo através de seus ouvidos. Ele é sem som porque o som é sempre criado através do conflito, e não há nenhum conflito. O som é sempre criado através da dualidade, duas coisas em conflito; mas não há duas coisas no coração. Ele é sem som porque não pode ser ouvido; só pode ser vivenciado.

Lembre-se: "Ouça apenas a voz que é silenciosa."

Como se pode ouvir uma voz que é silenciosa? Há, no Zen, um koan: ouvir o som de uma única mão batendo. Os monges zen chamam a isto de a mais profunda meditação: tentar ouvir um som incriado. Se você ficar meditando, meditando – apenas sentado e meditando, tentando ouvir – ouvirá muitas coisas. Esta é uma das técnicas mais belas. Feche os olhos, sente-se sob uma árvore e comece a ouvir. Você ouvirá muitos sons novos, dos quais nunca esteve consciente antes. Pássaros, insetos... Lentamente, muito lentamente, você se tornará consciente de muitos sons ao seu redor. Continue procurando qual som é incriado.

Todo som é criado. Um pássaro começa a cantar e então pára. Aquilo que foi criado moveu-se agora para a não-existência. Continue ouvindo, continue ouvindo. Continue tentando encontrar qual é o som incriado. Aos poucos, sons ainda mais sutis serão ouvidos. Você começará a ouvir as batidas do seu próprio coração, começará a ouvir sua própria respiração. Mas isso também é criado. Seu coração parará, sua respiração não pode continuar eternamente. Ela não esteve sempre aí. Quando uma criança nasce, não há nenhuma respiração. Então, de repente, a criança começa a chorar e a respiração se inicia.

Continue ouvindo profundamente. Estes não são sons-sem-som. Jogue-os fora, elimine-os. Você começará a ouvir o som de sua circulação sanguínea. Ainda mais sutil. Você não tem, habitualmente, consciência da circulação de seu sangue. Você o ouvirá circulando, ouvirá o som. Mas este também é um som criado, criado pela circulação, pelo conflito. Continue eliminando. Se você persistir o bastante, chegará finalmente um momento em que todos os sons terão desaparecido, você não pode ouvir nada. Uma brecha é criada; todos os sons desaparecem. E, com esses sons, todo o universo desaparece para você, como se você tivesse caído num vazio.

Agora, ao chegar a este ponto, não tenha medo. Caso contrário, você recuará novamente para o mundo dos sons. Permaneça sem nenhum receio. Isto será semelhante à morte, e é uma morte porque quando todos os sons são perdidos, você também perdeu sua mente. Sua mente é apenas uma caixa barulhenta. Você não tem mais nenhuma mente. Com a ausência dos sons, o mundo não está mais presente. Você se sentirá como se tivesse morrido; você não existe mais. Você não era mais do que uma combinação, uma reunião de sons.

Persista. Esta morte é bela porque é a porta para o divino. Continue tentando ouvir o que está agora aí. Depois desse intervalo, se você passou por ele sem se tornar amedrontado e assustado...

Se você se amedrontar, recuará novamente; correrá de novo para o mundo dos sons. A mente começará a funcionar outra vez. Mas se você permanecer sem nenhum temor e conseguir persistir nesse intervalo, onde não há som algum, tornar-se-á consciente de um novo som, que é incriado. Este som é chamado pelos hindus de omkar: aum. Aum é apenas um símbolo para o som que está sempre presente no centro mais profundo. Aum, aum, aum – esse som está vindo de dentro, incriado. Ninguém o está emitindo. Ele apenas está ali.

Esse é o som sem som – incriado. E somente com esse som você pode penetrar no santuário.

"Olhe somente para aquilo que é igualmente invisível aos sentidos internos e externos."

Olhamos para o mundo com os sentidos externos. A matéria é percebida. Mas a matéria não está realmente ali. Os físicos dizem, atualmente, que a matéria não existe. Ela é simplesmente energia, energia vibrando. A matéria é ilusória. Isso é muito estranho. No Oriente, os místicos sempre disseram que a matéria é ilusória, maya. Com isso, eles queriam dizer que tudo não é o que parece. Os físicos de hoje concordam com Shankara; Einstein concorda com o Vedanta. Os cientistas também afirmam, atualmente, que a matéria é ilusória. Jamais alguém pensou ou imaginou que algum dia também a ciência afirmaria que a matéria é ilusória.

A matéria parece ser, mas não é. Ela é energia. Mas é uma energia movendo-se com tamanha velocidade, com uma velocidade tão incrível, que não é possível vê-la se mover. É por isso que ela parece ser matéria imóvel. Os elétrons se movem com uma velocidade tão espantosa que você não pode vê-los em movimento. Eles dão a ilusão de imobilidade, de substância.

A matéria não existe realmente. Mas, através de seus sentidos externos, a matéria aparece. Trata-se de sua interpretação. A mente também não existe; mas através de seus sentidos internos ela parece existir. Então, o que é real? Se você olha através de seus sentidos externos, a matéria aparece, mas ela é irreal, não-real; e se você olha com seus sentidos internos, a mente aparece, mas ela também é irreal, também é uma interpretação dos sentidos. O misticismo oriental diz que o real só pode ser encontrado quando você deixou de usar tanto os sentidos externos quanto os internos. Quando nenhum sentido é usado, não há possibilidade de se distorcer a realidade. Então, imediatamente, você está na realidade.

Os sentidos fazem distinções. Eu olho para você. Não sei o que você é, como você é, mas meus olhos olham para você e me fornecem uma determinada informação. Não posso chegar em você diretamente; os olhos são os mediadores. Seja o que for que eles disserem, tenho de acreditar.

Seja o que for que seus sentidos disserem, você tem de acreditar. Não pode saber se é uma realidade ou não. Seus sentidos podem ser deficientes, ou podem estar interpretando o mundo de uma maneira errônea. Não há nenhum modo de saber se os seus sentidos estão interpretando de forma errada ou correta. Não há como saber, pois, seja o que for que você souber, saberá através dos sentidos. Não há outro modo de saber, de julgar e de comparar.

Por esse motivo, Emmanuel Kant disse que nenhuma coisa pode ser conhecida em si mesma. Não há nenhuma maneira de se conhecer uma coisa em si mesma, pois, seja o que for que você conheça, você a conhece através dos sentidos. Você não pode conhecer nada diretamente, apenas indiretamente. Você tem de acreditar em seus sentidos. Quem sabe o que é que está realmente ali? Você nunca esteve ali. Seus sentidos vão até ali e o informam. Você está sempre à distância, interpretando.

A mesma coisa acontece quando você começa a usar seus sentidos internos. Eles o informam a respeito daquilo que se encontra do lado de dentro: o que é a alma, o que é o eu. Mas isso também é apenas uma interpretação dos sentidos.

Este sutra diz: "Olhe somente para aquilo que é igualmente invisível aos sentidos externos e internos.". O real é invisível a ambos. Não pode ser conhecido através da mente; não pode ser conhecido através da meditação. Quando tanto a mente como a meditação são lançadas fora, só então você pode penetrar na realidade. Quando não há meditação, quando você chega diretamente até ela, quando você penetra nela, quando não há mais distância, quando você tornou-se a realidade, só então você pode conhecê-la.

Isso pode ser dito de um modo diferente: Você não pode conhecer Deus, a menos que se torne o próprio Deus. Se você diz que pode conhecer Deus sem tornar-se Deus, está dizendo algo que é impossível. Por causa disso, uma coisa muito estranha tem acontecido. Tanto o cristianismo como o maometismo pensam que afirmar que você pode tornar-se Deus é sacrilégio, profano, irreligioso; não demonstra respeito. A atitude maometana a esse respeito tem sido tão obstinada que os maometanos mataram Mansoor e outros místicos sufis por terem declarado que eram Deus.

Mansoor disse: “Analhaque. Eu sou o divino.” Ele foi morto, porque isso é demais! Um ser humano dizendo que é Deus? Mas o que Mansoor está dizendo é uma verdade muito simples, básica. Ele está dizendo que você, ou pode dizer que Deus não pode ser conhecido, ou pode admitir que o homem pode tornar-se Deus. Pois, como pode Deus ser conhecido, a menos que você esteja nele? A menos que você penetre nele e torne-se um com ele, como pode conhecê-lo? Você pode apenas ficar dando voltas e mais voltas ao redor dele. Mas, seja o que for que venha a conhecer, é apenas uma informação obtida do exterior; não é um conhecimento direto.

Mansoor diz que você pode conhecer Deus somente se se tornar o próprio Deus. Não há outro modo. Como você pode conhecer a partir do exterior? Como pode conhecer, a menos que se torne o próprio coração da divindade, a menos que você mesmo se torne divino?

Este sutra diz que a realidade não pode ser conhecida, quer pelos sentidos externos – os sentidos externos interpretam a realidade como matéria –, quer através dos sentidos internos – os sentidos internos interpretam a realidade como mente. A realidade só pode ser conhecida quando você dá um salto na própria realidade, sem quaisquer mediadores; quando você perde sua mente e também sua meditação.

A meditação está concluída quando você é capaz de largá-la. Então você entra em samadhi, entra na realidade, no supremo.

"Que a paz esteja com você."

Só então a paz pode estar com você; nunca antes. Antes disso, você permanecerá, de um modo ou de outro, angustiado; permanecerá, de um modo ou de outro, tenso. Você é a tensão, é a angústia, é o conflito. O problema é o seu sentimento de que "você é". Quando você não é, o problema não existe.

Como você pode estar num estado de não-existência? Como pode cessar de existir? Esse é o caminho para a paz. Se você pode cessar de ser, você penetra na realidade; penetra na paz infinita, na paz absoluta.

Seu ser, enquanto separado do todo, é o problema. Você se sente como um intruso, um estranho, um alienado. Essa alienação cria a perturbação, essa alienação cria o medo, essa alienação cria a morte. Você não pode estar em paz. Quando você joga fora completamente sua alienação e se dissolve na realidade, funde-se nela, perde-se a si mesmo nela – quado você não é mais, e só a realidade é –, então, e apenas então, você pode encontrar aquela paz que é impossível de ser perturbada, que nada pode ameaçar.

Lembre-se de que você é a doença. Você não pode ser curado porque você é a doença. Se a doença fosse outra coisa qualquer, poderia ser curada, mas você é a doença. Não pode ser curado; você é incurável. Jogue fora a doença. Jogue fora a si mesmo, sinta como se você não existisse. Crie, cada vez mais, o sentimento de ser ninguém, de ser o nada.

Mova-se para o não-ser, porque o não-ser é a porta para o ser supremo. Quando você cessar completamente de ser, você será divino. Quando você não for, você será o próprio Deus.


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