sexta-feira, abril 06, 2018

Desejando o Inacessível

- OSHO - 


"Deseje apenas o que está dentro de você."

Parece absurdo, paradoxal, ilógico: Deseje apenas o que está dentro de você. Desejamos, basicamente, aquilo que não está em nós. Desejar significa querer algo que não está em nós. Se já estivesse em nós, qual seria então a necessidade de desejá-lo?

Nós nunca nos desejamos tal como somos. Sempre desejamos algo mais. Ninguém deseja a si mesmo; não há necessidade. Você já é isso; não está faltando nada. Você deseja aquilo que está faltando.

O sutra diz: Deseje apenas o que está dentro de você – por muitas razões. Em primeiro lugar, se você desejar algo que não está dentro de você, poderá obtê-lo, mas ele nunca será seu. Não pode ser. Na verdade, você nunca poderá ser o senhor dele; tornar-se-á apenas um escravo. O possuidor é sempre possuído por suas posses. Quanto maior a quantidade de coisas possuídas, maior a escravidão criada.

Você é possuído por suas posses e deseja ser o senhor. A frustração se inicia porque toda a sua esperança foi frustrada. Você chega a um ponto no qual as coisas que desejava estão presentes, tudo o que você desejou aconteceu, mas você se tornou o escravo. Agora, o reino parece ter se tornado uma prisão, e tudo o que você possui, ou pensa possuir, não é realmente possuído, pois lhe pode ser tomado a qualquer momento. Mesmo se ninguém o tomar, a morte certamente o tomará.

Na terminologia religiosa, aquilo que pode ser tomado pela morte não lhe pertence. A morte é o critério. Há apenas um critério para julgar se você realmente possui alguma coisa. Julgue levando em consideração a morte, e veja se você ainda possuirá aquela coisa após a morte. Se a morte a tomar de você, você nunca a possuiu. Era apenas uma ilusão.

Há algo que a morte não lhe pode tirar? Se não há nada, então a religião é inútil, sem sentido. Mas há algo que a morte não pode tomar, e esse algo está oculto dentro de você. Você já o possui. Se não a possuísse, ela poderia ser tomada.

Você é ela; ela é o seu próprio ser. É a sua própria base, sua existência. É isso que é chamado de Atman. Atman significa aquilo que você já é. Ninguém pode tomá-lo de você; nem mesmo a morte pode destruí-lo. O sutra diz: "Deseje apenas o que está dentro de você." Deseje o atman, deseje seu eu mais profundo, deseje o centro que você já possui, mas do qual se esqueceu completamente.

Por que o homem se esquece? Isso é uma necessidade. Para sobreviver, precisa-se prestar atenção ao mundo exterior. Para sobreviver, existir, permanecer vivo, você precisa continuar prestar atenção às coisas: comer, abrigar-se. O corpo necessita de atenção. Ele fica doente, está propenso a sofrer. O corpo está continuamente se esforçando para sobreviver, porque, para o corpo, há morte. O corpo está em constante luta com a morte; portanto, uma atenção permanente deve ser dada a ele.

O corpo sempre se encontra em estado de emergência, porque a morte pode ocorrer a qualquer momento. Você precisa estar ininterruptamente atento e consciente acerca dessa luta contra a morte; portanto, toda a sua atenção se move para o exterior. Não sobra nenhuma energia para se mover para dentro. Trata-se de uma necessidade de sobrevivência. Por esse motivo, continuamos a esquecer que existe dentro de nós um centro imortal, um centro eterno, um centro de bem-aventurança absoluta.

A dor atrai a atenção; o sofrimento atrai a atenção. Se você está com dor de cabeça, sua atenção se dirige para a cabeça; você se torna consciente de que possui uma cabeça. Se não há dor, você se esquece de sua cabeça. Torna-se sem cabeça – como se você não tivesse cabeça.

O corpo é sentido apenas quando está doente. Se seu corpo está absolutamente saudável, você não o sente. Você fica leve. Na verdade, você se torna incorpóreo. Esse é o único critério da autêntica saúde: o corpo não é absolutamente sentido. Sempre que o corpo é sentido, significa que há alguma doença, algum distúrbio. Sua atenção é reclamada.

Há tantos problemas oriundos do exterior que sua atenção está constantemente ocupada com ele. Por isso, você se esquece de que alguma coisa existe exatamente no centro do seu ser, alguma coisa imortal, divina, bem-aventurada. O sutra diz:

"Deseje apenas o que está dentro de você. (...) Pois dentro de você está a luz do mundo  a única luz que pode iluminar o Caminho. Se você é incapaz de percebê-la em seu interior, é inútil procurá-la em outra parte."

O sutra seguinte:

"Deseje apenas o que está além de você."

Deseje apenas o que está além de você. Deseje sempre o impossível, porque só através desse desejo você cresce. E o que é impossível? Escalar o Monte Everest não é impossível; tampouco ir à Lua. Ambos tornaram-se possíveis. Alguém já escalou o Everest. Mesmo se ninguém o tivesse escalado, isso não seria impossível. Difícil, mas não impossível. Está ao alcance da capacidade humana escalá-lo. Ir à Lua também está dentro de nossa capacidade e, em breve, o homem alcançará igualmente outros planetas. Isso não é impossível, apenas difícil. Algum dia tornar-se-á possível. Somente uma coisa é impossível, está além de você: seu eu mais profundo.

Por quê? Afirmo que a Lua não é tão difícil de se alcançar, embora esteja tão distante; e afirmo que seu eu mais profundo é mais impossível de se alcançar, embora esteja exatamente dentro de você. Por que então é tão difícil alcançá-lo? Porque está dentro de você – justamente por isso. Você sabe apenas alcançar o que está fora. Suas mãos podem alcançar o que está fora, seus olhos podem ver o que está fora. Seus sentidos abrem-se para o exterior; você não possui sentidos que possam ajuda-lo a olhar para dentro. Sua mente se move para fora; não pode se mover para dentro. É por isso que a mente precisa ser abandonada. Somente então você pode entrar em meditação.

A mente é basicamente um movimento para fora. Você pode observar isso muito facilmente. Sempre que você pensa, está pensando em algo que está fora de você. Seja qual for o seu pensamento, ele é sempre a respeito de algo que está fora. Você já pensou sobre alguma coisa que está dentro de você? Não há necessidade de pensar sobre algo interior, pois você pode experimentá-lo. Não há necessidade de pensar a seu respeito; o pensamento é um substituto. Você pode perceber o que está dentro de você. Está bem próximo. Basta mudar sua atitude, mudar sua direção. De fora, você se volta para dentro, e pode experimentá-lo. Qual a necessidade de pensar sobre ele?

Porém, estamos sempre pensando sobre o de dentro. Pensamos sobre o que é atman. Pensamos: “O que é o eu?” – Criamos filosofias e sistemas. Criamos teorias de que o eu significa “isto”, de que a definição é “esta” e de que ninguém tenta senti-lo. Ele está tão perto de você – qual a necessidade de teorias?

Teorias são necessárias para o que está distante, pois você não pode alcançá-lo neste exato momento. Precisa criar uma ponte. Precisa-se de teorias para se alcançar a Lua, mas elas não são necessárias para alcançar o seu centro interior, pois não há nenhuma distância. Não há nada para se transpor; você já está ali. É necessário apenas uma mudança de atitude, e você pode perceber esse centro. Não há necessidade de teorizar, de filosofar. Mas continuamos a criar filosofias. Criamos milhares e milhares de filosofias, e os filósofos continuam desperdiçando suas vidas a pensar sobre aquilo que já se encontra dentro deles. Eles poderiam saltar para dentro a qualquer momento.

Mas isso está além. Além dos sentidos, pois os sentidos não podem se abrir para aquilo que está dentro; eles se abrem na direção oposta. E também está além da mente, pois a mente não pode conduzi-lo até ali; ela sempre o conduz a outro lugar. A mente é um instrumento para o mundo; é um mecanismo que permite o movimento para fora, para longe de você. Ela serve para isso. Por essa razão, enfatiza-se tanto que em samadhi não há mente. Samadhi é um estado de não-mente; a mente cessa.

Nas técnicas de meditação que estamos fazendo, todo o esforço consiste em se deixar de ser uma mente, em abandonar a mente, em parar de pensar, em atingir um instante onde não exista nenhum pensamento, onde apenas a atenção, apenas a consciência existe. “Não pensar” significa que não há nenhuma nuvem no céu; apenas o céu está ali. “Não pensar” significa que não há nuvens na mente, apenas a consciência. Nessa consciência, você está dentro.

Quando você está na mente, está fora; quando você está na não-mente, está dentro. Nessa transferência, da mente para a não-mente, consiste toda a jornada. Se você puder acrescentar “não” à sua mente, você alcançou o conhecimento. Por isso é denominado além.

Deseje apenas o que está além de você – além de seus sentidos, além da sua mente, além de seu ego. “Você” não estará ali. Seu centro mais profundo não é você; você é apenas a periferia. A periferia não pode estar no centro. Quando você se move em direção ao centro, abandona a periferia. A periferia não pode existir no centro. Ela pertence ao centro, mas existe fora do centro, ao seu redor.

Tudo quanto você conhece a seu respeito é apenas a periferia: seu nome, sua identidade, sua imagem. Você é hindu ou maometano ou cristão; você é negro ou branco; você é isto ou aquilo. Seu país, raça, cultura – tudo isso pertence apenas à periferia; todos os seus condicionamentos estão apenas na periferia.

O mundo não pode penetrar em seu centro. Ele só pode cultivar a periferia, só pode atingir você em sua superfície. Apenas a sua superfície pode ser hindu, apenas a sua superfície pode ser cristã, apenas a sua superfície pode ser jaina. “Você” não é; você não pode ser. Somente sua superfície pertence à Índia, ou ao Paquistão, ou à América. Você não pode pertencer a nenhuma nação, a nenhuma raça. Você pertence à própria existência. No centro, todas as divisões são falsas; elas só são significantes na periferia.

Tudo quanto você conhece a respeito de si mesmo refere-se ao seu ego. “Ego” é apenas uma palavra utilitária. Toda a sua periferia significa “você”. Mas esse “você” desaparecerá quando você começar a ir para dentro; esse “você” se desvanecerá aos poucos; esse “você” desaparecerá; esse “você” se evaporará. Então, surgirá um momento em que você será, autenticamente, você mesmo; seu velho eu não estará mais presente. Por isso é que se diz: Deseje apenas o que está além de você... Está além de você, pois quando você o alcança, você se perde.

"Deseje apenas o que é inacessível." O que é inacessível? Olhe ao redor – todas as coisas são acessíveis. Pode ser que você não as tenha conseguido, mas elas são acessíveis. Se você fizer o esforço necessário, poderá obtê-las. Potencialmente, elas são acessíveis.

Alexandre construiu um grande império. Pode ser que você não tenha construído um, mas o que Alexandre pôde fazer, você também pode. Não é impossível; não é inacessível. Pode ser que você não tenha acumulado tanta riqueza quanto Rockefeller ou algum outro, mas o que Rockefeller pôde fazer, você também pode. Isso é humano; está ao alcance da sua capacidade. Você pode fracassar, pode não ser capaz de obter essa riqueza, mas ela é alcançável. Seu fracasso é o seu próprio fracasso; potencialmente você poderia ter sido um sucesso; portanto, um objeto não pode ser considerado inacessível.

Assim sendo, o que é inacessível? Aquilo que não pode ser atingido? Se esse é o significado, então qual a finalidade de se desejá-lo? Se algo não pode ser alcançado, então o desejo é fútil. Por que desejar o que é inacessível? O que isso significa?

O significado é muito profundo, muito esotérico. O significado é que seu eu mais profundo é inacessível porque ele já foi alcançado. Você não pode alcançá-lo porque você é ele. Não pode tornar isso uma conquista. Não se trata de algo a ser alcançado. Ele já está aí, você nunca esteve longe dele. Nunca o perdeu; ele é a sua própria natureza. Ele é você, o seu ser mais profundo. Você não pode alcançá-lo; pode apenas descobri-lo. Não pode chegar até ele; pode apenas reconhecê-lo.

Não é possível inventá-lo; ele já está aí. Não é para ser adquirido; já está aí. Você precisa apenas lhe dar a sua atenção. Precisa focar sua consciência nele e, subitamente, aquilo que nunca foi perdido é encontrado.

Quando Buda alcançou a iluminação, alguém lhe perguntou: “O que você alcançou?”

Buda disse: “Nada, porque qualquer coisa que eu tenha alcançado, sei agora que sempre esteve presente. Nunca foi perdida. Simplesmente, eu a descobri. Tomei conhecimento de um tesouro que sempre esteve dentro de mim.”

"... É inacessível porque reflui continuamente. Você penetrará a luz, mas nunca tocará a chama."

É também inacessível num outro sentido. Você nunca será capaz de dizer: “Eu o alcancei (o conhecimento)” – pois quem dirá que o alcançou? Aquele “eu” que pode reivindicar não existe mais. Aquele ego – a periferia – não existe mais. Para alcançar o conhecimento, para descobri-lo, ele precisa ser perdido. O ego precisa ser jogado fora, abandonado. Você só pode alcançar o conhecimento quando se tornou sem ego. Não pode alcançar o conhecimento com o ego, porque o próprio ego é a barreira.

Dessa forma, quem estará ali para reivindicar? Os Upanishads dizem que se alguém afirma que alcançou o conhecimento, não tenha dúvidas, ele não o alcançou, pois a própria afirmação é egoística. Se alguém diz: “Conheci Deus” – não tenha dúvidas: ele não conheceu Deus. Pois quando Deus é conhecido, quem está ali para afirmar? O conhecedor se perde no próprio fenômeno do conhecimento. O conhecimento só ocorre quando o conhecedor não está presente. Quando o conhecedor está ausente, o conhecimento ocorre – assim, quem lhe afirmará?

Havia um monge zen, Nan-in. Alguém lhe perguntou: “Você conhece a verdade?”

Ele riu, mas continuou em silêncio. O homem disse: “Não posso compreender esse riso misterioso. Tampouco posso compreender seu misterioso silêncio. Use palavras. Diga-me. E seja claro. Diga-me sim ou não. Você conhece a verdade, o divino?”

Nan-in disse: “Você está tornando as coisas difíceis para mim. Se eu disser sim, as escrituras dizem: ‘Aquele que diz, ‘Eu conheço', não conhece.' Portanto, se eu disser sim, significará não. E se eu disser não, isso não será verdadeiro. Assim, o que devo fazer? Não me obrigue a usar palavras. Tornarei a rir e a manter silêncio. Se você puder compreender, ótimo. Se não puder compreender, ótimo também. Mas não usarei palavras. Não me obrigue a isso, porque se eu disser sim, significará que não conheço, e se eu disser não, isso não será verdade.”

Você alcançará o conhecimento, mas em sua pureza. Nessa pureza, seu ego não estará presente. O ego é o elemento impuro, estranho, dentro de você – apenas a poeira acumulada ao seu redor. Ele não é você. Nu, você alcançará o conhecimento. Seu ego é exatamente como suas roupas. Ele não estará presente.

Deseje apenas o que é inacessível.


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