segunda-feira, março 20, 2017

O Dom Supremo - 6/7

O DOM SUPREMO
(Henry Drummond) 


Falta acrescentar muita pouca coisa sobre as razões que levaram Paulo a considerar o Amor como o Dom Supremo. Falta apenas analisar a principal razão. Algo muito importante, que pode ser resumido numa frase curtíssima: O Amor permanece. “O Amor”, insiste Paulo, “jamais acaba”. Então ele nos dá mais uma de suas maravilhosas listas. Fala de assuntos que eram importantes em sua época. Coisas que todos garantiam ser eternas. E mostra como são frágeis, temporárias, agonizantes. 

“Havendo profecias, desaparecerão.” Naquele tempo, o sonho de todas as mães era que seus filhos se tornassem profetas. Durante séculos e séculos, Deus tinha escolhido falar ao mundo por meio dos profetas, e estes eram mais poderosos que os Reis. Os homens esperavam, aflitos, que chegasse um novo mensageiro do Alto, e o honravam quando ele aparecia. Paulo é implacável : "Havendo profecias, desaparecerão." A Bíblia está repleta de profecias. Mas, na medida em que foram transformadas em realidade, perderam seu verdadeiro sentido. Desapareceram como profecias, para se tornarem apenas o alimento da fé de homens piedosos. 

Então, Paulo fala sobre as línguas. “Havendo línguas, cessarão", diz ele. Tanto quanto sabemos, já se passaram milhares de anos desde que as primeiras línguas surgiram sobre a face da Terra. Elas ajudaram o homem a se organizar, crescer, e sobreviver num mundo perigoso e hostil. Onde estão estas línguas? Desapareceram. 

Os egípcios construíram pirâmides e gravaram sua escrita em monumentos que permanecem até hoje. Ainda existem como nação, mas sua língua original desapareceu. Considere estes exemplos da maneira que você quiser, inclusive no sentido literal. Embora não fosse esta a principal preocupação de Paulo, pelo menos podemos entender melhor o que ele estava falando. A carta aos coríntios, que lemos e que discutimos durante todo este tempo, foi escrita originalmente em grego antigo. 

Se formos até a Grécia com o texto original, pouquíssimas pessoas seriam capazes de decifrá-lo. Há mil e quinhentos anos atrás, o latim dominava o mundo. Hoje não significa mais nada. Reparem as línguas indígenas: estão desaparecendo. A língua original do País de Gales, ou a da Escócia, está morrendo diante de nossos olhos. O livro mais popular da Inglaterra, com exceção da Bíblia, é Pickwick Papers, de Charles Dickens. Foi quase todo escrito num inglês falado pelas pessoas nas ruas. Pois bem: estudiosos nos garantem que, em cinqüenta anos, este livro será ilegível para o leitor comum. 

Então, Paulo vai mais longe e acrescenta, com ênfase: "havendo ciência, passará". Onde está a ciência dos antigos? Sumiu por completo. Hoje, um menino de escola secundária conhece muito mais coisas que Sir Isaac Newton, o descobridor da Lei da Gravidade, conhecia em sua época. O jornal que nos traz as novidades da manhã é jogado fora quando chega a noite. Compramos enciclopédias de dez anos atrás por apenas alguns tostões, porque as conquistas científicas que estão em suas páginas já foram completamente ultrapassadas. 

Reparem como a carruagem puxada a cavalo foi substituída pelo vapor. E como a eletricidade, por sua vez, ameaça superar o vapor, jogando no esquecimento centenas de invenções que apenas acabaram de nascer. Uma das maiores autoridades dos dias de hoje, Sir William Thomson, garante: “O motor a vapor em breve deixará de existir.” 

“Havendo ciência, passará.” Vemos no fundo dos quintais algumas rodas velhas, peças quebradas, objetos de ferro corroídos pela ferrugem; vinte anos atrás, estas mesmas peças faziam parte de objetos que eram o orgulho de seu dono. Agora não representam mais nada, a não ser um estorvo do qual não conseguimos nos livrar. Toda ciência e toda filosofia de nossa época, de que tanto nos orgulhamos, um dia envelhecerão. Alguns anos atrás, a maior autoridade de Edimburgo era Sir James Simpson, o descobridor do clorofórmio e o precursor da anestesia. Recentemente, o bibliotecário da universidade onde Sir James Simpson lecionava, pediu ao sobrinho do cientista que se livrasse dos livros do tio. Estes já não tinham qualquer interesse para os novos estudantes. O sobrinho disse ao bibliotecário: “Não são apenas os livros de meu tio. Qualquer livro científico com mais de dez anos deve ser levado para o porão.” Sir James Simpson era uma pessoa mundialmente importante; cientistas de todas as partes do planeta vinham consultá-lo. Entretanto, suas descobertas - e quase todas as outras descobertas de sua época - foram superadas. 

“Porque agora vemos como num espelho, obscuramente.” Vocês podem me dizer algo que permaneça para sempre? Paulo deixou de mencionar muitas coisas. Não falou em dinheiro, fortuna, fama; limitou-se apenas às coisas importantes do seu tempo, às coisas a que se dedicavam os melhores homens da sua época. E as colocou, decididamente, de lado. Paulo nada tem contra as coisas em si; não falou mal delas. Tudo que disse foi que elas não durariam. Eram coisas importantes, mas não eram dons supremos. Existia algo além delas. O que somos é mais do que fazemos, e muito mais do que possuímos. Muitas coisas, que os homens chamam de pecado, não são pecados; são sentimentos e deslizes que desaparecem rápido. Efêmeros. Este é um argumento favorito do Novo Testamento. João não nos diz que o mundo está errado; diz que “passará”. Existem muitas coisas no mundo que são belas; coisas que nos entusiasmam e nos engrandecem. Mas não vão durar. Todo o reino deste mundo, o deslumbramento de visão, os prazeres da carne, o orgulho, tudo existe apenas por um breve momento. Por isso, não deixe que seu amor se prenda às coisas do mundo. Nada que o mundo contém vale a dedicação e o tempo de uma alma imortal. A alma imortal deve entregar-se a algo que é imortal. E as únicas coisas imortais são “a fé, a esperança e o amor”. Alguns podem dizer, inclusive, que duas destas coisas também passam: a fé, quando sentimos e vivemos a presença de Deus, e a esperança, quando é satisfeita e preenchida. Mas, com toda certeza, o Amor continuará presente. 

Deus, o Eterno Deus, é Amor. Busquem, portanto, o Amor - este momento eterno, a única coisa que vai permanecer quando a própria raça humana tiver chegado ao final de seus dias. O Amor será sempre a única moeda corrente aceita no Universo, quando todas as outras moedas, de todas as nações, tiverem perdido seu uso e seu valor. Se vocês querem se entregar a muitas coisas, entreguem-se primeiro ao Amor - e tudo o mais lhes será acrescentado, dando a cada coisa o seu devido valor. 

Deem a cada coisa apenas o seu devido valor. Permitam pelo menos que o grande objetivo de suas vidas seja o de conseguir forças suficientes para defender esta ideia, e construir uma existência usando o Amor como principal referência. Como fez Cristo, que construiu toda a sua obra em cima do Amor. Eu comentava que o Amor é eterno. Já repararam como João o associa, várias vezes, à Vida Eterna? Quando eu era criança, me diziam que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho Unigênito para que todo que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Os mais velhos diziam então - lembro-me bem - que Deus amou tanto o mundo que, se confiássemos Nele, teríamos paz, descanso, alegria, ou segurança. Eu tive que descobrir por mim mesmo que não era bem assim. Que, na verdade, todos aqueles que confiassem Nele - isto é, que O amassem, pois a confiança é uma avenida pela qual o Amor caminha - teriam, isto sim, a Vida Eterna.

Os textos sagrados nos falam de uma nova vida. Não ofereça ao próximo apenas a paz, ou o descanso, ou a segurança. Em vez disso, conte como Cristo veio ao mundo para dar ao homem uma vida mais cheia de Amor - e, por isso mesmo, abundante em salvação, longa o suficiente para que possamos nos dedicar ao aprendizado do Amor. Só assim as palavras do Evangelho fazem sentido, e podem tocar o corpo, a alma e o espírito, dando a cada uma destas partes uma orientação e uma finalidade. 

Muitos dos textos espirituais que vemos hoje são dirigidos apenas a uma parte do homem. Oferecem Paz, mas não falam em Vida. Discutem a Fé, e esquecem o Amor. Contam sobre a Justiça, e não tocam na Revelação. E o homem termina se afastando da Busca Espiritual, porque esta foi incapaz de mantê-lo em sua trilha. Não cometamos esses erros. Que fique sempre claro para nós que só o Amor Total pode competir com o amor deste mundo. Amar abundantemente é viver abundantemente. Amar para sempre é viver para sempre. A vida Eterna está completamente acorrentada ao Amor. 

Por que queremos viver para sempre? Porque desejamos que o dia de amanhã nos traga alguém que amamos. Porque queremos conviver mais um dia com a pessoa que está ao nosso lado. Porque queremos encontrar alguém que mereça nosso amor, e que saiba, por sua vez, nos amar como achamos que merecemos. Por isso, quando um homem não tem ninguém que o ame, sente uma profunda vontade de morrer. Enquanto ele tiver amigos, gente que ele ama e que o ama, ele viverá. Porque viver é amar. Até mesmo o amor por um animal de estimação - um cachorro, por exemplo - pode justificar a vida de um ser humano. Mas se ele não tiver mais esse laço de amor com a vida, desaparece também qualquer razão para continuar vivendo. A “energia da vida” falhou.

Participar da Vida Eterna significa conhecer o Amor. Deus é Amor. João diz: “Estamos no verdadeiro, em seu Filho. Este é o verdadeiro Deus e a Vida Eterna.” Seja qual for sua crença, ou sua Fé, busque primeiro o Amor. E o resto lhes será acrescentado. Pois o Amor precisa ser eterno. Porque Deus o é. Amor é Vida. O Amor nunca falha, e a vida não falhará enquanto houver Amor. É isto que Paulo nos mostra: que, no fundo de todas as coisas criadas, o Amor está presente como o Dom Supremo - porque o Amor permanece, enquanto as coisas acabam. O Amor está aqui, existe em nós agora, neste momento. Não é algo que nos venha a ser dado depois de morrermos. Ao contrário, teremos pouquíssimas chances de aprender o Amor quando estivermos velhos se não o buscarmos e o praticarmos agora. 

O pior destino que um homem pode ter é viver e morrer sozinho, sem amar e sem ser amado. Quem ama está salvo. Quem não ama, nem é amado, está condenado. E aquele que se alegra no Amor, se alegra em Deus, porque Deus é amor.

Continua...

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