quinta-feira, setembro 29, 2016

Contos Sacros: Sakyamuni e Vimalakirti - 1/5

- Masaharu Taniguchi -


O IMACULADO PARAÍSO BÚDICO

Um canto soa através das árvores, no princípio distante, e depois torna-se mais próximo...

Discípulo A - Alguém está cantando.
Discípulo B - É mesmo! Quem será?

Ouve-se a voz entoando o Canto da Vida Eterna:

"Este corpo é como o arco-íris.
O arco-íris não é perene
e em breve desaparece.

Este corpo é como a bolha.
A bolha não é perene
e em breve desaparece.

Este corpo é como a miragem.
A miragem não é perene
e em breve desaparece.

Este corpo é como o eco.
O eco não é perene
e em breve desaparece.

Este corpo é como o relâmpago.
O relâmpago não é perene
e em breve desaparece.

Este corpo é como a nuvem.
A nuvem não é perene
e em breve desaparece.

Este corpo é como a correnteza.
A correnteza é inconstante
e se escoa sem parar.

Este corpo é como a bananeira:
parece que é sólido,
mas não tem consistência.

Este corpo é como o fogo:
parece que transmite calor,
mas a tudo consome e se extingue.

Este corpo é como o sonho:
parece que é real,
mas é irreal e efêmero.

Este corpo vem da ilusão:
parece ter substância,
mas é vazio e efêmero.

Este corpo é desamparado;
parece ter amparo,
mas logo se desmorona.

Este corpo não possui mente;
embora pareça possuí-la,
não a possui, tal qual entulho.

Este corpo não tem vida;
como palha carregada pelo vento,
é arrastado pela força do carma.

Este corpo é impuro;
embora pareça formoso,
está repleto de impurezas.

Este corpo é transitório;
embora pareça duradouro,
um dia terá de morrer.

Não é existência verdadeira
o que some como a bolha,
o arco-íris, a miragem, o eco.

Não tomeis por vosso Eu
o que não é existência verdadeira;
jamais o considereis vosso Eu.

O que é efêmero não é o vosso Eu.
O que morre não é o vosso Eu.
O que desaparece não é o vosso Eu.

O que é eterno, eis o Eu!
O que é imortal, eis o Eu!
O que é universal, eis o Eu!"


Discípulo A - Quem está cantando é o discípulo de Vimalakirti.

Discípulo B - Ah! É por isso que aquele canto soou tão sublime!

Discípulo A - Senti-me como se estivesse ouvindo o sermão do venerando Sakyamuni – "Este corpo é como o eco, que não é duradouro e em breve se extingue." Realmente, o eco se apaga em breves instantes. Já não se ouve o eco daquele canto.

Discípulo B - "Este corpo não tem vida; como palha carregada pelo vento, é arrastado pela força do carma". É isso mesmo. Cada manhã, varremos as folhas secas deste pomar, mas no dia seguinte o chão está novamente coberto delas. Assim é o desenrolar do carma. As folhas secas que cobriam o chão ontem não são as mesmas que o cobrem hoje; e as folhas que cobrem o chão hoje não mais estarão aqui amanhã, e em seu lugar haverá outras folhas secas... As árvores, embora pareçam desenvolver-se a cada novo dia, na verdade está fenecendo um pouco a cada dia que passa, a cada folha seca que se desprende e cai no chão. Quem não percebe isso não conhece a Verdade. Este mundo é transitório. Todas as coisas deste mundo são transitórias.

Discípulo A - Quem é superior: o venerando Sakyamuni ou o grande Vimalakirti?

Discípulo B - Claro que o venerando Sakyamuni é superior. Ele é o Iluminado. Não há neste mundo ninguém que possa se igualar a ele.

Katyayana - Eu, pessoalmente, acho que é imensurável a grandiosidade de Vimalakirti. Sei que a grandiosidade do venerando Sakyamuni está acima de minha imaginação. Nós, discípulos, estamos sempre ao lado dele e o observamos de perto, e por isso não podemos conhecer a sua real grandiosidade, do mesmo modo que não podermos ver o topo de uma montanha estando ao pé dela. Quanto ao grande Vimalakirti, podemos observá-lo à distância, assim como observamos de longe a cordilheira do Himalaia, e parece-me que a sua grandiosidade se destaca dos outros. Por isso, embora não possamos comparar sua grandiosidade com a do venerando Sakyamuni, de quem não podemos ter a visão geral por estarmos demasiadamente perto, imagino que Vimalakirti seja tão grandioso quanto o venerando Sakyamuni.

Discípulo A - Por que você diz isso? O que você tanto admira em Vimalakirti?

Katyayana - Certa vez, fui fazer pregação nas ruas. Seguindo os ensinamentos do venerando Sakyamuni, preguei o seguinte: Este mundo é transitório. Não há sequer uma coisa neste mundo que seja perene. O que está vivo, um dia terá de morrer; o que nasceu, um dia perecerá. Também as coisas materiais, como estas roupas que trazemos no corpo, sendo meros produtos fabricados, desgastar-se-ão e se rasgarão com o passar do tempo. Aliás, desde já elas estão em processo de desgaste, e dia chegará em que não mais suportarão o uso. O mesmo ocorre com todos os bens materiais. Aquele que possui bens é fadado a sofrer, na ânsia de evitar a perda de suas posses. A maioria das pessoas apega-se a coisas transitórias, esperando que elas durem para sempre, e sofre devido à ânsia de conservá-las consigo eternamente. Mas o próprio ser humano também é transitório: está vivo hoje, mas poderá estar morto amanhã. Mesmo que os bens materiais fossem perenes, a própria pessoa que os possui é transitória e fadada a morrer. E quanto maior a quantidade de bens que a pessoa possui, maior será o sofrimento de sua alma quando chegar a hora da morte. Todos os seres e todas as coisas são transitórios. Tudo que é do mundo fenomênico não é existência verdadeira, não passando de produto do carma. Tanto o "eu" fenomênico como as "coisas" fenomênicas, às quais se apega o "eu" fenomênico, não têm existência real. Quando despertamos para esta Verdade e abandonamos totalmente o apego, encontramos a verdadeira paz. Essa paz e plenitude, a que chamamos Nirvana, constituem o estado de suprema graça. Em suma, eu estava explicando assim o significado da transitoriedade, do sofrimento, do nada e da "anulação do ego", sem saber que no meio da multidão que me ouvia encontrava-se Vimalakirti.

Disípulo A - Ah! Então o grande Vimalakirti estava lá? Isso é interessante!

Katyayana - Pois é! Eu estava fazendo pregação, quando alguém, no meio da multidão, chamou meu nome. Olhando para o lado de onde veio a voz, fiquei surpreso ao descobrir, no meio das pessoas, o rosto de Vimalakirti sorrindo para mim.

Discípulo B - E o que ele lhe disse? Irmão Katyayana, você, que é considerado o mais hábil argumentador entre os dez principais discípulos do venerando Sakyamuni, certamente não se deixou derrotar pelos argumentos de Vimalakirti, não é?

Katyayana - Vimalakirti me disse: "O que você está pregando é a Verdade sobre coisas fenomênicas e não a Verdade sobre a Essência absoluta do ser, sobre a existência verdadeira. Não se pode conduzir as pessoas à compreensão do que é a perene Essência do ser, falando-lhes sobre coisas transitórias. Os fenômenos transitórios não são existências reais, assim como não é existência real a "mente fenomênica" que apreende tais fenômenos. Por mais que você fale sobre as coisas fenomênicas, que são existências falsas, com a "mente fenomênica" que também é existência falsa, as pessoas não irão compreender a Essência absoluta do mundo e dos seres. Você deve apreender com a mente eterna a Essência eterna do ser e pregar isso aos outros. Senão, seu mestre Sakyamun ficará decepcionado com você".

Mesmo sendo eu considerado o mais hábil argumentador dos dez principais discípulos do venerando Sakyamuni, naquele momento vi-me incapaz de revidar as palavras de Vimalakirti. De fato, minha pregação consistia basicamente em falar da transitoriedade e do fenômeno. Em outras palavras, eu analisava minuciosamente as coisas fenomênicas e nisso baseava meu argumento. Vimalakirti estava com razão, quando disse que não se pode conduzir as pessoas à compreensão da Essência do ser, pregando-lhes tão somente a transitoriedade do fenômeno. Confesso que Vimalakirti me deu uma lição,

Sariputra - A mim também ele deu uma lição, certa vez.

Discípulo B - O que!? Você também ficou sem argumento diante de Vimalakirti? Ele deu uma lição até a você, que é considerado o mais sábio dos dez principais discípulos do venerando Sakyamuni?

Sariputra - Se deu! Foi numa ocasião em que eu estava absorto na prática do Zen, num bosque. De olhos cerrados, estava concentrado para contemplar a Essência perfeita dos seres, quando senti alguém tocar a minha cabeça. Abri os olhos, e vi Vimalakirti a meu lado. Incomodado, bradei: "Não me perturbe, estou praticando o Zen! Vá embora daqui!".

Então Vimalakirti replicou calmamente: "A prática do Zen não consiste necessariamente em ficar imóvel, de olhos fechados. Se você ficou assustado com o toque de minha mão em sua cabeça, ainda tem muito a aprender a respeito da prática do Zen. A verdadeira prática do Zen consiste em atingirmos, mesmo sem a concentração meditativa, o estado de plenitude espiritual que nos permite agir com a máxima serenidade e naturalidade, em qualquer situação; consiste em transcendermos o mundo dos sentidos e tornarmo-nos invulneráveis, versáteis e livres de todo e qualquer empecilho."

Assim explicou. E disse mais: "A prática do Zen não consiste necessariamente na introspecção ou na meditação sobre o mundo exterior, nem requer isolamento no monte ou no bosque. Manifestar naturalmente a Verdade e a Luz, mesmo vivendo no meio urbano e efetuando afazeres banais – isto é a verdadeira prática do Zen. Sublimar as paixões, em vez de negá-las – isto é a verdadeira prática do Zen". E disse mais ainda: "A prática do Zen não consiste necessariamente em ficar imóvel e silencioso. Agir do modo mais acertado para cada circunstância, imobilizando o oponente ou enfrentando-o audaciosamente quando necessário, e fazer isso sem perder a serenidade – isto é a verdadeira prática do Zen".

Discípulo B - E como você reagiu a essas palavras?

Sariputra - Não pude opor nenhum argumento. Percebi que eu não estava à altura de discutir com Vimalakirti. Ciente da superioridade dele, achei a atitude mais sábia naquela circunstância era reder-me docilmente, e foi o que fiz.

Discípulo A - Em que circunstância curiosa você foi manifestar a sua célebre sabedoria, irmão Sariputra!

Maudgalyayana - Acho-o sábio justamente por ser ele capaz de agir assim. Para falar a verdade, eu também tive que me curvar aos argumentos de Vimalakirti, certa ocasião.

Discípulo B - Você também, irmão Maudgalyayana? Dentre os discípulos do venerando Sakyamuni, você é o que tem o poder extra-sensorial mais desenvolvido. Então, porque não leu os pensamentos mais recônditos de Vimalakirti para derrota-lo com seus argumentos?

Sariputra - Conte-nos o seu caso, para que nos sirva de lição.

Maudgalyayana - Está bem. Certo dia, eu estava pregando sermão nas adjacências do Castelo de Vaisali. Eu pregava quão execráveis são a matança, a cobiça, a luxúria, a gula, a cólera, a ignorância, a mentira, a perfídia, a hipocrisia, as maledicências, etc. A certa altura, alguém no meio da multidão gritou: "Mas você próprio está falando mal dos outros. Você só vê maldade no ser humano. Fazer esse tipo de pregação é o mesmo que cometer o pecado de maledicência!".

Olhei surpreso para a direção de onde vinha a voz, e avistei Vimalakirti, que prosseguiu dizendo: "Ao fazer sermão, basta transmitir os ensinamentos, basta falar a Essência absoluta e perfeita do homem. Não se deve fazer do homem mundano, do homem pecador, o objeto do sermão. Em sua essência, ninguém é mal; não existem pessoas más. A Essência do homem é absoluta e perfeita. Ela não tem nome, e não há palavras que a possam explicar ou descrever. As palavras são meios pelos quais explicamos ou descrevemos as coisas fenomênicas, portanto não podem explicar a Essência absoluta e perfeita do homem. A Essência não possui forma e é infinita como firmamento. Ela é como o céu sem nuvens. O céu com nuvens parece mutável, mas o céu completamente sem nuvens parece perfeitamente imutável. Não há meio de se explicar a Essência absoluta e perfeita do homem, que não é toldada pelas vicissitudes fenomênicas. A Essência do homem não tem aspecto definido, não aumenta nem diminui, é indestrutível, não pode ser captada pelos sentidos. O firmamento, em bora pareça imóvel, é dinâmico. Assim também é a Essência do homem. Por ser invisível e imaterial, não podemos descrevê-la nem ouvi-la. Explicar a invisível e imaterial Essência ao homem fenomênico, que não é existência verdadeira, é como se um mágico falasse à "imagem ilusória" criada por ele mesmo. A "imagem ilusória" toma o aspecto que o mágico desejar, em conformidade com as palavras dele. Portanto, ao pregarmos sermão, não devemos fazê-lo como se estivéssemos nos dirigindo a pecadores. Em vez de falar de pecados e maldades, fale da virtude e do bem. Em vez de aconselhar as pessoas a se guardarem contra os pecados, pregue o Grande Veículo (*parte do budismo que prega a Essência absoluta, perfeita e transcendental do homem que está salvo desde o princípio) e enalteça as graças búdicas bem como o mérito de Buda, da Verdade e das pessoas que praticam os ensinamentos".

Quando Vimalakirti terminou de falar, olhei ao redor e constatei que ninguém mais estava olhando para mim. Todos olhavam para Vimalakirti, aplaudindo-o e reverenciando-o. Nunca me senti tão embaraçado como daquela vez.

Maha-Kasyapa - Eu também tenho um caso para lhes contar. Certa vez, eu estava percorrendo as ruas da cidade para cumprir a mendicância religiosa, escolhendo justamente os bairros mais pobres.

Discípulo B - Por que percorreu comente os bairros pobres?

Maha-Kasyapa - Porque não tenho tempo para fazer a mendicância religiosa em todas as casas da cidade.

Discípulo B - O que quero saber é: por que escolheu somente os pobres para pedir esmola? Os recursos daquelas pessoas são limitadíssimos; se derem esmola aos que praticam mendicância religiosa, elas ficarão ainda mais pobres.

Maha-Kasyapa - Antes, eu também pensava assim, e um dia expus minha dúvida ao venerando Sakyamuni. Então ele me disse: "Os pobres são pobres devido a seus carmas: como resultado de não terem acumulado boas ações na existência anterior, nasceram em lares pobres. Se uma aldeia é assolada pela fome, é porque seus habitantes não acumularam, em sua existência anterior, boas ações que dão origem à felicidade. Portanto, percorrer bairros pobres e até mesmo aldeias assoladas de fome para cumprir mendicância religiosa é um ato de caridade que resulta na salvação daquela gente; é um ato que faz aquela gente praticar boas ações, que resultarão em sua prosperidade futura". Foi por isso que eu estava percorrendo os bairros pobres, fazendo a mendicância religiosa.

A certa altura, ouvi alguém chamar atrás de mim. Voltei-me e reconheci Vimalakirti, o qual me disse: "Não se deve pedir esmolas somente aos pobres, esquecendo-se dos ricos. A riqueza e a pobreza se alternam devido a causas mediatas e imediatas. Quem é rico hoje, poderá tornar-se pobre amanhã; e quem é pobre hoje, poderá tornar-se rico amanhã. Além disso, há os que são felizes mesmo sendo pobres, e os que sofrem justamente por serem ricos. A pobreza ou a riqueza atuais não servem de base para coisa alguma. Por isso, não se deve buscar intencionalmente os pobres para cumprir a mendicância religiosa. É preciso manter sempre o ponto de vista imparcial e efetuar a mendicância religiosa de acordo com a solicitação que brota naturalmente do Eu verdadeiro. Ao comer do prato que lhe for doado por alguém, não pense estar ingerindo um alimento material. O alimento doado é a concretização do espírito caridoso do doador, é a materialização do amor e da piedade. Portanto, ao mastigar o alimento que lhe for doado, pense na inexistência da matéria; e ao ingeri-lo, pense que está assimilando a sua essência, que são a piedade e o amor do doador.

Ao receber um prato de comida, ore para que o doador mantenha sempre esse mesmo desprendimento em relação a coisas materiais e nunca venha a sofrer vicissitudes resultantes de carmas. Ao entrar numa aldeia, aja com espontaneidade, segundo a sua natureza búdica, e apareça sob a forma mais adequada a cada lugar; mesmo andando de porta em porta praticando a mendicância religiosa, não o faça com a mentalidade de um mendigo. Faça da mendicância religiosa um ato de fé e amor. Seja qual for o alimento que lhe for doado, não se deixe influenciar negativa ou positivamente pelo seu aspecto, aroma, sabor, etc., pois a matéria não tem existência real. A matéria é como uma miragem: não possui natureza própria nem atribuída. Ao receber um prato de comida, faça uma breve prece oferecendo o alimento às divindades, às almas dos mestres predecessores e às almas de todas as pessoas do mundo, e só então sirva-se dele. Ao servir-se do alimento com essa atitude mental, você não estará ingerindo comida material, nem estará se alimentando às custas dos outros. Estará transcendendo a matéria e as paixões mundanais. Mesmo ingerindo o alimento material, não estará se alimentando da matéria. Isso é viver a Verdade.

Viver a Verdade não é permanecer no mundo profano, nem fugir dele; não é isolar-se numa montanha, nem misturar-se propositadamente com a massa popular. Viver a Verdade consiste em transcender o sagrado e o profano, ou seja, viver em harmonia com o mundo profano sem perder a natureza búdica de si mesmo. Fazer a mendicância religiosa com esse estado espiritual é que se diz 'fazer a mendicância religiosa com sentimento de amor imparcial'. E como este mundo é um lugar onde tudo é reflexo da mente, quando se faz a mendicância religiosa amando igualmente todas as pessoas, o doador também faz sua doação com sentimento de amor imparcial. Aquele que faz a doação com esse estado espiritual não espera nenhuma retribuição. Assim, não há quem faz favor, nem quem recebe favor, e ambos se fundem num só ser, sentindo: 'eu e você somos um'. Na verdade, todos os seres constituem um só ser em sua essência. Despertar esse sentimento de unidade é a finalidade da mendicância religiosa".

Assim me explicou Vimalakirti, e senti como se ele me despertasse. Fiquei admirado com a sabedoria dele. Oh! Vejam, o venerando Sakyamuni acaba de chegar.

Todos os discípulos - Seja bem-vindo, venerando Mestre.

Sakyamuni - Salve, meus caros irmãos! Encontrei casualmente com o sr. Hoosháku, e como ele me disse que queria conhecer o mundo búdico, trouxe-o para cá juntamente com seus familiares.

Todos os discípulos - Sejam bem-vindos.

Sariputra - Então o senhor é Hoosháku, o famoso milionário. Muito prazer em conhecê-lo. Façam o favor de entrar, senhores, se bem que a nossa morada não passa de uma casa rústica e sem capacidade para comportar muitas visitas...

Hoosháku - Ora, o senhor está sendo modesto. Este jardim é lindo! Só de olhar este belo jardim, sinto-me como se estivesse vendo o paraíso. É verdade que na morada de homens santos há uma atmosfera de pureza e santidade.

Sariputra - É muito gentil, sr. Hoosháku. Mas o fato é que nossa morada é apenas uma casa feia e sem nenhum conforto.

Uma voz dos céus - Sariputra, não diga que este lugar é feio e sem conforto. No mundo búdico, não há sequer um lugar que seja feio e sem conforto. Ele é perfeito, não há fealdade, desconforto, sujeira, etc. em lugar algum.

Sariputra - (Olhando para cima) Quem é você? Quem falou comigo? Apresente-se!

A voz dos céus  Eu sou Brahma.

Sariputra - O senhor diz que é Brahma? Então, mostre-se a mim!

A imagem de Brahma aparece no alto do cenário. No princípio seu contorno é vago, mas pouco a pouco vai adquirindo nitidez e finalmente surge a imagem clara de Brahma, envolta em luz, que fala em tom solene:

Brahma - Sariputra, eu estou aqui, mas você não consegue ver-me. O paraíso está aqui, mas como você poderá vê-lo, se não abrir os olhos de sua mente? Eu, Brahma, constatei que este mundo terreno de Sakyamuni é puro e belo desde o princípio.

Sariputra - O senhor está dizendo que este jardim, de terreno pedregoso e chão coberto de folhas secas, é tão belo quanto o paraíso? Essa afirmação soa-me estranha, senhor. Vendo este jardim, constato que o terreno é pedregoso, vicejam espinheiros e há muitas coisas feias. As folhas secas se espalham por todo lado, e a gente não consegue manter o chão limpo, por mais que o varra...

Brahma - Cale-se, Sariputra. Se você enxerga o aspecto pedregoso, os espinheiros e as coisas feias, é porque em sua própria mente há "pedras", "espinhos" e "coisas feias". Veja  mundo ao seu redor com a mente do "Eu verdadeiro" (mente que apreende o Mundo Absoluto, perfeito, belo e pleno de harmonia, bem como a essência perfeita de todos os seres). Este mundo apresenta-se harmonioso na mesma medida da harmonia que há em sua mente.

Sariputra - ...o senhor diz isso, mas...

Sakyamuni - (interrompendo Sariputra) Não há o que discutir, Sariputra. Veja com seus próprios olhos como é majestosa e bela esta terra búdica.

Sakyamuni, então, remove com o pé uma pedra mais próxima, e dali surgem raios luminosos multicolores. E assim revela-se o Aspecto Verdadeiro do mundo perfeito criado por Buda, de infinita beleza e majestade. A luz que emana de Sakyamuni torna-se mais intensa. Todos ali presente curvam-se diante dele, com profundo respeito.

Sakyamuni - Sariputra, veja como é belo o Aspecto Verdadeiro deste meu mundo! Lembre-se: Por mais belo que seja o Aspecto Verdadeiro do mundo, você não poderá enxergar essa beleza se não abrir os olhos da mente. Mesmo que o Sol esteja brilhando no céu, o cego não consegue vê-lo. Se um cego diz que não há luz alguma, isso não significa que o Sol esteja obscurecido. O mundo que se apresenta aos olhos de cada pessoa nada mais é que reflexo de sua própria mente. Assim como uma beldade precisa de espelho para mirar-se nele e aplicar cosméticos para realçar sua beleza, precisamos do espelho chamado "mundo exterior" para que, vendo nele o reflexo de nossa atitude mental, procuremos melhorar a nós mesmos. Graças ao espelho, o rosto da beldade pode se tornar ainda mais belo. Da mesma forma, graças ao espelho chamado "mundo exterior", nossa mente pode tornar-se mais aprimorada.

Como vocês estão vendo, nosso mundo búdico é infinitamente belo e majestoso, repleto de bênçãos, felicidade e prosperidade. Mas, dependendo da mente de quem o vê, ele pode parecer feio. Aqueles que estão com a mente áspera só conseguem ver pedras e espinheiros ao seu redor. É uma pena. Se abrissem os olhos da mente, poderiam ver o Aspecto Verdadeiro, tão belo e majestoso...

Continua...

Do livro: "A Verdade da Vida, vol. 32"; pp. 23-42

domingo, setembro 25, 2016

Natureza, Vida e Arte


- Masaharu Taniguchi - 


A arte exprime o quê? Dizem alguns que a arte exprime a natureza (incluindo-se a vida). Já houve quem afirmasse que a arte consiste em observar atentamente a natureza e descrevê-la tal como ela é.Segundo esse ponto de vista, o que significaria "natureza"? Dizem que o escritor Doppo Kunikida, ao escrever o romance Mussashi-no, quis traduzir em palavras os ruídos da natureza dos campos de Mussashi, ouvindo-os atentamente. Teria ele tentado descrever os ruídos da natureza, do ponto de vista físico? Teria tentado descrever como o farfalhar das folhas é diferente dos demais ruídos? Teria tentado descrever como o ruído das folhas secas do outono, levadas pelo vento, difere do sussurro das folhas novas agitando-se ao sabor da brisa da primavera? Em suma, teria ele tentado descrever a diferença dos vários ruídos daqueles campos, simplesmente do ponto de vista físico?

O estudo científico da natureza consiste em observá-la atentamente e registrar os fatos constatados. A expressão artística da natureza consiste em observá-la atentamente e descrevê-la. Ambos partem da observação atenta à natureza, mas a diferença está na maneira de observar.

A observação científica é precisa, e o que se comprova através dela tem validade universal. Tratando-se, por exemplo, de um ruído, a observação científica conduz ao registro de uma realidade insípida, que pode ser traduzida em termos matemáticos como "x número de vibrações por segundo". Isso não acontece com observação do ponto de vita artístico. O que se apreende através dela não tem validade universal, como ocorre com a observação científica. Exemplifiquemos: se diversas pessoas efetuarem, na mesma hora e no mesmo lugar, uma observação científica do ruído do vento que sopra numa determinada área, todas constatarão o mesmo número de vibrações por segundo, o que significa que o fato constatado tem validade universal. Porém, se a observação for do ponto de vista artístico, o ruído do vento de um local soará diferente para cada pessoa, mesmo que seja ouvido no mesmo lugar e na mesma hora. Isto porque a sensibilidade varia de pessoa para pessoa.

Na observação científica da natureza, os cientistas usam os mesmos instrumentos de medição e estudo, descobrem os mesmos fatos e os registram. Daí, a validade universal de registros científicos. Já na observação da natureza sob o ponto de vista artístico, não se pode recorrer a nenhum instrumento de medição ou estudo. Por isso, em vez de se usar termos como "medir", que tem conotação de objetividade e precisão, utilizam-se termos como "contemplar", "sentir", etc., que têm conotação de subjetividade. E, referindo-se ao ato de exprimir o resultado da observação, diz-se "representar", em vez de "registrar".

A ciência não consegue registrar a essência dos seres e das coisas. Registra simplesmente os "dados" obtidos por meio de instrumentos ou aparelhos de medição. Assim, mudando-se a regulagem do instrumento ou do aparelho, obtêm-se dados diferentes. Portanto, o que a ciência registra não é a "essência", mas apenas o que se observa na inter-relação do "objeto observado" e "instrumento de observação". Diz-se que os registros científicos têm validade universal. Mas ela se restringe a registrar dados relativos, não chegando a captar a essência absoluta do ser ou da coisa.

O que é apreendido e descrito com base na observação do ponto de vista artístico não tem validade universal como ocorre com registros de observações científicas. Tomemos como exemplo a observação de uma flor. A arte não consiste em observar e estudar a flor como um conjunto formado por cálice, corola, androceu, gineceu e pólen. Mas a ciência consiste em observar e estudar a flor, partindo da ideia de que "a matéria existe". Assim, ela decompõe a flor para se chegar a elementos constituintes, desintegra cada elemento até chegar aos átomos, e finalmente obtém "dados" minuciosos relativos à estrutura dos átomos de oxigênio, hidrogênio, carbono, etc. nessa flor. Em suma, a ciência disseca a flor, desintegra-a, e descobre os átomos que a constituem. Descobre os átomos, e perdem de vista a "flor em si". No âmbito da ciência, não existe a "flor em si", mas unicamente frios "dados" acerca dos elementos que a constituem. Aí está o motivo por que a ciência, por si só, não consegue satisfazer a alma humana.

A ciência, usando instrumentos de medição e estudo, converte uma flor viva em frios "dados" científicos. Porém, não importa quais sejam os "dados" científicos da flor, ela (a flor) sempre nos atrai com algo que podemos chamar de "vibração da Vida". Isto é um fato, e não um "dado" obtido por meio de instrumento material de medição. Neste caso, o "instrumento de medição" é a nossa própria Vida. Um ser vivo vibra em contato com outro ser vivo, e é isso que produz a atração que a flor exerce em nós. Quando apreciamos a beleza de uma flor, não estamos pensando nela em termos de átomos que a constituem, mas sim vibrando em contato com a Vida, que dispôs os átomos em determinada ordem e fez surgir a "flor". Um ser vivo, ao descobrir a Vida num outro ser, vibra e se alegra. Essa vibração e alegria é que se traduzem em sentimento de "belo" ou "atração pela beleza". Uma flor colocada num vaso é bonita enquanto ainda tem Vida, e causa-nos admiração. Mas quando a Vida a abandona e ela fica murcha, deixamos de admirá-la. Nenhum ser vivo se sente atraído por algo que não tenha a forma e o aspecto sustentados pela Vida. Assim,a flor murcha do vaso é jogada fora, sendo substituída por uma nova que ainda se mantém viva.

Na observação científica, não só o instrumento de "medição de dados" é material, como também o objeto de medição é tratado como mera matéria, mesmo que ele seja um ser vivo. Também para estudar o ser humano vivo, a ciência obtém "dados" materiais a seu respeito, imaginando-o em estado imóvel. Já na observação do ponto de vista artístico, o instrumento de medição é o próprio homem, um ser vivo; e  objeto de medição também é um elemento vivo, uma manifestação da Vida. Estar em incessante movimento é característica inerente à Vida. Portanto, a Vida enquanto "observador" e a Vida enquanto "objeto de observação" tocam-se, estando ambos em movimento, o que significa que é incalculável a variedade de ângulo e duração do contato. Por essa razão, o que se apreende do ponto de vista artístico não tem validade universal, como no caso de constatações científicas.

Portanto, no campo da Arte, é natural que não se possa falar na "validade universal" daquilo que o artista apreendeu, visto que uma criação artística surge da observação de uma Vida por outra Vida, isto é, do contato de dois seres animados; assim sendo, o ponto de vista de uma pessoa não é igual a da outra. Por exemplo, ao ver o desfolhar de flores de cerejeira, uns se sentem melancólicos pensando na transitoriedade desta vida, enquanto que outros simplesmente apreciam a beleza das pétalas caindo suavemente ao sabor da brisa. Uma mesma flor é vista de modo diferente por diferentes pessoas, dependendo do modo de ser de cada um, bem como da maneira como ocorre o contato de sua Vida com a da flor. Considerando a flor mera matéria e analisando-a cientificamente, todos obtêm os mesmos dados. Mas, do ponto de vista da Arte, a qual consiste em apreender aquilo que resulta do contato de uma Vida com outra, a matéria não existe; em outras palavras, a matéria não é simples matéria.

A Ciência nos ensina que a matéria existe; mas, no mundo regido pela Vida, a matéria não existe. Na vida prática, mesmo vendo uma cerejeira em flor sem conhecermos essa teoria, apreendemos-lhe a Vida transcendendo a matéria. E, quando nos propomos a estudá-la cientificamente, observamo-la "fazendo de conta que ela é simples matéria", em vez de a observarmos como um ser dotado de Vida. Sob esse aspecto, podemos dizer que o mundo apreendido pela observação científica, embora pareça retratar a realidade com maior exatidão, na verdade não passa de um mundo irreal e ilusório; em outras palavras, é um mundo falso, surgido como resultado de se forçar a imaginar como estático aquilo que é essencialmente dinâmico.

Como se pode depreender do acima exposto, o mundo apreendido pela Ciência é um mundo ilusório e irreal; e, inversamente, o mundo apreendido pela Arte, que parece ilusório e irreal, é que é o mundo verdadeiro. Isto porque a Arte consiste em apreender a Vida tal como ela é e sentir o seu fluir. Mesmo quando o artista parece simplesmente copiar a figura de um objeto colocado à sua frente, ele não está vendo o objeto propriamente dito, mas sim procurando apreender "algo" essencial que esse objeto transmite. A forma material está manifestada apenas como representação ou símbolo desse "algo" essencial.

Na Arte, não importa saber, por exemplo, quais são os elementos materiais que compõem a flor de cerejeira. O artista procura apreender e exprimir a Vida que nela existe e que a faz apresentar-se sob aquela forma. O mesmo acontece no contato entre as pessoas. Ao lidarmos com uma pessoa viva, não a vemos apenas como uma criatura com rosto constituído de olhos, nariz, boca, etc., mas sim como um "ser dotado de personalidade". Os olhos, o nariz, a boca, etc., não passam de símbolos que representam esse ser.

Quando nossa Vida está em plena atividade, é como se não vivêssemos no plano material. Somente quando nossa Vida se estagna, isto é, quando imaginamos o ser humano num plano fixo e supomos a Vida presa dentro dese plano, é que sentimos a presença da matéria. Suponhamos dois amigos se encontrem casualmente após um longo tempo sem se verem. Eles se cumprimentam efusivamente, felizes com o encontro. O que ocorre, nesse momento, é o contato da Vida de um com a do outro, extrapolando o plano material. Suponhamos, agora, que esses mesmos amigos, após ficarem um diante do outro durante muito tempo, acabem ficando sem assunto para conversar, e comecem a sentir-se constrangidos. Quando isso ocorre, é como se a Vida deles ficasse estagnada, pois cada um vê o outro como uma figura dentro de um plano fixo, e passa a observá-lo como um ser material, analisando-lhes as feições e concluindo que "ele tem olhos engraçados, redondos como os de pombo", ou "ele tem nariz feio, largo e achatado", etc. A essa altura, aos olhos de um, as feições do outro deixam de ser símbolo de sua personalidade, para se converterem em mera matéria. Com base em fatos como esse, podemos dizer que "matéria é a Vida restringida a um plano fixo".

No auge do naturalismo, quando escritores e artistas plásticos preocupavam-se em dar caráter científico às suas produções e valorizavam a descrição exata de pessoas coisas e fatos, era comum observar o ser humano do ponto de vista material e descrever ou retratar as feições do personagem (ou modelos, no caso de pintura, escultura, etc.) com a máxima fidelidade. Creio que hoje em dia nenhum escritor ou artista faz isso.

Nossa essência é a Vida; portanto, essencialmente, todos vivemos unicamente no "mundo regido pela Vida". Porém, sob o aspecto fenomênico, o nosso "eu carnal", manifestado como símbolo de nossa essência espiritual, vive num meio constituído pelo agrupamento de outros seres, que também são símbolos de sua respectiva essência espiritual. Pode-se, pois, dizer, que somos a Vida habitando o mundo regido pela Vida, e também somos "símbolos" habitando o mundo dos símbolos. A Seicho-No-Ie prega que a matéria é sombra da mente. O termo "sombra", no caso", tem a conotação de "símbolo". Visto que o estado físico simboliza o estado mental, mudando-se a atitude mental, é fácil mudar também o estado de saúde do corpo.

A Ciência procura apreender a Vida, imaginando-a num plano fixo. Mas a Arte visa captar a Vida em seu incessante fluir. Contudo, mesmo que se consiga captar a Vida em seu incessante fluir, não se consegue mostrá-la, tal como ela é, num papel, numa tela, etc. Se se tentar transpor no papel o próprio fluir vigoroso da Vida, o papel se rasgará, e se se tentar transpô-lo no gesso, este se fragmentará. Portanto, em uma obra de arte, é preciso representá-lo de forma estática. E para evitar que a obra se torne fria e insípida como um registro científico, o artista, ao tentar exprimir num plano fixo o fluir da Vida que ele conseguiu apreender, procura usar uma expressão em que esse fluir se transmita às pessoas sob alguma forma simbólica. Em última análise, todo artista, ao procurar exprimir no papel, na tela, etc., o "fluir da Vida que a própria Vida captou", tem de recorrer a alguma forma simbólica.

Será que a teoria aplica-se também a desenhos de qualquer coisa aparentemente inanimada como, por exemplo, casa, móveis, etc.? Em outras palavras, será que o artista, ao retratar um edifício, um navio ou outro objeto qualquer (que aparentemente não passam de matéria sem vida), apreende e exprime o fluir da Vida? O artista que pinta um quadro, naturalmente é um ser dotado de Vida; mas será que há Vida, por exemplo, nos traços do edifício que ele apreende para pintar? A uma análise superficial, parece que os traços de um edifício não tem vida. Mas, pensando bem, esses traços foram criados por um arquiteto, que é um ser dotado de Vida. Devemos atentar para o fato de que esses traços não são materiais, pois a matéria em si não tem traços. Matéria é constituída de átomos, e o átomo não tem traços; o átomo é constituído de elétrons, nêutrons e prótons, e estes não têm traços. Portanto, é preciso entender que, se há traços formando uma figura – seja esta qual for –, isso significa que a Vida serviu-se de partículas materiais originariamente sem traços, para criar uma forma como "símbolo de sua auto-expressão".

Talvez algumas pessoas digam: "Está bem. Admitamos que os traços de uma obra arquitetônica, na época de sua construção, sejam a manifestação da Vida de seu autor. Dir-se-ia que essa obra simboliza a Vida do arquiteto que a construiu. Mas quando essa construção ficar velha e desgastada e não mais tiver as feições originais, seus traços não deixarão de simbolizar a Vida do arquiteto? Não ficarão tão somente os rastros do tempo, as marcas da erosão provocada pela chuva e pelo vento?". Eu respondo: aparentemente, sim. Porém, se um artista pintar numa tela essa velha construção, seus traços terão Vida. Por quê? Porque esses traços não são da matéria, mas sim traços criados pela Vida. Assim, à medida que uma construção arquitetônica vai sofrendo os efeitos da chuva, vento, etc., seus traços originais, criados pelo arquiteto, passam a adquirir a beleza de coisa antiga, uma beleza sóbria e elegante. De onde vem essa beleza? Ela não é algo que possa ser captado por instrumentos de medição científica, pois não pertence ao mundo da matéria. Ela provém da Vida eterna da Natureza.

Assim sendo, podemos dizer que, embora o nosso corpo habite o mundo material, o nosso ser vive num mundo que transcende a matéria. Portanto, em última análise, vivemos no mundo regido pela Vida, no mundo onde tudo é expressão da Vida. Na verdade, não caminhamos sobre o solo material, mas sim sobre o solo regido pela Vida. Em tudo que vemos ou ouvimos, apreendemos a Vida, transcendendo a matéria. Vendo uma obra de arte ou ouvindo uma música, apreendemos a vibração da Vida de um irmão nosso. Assim, a literatura baseada na filosofia da Seicho-No-Ie caracteriza-se por apreender a Essência dos seres e das coisas e exprimi-las através de símbolos. Foi com essa atitude mental que eu me propus a escrever os livros da Seicho-No-Ie.


Do livro: "A Verdade da Vida, vol. 32" , Introdução.

quarta-feira, setembro 21, 2016

Mantra da Libertação

(Oneness University)


"Despertar 
é 
Liberar a Vida
é 
Liberar os sentidos
é 
Libertar-se do eu
é
Libertar-se do conhecimento
é
Libertar-se da sociedade
é
Libertar-se do trabalho.
Isto é Verdade."

(Mantra da Libertação)

Liberar a Vida

O estado natural do ser humano é a alegria. Ela se caracteriza por qualidades auspiciosas como o amor, compaixão, sentido de conexão e silêncio. Mas a consciência humana é restringida por conceitos, ideias, condicionamentos e construções mentais. Sri Amma Bhagavan dizem: "Quando a consciência é purificada de toda a sua contaminação, o que resta é vida, pura consciência, ou Deus". Por isso, Sri Amma Bhagavan definem o Despertar ou Unidade como "liberar a vida propriamente dita".

Liberar os sentidos

Despertar, no nível mais fundamental, é "viver a vida". As escrituras definem o ser desperto como alguém que consegue controlar os próprios sentidos. De acordo com Sri Amma Bhagavan, contudo, Despertar seria liberar os sentidos das embreagens da mente. Pois a mente, com seus julgamentos e comentários, interfere em cada percepção sensorial, tornando-a morta e sem frescor. Não fosse por essa interferência, o sistema nervoso seria capaz de gerar alegria através de cada experiência sensorial: visão, audição, olfato, paladar ou tato, independente do objeto que se experiencia. Assim, aquele cujos sentidos estão liberados, transcende a "vida da mente" e experimenta a "vida dos sentidos".

Libertar-se do "eu"

O chamado "eu" é a sensação de existência em separado. Sempre que há um "eu" e um "outro", o resultado é o medo - medo do que o "outro" pode fazer "comigo". Do medo, da luta pela sobrevivência, da comparação, dos ciúmes ou do ódio nasce todo o resto. Sri Amma Bhagavan dizem: "O 'eu' é apenas um conceito". Um conceito, por definição, é algo que não existe na realidade. É uma ilusão.

Libertar-se da mente

A noção popular acerca da libertação da mente diz respeito ou à cessação do diálogo interno, na qual você entraria num estado de "não pensamento", ou à transformação da mente, na qual a própria mente experimenta um estado de liberdade e paz. A libertação de que falam Sri Amma Bhagavan não é nenhuma destas. É cessar o esforço de interromper ou modificar o funcionamento da mente. Você é livre na companhia da mente, que, com seus conteúdos, existe independentemente, apenas para ajudá-lo em questões práticas da vida e sem interferir nas experiência propriamente ditas.

Libertar-se do conhecimento

Quando Sri Amma Bhagavan falam de libertar-se do conhecimento, não falam do conhecimento em si, mas do apego a ele. Quando o saber não se traduz em experiência concreta, ele se torna um impedimento para as experiências que você deseja obter. Quando se torna um obstáculo para a experiência da vida, se transforma numa carga, numa prisão. Por isso deve desaparecer.

Libertar-se do condicionamento

A humanidade desenvolveu conceitos como comunismo, capitalismo, igualdade, nacionalidade, religião, etc. ao longo de milênios. Estes conceitos e ideia têm vida própria. Eles fazem uso da sua existência para sobreviver. Entram em você como um "pensamento-inseto" e colorem toda a sua experiência. Libertação dos condicionamentos não quer dizer ser desprovido de qualquer ideia ou conceito, mas ser livre para escolhê-los em questões da vida prática.

Libertar-se da sociedade

Em última instância, o homem está preso ao conceito de "liberdade". Ele pensa que a liberdade se consegue ao confrontar o sistema e as normas existentes na sociedade. Mas liberdade para Sri Amma Bhagavan é essencialmente um estado interior da existência, no qual você não parte do medo para ser e agir. Não há sensação de sufocamento, nem resistência a qualquer estrutura, lei ou valor que a "sociedade" defenda. Liberdade não é revoltar-se contra algo. É um estado de consciência que não possui opostos.

Libertar-se do trabalho

Sri Amma Bhagavan diferenciam "atividade" de "ação". Atividade é uma forma de escapar do vazio interior e da dor existencial. É um meio para se atingir um fim. Você trabalha, dirige, cozinha, limpa e reza porque você possui uma necessidade psicológica por trás de todas estas ações que você deseja preencher. Já na ação, o propósito ou motivação existem do ponto de vista físico, mas não no sentido psicológico. A experiência é um fim em si mesmo. Nasce de um estado interior de alegria e liberdade. A pessoa desperta também trabalha, mas é livre da tirania do trabalho.


O Objetivo da Oneness University é libertar a humanidade, total e incondicionalmente.


segunda-feira, setembro 19, 2016

É Cristo que vive em Mim

- Núcleo -

Divinos Amigos,

Em que consiste os ensinamentos dos Mestres, sábios, videntes e Iluminados de todos os tempos?

Em Percepções!

Eles as tiveram e as compartilharam.

Eles perceberam que há uma Realidade além deste mundo visível pelos cinco sentidos. E tendo percebido que este mundo não é a Realidade, compartilharam suas Percepções. E assim fizeram porque as tribulações deste mundo para os que se veem como sendo seres deste mundo são vivenciadas como algo real.

Assim, Buda compartilhou a Percepção da irrealidade dos fenômenos de nascimento, envelhecimento, doença e morte. No Núcleo é dito que estes são acontecimentos que ocorrem na Representação. Na Realidade não há isso. 

O ensinamento de Buda revela a visão transcendente da vida humana como sendo em realidade a Vida de Deus. A Percepção de que vivemos não uma vida humana isolada de Deus mas a própria Vida de Deus nos faz conscientes de que na Realidade somos seres eternos e não sujeitos a nascimento, envelhecimento, doença e morte.

Esse é o cerne da Percepção compartilhada pelos que passaram na Representação pela experiência de Iluminação. Notem que a experiência de Iluminação ocorre na Representação. Esse acontecimento na Representação não altera o que na Realidade todos JÁ são! Jesus compartilhou essa Percepção ao responder a aqueles que o viam apenas como um homem e lhe questionaram: Você ainda não tem cinquenta anos e conheceu nosso pai Abraão? Ao que Jesus respondeu: "Antes que Abraão existisse EU SOU." O significado disso é que Abraão, como todos os "personagens", existem na Representação. Nessa passagem Jesus compartilha a Percepção de que Ele é QUEM É, na Realidade! Ou seja, antes que houvesse "mundo fenomênico", dualidade, Representação AQUELE que É sempre É. A Percepção dAquele que sabe ser sempre o mesmo e único EU é: EU SOU.       

Assim, os que passaram na Representação pela experiência de Iluminação compartilham a Percepção de suas vidas são na Realidade a própria Vida de Deus. Eles perceberam que não há outra Vida senão a própria Vida de Deus. Por isso seus ensinamentos são tidos como "religiões", porque eles nos religam. Assim em torno do ensinamento destes Mestres, Buda, Krishna, Cristo, surgiram as grandes religiões da humanidade. Esses ensinamentos nos religam a nós mesmos, a nossa própria Essência e Realidade Divina. O essencial é Perceber que esses ensinamentos sempre apontam que há algo em nós que nos proporciona esse religar. Esse algo em nós é chamado por Jesus de "Justiça". Jesus enfatizou que devemos procurar em primeiro lugar o Reino de Deus e "Sua Justiça"!

As pessoas citam essa passagem bíblica de que "devemos procurar em primeiro lugar o Reino de Deus" mas nem sempre dão ênfase ao complemento "e Sua Justiça" que é o cerne do ensinamento Divino! Fazer-nos conscientes de que o CAMINHO é interno, pois, o Reino de Deus está dentro de nós, que é onde devemos buscá-lo, é a direção, mas estando nesse Caminho interno a meta, a finalidade da busca é realizar a Justiça de Deus! Este é o parâmetro que devemos nos conscientizar e usar para conhecer a Verdade; é a "Visão Justa", a "Visão Divina" de todas as coisas. 

Esclarecendo sobre essa "Visão Justa", essa medida interna de Percepção, há uma passagem bíblica que diz: "Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus." Aqui há uma contraposição entre o "padrão deste mundo", pelo qual a mente é velada pelos cinco sentidos, e a "Justiça" Divina", o parâmetro interno que produz uma renovação mental e nos faz "capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus." Essa Visão Divina, que é o parâmetro interior a ser usado para desvelar o Real, é a Visão a ser alcançada chamada por Jesus de Justiça. Masaharu Taniguchi a descreve como sendo um despertar para a Imagem Verdadeira da Vida e revela o que acontece quando se chega a "isso", a esta Visão iluminada. Ele escreve: “Todos aqueles que despertaram para a Imagem Verdadeira da Vida podem alcançar a conscientização de que eles próprios são personificações do Deus Eterno, ou, em linguagem budista, personificações de Buda, que alcançou a iluminação há tempos imemoriais: podem alcançar um despertar espiritual tão grandioso, que os fará compreender que eles próprios estavam em Jesus Cristo quando ele pregava a Verdade na Judéia, há 2.000 anos; que estavam também em Sakyamuni quando ele pregava a Verdade na Índia, há 3.000 anos; e que estavam com o Criador quando Ele fez surgir o Universo e o colocou em movimento.”

É isso! Este é o ponto! Essa Percepção está em nós! 

Nessa Percepção Divina sabemos que O Mestre está VIVO EM NÓS!

Todos os apóstolos de Jesus que chegaram a este ponto, conduzidos por essa "Justiça", testemunharam e compartilharam a Percepção de que: "Vivo, mas já não sou eu Quem Vive; é Cristo Quem Vive em Mim." 

Sobre sua elucidação, acima descrita, Masaharu Taniguchi acrescentou: “Outro dia, o Sr. X disse-me que já se sente como Buda."

Notem, o quão sutil e elevado é Masaharu Taniguchi! Ele não enfatiza o personagem, nem sequer cita o nome do "personagem", descrevendo-o apenas como "Senhor X"! Assim é como o Mestre enfatiza que o essencial é a Percepção e não o personagem! Por isso Masaharu Taniguchi objetiva e assertivamente enfatiza a Percepção tida pelo Senhor X, com muita naturalidade, compartilhando o que lhe foi dito pelo Senhor X  sem julgar, dizendo aos ouvintes: “Outro dia, o Sr. X disse-me que já se sente como Buda."

Caro leitor! Que compartilhar DIVINO de Masaharu Taniguchi. Ele poderia falar de si mesmo e de suas tantas Percepções, mas isso só faria com que muitos dissessem: Ele tem essas Percepções porque ele é o Mestre! 

Mas Masaharu Taniguchi afirma com total naturalidade que o Senhor X tem essa Percepção e já se sente como Buda! 

Jesus enfatizou o mesmo quando disse a Simão: "Simão, isso Quem te revelou não foi carne e sangue, mas meu Pai..."

Caro leitor! Da mesma forma, que compartilhar DIVINO foi esse realizado por Jesus Cristo. Ele poderia falar de si mesmo e de suas tantas Percepções como Cristo, mas isso só faria com que muitos dissessem: Ele tem essas Percepções porque é Jesus Cristo! 

De que adianta seguir um Mestre apenas para concordar com Seus ensinamentos, sentir-se discípulo e seguidor, praticante, mas não levá-lo a sério nos pontos em que o Mestre expõe e enfatiza o essencial?

Nenhum Mestre expôs Seus divinos ensinamentos para que servissem apenas de consolo a alguém. Todo ensinamento divino tem em si o poder de produzir uma transformação na vida dos discípulos. O ensinamento de Jesus transformou a vida dos discípulos, que então testemunharam: "Vivo, mas já não sou eu Quem Vive; é Cristo Quem Vive em Mim."

A própria palavra "transformação" tem em si algo essencial. Atentem bem à palavra transformAÇÃO ... 

Transformar pela AÇÃO! Por isso no Núcleo é dito: "Não há Percepção sem Ação"! Perceber e não agir significa apenas acreditar. Perceber não é o mesmo que acreditar! Percepção é sinônimo de FÉ. Está escrito: A FÉ sem obras é morta...

A próxima vez que você ler um texto espiritual não sinta apenas que: "acredito neste ensinamento do Mestre". Dê um passo além! Aceite o texto espiritual com "coração de criança" [expressão bíblica] ou seja, aceite com total naturalidade, não como algo vindo de alguém que está no exterior, fora de você, de um Mestre, pois isso apenas fará sua mente concordar com as Palavras do Mestre. E assim que terminar a leitura você voltará a lidar com as tribulações deste mundo; voltará a se ver imerso em um mundo fenomênico...

O que quero enfatizar é que há algo preexistente em nós! Nós não O fizemos! Deus fez Isso! 

Somos Filhos de Deus e estamos todos "destinados" a reconhecer este fato! RE-CONHECER...

Na Representação é conhecer novamente assim como já O conhecíamos..."antes que Abraão existisse..." 

Notem bem! Na Representação este fato aparece como um re-conhecimento; mas na Realidade este fato é uma PERCEPÇÃO, o conhecimento é ALGO JÁ SABIDO! 

Notem que os ensinamentos divinos têm validade atemporal e impessoal e não trazem uma Verdade Nova!

Por isso a ênfase do ensinamento compartilhado no Núcleo é dada à PERCEPÇÃO! Não é dada ênfase a este ou aquele Mestre, pois todos são "personagens despertos", conscientes de que nossa real identidade é o próprio Ator subjacente ao personagem!     

Quando a ênfase é dada à Percepção estando diante de um Mestre, o que ocorre em nós é algo muito diferente do que se apenas quiséssemos seguir o Mestre... Esta Percepção faz com que o Mestre seja PERCEBIDO EM nós! Assim sendo, já não há o sentimento de que existe "um Mestre e nós", mas sim, "o Mestre e Sua manifestação COMO nós"!

Assim os textos são experienciados claramente como a Verdade emergindo em Mim, no Eu que Eu Sou! Nas palavras do apóstolo: Que nos faz "capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus." 

Este é o sentido de compartilhar todos estes textos.

Jesus disse: "Se o mundo vos aborrece, aborreceu a mim também. Neste mundo passarás por tribulações, mas tende bom ânimo, EU venci o mundo!"

Assim, para "vencer o mundo" Jesus revelou: "EU vim para que tenham VIDA e VIDA em abundância!" 

Atentem que é a emergência, o vir à tona, da Percepção deste EU em nós que vence o mundo!

E não há Percepção sem AÇÃO!

O mais paradoxal que acontece quando estamos percebendo e agindo, ou seja, quando estamos agindo pela FÉ, é que temos a total consciência de que Quem está agindo é Deus! É aquele Eu Impessoal... Em relação a isso Jesus compartilhou a seguinte Percepção: "As obras que faço não sou eu quem as realiza; o Pai em Mim é Quem realiza as obras."                 

Quanta clareza nesta revelação de Jesus sobre Quem Faz! No Núcleo é dito: Perceba Quem faz!   

Essa é a Percepção que pode vir a ser desfrutada e compartilhada por todos os "Filhos de Deus"!

Por isso compartilho a Percepção dos discípulos que testemunharam: "É Cristo Quem Vive em Mim!".

É o que Aquele que Vive em Mim [Emanuel, Deus em nós] me faz Perceber, desfrutar e compartilhar.

Namastê.


sexta-feira, setembro 16, 2016

Sintonizando o Ator no personagem


 - Núcleo - 


Divinos Amigos,

Permitam-me compartilhar um a Percepção. Ela será útil em qualquer estudo sobre Deus, em toda prática de meditação e no próprio ato de viver a vida cotidiana, ou seja, será útil em como viver.

O mundo fenomênico, o mundo percebido pelos cinco sentidos, é uma Representação Divina! Por ser uma Representação Divina é bastante/extremamente realística para quem estamos sendo... ou seja, é bastante realística para o personagem que estamos representando.

Contudo, não somos o personagem, somos o Ator Divino subjacente ao nosso personagem...

Cabe enfatizar que não somos “quem estamos sendo”, não somos o personagem que estamos representando, somos Quem realmente Somos; somo o Ser Real subjacente ao “personagem”.

A Percepção aqui compartilhada é que não é possível perceber a nossa real identidade a partir dos cinco sentidos. Isto é assim porque os cinco sentidos estão no domínio da Representação. É por este motivo que a prática da Meditação Shinsokan começa com: “Neste momento deixo o mundo dos cinco sentidos e entro no mundo da Imagem Verdadeira.” É também por este motivo que Jesus iniciou seu Ministério com a Percepção compartilhada pelo profeta Isaías, lendo na Sinagoga a passagem das Escrituras Sagradas onde está escrito: “O Espírito do Senhor está sobre mim e me ungiu para evangelizar os pobres, regatar a visão aos cegos, dar liberdade aos contritos, libertar os cativos e anunciar o Ano do Senhor.” Tudo isso parte da Percepção dAquele que realmente faz, a saber, o Espírito do Senhor, que é Quem está acima [está sobre mim], que é Quem dá sustentação e fundamento a toda ação, que é Quem unge. A unção vem do Alto, vem dAquele que está acima, que está no Céu, na Realidade, não vem da Representação.

Notem que o Ator subjacente ao personagem é Aquele a Quem o personagem busca! Aquele a Quem o personagem busca não está fora do próprio personagem, não está além, mas não está no mundo! 

Este Ator subjacente a quem estamos sendo é chamado na linguagem cristã de Espírito Santo.    

Assim, a Percepção aqui compartilhada parte deste Ator Divino subjacente ao personagem e tem como objetivo sintonizá-Lo no personagem! Alguns poderiam questionar: Isto é possível? Pode o irreal (o personagem) sintonizar o real (o Ator)? A resposta está na elucidação dada por Jesus a Simão, a quem Jesus disse: “Isto Quem te revelou não foi carne e sangue, mas meu Pai, que está no Céu.”

Notem! Simão era um personagem comum que teve uma Percepção vinda do Ator subjacente! Mas Simão não percebeu que isto estava acontecendo. Por isso Jesus enfatizou esse fato, de que esta Percepção não era da “mente” do “personagem” Simão”, mas sim, do próprio Ator! E Jesus enfatizou que este Ator Divino, ou seja, que o Ser Real, está no Céu, está na Realidade e não na “Representação”.

Eis o ponto central, o objetivo da religião, o objetivo do “religare”! Por isso, diante desse fato, diante da Percepção de Pedro, Jesus enfatizou este detalhe a ser notado! Essa é a ponte que une as “margens do rio”, na linguagem budista, na qual de um lado do rio estão os que buscam a iluminação e do outro estão os iluminados! Esta separação aparente entre margens do rio, entre iluminados e não iluminados existe apenas na Representação; Não é real!

Essa possibilidade de o personagem ter a própria Percepção do Ator é que deve ser focalizada!

Quando a mente do personagem pensa imediatamente entra na dimensão da Representação. Por isso o ato de pensar é, em quase cem por cento das vezes, um obstáculo à Percepção. E é assim porque o simples ato de pensar aciona o personagem; por assim dizer, o ato de pensar faz o “download” do personagem.

O “cogito ergo sum” não deveria ser um penso, logo existo, mas sim um penso, logo, desisto...

A menos que o personagem esteja sintonizado nos “pensamentos de Deus” seus pensamentos o levarão a entrar na Representação, cujo cartaz é sempre o mesmo “filme”: A expulsão de Adão do Paraíso...

Há duas versões para a criação do homem: Aquele feito à Imagem e Semelhança de Deus e aquele feito do barro da Terra... Terra é Representação! O homem feito do “barro da Terra”, ou seja, feito da “essência da Representação”, é pó! E, como pó, ao pó retorna...

O Homem feito à Imagem e Semelhança de Deus é feito da essência da Realidade, ou seja, é Realidade; É, na linguagem bíblica, “obra permanente de Deus”, e jamais deixa a Realidade! Jamais deixa o Céu, que é a Realidade! Ainda que esteja aparecendo como um personagem na Representação este Homem feito à Imagem e Semelhança de Deus sabe que aquilo que subjaz à Representação é a própria Realidade. Ele sabe que a Representação não tem existência real. É uma Representação. Na Representação existe (aparentemente e realisticamente) evolução. Na Representação existe matéria. Na Representação existe tempo e espaço. Na Representação existe mundo físico e mundo espiritual; ou seja, na Representação existe mundo dos espíritos encarnados (mundo dos vivos) e mundo dos espíritos desencarnados (mundo dos mortos). Na Representação existe ainda uma multifacetada gama de seres, seres deste planeta e seres de outros planetas; seres desta dimensão e seres de outras dimensões; seres celestiais e muitos outros seres...

Mas, subjacente à Representação há a Realidade! E a Percepção da Realidade permeia a tudo!

A Percepção da Realidade é chamada de Consciência Divina ou Mente de Cristo, na linguagem cristã, e aparece na Representação como sendo a presença e revelação de seres iluminados... Notem bem! O único Real iluminado é o Ator subjacente a qualquer personagem e ao cenário! Apenas a partir do Real o que é Real pode ser percebido! E o Real, subjacente ao personagem, é o Ator! Por isso não é possível partir da “mente do personagem” [da mente em ilusão] para perceber o Ator!

Assim, divinos Amigos, sempre que estiverem diante de um ensinamento espiritual, sempre que estiverem diante do ensinamento de um Mestre, sintonizem a Percepção deste Mestre em vocês! Sintonizar a Percepção do Mestre em nós não significa concordar com o Mestre... Isto é assim porque nesta Percepção não há um eu separado (eu do personagem ) para concordar com o Eu do Mestre! É o próprio Eu do Mestre, a própria Percepção do Mestre, que Se Percebe! Isto acontece quando as certezas mentais, quando os “pensamentos da mente do personagem”, não estão em foco, mas sim os “pensamentos do Ator”! Isto é estar sintonizado no Mestre. 

Masaharu Taniguchi expressa esta sintonia afirmando que Deus Se "aloja em nós". Esta afirmação é uma Revelação!

Na linguagem cristã sintonizar o Mestre em nós significa sintonizar o Espírito Santo em nós e viver por Ele, ou seja, viver segundo Seus pensamentos, que são os "pensamentos elevados", que são as “Percepções”!

Gratidão Àquele que aparece como cada UM de nós e nos dá a possibilidade de compartilharmos a Sua Percepção.

Namastê!


terça-feira, setembro 13, 2016

Deus é o que está acontecendo (Osho)

- OSHO - 


Questão: Peço desculpas por fazer perguntas pessoais. Não estou perguntando apenas por mim, mas por muitos. Quem é você e por que veio ao mundo?

Osho: Se essas perguntas são pessoais ou não, isso não faz diferença, porque, para mim, a pessoa não existe. É impossível fazer perguntas pessoais, porque ninguém é uma pessoa. Na verdade, fazer perguntas pessoais não é presunção, mas presumir-se ser uma pessoa é que é presunção. A pessoa é algo não-existente, é uma não entidade. Na realidade, não há pessoal, melhor dizendo, há somente uma pessoa. Só de Deus pode-se dizer que tem uma personalidade, porque só Ele tem um centro.

Nós não temos centro. O centro em nós não existe, mas nós assumimos um centro. Esse centro assumido é o ego. O ego é hipotético, ilusório, mas sentimos que sem um centro a vida é impossível.

Assim sendo, você pensa que essas questões são pessoais, mas enquanto elas são dirigidas a mim, são dirigidas a uma não-entidade. No que me diz respeito, não sinto de modo algum que sou uma pessoa. Quanto mais fundo se vai, menos se é, e quando alguém alcança o âmago supremo de si mesmo, não existe nenhum “eu”.

Em segundo lugar, você pergunta quem sou eu. Eu lhe digo: “Eu não sou”. Estou sempre dizendo aos que buscam que perguntem a si mesmos: “Quem sou eu?”, não para que venham a saber quem são, mas para que chegue um momento em que a pergunta seja feita tão intensamente, que o perguntador não esteja mais presente, e só a pergunta permaneça. Haverá um momento em que a questão será absolutamente tensa, tanto quanto pode ser. Então se revelará o seu absurdo. Você ficará sabendo que não há ninguém que possa perguntas: “Quem sou eu?”, nem a quem se possa perguntar: “Quem é você?” A pergunta não é feita para se obter uma resposta, mas sim para se transcender a própria questão.

Não há um interior. Na realidade, não existe nenhum interior. E no momento em que o interior cai, o exterior também não existe; no momento em que você não está dentro, não existe nada fora. Então, o mundo torna-se um todo, a existência é um todo – não existe a dicotomia do “eu” e do “tu”. Por isso, para mim, a questão “Quem é você?” não tem nenhum sentido. “O que é?” é a única pergunta relevante. Não quem mas o que pode ser algo total, pode se referir à totalidade, a tudo o que existe.

A pergunta “O que é?” é existencial. Não tem dicotomias, não divide. Mas a questão “Quem?” já divide no próprio momento em que é proposta. Ela aceita a dualidade, a multiplicidade de seres.

Só há ser, não seres. Quando digo que há apenas ser, quero dizer que há apenas o existir. Um não pode estar separado do outro. Se não há o outro, então dizer que um existe não tem sentido.

Assim, o ser não existe realmente, só o existir. Eu sempre digo que não há Deus; só há divindade, porque a própria palavra “Deus” traz em si uma limitação, a própria palavra “ser” traz em si uma finitude. Não pode ser infinita. Mas existir ou divindade é infinito; inclui tudo o que há. Abrange tudo; nada é excluído.

Quando você pergunta “Quem é você?”, isso para mim significa: “O que é?” Mas, por meu intermédio, você fez uma pergunta fundamental.

“O que é” não é “eu”, mas o próprio ser, a própria existência. Quando se mergulha a fundo em uma única gota, encontra-se o oceano. Só na superfície a gota é apenas uma gota. Ela é a própria existência. Assim, a natureza última de uma simples gota d’água é a mesma do oceano. É oceânica. Somente na ignorância alguém é uma gota d’água. A partir do momento em que alguém sabe, sabe que é o próprio oceano.

Você me fez uma pergunta sobre a gota, mas para mim trata-se de uma questão sobre o oceano. Assim, ao responder, não estou respondendo apenas sobre mim, mas também sobre você. Ao responder, não estou respondendo sobre mim, porém sobre tudo o que existe.

E o que é que existe? Há muitas camadas. Se alguém percebe apenas a superfície, aí existe a matéria. Matéria é a superfície da existência. Tempos atrás, a ciência só investigava a superfície: acreditava-se que só a matéria era real, e nada mais. Agora, porém, a ciência deu um passo à frente. Ela afirma que não há matéria, somente energia. Energia é a segunda camada. É mais profunda do que a matéria.

Penetrando a fundo na matéria, não achamos matéria, mas sim energia. Mas também isso não é tudo, pois existe a consciência, além da energia. Assim, ao perguntar “Quem é você?”, eu digo “Eu sou consciência”, e essa resposta abrange tudo. Tudo é consciência; eu respondo tão-somente como representante de tudo.

É possível que você não tenha ouvido falar sobre o que é consciência, é possível que você não saiba o que é consciência, mas eu estou respondendo por você também. A consciência existe, e quando digo que algo existe, isso tem para mim um significado particular: que isso nunca se tornará inexistente. Se algo pode cair na não-existência, isso significa que nunca existiu realmente. Era apenas um fenômeno; só aparentava existir.

Tudo o que muda é fenomenal; não é realmente existencial. Tudo o que muda está na superfície. O mais interno, o âmago supremo, nunca muda. É, e está sempre no presente. Nunca se pode dizer que era, nem se pode dizer que será. Uma vez que é, é. Só o presente se aplica a ele.

Não existe nenhum passado e nenhum futuro, porque o passado e o futuro são relevantes apenas quando algo muda. Quando algo é, não há passado nem futuro, só o presente. É claro que o significado de “presente” será diferente, completamente diferente.

Para nós, “presente” significa algo que existe entre o passado e o futuro. Mas se não há passado nem futuro, o presente é algo completamente diferente. Não é algo entre o passado e o futuro. O presente é só um momento, um momento entre duas inexistências: o passado que se foi e não existe mais, e o futuro que ainda não veio. Entre essas duas inexistências existe um momento presente. Mas isso é impossível. Entre duas inexistências não pode haver uma existência. Só parece haver.

Quando eu digo que a consciência existe, não me refiro a algo ligado ao passado e ao futuro, mas a algo eterno. Não interminável, porque esta palavra “interminável” carrega um sentido de tempo. Quando digo que a consciência sempre existe no presente, quero dizer que ela é não-temporal. Está além do tempo e, simultaneamente, além do espaço, porque tudo o que está no tempo espaço torna-se inexistente, assim como tudo o que está no tempo também se torna inexistente. Tempo e espaço não são duas coisas; por isso os relaciono. São um só. O tempo é apenas uma dimensão do espaço. O “movimento no espaço” é tempo e “tempo imóvel” é espaço. A existência é não-temporal, não espacial.

Penso que agora você será capaz de entender quando eu digo que sou não-temporal e não-espacial. Mas o meu “eu” abrange tudo. Você está incluído nele, o questionador está incluído. Nada está excluído do meu “eu”. Agora será mais fácil responder a sua pergunta.

Tudo o que muda obedece a um objetivo. Existe algo a ser feito – existe um objetivo -; no momento em que o objetivo é atingido, a coisa cai na não-existência. Mas tudo o que é realmente existencial é não-propositado. Não há objetivo de vida que possa ser atingido. E se houvesse e fosse atingido, a existência tornar-se-ia insignificante.

Assim, somente as coisas temporais têm objetivos. São pensadas para alguma coisa. Pode-se dizer desta maneira: elas são os meios para algum fim. Isso é o que se entende por “propositado” – elas existem para algo ser realizado. No momento em que algo é alcançado, elas deixam de existir. Mas “eu” serei sempre necessário – e quando digo “eu”, isso abrange tudo.

Não há objetivo para a vida; a existência é despropositada. Por isso é chamada de leela, uma brincadeira de transbordante energia.

Uma vez que você sabe que é parte da consciência cósmica você percebe que não há nenhum objetivo. Sua existência é uma brincadeira. Naturalmente, a brincadeira torna-se cósmica, multidimensional – você faz muito -, mas, ainda assim, não há um agente e não há objetivo. Esses dois elementos não estão presentes. É apenas uma brincadeira.

Isto tem de ser observado: um agente não pode existir sem um objetivo e um objetivo não pode existir sem um agente. São duas polaridades de um ego. O ego sente-se muito incomodado sem um objetivo; ele é alimentado através dos objetivos. Algo tem de ser feito; pode-se ter sucesso fazendo isso. É preciso alcançar algum lugar, fazer algo, construir um nome para si mesmo – desse modo, o ego terá sempre um objetivo.

A existência, por outro lado, não tem objetivos. E a menos que você saiba o que há além do ego, além dos objetivos, não terá sabido nada.

Para mim, tudo é apenas uma brincadeira. Nem “eu sou” nem existe qualquer objetivo. Entretanto, as coisas estão acontecendo. Você pode perguntar por que estão acontecendo. Estão acontecendo porque não há nenhum motivo para detê-las e não há ninguém para detê-las. Você me entende? Não há ninguém para detê-las e não há qualquer motivo para detê-las. Está na natureza das coisas que elas aconteçam.

Se você puder permitir que o que está acontecendo aconteça, você se tornará uma passagem. Se você for ativo, não poderá ser uma passagem, não poderá ser um médium. Somente a passividade faz de você um médium. Passividade significa que você não está; não se trata apenas de uma passividade verbal. O ego é sempre ativo, mas no momento em que se torna passivo o ego não existe. Passividade significa ausência de ego.

Eu sou totalmente passivo. O que quer que aconteça, acontece. Nunca pergunto por quê, porque não há ninguém a quem perguntar. Mesmo que você encontrasse Deus em algum lugar, Ele riria da pergunta. Ele mesmo não poderia respondê-la. Ele não poderia respondê-la, porque a existência não tem causalidade.

“Por quê?” é significativo apenas na divisão. Quando há um começo e um fim, a causalidade torna-se significativa, quando você entende todo o fluxo como algo sem começo nem fim, então tudo se dissolve em alguma outra coisa, tudo vem de alguma outra coisa, como as ondas no mar. Cada onda tem uma onda por trás e outra pela frente. O mar é formado de ondas após ondas; as ondas são eternas.

Somente o ser humano pergunta “Por quê?”, porque só o ser humano vive na ansiedade. Quando a mente humana fica ansiosa, cria questões e então produz respostas. Como as questões são sem sentido, as respostas são ainda mais sem sentido. Mas nós não podemos estar à vontade enquanto não encontramos respostas para as nossas questões fabricadas, e assim continuamos a procurar respostas e criar novas perguntas.

Se você puder ver toda a insensatez de se fazer perguntas e respondê-las, verá que está mantendo um monólogo consigo mesmo. Mesmo que você esteja perguntando e eu respondendo, é a mente humana perguntando e a mente humana respondendo. É apenas um jogo de esconde-esconde da mesma mente. Não faz diferença quem esteja perguntando e quem esteja respondendo. A mente humana pergunta e a mente humana responde.

Nós criamos uma confusão de perguntas e respostas, mas nem uma única pergunta tem sido respondida. As perguntas continuam onde sempre estiveram. Se você pudesse ver toda essa profusão de perguntas e respostas, esse esforço insignificante e infrutífero que não leva a parte alguma – se, num flash de luz, você se tornasse ciente de toda essa insensatez -, então poderia rir do absurdo da mente humana. No momento em que você der essa risada, transcenderá completamente a mente humana. Então, não haverá perguntas nem respostas. Você simplesmente viverá: não haverá nem objetivo nem causa. Então, viver será o suficiente.

Você me pergunta e eu respondo, mas eu mesmo não posso fazer nenhuma pergunta. Até onde percebo, não há respostas nem perguntas. Vou vivendo como as ondas no mar, como as folhas de uma árvore ou como as nuvens no céu – sem nenhuma pergunta, sem nenhuma resposta. No momento em que me tornei consciente de todo o absurdo das perguntas, algo caiu completamente, totalmente. Foi uma ressurreição. Eu renasci, renasci numa dimensão cósmica, não como um “eu”, mas como a própria consciência cósmica.

Nessa dimensão cósmica, tudo é brincadeira. E quando você percebe que tudo é uma brincadeira, fica tranqüilo, completamente sereno. Não há tensão alguma, você fica relaxado.

Então, não há ego. O ego não pode relaxar; ele vive em tensões, alimenta-se de tensões. Quando não há ego, não há tensões. Então, você abrange tudo; não há passado nem futuro. Você é eternidade. Tudo o que acontece é um acontecimento. Não é você que está fazendo; nada está sendo realizado através de você. Essas são noções ilusórias.

Até uma pessoa religiosa pode pensar em termos de fazer. Daí o ego torna-se estável, pio – e mais perigoso. Se houver o ego, haverá os dois: o agente e a ação. Só terá mudado o projeto; o processo é o mesmo.

Quando me referi a “mim”, não me refiro a ninguém. É apenas um artifício linguístico para que você entenda o que estou dizendo. Na verdade, não há ninguém a quem se possa referir como “eu” ou “você”, mas assim a linguagem seria impossível. Por isso é que a verdade não pode ser expressa pela linguagem. A verdade não pode assumir nenhuma forma linguística, porque a linguagem é criada pelo ego. Ela vem do ego e assim não pode transcendê-lo. Mesmo que você saiba que não há ninguém a quem se possa referir como “eu”, é preciso usá-lo quando se fala. Mas lembre-se: quando digo “eu”, não me refiro a alguém.

No que diz respeito a mim, no que diz respeito a esse “mim”, não há nada a ser feito. As coisas acontecem por si mesmas. Nós mesmos acontecemos, somos acontecimentos. Toda a existência é um acontecer, não um fazer. Seria melhor que eu dissesse que o velho conceito de Deus como criador não é significativo para mim. Eu não direi: “Deus, o criador”, porque a expressão reflete apenas a nossa concepção egoísta da criação, do fazer. Assim como fazemos algo, concebemos um Deus que fez o mundo. Nós nos projetamos no plano cósmico e então pensamos em termos de um criador e uma criação. Criamos a dicotomia.

Para mim, “Deus” é o que acontece, não o criador. “Deus” significa o que vem acontecendo eternamente; assim, qualquer coisas que acontece é Deus. Todas as pessoas são acontecimentos, e este eterno acontecer é Deus. Não há criador nem criação. A própria dicotomia é egoísta; é nossa projeção no plano cósmico. Uma vez que você sabe que não há dicotomia dentro de si, entre o agente e a ação, sabe que dentro da própria existência não há agente nem ação, apenas acontecimentos.

De onde vem esse ego que pensa “eu sou”, “eu estou fazendo”? Vem da memória. Sua memória vai gravando acontecimentos; você nasceu, você é criança; depois vem a juventude e em seguida a velhice. As coisas acontecem: o amor acontece, o ódio acontece, e a memória vai gravando. Quando você olha para o passado, toda a memória acumulada torna-se seu “eu”.

Eu amei alguém. Seria melhor e mais exato dizer: em tal momento, o amor aconteceu. “Eu” não era o agente. O amor aconteceu assim como o nascimento acontece, como a morte acontece. Se uma pessoa puder se lembrar disso apenas por vinte e quatro horas – que as coisas estão acontecendo e que não existe um agente -, não será novamente a mesma.

Mas é muito difícil lembrar-se, mesmo por um único momento. É muito difícil lembrar-se de que os eventos estão acontecendo e que você não é o agente. Por exemplo, eu estou falando. Se eu disser que estou falando e pensar que “eu” estou falando, então terei interpretado mal o fenômeno. Estou falando, o falar está acontecendo por meu intermédio, mas eu não sei qual será a próxima sentença. Quando ela vier, você saberá e eu também saberei. É um acontecer, algo que vem por meu intermédio. Não sou um agente de modo algum; algo acontece em mim.

É isso que se entende quando se diz que os Vedas são impessoais, que não foram criados por pessoas. Entendemos por isso que aqueles que compilaram os Vedas conheciam este fato: que algo estava acontecendo através deles, que não eram eles os agentes. Algo estava vindo a eles. Eles eram apenas a passagem, o médium, o veículo. E mesmo esse “ser um veículo” era um acontecimento. Não foi pelo seu agir que eles se tornaram veículos – porque, se assim fosse, haveria a mesma ilusão em outro nível.

Aprofunde-se em qualquer um de seus atos e encontrará aí um acontecimento. Não haverá nenhum ato, porque não há nenhum ator. Então você não poderá perguntar: “Por quê?”, porque quem perguntará e quem responderá? Nenhuma pessoa poderá responder, porque não há ninguém para responder. A casa está vazia, o dono não está. Deixe que as coisas continuem acontecendo. A própria casa, sem o dono, é capaz de permitir os acontecimentos.

Tente entender isso mais claramente. Buda disse muitas vezes: “Quando caminhamos não há nenhum caminhante, só o caminhar”. Como isso pode ser entendido? Se eu não sou, como posso caminhar? Caminhe e tente descobrir onde você está. Encontrará apenas o caminhar.

Você não pode entender como alguém pode dizer que há o falar sem o falante. Mas se você penetrar a fundo no ato de falar, descobrirá que não existe nenhum falante, só o falar. Na verdade, não houve poetas – a poesia aconteceu. Não houve pintores – a pintura simplesmente aconteceu. Mas por causa do ego, o veículo torna-se o dono.

A memória cria a ilusão. Mas a ilusão não existe para mim. A memória não pode me enganar, ela perdeu seu poder sobre mim. Então, tudo acontece e não há agente. Tudo o que acontecer, acontecerá. Eu não serei a causa, eu não serei o senhor.

Quando você sabe que não é, torna-se senhor num sentido bem diverso. Se você não é, então não pode ser escravizado. Então, sua liberdade é total; ninguém pode fazê-lo escravo. A partir desse momento, não pode haver escravidão nem qualquer possibilidade de ela ocorrer. É paradoxal, mas é um fato que quem tenta ser o senhor sempre correr o perigo de se tornar escravo, e quem perde a si mesmo – sua autoridade, seus esforços, seu agir – está além da escravidão. É livre, é tão livre quanto o céu. É a própria liberdade.

Assim, se você preferir, posso dizer que eu sou a liberdade. Não existe um motivo para essa liberdade porque, se houvesse, eu não seria livre. Estaria dependendo do motivo, acorrentado a esse motivo. Se houvesse algo que tivesse de ser feito para ser livre, eu estaria acorrentado a isso, não seria livre. Sou a liberdade absoluta no sentido de que não há nada para ser feito. Sou uma espera. As coisas acontecerão e eu as aceitarei. E se elas não acontecerem, aceitarei os não-acontecimentos e continuarei a esperar.

Essa espera faz de alguém um médium para as forças divinas da existência. Muito é feito através de você quando o agente não está, e nada é feito através de você quando o agente está presente. Quando o agente está, você também está – está fazendo algo. Mas fazer algo é impossível: fazer não é possível; é impossível ser um agente. Você está engajado num esforço absurdo e só a frustração será o resultado.

Quando você não é, você sempre acontece. Não pode haver fracasso, porque você nunca almejou nada. Se o fracasso acontecer, será um acontecimento; se o sucesso acontecer, será um acontecimento. Quando você sabe que tanto o sucesso como o fracasso são um acontecimento, não um fazer, você se torna indiferente. Qualquer um deles que acontecer não fará diferença; qualquer um servirá.

Quando eu digo “eu”, todos estão incluídos nesse “eu”.

Eu sou consciência, eu sou liberdade. Uso duas palavras – consciência e liberdade – apenas para deixar o mistério mais inteligível para você. Ambas têm o mesmo significado. Consciência é liberdade e liberdade é consciência. Quanto mais algo é material, menos livre é. Se eu digo que esta mesa é material, quero dizer que ela não é livre para se mover. Se eu digo que você é um ser consciente, quero dizer que você é livre até certo ponto. Mas se você se torna a própria consciência, se penetra a fundo na própria fonte da existência, é totalmente livre.

Eu sei que você é a própria consciência, não apenas um ser consciente. Consciência não é apenas uma qualidade agregada a você. Você é consciência, você é totalmente livre. Assim, pode começar pelo lado que preferir: ser mais livre ou ser mais consciente. O outro lado virá automaticamente.

Seja mais livre e será mais consciente. Seja mais consciente e será mais livre. Não pode ser de outro modo, porque a consciência cria a liberdade. Quando você é absolutamente consciente, é absolutamente livre. Então, não há causa nem objetivo para a sua existência. Tudo é um acontecimento. E todo acontecimento é leela.


Do livro: "Eu sou a Porta" - Capítulo 1