quinta-feira, janeiro 01, 2015

O Medo de Perder (sobre o desapego)

 - Ordem Rosacruz -


Um dos maiores obstáculos para uma vida plena, harmônica, mais expressiva e significativa, é o medo de perder; sobretudo, o medo de perder alguém, o medo de perder alguém que nós dizemos amar, o medo de perder a esposa ou esposo, os filhos, os amigos, o patrão, o empregado, o cliente. Esta emoção é a principal responsável pelo nosso sofrimento vital.

O medo de perder é o medo de nos tornarmos dispensáveis para a pessoa com a qual nos relacionamos. O medo de perder se reveste de mil e uma formas, aparece sob mil disfarces: medo de sermos criticados por alguém, medo de que falem mal de nós, medo de que nos humilhem, medo de sermos abandonados, medo de sermos rejeitados, medo de não sermos importantes, medo de não sermos ilustres, medo de sermos menosprezados, medo de não sermos amados, medo da solidão. E tudo isso pode ser designado mais claramente por uma palavra: - ciúme.

O ciúme é o medo de não ter alguém, de não possuir alguém, de não vir a ser dono de alguém. Na relação ciumenta, colocamos nós e o outro como objetos. Nesta relação, pessoa e objeto são a mesma coisa. No ciúme, temos medo de sermos algum dia considerados inúteis, dispensáveis a outra pessoa.

Esta é a emoção do sofrimento, a emoção do apelo, a emoção da relação confusa, misturada, dependente. E o que a agrava é que na nossa cultura aprendemos do ciúme como sendo amor. E o ciúme é justamente o contrário. O ciúme é o oposto do amor.

Na relação amorosa, existe identidade: - "Eu sou independente de você!"

Na relação ciumenta, por outro lado, na relação objetal, perde-se a identidade: - "Eu, sem você, não valho nada. Você é tudo para mim!"

O amor é solto, é livre, vem de querência íntima, está diretamente ligado ao sentido de liberdade, de opção, de escolha. O ciúme prende, amarra, condiciona, determina.

"Com esta emoção, eu já não sou eu; sou o que o outro quer que eu seja. E eu sou o que o outro quer que eu seja, para que ele também seja o que eu quero que ele seja." No ciúme, há um pacto de destruição mútua, em que cada qual usa o outro como garantia de que não estará sozinho: - "Eu me abandono para que o outro não me abandone, eu me desprezo para que o outro não me despreze, eu me desrespeito para que o outro não me desrespeite, eu me destruo para que o outro não me destrua."

O ciúme é o medo de ser dispensável a alguém, e o mais grave talvez esteja aqui: passamos a vida inteira com medo de nos tornarmos para os outros um dia o que nós já somos - totalmente dispensáveis. O homem é, por definição, dispensável, transitório, efêmero, aquilo que passa - e isto é bastante real. Em todas as relações que temos hoje somos substituíveis. O mundo sempre existiu sem nós, está existindo conosco e continuará a existir sem nós. Nós somos necessários aqui e agora, mas seremos dispensáveis além e depois. O medo de ser dispensável a alguém é o mesmo medo da morte, que também é real. O medo da morte é o ciúme da vida. É a vontade falsa, irreal, de sermos eternos, permanentes e imutáveis. O medo de perder nos leva a entender que as coisas só valem a pena se forem eternas, permanentes, duráveis. Uma relação só tem valor, neste caso, se tivermos garantia de que sempre será assim como é.

E como tudo é transitório, como tudo é mutável, como tudo é passível de transformação, o medo de perder nos leva a um estado contínuo de sofrimento. As consequências do ciúme são muito claras: - "Se eu tenho medo de que me abandonem, de me tornar dispensável a alguém, de que não me amem, ao invés de fazer tudo para ser cada vez mais, para ser cada vez melhor, eu vou gastar toda a minha vida, todas as minhas energias para provar aos outros que eu já sou o mais, que eu já sou o melhor, que eu já sou o primeiro.

Ao invés de empenhar esforços para ser um marido, por exemplo, cada vez melhor, um filho cada vez melhor, uma esposa cada vez melhor, um pai ou mãe cada vez melhor, um chefe cada vez melhor, uma empregada cada vez melhor, eu gasto minhas energias para provar à minha mulher, aos meus amigos, aos meus filhos, ao meu marido, ao meu chefe, ao meu empregado, que eu já sou o melhor pai do mundo, o que é mentira; o melhor marido do mundo, o que é mentira; o melhor amigo do mundo, o que é mentira; o melhor chefe do mundo, o que é mentira; o melhor empregado do mundo, o que é mentira!"; e assim por diante.

O ciúme nos conduz ao delírio da onipotência. Os nossos atos, as nossas iniciativas, a nossa conversa, o nosso comportamento, as nossas considerações, tudo é para mostrar aos outros que nós já somos bons, fortes, capazes e perfeitos.

Aqui está a diferença básica, fundamental, entre o medo de perder e a vontade de ganhar. O medo de perder é assim: - "Ganhamos, ninguém vai nos tomar. Gastaremos todas as energias para defender o que nós já possuímos, para conservar o que já ganhamos. Nós já chegamos ao ponto máximo, só temos que perder". A vontade de ganhar, por outro lado, é assim: - "Estaremos sempre ativos, descobrindo as oportunidades do ganho. Procuraremos ganhar cada vez mais, ao invés de nos preocuparmos com possíveis perdas. O que nós temos de mais sagrado é a nossa própria vida, e esta, nós já vamos perder".

Todas as outras perdas são secundárias. O medo de perder é reativo, defensivo, justificativo. As pessoas ciumentas estão sempre com um pé atrás e outro na frente. Sempre se prevenindo para não perder, sempre se preparando, sempre se conservando. As pessoas com vontade de ganhar estão sempre ativas, sempre optando, arriscando. O medo de perder é a vivência do futuro, é a vivência antecipada do futuro, é preocupação. A vontade de ganhar, por outro lado, é a vivência do presente, é a vivência da beleza do presente. Em tudo, a cada momento, existem riscos e existem oportunidades. No medo de perder, a pessoa só vê os riscos. Na vontade de ganhar, a pessoa vê os riscos mas, sobretudo, vê também as oportunidades.

Cada momento da vida é um desafio para o crescimento. A vontade de ganhar, a qual nos referimos, não significa ganhar de alguém, mas ganhar de si mesmo, ser cada vez mais, estar sempre disposto a dar um passo à frente, estar sempre disposto a crescer um pouco mais. É importante termos sempre para nós que hoje podemos crescer um pouco mais do que éramos ontem; descobrir que ninguém chegou ao seu limite máximo, e que idade adulta não significa que chegamos ao máximo de nossa potencialidade. Não existe pessoa madura. Existe, sim, a pessoa em amadurecimento. Todo o nosso sofrimento vem de uma paralisação do crescimento pessoal e cada um de nós sabe muito bem onde paralisou, onde a nossa energia está bloqueada, onde não está havendo expansão da nossa própria energia. Ainda não vimos, ate hoje, um relacionamento se deteriorar sem uma presença marcante do ciúme, do desejo de sermos donos da outra pessoa, de uma ânsia de mais poder e controle sobre os pensamentos, os sentimentos e as ações da pessoa a quem dizemos amar. O ciúme é a doença do amor, é um profundo desamor a si mesmo e, consequentemente, um desamor ao outro.

Pelo ciúme, se estabelece uma relação dominador/dominado. O ciúme é a dor da incerteza com relação aos sentimentos de alguém no futuro. É a raiva de não possuir a segurança absoluta do relacionamento, do futuro. É a tristeza de não saber o que vai acontecer amanhã. Alias, o que dói no ciúme é a insegurança do futuro, é a insegurança do desconhecido. A loucura esta aí: - Passamos a vida inteira tentando conseguir o que jamais conseguiremos - segurança! A segurança não existe, não existe nada. Ser seguro não significa acabar com a insegurança, mas aceita-la como inerente a natureza do homem. Ninguém pode acabar com o risco do amor. Por isso, só é possível estarmos em estado de amor, se sabemos estar em estado de risco.

Desperdiçamos o único momento que temos, que é o agora, em função de um momento inexistente, o futuro. Parece que as pessoas só valem para nós no futuro. Nós não curtimos hoje o relacionamento com a mulher, com os filhos, com os amigos, sofrendo pela possibilidade de um dia não sermos queridos por eles. O filho, por exemplo, parece que só nos é importante amanhã quando crescer, se formar, quando casar, quando trabalhar, etc. Até hoje ainda não conhecemos um pai preocupado com o futuro dos filhos que estivesse brincando com eles. Em geral, não têm tempo porque estão muito preocupados em assegurar-lhes um futuro brilhante. O ciúme é a incapacidade de vivenciarmos hoje a gratuidade da vida. Hoje é o primeiro dia do resto da nossa vida, querendo ou não. Hoje estamos começando, e viver é considerar cada segundo de novo. A cada dia, o seu próprio cuidado. O medo daquilo que me pode acontecer tira minha alegria de estar aqui e agora, o medo da morte tira-me a vontade de viver, o medo de perder alguém tira-me a beleza de estar com ele agora.

Aliás, quando temos medo de perder alguém, é porque imaginamos que as pessoas são nossas. Ninguém pode perder o que não tem e nós sabemos que ninguém é de ninguém. Cada pessoa é unica e exclusivamente dela mesma. Esta é outra falsidade. Podemos perder um livro, um isqueiro, um baralho, uma bolsa, porém jamais uma pessoa. O sinônimo do medo de perder é a obsessão do primeiro lugar. O que é a obsessão do primeiro lugar? É colocarmos nos outros a tarefa impossível de sermos sempre os primeiros em todos os lugares e em todas as circunstâncias. Se é em casa, queremos ser o primeiro; no trabalho, queremos ser o primeiro; numa reunião, queremos ser o primeiro; no futebol, queremos ser o primeiro; num assunto especifico, queremos ser o primeiro; e em outro assunto qualquer, sempre o primeiro. O primeiro lugar é amarelante, deteriorante, ao passo que o segundo lugar é esperançoso, é reverdejante, pois quando alguém chegou ao cume da montanha, só lhe resta um caminho: começar a descer. No segundo lugar, ainda temos para onde ir, para onde crescer. A postura do segundo lugar nos leva ao crescimento, ao crescimento contínuo. Por que você não se decreta no segundo lugar, mesmo quando esteja ocupando socialmente e eventualmente o primeiro lugar? O segundo lugar, não em relação ao outro, mas em relação a você mesmo, ou seja, ainda temos por onde crescer e melhorar.

Você sabe por que o mar é tão grande, tão imenso, tão poderoso? É porque teve a humildade de se colocar alguns centímetros abaixo de todos os rios do mundo. Sabendo receber, tornou-se grande. Se quisesse ser o primeiro, alguns centímetros acima de todos os rios, não seria o mar, mas uma ilha. Toda a sua água iria para os outros e ele estaria isolado. E, além disso, a perda faz parte, a queda faz parte, a morte faz parte. É impossível vivermos satisfatoriamente se não aceitarmos a perda, a queda, o erro e a morte. Precisamos aprender a perder, a cair, a errar e a morrer. Não é possível ganhar sem saber perder, não é possível andar sem saber cair, não é possível acertar sem saber errar, não é possível viver sem saber morrer. Em outras palavras, se temos medo de cair, andar será muito doloroso; se temos medo da morte, a vida é muito ruim; se temos medo da perda, o ganho nos enche de preocupações. Esta é a figura do fracassado dentro do sucesso. Pessoas que quanto mais ganham, quanto mais melhoram na vida, mais sofrem. Para a pessoa que tem medo de ficar pobre, quanto mais dinheiro tem mais preocupada fica; para a pessoa que tem medo do fracasso, quanto mais sobe na escala social, mais desgraçada é a sua vida. Em compensação, se você aprende a perder, a cair, a errar, ninguém o controla mais. Pois o máximo que pode acontecer a você é cair, é errar, é perder, e isso você já sabe. 

Bem-aventurado aquele que já consegue receber, com a mesma naturalidade, o ganho e a perda, o acerto e o erro, o triunfo e a queda, a vida e a morte.


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