Carta do sr. Hyakuzo Kurata*
Há algum tempo, comecei a escrever-lhe uma carta, mas acabei interrompendo porque não me sentia totalmente satisfeito com o seu ponto de vista. Explico: embora tenha grande simpatia e interesse pelo seu espiritualismo absoluto, pela sua teoria de que a matéria não existe originalmente, há dentro de mim um bloqueio que me impede de aderir totalmente a essa teoria. Por isso, não consigo agir como o senhor, isto é, afirmar corajosa e energeticamente que é possível curar as doenças físicas por meio da força espiritual. Entretanto, do ponto de vista da epistemologia, reconheço que tenho grande inclinação pela teoria espiritualista, e, no tocante à ciência, sei que a ciência moderna, na área da teoria dos elétrons (Nota: esse diálogo ocorreu na década de 30. Hoje em dia, a Ciência comporta a teoria quântica, estando ainda bem mais adiantada), tem uma faceta bastante "espiritualista". Essa constatação me deixa muito satisfeito. O que me agrada especialmente é a maneira clara e firme com que o senhor apresenta sua teoria diametralmente oposta à afirmação marxista de que "matéria é elemento dominante e o espírito se sujeita a ela". Considero-me uma testemunha viva da ação do espírito sobre o corpo, pois consegui curar-me de uma doença com a força espiritual - proveniente principalmente do despertar alcançado através da religião. No entanto, ainda não consigo acreditar realmente que "retornar à original união com a Grande Fonte do Universo" garantirá a cura de doença, melhora do destino, felicidade e prosperidade. De fato, uma vida em conformidade com a Grande Fonte do Universo é uma vida de luz. Contudo, essa luz não é aquela em oposição à treva, mas sim uma claridade difusa que está além da luz e treva, e que no budismo se diz jakkô. Por isso, há quem prefira usar a expressão seian ("treva sagrada"), em vez do termo jakkô - luz difusa que pode ser descrita como claridade suave ou penumbra. Vendo ocorrer doenças, infortúnios e calamidades neste mundo, deduzo que tudo isso esteja no grande jakkô, mas não consigo deduzir o contrário, ou seja, que do mundo do jakkô só podem vir coisas positivas como cura de doenças, felicidade e benefícios. Não posso saber se o Universo abrange por natureza a saúde, a felicidade e os benefícios. Quando adoeço, sinto que é o Universo que está doente, que é Deus que está doente. Então, como posso ter a certeza de obter a cura?
Essa ideia de fatalidade me ocorre principalmente quando se trata de adoecimento de animais. Creio que eles vivem em conformidade com a vontade de Deus; então por que adoecem? Em relação ao ser humano, tenho várias dúvidas. Pode-se fazer distinção entre morte natural e morte por doença? Entendo que é preciso viver conforme a vontade de Deus, mas não consigo acreditar que, procedendo desse modo, ocorra realmente a cura da doença. Consigo aceitar a crença de que, dependendo da vontade de Deus, pode-se obter a cura ou não. E foi assim que me curei da doença. Curei-me quando deixei de buscar ansiosamente a cura e me conformei, pensando: "Devo aceitar com resignação a doença, se essa é a vontade de Deus". Portanto, acho que a forma pela qual obtive a cura é diferente do seu método de cura, de cunho positivista e calcado na Ciência Cristã.
Entretanto, não significa que eu negue o seu ensinamento positivista sobre cura de doenças, felicidade e benefícios, e a respeito disso discorri de maneira detalhada e lógica no meu livro Mikagura Uta o Yumo (Lendo Hinos Sagrados). Pelo contrário, não posso deixar de concordar com suas afirmações. Porém, como eu próprio não tenho base suficiente, não posso fazer as mesmas afirmações aos outros.
Quando penso em Deus com uma visão panteísta, desenvolvo o seguinte raciocínio: já que Ele se manifesta através da mente humana, teria de possuir, necessariamente, uma natureza espiritual e também "pessoal". Por conseguinte, a vontade divina deve se manifestar não apenas como infalibilidade da lei natural, mas também como liberdade individual. A relação entre Deus e o ser humano baseia-se num livre intercâmbio de pensamentos e, portanto, é possível ocorrer milagres (fatos que transcendem a lei de causa e efeito). Acho que é possível a mente mover coisas. Devo reconhecer que Deus age segundo Seus propósitos. Só de pensar no mecanismo das válvulas do coração, fico maravilhado. É inconcebível que tal mecanismo, comparável ao da válvula de bomba que os homens fabricam com determinado propósito, tenha sido gerado por acaso ao longo do processo de selação natural das espécies, e sem o conhecimento do próprio indivíduo.
Por essa razão, estou inclinado a admitir a obtenção de cura, de bênçãos, e de benefícios por meio da fé. Contudo, não me parece que essa seja a essência da fé religiosa. Penso que a essência da fé está em manter-se um com Deus em toda e qualquer circunstância e viver conforme Seus desígnios. Se é vontade de Deus, temos de aceitar com resignação a doença e a morte - é assim que penso. No máximo, pediria a Deus: "Se é Vossa vontade, afastai de mim esse cálice". Por enquanto, não consigo ir além desta postura mental.
Por isso, não posso seguir seus passos. Como não tenho prova de que "doença não é desígnio de Deus", não posso recomendar ou divulgar esse ensinamento que o senhor vem pregando.
Pelas explicações acima, creio que o senhor entenderá as minhas razões.
Acho que existe uma diferença básica entre o meu conceito de jakkô (luz difusa) e o seu conceito de Luz. Segundo o meu conceito, jakkô é uma luz mesclada com treva, e não a luz em oposição à treva. Assim, ele abrange também as doenças, infortúnios e calamidades. É muito diferente da luz resplandecente, diante da qual a treva se afasta.
Por causa dessa diferença de conceitos, não estou em condição de escrever um texto apoiando inteiramente o seu ponto de vista. Não sei se os leigos me compreenderão.
Apesar disso, lendo o seu livro, percebo que na explicação da razão e do processo de cura existe fé, o que deixa bem claro que sua religião não visa simplesmente curar doenças, como criticam alguns segmentos da sociedade. Para curar doença, é preciso tornar-se um com o Universo. A iluminação ocorre como resultado da comunhão com o Universo; portanto, a iluminação é a prova da fé.
Uma vez esclarecidos o motivo e o meio pelo qual ocorre a cura da doença, com certeza as pessoas compreenderão que o senhor não está fazendo propaganda enganosa e que a cura é uma consequência natural da fé.
Só que, no meu caso - conforme expliquei no início desta carta -, tenho um conceito de fé um pouco diferente do seu, pois acredito que, mesmo que se torne um com o Universo, pode continuar existindo a treva. Por isso, não consigo seguir o seu caminho.
Concordo com o seu modo de pensar no que concerne à visão de mundo, até o ponto em que o senhor passa a tratar de intricados princípios de fé, como um entendido no assunto. Inclino-me a concordar que é possível obter benefícios por meio da devoção religiosa, mas não acredito que essa seja a essência da fé, e acho que o senhor também pensa assim.
Quanto à propaganda que o senhor publicou nos jornais, creio que seja um expediente para conduzir a massa para o caminho da fé. Como eu próprio participo de um campanha nacional, tenho real compreensão sobre estratégia de propaganda dirigida à massa. Porém, acho inevitável que tal propaganda cause ressentimentos em algumas pessoas vaidosas da própria integridade moral. Creio que essa questão só poderá ser esclarecida com base no meu conceito sobre "luz que pode conter uma parcela de treva". Se quisesse uma propaganda sem essa "parcela de treva", teria de optar por uma publicação dirigida a uma minoria, como a revista Seikatsusha. Bungei-Shunju e a Iwanami. De outro modo, não se pode gerar benefício em grande escala.
Não me importo nem um pouco que esta carta seja publicada. As questões que levantei são questões muito importantes do ponto de vista religioso, e as minhas considerações talvez contribuam para desfazer o equívoco e as críticas da sociedade quanto à forma de divulgação e ao modo de realizar curas.
Essa ideia de fatalidade me ocorre principalmente quando se trata de adoecimento de animais. Creio que eles vivem em conformidade com a vontade de Deus; então por que adoecem? Em relação ao ser humano, tenho várias dúvidas. Pode-se fazer distinção entre morte natural e morte por doença? Entendo que é preciso viver conforme a vontade de Deus, mas não consigo acreditar que, procedendo desse modo, ocorra realmente a cura da doença. Consigo aceitar a crença de que, dependendo da vontade de Deus, pode-se obter a cura ou não. E foi assim que me curei da doença. Curei-me quando deixei de buscar ansiosamente a cura e me conformei, pensando: "Devo aceitar com resignação a doença, se essa é a vontade de Deus". Portanto, acho que a forma pela qual obtive a cura é diferente do seu método de cura, de cunho positivista e calcado na Ciência Cristã.
Entretanto, não significa que eu negue o seu ensinamento positivista sobre cura de doenças, felicidade e benefícios, e a respeito disso discorri de maneira detalhada e lógica no meu livro Mikagura Uta o Yumo (Lendo Hinos Sagrados). Pelo contrário, não posso deixar de concordar com suas afirmações. Porém, como eu próprio não tenho base suficiente, não posso fazer as mesmas afirmações aos outros.
Quando penso em Deus com uma visão panteísta, desenvolvo o seguinte raciocínio: já que Ele se manifesta através da mente humana, teria de possuir, necessariamente, uma natureza espiritual e também "pessoal". Por conseguinte, a vontade divina deve se manifestar não apenas como infalibilidade da lei natural, mas também como liberdade individual. A relação entre Deus e o ser humano baseia-se num livre intercâmbio de pensamentos e, portanto, é possível ocorrer milagres (fatos que transcendem a lei de causa e efeito). Acho que é possível a mente mover coisas. Devo reconhecer que Deus age segundo Seus propósitos. Só de pensar no mecanismo das válvulas do coração, fico maravilhado. É inconcebível que tal mecanismo, comparável ao da válvula de bomba que os homens fabricam com determinado propósito, tenha sido gerado por acaso ao longo do processo de selação natural das espécies, e sem o conhecimento do próprio indivíduo.
Por essa razão, estou inclinado a admitir a obtenção de cura, de bênçãos, e de benefícios por meio da fé. Contudo, não me parece que essa seja a essência da fé religiosa. Penso que a essência da fé está em manter-se um com Deus em toda e qualquer circunstância e viver conforme Seus desígnios. Se é vontade de Deus, temos de aceitar com resignação a doença e a morte - é assim que penso. No máximo, pediria a Deus: "Se é Vossa vontade, afastai de mim esse cálice". Por enquanto, não consigo ir além desta postura mental.
Por isso, não posso seguir seus passos. Como não tenho prova de que "doença não é desígnio de Deus", não posso recomendar ou divulgar esse ensinamento que o senhor vem pregando.
Pelas explicações acima, creio que o senhor entenderá as minhas razões.
Acho que existe uma diferença básica entre o meu conceito de jakkô (luz difusa) e o seu conceito de Luz. Segundo o meu conceito, jakkô é uma luz mesclada com treva, e não a luz em oposição à treva. Assim, ele abrange também as doenças, infortúnios e calamidades. É muito diferente da luz resplandecente, diante da qual a treva se afasta.
Por causa dessa diferença de conceitos, não estou em condição de escrever um texto apoiando inteiramente o seu ponto de vista. Não sei se os leigos me compreenderão.
Apesar disso, lendo o seu livro, percebo que na explicação da razão e do processo de cura existe fé, o que deixa bem claro que sua religião não visa simplesmente curar doenças, como criticam alguns segmentos da sociedade. Para curar doença, é preciso tornar-se um com o Universo. A iluminação ocorre como resultado da comunhão com o Universo; portanto, a iluminação é a prova da fé.
Uma vez esclarecidos o motivo e o meio pelo qual ocorre a cura da doença, com certeza as pessoas compreenderão que o senhor não está fazendo propaganda enganosa e que a cura é uma consequência natural da fé.
Só que, no meu caso - conforme expliquei no início desta carta -, tenho um conceito de fé um pouco diferente do seu, pois acredito que, mesmo que se torne um com o Universo, pode continuar existindo a treva. Por isso, não consigo seguir o seu caminho.
Concordo com o seu modo de pensar no que concerne à visão de mundo, até o ponto em que o senhor passa a tratar de intricados princípios de fé, como um entendido no assunto. Inclino-me a concordar que é possível obter benefícios por meio da devoção religiosa, mas não acredito que essa seja a essência da fé, e acho que o senhor também pensa assim.
Quanto à propaganda que o senhor publicou nos jornais, creio que seja um expediente para conduzir a massa para o caminho da fé. Como eu próprio participo de um campanha nacional, tenho real compreensão sobre estratégia de propaganda dirigida à massa. Porém, acho inevitável que tal propaganda cause ressentimentos em algumas pessoas vaidosas da própria integridade moral. Creio que essa questão só poderá ser esclarecida com base no meu conceito sobre "luz que pode conter uma parcela de treva". Se quisesse uma propaganda sem essa "parcela de treva", teria de optar por uma publicação dirigida a uma minoria, como a revista Seikatsusha. Bungei-Shunju e a Iwanami. De outro modo, não se pode gerar benefício em grande escala.
Não me importo nem um pouco que esta carta seja publicada. As questões que levantei são questões muito importantes do ponto de vista religioso, e as minhas considerações talvez contribuam para desfazer o equívoco e as críticas da sociedade quanto à forma de divulgação e ao modo de realizar curas.
(Hyakuzo Kurata)
Masaharu Taniguchi
RESPOSTA AO SR. HYAKUZO KURATA:
Prezado sr. Hyakuzo Kurata:
Recebi o seu livro Shinran Shonin, de cunho religioso, e pensei em fazer comentários sobre ele ou em apresentá-lo ao público. Mas decidi não fazê-lo porque constatei em seu livro a mesma divergência sobre o conceito de fé a que o senhor se refere ao afirmar que até certo ponto identifica-se com a minha fé, mas que a partir desse ponto discorda de mim em vários aspectos e, por essa razão, não consegue se decidir a transmitir aos outros o ensinamento da Seicho-No-Ie. Eu receava que, escrevendo um artigo citando esses pontos, poderia ser interpretado como uma crítica ao senhor, e a intenção de apresentar sua obra ao público acabaria tendo resultado negativo, o que seria lastimável. Entretanto, ao ler sua carta, compreendi melhor a sua postura mental no tocante à fé. Considerando que o senhor mesmo disse: "Não me importo nem um pouco que esta carta seja publicada. As questões que levantei são questões muito importantes do ponto de vista religioso, e as minhas considerações talvez contribuam para desfazer o equívoco e as críticas da sociedade quanto à forma de divulgação e ao modo de realizar curas", e considerando que também devem existir pessoas que estão no nível de fé semelhante ao seu e outras que têm dúvidas iguais às suas no que concernem à Verdade que a Seicho-No-Ie prega, decidi enumerar os pontos divergentes de nossas opiniões, mencionados em sua carta, esperando que os meus comentários a respeito sejam úteis para quem busca o caminho da verdadeira fé. Mesmo porque, conforme sua afirmação, os pontos divergentes de nossas opiniões constituem uma questão bastante grave no âmbito da religião, e eu penso que nessas diferenças está a razão pela qual a fé por nós preconizada realiza milagres no cotidiano, enquanto religiões tradicionais como o budismo e o cristianismo raramente operam milagres no dia a dia.
O senhor é uma pessoa que realmente vivenciou a cura divina. Na carta, afirma: "Considero-me uma testemunha viva da ação do espírito sobre o corpo, pois consegui curar-me de uma doença com a força espiritual - proveniente principalmente do despertar alcançado através da religião". Mas, em seguida, diz: "No entanto, ainda não consigo acreditar realmente que 'retornar à original união com a Grande Fonte do Universo' garantirá a cura de doença, melhora do destino, felicidade e prosperidade", e tece a seguinte consideração: "De fato, uma vida em conformidade com a Grande Fonte do Universo é uma vida de luz. Contudo, essa luz não é aquela em oposição à treva, mas sim uma claridade difusa que está além da luz e treva, e que no budismo se diz jakkô. Por isso, há quem prefira usar a expressão seian ('treva sagrada'), em vez do termo jakkô - uma luz difusa que pode ser descrita como claridade suave ou penumbra".
Não sei exatamente o que o senhor quer dizer com a expressão "Grande Fonte do Universo", usada nessa parte de sua teoria; talvez esteja se referindo ao Criador, do ponto de vista do cristianismo; ao "vazio original" da filosofia budista, ou ao mundo Sumikiri - mundo absoluto anterior ao surgimento dos fenômenos do universo -, de que fala o xintoísmo ortodoxo. Suponho que, segundo o seu conceito, a "Grande Fonte" seja algo comparável a raios solares originalmente "incolores", que no arco-íris estão decompostos em raios de sete cores. Os "raios incolores" do Sol corresponderiam ao Ser Absoluto, e os raios decompostos, aos fenômenos manifestados neste mundo. Pensando desse modo, posso entender a sua ideia de que na "Grande Fonte do Universo" estão abrangidos todos os fenômenos, inclusive doenças, infortúnios e calamidades. Se o senhor pensa que todos os fenômenos do mundo fenomênico, tanto as doenças, os infortúnios e as calamidades como a saúde, a felicidade e outros benefícios estão abrangidos na Grande Fonte, da mesma forma que as cores do arco-íris estão abrangidas nos raios solares "incolores" (que corresponderiam ao grande jakkô), é natural que tenha chegado à seguinte conclusão: "Vendo ocorrer doenças, infortúnios e calamidades neste mundo, deduzo que tudo isso esteja no grande jakkô, mas não consigo deduzir o contrário, ou seja, que do mundo do jakkô só podem vir coisas positivas como cura de doenças, felicidade e benefícios. Não posso saber se o Universo abrange por natureza a saúde, a felicidade e os benefícios. Quando adoeço, penso que isso é consequência do 'adoecimento' do Universo - diria, até, que é proveniente de Deus. Então, como posso ter a certeza de obter a cura?"
Prosseguindo a leitura da carta, percebi que sua ideia de "Grande Fonte do Universo" é bastante parecida com o conceito de "vontade cega do Universo" preconizado por Schopenhauer. Não pude deixar de me lembrar de um trecho da coletânea de pensamentos Seichi (Reflexões) que o senhor publicou há mais de dez anos, no qual expressa a sua visão de mundo com as seguintes palavras: "Penso que este mundo segue a sua trajetória abrangendo em si o 'incêndio' e a 'festa das flores', mas que vai dominando gradativamente o 'incêndio' e fazendo predominar cada vez mais a 'festa das flores'". Lembrando-me dessas palavras, concluí que o senhor vê como Grande Fonte do Universo a força incompleta que, "abrangendo o 'incêndio' e a 'festa das flores' e lutando contra essa incoerência, vai se ampliando e intensificando. Sob esse prisma, talvez a "Grande Fonte do Universo" seja a "treva sagrada", como disse alguém. Por outro lado, já que é um mundo que transcende a matéria, talvez seja o "vazio original". Mas se o ser que rege nossa vida fosse alguém imperfeito que fizesse surgir várias tragédias da "treva sagrada" ou gerasse diversos infortúnios do "vazio original", e se afligisse, sofresse e lutasse junto com o homem carnal, então ele seria um ente destituído de sabedoria e não mereceria ser chamado de Deus.Da frase: "Quando adoeço, penso que é consequência do 'adoecimento' do Universo", constante na sua carta, depreendo que, no seu entender, quem cria um corpo doente e o mantém é uma força proveniente da Grande Fonte do Universo. Se a Fonte do Universo fosse uma força que nos traz infortúnios, não se poderia chamá-la Deus, e sim Mumyo (Ausência de Luz, ilusão). Dizer que é essa a força motriz que sustenta a existência deste mundo é confirmar a teoria budista dobre mumyo-engi ("Tudo surge a partir da ilusão primordial do mundo") e negar a teoria cristã sobre a criação do Universo por Deus.
Tentando provar a sua teoria de que na Fonte do Universo estão abrangidas até mesmo doenças e, portanto, elas não são consequências das ilusões das pessoas, o senhor diz: "Essa ideia de fatalidade me ocorre principalmente quando se trata de adoecimento de animais. Creio que eles vivem conforme a vontade de Deus; então, por que adoecem?". O senhor não estaria se baseando numa observação equivocada ao questionar isso? É sabido que as aves e os animais, enquanto vivem de modo natural em seu habitat, não adoecem. Mas tornam-se vulneráveis a doenças quando são domesticados e passam a viver em contato com o ambiente humano. Os pardais procriam duas vezes por ano, na primavera e no outono; devido à rápida multiplicação, com certeza existe uma enorme população desses pássaros. Se eles fossem vulneráveis a doenças, o número de mortes seria elevadíssimo, e veríamos pardais mortos em toda parte. Porém, esses pássaros não morrem prematuramente, a não ser quando são vítimas de meninos malvados que atiram neles com espingarda de pressão ou quando sofrem algum acidente. Os animais e as aves só morrem prematuramente quando são domesticados e passam a conviver com o ser humano. Não nos leva este fato à conclusão de que eles só se tornam vulneráveis a doenças quando entram em contato com as emanações da mente ilusória do ser humano?
Existem casos que comprovam que animais domésticos doentes curam-se quando alguém lhes dirige vibrações positivas. Isto nos leva a inferir que o adoecimento de animais não é algo que ocorre longe dos humanos, que é o principal de todos os seres viventes. Talvez o senhor questione se havia ou não doenças no mundo animal, anteriormente ao surgimento da existência do homem na Terra. Como não existe nenhuma prova seja para afirmar, seja para negar, acho que não vale a pena discutir o assunto com base na imaginação. Limito-me a opinar que, anteriormente ao aparecimento do homem na Terra, os animais devem ter tido destinos condizentes com a mente deles, muitos como vítimas de erupções vulcânicas e outros cataclismos.
O sr. Yaomura, gerente da empresa Han-wa Dentetsu, contou-me que a esposa dele conseguiu curar, por meio da Meditação Shinsokan, o seu cachorro que estava com o corpo coberto de sarna e em estado de fraqueza extrema. O animal sarou quando a sra. Yaomura passou a mentalizar a natureza búdica do cachorro. A pergunta "Existe natureza búdica ou não?" é um koan (questão para meditação) do budismo zen. Já que o cachorro do casal Yaomura ficou curado quando recebeu a mentalização positiva que dissipou a nuvem de ilusão que encobria a sua natureza búdica, penso que a manifestação da natureza búdica só pode resultar na cura de doenças, na felicidade, em tudo o que é bom. (...) (o restante foi suprimido) (Existem vários outros casos verídicos, mas as pessoas envolvidas me pediram para não citá-los, alegando que o ponto de vista segundo o qual o estado de saúde dos animais depende da energia espiritual emanada do ser humano poderá trazer consequências danosas. Por isso, abstive-me de mencionar esses casos verídicos, apesar do receio de que a não-citação deles poderá fazer com que o meu ponto de vista seja considerado uma teoria vazia ou argumento vazio.)
Existem fatos comprovando que os animais mantêm-se sadios quando recebem do ser humano vibrações mentais positivas e adoecem quando recebe vibrações mentais negativas. Diante disso, não posso deixar de pensar que a doença dos animais estão abrangidas na Grande Fonte do Universo, mas se originam da mente do ser humano. O seian ("treva sagrada"), que na sua interpretação abrange doenças e infortúnios, seria a própria mente humana, e não a Grande Fonte do Universo ou o próprio Deus. Obviamente, na mente humana encontram-se não apenas as causas das doenças, dos infortúnios e da degradação, como também as da saúde, da felicidade e da prosperidade, o que pode ser comprovado pelo fato de que, quando uma pessoa pratica a Meditação Shinsokan, lê a Chuva de Néctar da Verdade e passa a exteriorizar a luz que existe em seu interior, consegue proporcionar saúde e felicidade não somente às pessoas à sua volta, como também aos animais domésticos. Podemos, pois, chamar a mente humana de seian, que abrange simultaneamente coisas ruins como doenças, infortúnios, degradação e coisas boas como saúde, felicidade, prosperidade, e que está evoluindo pouco a pouco, dominando o que é ruim e desenvolvendo o que é bom.
Acho que podemos substituir o termo seian por um outro, seimumyo (sei = "sagrada" + mumyo = expressão do budismo, que significa "ilusão", "ausência de luz"). E considerando que o prefixo sei ("sagrada") não se aplica a algo que abrange coisas maléficas como doenças, infortúnios e degradação, creio que convém dizer simplesmente mumyo. Sob este prisma, pode-se concluir que o senhor, apesar de usar as expressões "Grande Fonte do Universo" e "Deus", que evocam o Criador, na verdade pensa que aforça motriz do Universo seja o mumyo (que corresponde à "vontade cega do Universo", teoria de Schopenhauer).
Creio ser natural que o senhor, com essa postura mental, afirme: "Entendo que é preciso viver conforme a vontade de Deus, mas não consigo acreditar que, procedendo desse modo, ocorra realmente a cura da doença". O senhor fala em "viver conforme a vontade de Deus", mas o que o senhor quer dizer, na verdade, é "viver conforme o mumyo". Eu também não acredito que "vivendo conforme o mumyo, ocorra realmente a cura da doença". O senhor diz: "Consigo aceitar a crença de que, dependendo da vontade de Deus, pode-se obter a cura ou não." A meu ver, o que o senhor quer dizer é: "A ocorrência ou não da cura depende do mumyo".
O senhor afirma que sarou quando deixou de buscar ansiosamente a cura e se resignou, pensando: "Devo aceitar com resignação a doença, se essa é a vontade de Deus". Parece que o senhor chama de "vontade de Deus" o seimumyo, que abrange tanto a enfermidade como a cura e que às vezes provoca doença e outras vezes propicia uma cura gradativa. Se é assim, podemos dizer que a sua afirmação de ter-se curado quando se conformou pensando "Devo aceitar com resignação a doença, se essa é a vontade de Deus" implica em admitir que você obteve a cura quando se entregou ao mumyo. Acho que, neste ponto, o senhor me apresentou um tema muito interessante para ser discutido.
Considero perfeitamente natural que ocorra a cura da doença quando a pessoa se entrega nas mãos de Deus, confiando na vontade divina, que é a expressão da perfeição suprema, bondade suprema e amor supremo; mas não me parece natural a cura como a que o senhor experienciou, ou seja, a cura que o senhor obteve quando se entregou aos "desígnios do mumyo". Dos inconstantes e arbitrários desígnios do mumyo ou seian não se pode esperar exclusivamente a cura, a felicidade, a prosperidade, e é por isso que o senhor afirma: "Se é vontade de Deus, temos de aceitar com resignação a doença e a morte - é assim que penso. No máximo, pediria a Deus: 'Se é vossa vontade, afastai de mim esse cálice'. Por enquanto não consigo ir além desta postura mental". Lendo esta afirmação, penso que o senhor não avançou nenhum passo da postura demonstrada na época em que escreveu Shuke to Sono Deshi (O Monge e Seu Discípulo), no qual fez o personagem Shinran proferir, num trecho, uma frase semelhante.
O senhor diz: "Não posso seguir seus passos". É compreensível o senhor alegar que "não tem prova de que a doença não é desígnio de Deus", pois a seu ver, a vontade que é o emissor dos desígnios seria a "vontade cega do Universo", de que falou o filósofo Schopenhauer.
Não importa o nome que o senhor atribua à força que sustenta o Universo - seian, seimumyo, daijakko ou Grande Fonte do Universo -, se a sua ideia sobre essa força corresponde à da "vontade cega do Universo" preconizada por Schopenhauer, estará admitindo a ação de uma força cega que gera consequências imprevisíveis, e, portanto, não poderá chegar à conclusão de que "doença não existe". Do mesmo modo que um cego andando pela cidade ora pode se chocar com um poste, ora pode caminhar sem topar com nenhum obstáculo, uma vida regida pela "vontade cega", pode se deparar ora com o infortúnio, ora com a felicidade. Assim, é natural que, segundo essa teoria da "vontade cega do Universo", as pessoas estejam sujeitas a "colidir com um poste" ou "cair numa valeta" uma vez ou outra. O fato de alguém obter a cura mesmo seguindo a "vontade cega do Universo" é comparável a atravessar são e salvo uma avenida, conduzido por um guia cego; podemos dizer que foi pura sorte.
Entretanto, não quero pensar que o fato de o senhor ter-se curado quando se resignou pensando "Devo aceitar a doença se essa é a vontade do céu" foi pura sorte, isto é, devido à ação da "vontade arbitrária" do seian ou seimumyo, que o favoreceu por acaso. O motivo da cura é perfeitamente explicável à luz dos ensinamentos da Seicho-No-Ie a respeito da lei mental. É o seguinte:
Somente o que é bom, como a harmonia, a perfeição, a saúde, a felicidade, os benefícios, a luz, a sabedoria, e, sobretudo, a Vida, tem existência real. O mundo fenomênico é uma projeção da imagem do mundo da Existência Verdadeira na "tela" de tempo e espaço, feita através da "lente mental". Portanto, se a "lente mental" estiver opaca ou distorcida, o mundo projetado através dela (o mundo fenomênico) terá aspecto imperfeito; nesse caso, o corpo carnal, que é uma manifestação fenomênica, deixará de ser sadio; e a situação da pessoa será de infortúnio. O senhor afirma ter-se curado de uma doença que já durava mais de dez anos quando atingiu o estado mental de "entregar-se totalmente à vontade do seian". Mas não foi pela obra da "vontade arbitrária" do seian que a cura ocorreu. Quando o senhor, não conseguindo escapar do sofrimento apesar das tentativas, percebeu que só lhe restava entregar-se à vontade de algo superior e assumiu a atitude mental de abnegação total, sua mente se sublimou e atingiu o estado de completa serenidade; então, a sua "lente mental" - através da qual o mundo fenomênico se projeta na "tela" de tempo e espaço - tornou-se límpida e sem distorção e, em consequência, o seu corpo carnal passou a apresentar maior semelhança com a Imagem Verdadeira que é perfeita. Assim, o senhor recuperou a saúde, de forma inesperada. Se o corpo carnal torna-se sadio mesmo que a pessoa se entregue à vontade do seian em vez de confiar na luz suprema, é porque as agitações da mente se amainam.
Na antiga seita Hito-no-Michi, muitas pessoas obtiveram a cura da doença quando adotaram a postura mental de obediência absoluta aos goshisnen ("sentenças divinas"), abandonando o criticismo, anulando o ego e confiando em ofurikae (transferência de problemas a orientador-mediador). Esse fato mostra que, quando a pessoa alcança o estado mental de entrega total, ou seja, assume a postura mental de receber com docilidade todas as coisas, as ondas agitadas da sua mente se amainam, o que propicia a projeção, no mundo fenomênico, do cenário harmonioso e perfeito do mundo da Existência Verdadeira que está à disposição de todos desde o princípio. Assim, ocorrem a cura da doença e o advento da felicidade.
Constatamos, pois, o profundo significado das afirmações feitas pelo fundador da seita Konko: "As graças estão à nossa disposição mesmo que não as peçamos" e "Não podemos obter as graças se não adotarmos a atitude mental de total entrega". "As graças que estão à nossa disposição mesmo que não as peçamos" são a perfeição e a harmonia do mundo da Existência Verdadeira, que nos são concebidas desde o princípio, independentemente de assumirmos ou não a atitude mental de total entrega, ou de orarmos ou não. Essas graças existem de verdade desde o princípio; são a perfeição, a harmonia, os benefícios, a felicidade e a saúde que existem no mundo da Existência Verdadeira independentemente de termos fé ou não. Mas como o mundo da Existência Verdadeira é o mundo que transcende o tempo e o espaço, a sua perfeição não está manifestada sob a forma de graças tangíveis. Para que isto aconteça, é preciso adotar a postura mental de entrega total preconizada pelo fundador da seita Konko e tornar a "lente mental" límpida e sem distorção. Quando uma pessoa passa a ter a postura mental de entrega total e amaina as agitações da mente, consegue fazer com que se manifeste no mundo fenomênico o cenário perfeito do mundo da Existência Verdadeira, independentemente da crença que lhe proporcionou a serenidade mental; por exemplo, a pessoa pode conseguir a cura da doença tendo fé em qualquer coisa, tomando pílulas de feitas de farinha de trigo pensando tratar-se de um remédio precioso, acreditando na eficácia de ofurikae, ou crendo que o mumyo é a "Grande Fonte do Universo" e dispondo-se a aceitar docilmente os desígnios do mumyo. Em suma, quando passamos a viver com a mente serena, manifesta-se no mundo fenomênico o cenário perfeito do mundo da Existência Verdadeira ("as graças que estão à nossa disposição mesmo que não as peçamos").
Prezado sr. Hyakuzo Kurata:
Recebi o seu livro Shinran Shonin, de cunho religioso, e pensei em fazer comentários sobre ele ou em apresentá-lo ao público. Mas decidi não fazê-lo porque constatei em seu livro a mesma divergência sobre o conceito de fé a que o senhor se refere ao afirmar que até certo ponto identifica-se com a minha fé, mas que a partir desse ponto discorda de mim em vários aspectos e, por essa razão, não consegue se decidir a transmitir aos outros o ensinamento da Seicho-No-Ie. Eu receava que, escrevendo um artigo citando esses pontos, poderia ser interpretado como uma crítica ao senhor, e a intenção de apresentar sua obra ao público acabaria tendo resultado negativo, o que seria lastimável. Entretanto, ao ler sua carta, compreendi melhor a sua postura mental no tocante à fé. Considerando que o senhor mesmo disse: "Não me importo nem um pouco que esta carta seja publicada. As questões que levantei são questões muito importantes do ponto de vista religioso, e as minhas considerações talvez contribuam para desfazer o equívoco e as críticas da sociedade quanto à forma de divulgação e ao modo de realizar curas", e considerando que também devem existir pessoas que estão no nível de fé semelhante ao seu e outras que têm dúvidas iguais às suas no que concernem à Verdade que a Seicho-No-Ie prega, decidi enumerar os pontos divergentes de nossas opiniões, mencionados em sua carta, esperando que os meus comentários a respeito sejam úteis para quem busca o caminho da verdadeira fé. Mesmo porque, conforme sua afirmação, os pontos divergentes de nossas opiniões constituem uma questão bastante grave no âmbito da religião, e eu penso que nessas diferenças está a razão pela qual a fé por nós preconizada realiza milagres no cotidiano, enquanto religiões tradicionais como o budismo e o cristianismo raramente operam milagres no dia a dia.
O senhor é uma pessoa que realmente vivenciou a cura divina. Na carta, afirma: "Considero-me uma testemunha viva da ação do espírito sobre o corpo, pois consegui curar-me de uma doença com a força espiritual - proveniente principalmente do despertar alcançado através da religião". Mas, em seguida, diz: "No entanto, ainda não consigo acreditar realmente que 'retornar à original união com a Grande Fonte do Universo' garantirá a cura de doença, melhora do destino, felicidade e prosperidade", e tece a seguinte consideração: "De fato, uma vida em conformidade com a Grande Fonte do Universo é uma vida de luz. Contudo, essa luz não é aquela em oposição à treva, mas sim uma claridade difusa que está além da luz e treva, e que no budismo se diz jakkô. Por isso, há quem prefira usar a expressão seian ('treva sagrada'), em vez do termo jakkô - uma luz difusa que pode ser descrita como claridade suave ou penumbra".
Não sei exatamente o que o senhor quer dizer com a expressão "Grande Fonte do Universo", usada nessa parte de sua teoria; talvez esteja se referindo ao Criador, do ponto de vista do cristianismo; ao "vazio original" da filosofia budista, ou ao mundo Sumikiri - mundo absoluto anterior ao surgimento dos fenômenos do universo -, de que fala o xintoísmo ortodoxo. Suponho que, segundo o seu conceito, a "Grande Fonte" seja algo comparável a raios solares originalmente "incolores", que no arco-íris estão decompostos em raios de sete cores. Os "raios incolores" do Sol corresponderiam ao Ser Absoluto, e os raios decompostos, aos fenômenos manifestados neste mundo. Pensando desse modo, posso entender a sua ideia de que na "Grande Fonte do Universo" estão abrangidos todos os fenômenos, inclusive doenças, infortúnios e calamidades. Se o senhor pensa que todos os fenômenos do mundo fenomênico, tanto as doenças, os infortúnios e as calamidades como a saúde, a felicidade e outros benefícios estão abrangidos na Grande Fonte, da mesma forma que as cores do arco-íris estão abrangidas nos raios solares "incolores" (que corresponderiam ao grande jakkô), é natural que tenha chegado à seguinte conclusão: "Vendo ocorrer doenças, infortúnios e calamidades neste mundo, deduzo que tudo isso esteja no grande jakkô, mas não consigo deduzir o contrário, ou seja, que do mundo do jakkô só podem vir coisas positivas como cura de doenças, felicidade e benefícios. Não posso saber se o Universo abrange por natureza a saúde, a felicidade e os benefícios. Quando adoeço, penso que isso é consequência do 'adoecimento' do Universo - diria, até, que é proveniente de Deus. Então, como posso ter a certeza de obter a cura?"
Prosseguindo a leitura da carta, percebi que sua ideia de "Grande Fonte do Universo" é bastante parecida com o conceito de "vontade cega do Universo" preconizado por Schopenhauer. Não pude deixar de me lembrar de um trecho da coletânea de pensamentos Seichi (Reflexões) que o senhor publicou há mais de dez anos, no qual expressa a sua visão de mundo com as seguintes palavras: "Penso que este mundo segue a sua trajetória abrangendo em si o 'incêndio' e a 'festa das flores', mas que vai dominando gradativamente o 'incêndio' e fazendo predominar cada vez mais a 'festa das flores'". Lembrando-me dessas palavras, concluí que o senhor vê como Grande Fonte do Universo a força incompleta que, "abrangendo o 'incêndio' e a 'festa das flores' e lutando contra essa incoerência, vai se ampliando e intensificando. Sob esse prisma, talvez a "Grande Fonte do Universo" seja a "treva sagrada", como disse alguém. Por outro lado, já que é um mundo que transcende a matéria, talvez seja o "vazio original". Mas se o ser que rege nossa vida fosse alguém imperfeito que fizesse surgir várias tragédias da "treva sagrada" ou gerasse diversos infortúnios do "vazio original", e se afligisse, sofresse e lutasse junto com o homem carnal, então ele seria um ente destituído de sabedoria e não mereceria ser chamado de Deus.Da frase: "Quando adoeço, penso que é consequência do 'adoecimento' do Universo", constante na sua carta, depreendo que, no seu entender, quem cria um corpo doente e o mantém é uma força proveniente da Grande Fonte do Universo. Se a Fonte do Universo fosse uma força que nos traz infortúnios, não se poderia chamá-la Deus, e sim Mumyo (Ausência de Luz, ilusão). Dizer que é essa a força motriz que sustenta a existência deste mundo é confirmar a teoria budista dobre mumyo-engi ("Tudo surge a partir da ilusão primordial do mundo") e negar a teoria cristã sobre a criação do Universo por Deus.
Tentando provar a sua teoria de que na Fonte do Universo estão abrangidas até mesmo doenças e, portanto, elas não são consequências das ilusões das pessoas, o senhor diz: "Essa ideia de fatalidade me ocorre principalmente quando se trata de adoecimento de animais. Creio que eles vivem conforme a vontade de Deus; então, por que adoecem?". O senhor não estaria se baseando numa observação equivocada ao questionar isso? É sabido que as aves e os animais, enquanto vivem de modo natural em seu habitat, não adoecem. Mas tornam-se vulneráveis a doenças quando são domesticados e passam a viver em contato com o ambiente humano. Os pardais procriam duas vezes por ano, na primavera e no outono; devido à rápida multiplicação, com certeza existe uma enorme população desses pássaros. Se eles fossem vulneráveis a doenças, o número de mortes seria elevadíssimo, e veríamos pardais mortos em toda parte. Porém, esses pássaros não morrem prematuramente, a não ser quando são vítimas de meninos malvados que atiram neles com espingarda de pressão ou quando sofrem algum acidente. Os animais e as aves só morrem prematuramente quando são domesticados e passam a conviver com o ser humano. Não nos leva este fato à conclusão de que eles só se tornam vulneráveis a doenças quando entram em contato com as emanações da mente ilusória do ser humano?
Existem casos que comprovam que animais domésticos doentes curam-se quando alguém lhes dirige vibrações positivas. Isto nos leva a inferir que o adoecimento de animais não é algo que ocorre longe dos humanos, que é o principal de todos os seres viventes. Talvez o senhor questione se havia ou não doenças no mundo animal, anteriormente ao surgimento da existência do homem na Terra. Como não existe nenhuma prova seja para afirmar, seja para negar, acho que não vale a pena discutir o assunto com base na imaginação. Limito-me a opinar que, anteriormente ao aparecimento do homem na Terra, os animais devem ter tido destinos condizentes com a mente deles, muitos como vítimas de erupções vulcânicas e outros cataclismos.
O sr. Yaomura, gerente da empresa Han-wa Dentetsu, contou-me que a esposa dele conseguiu curar, por meio da Meditação Shinsokan, o seu cachorro que estava com o corpo coberto de sarna e em estado de fraqueza extrema. O animal sarou quando a sra. Yaomura passou a mentalizar a natureza búdica do cachorro. A pergunta "Existe natureza búdica ou não?" é um koan (questão para meditação) do budismo zen. Já que o cachorro do casal Yaomura ficou curado quando recebeu a mentalização positiva que dissipou a nuvem de ilusão que encobria a sua natureza búdica, penso que a manifestação da natureza búdica só pode resultar na cura de doenças, na felicidade, em tudo o que é bom. (...) (o restante foi suprimido) (Existem vários outros casos verídicos, mas as pessoas envolvidas me pediram para não citá-los, alegando que o ponto de vista segundo o qual o estado de saúde dos animais depende da energia espiritual emanada do ser humano poderá trazer consequências danosas. Por isso, abstive-me de mencionar esses casos verídicos, apesar do receio de que a não-citação deles poderá fazer com que o meu ponto de vista seja considerado uma teoria vazia ou argumento vazio.)
Existem fatos comprovando que os animais mantêm-se sadios quando recebem do ser humano vibrações mentais positivas e adoecem quando recebe vibrações mentais negativas. Diante disso, não posso deixar de pensar que a doença dos animais estão abrangidas na Grande Fonte do Universo, mas se originam da mente do ser humano. O seian ("treva sagrada"), que na sua interpretação abrange doenças e infortúnios, seria a própria mente humana, e não a Grande Fonte do Universo ou o próprio Deus. Obviamente, na mente humana encontram-se não apenas as causas das doenças, dos infortúnios e da degradação, como também as da saúde, da felicidade e da prosperidade, o que pode ser comprovado pelo fato de que, quando uma pessoa pratica a Meditação Shinsokan, lê a Chuva de Néctar da Verdade e passa a exteriorizar a luz que existe em seu interior, consegue proporcionar saúde e felicidade não somente às pessoas à sua volta, como também aos animais domésticos. Podemos, pois, chamar a mente humana de seian, que abrange simultaneamente coisas ruins como doenças, infortúnios, degradação e coisas boas como saúde, felicidade, prosperidade, e que está evoluindo pouco a pouco, dominando o que é ruim e desenvolvendo o que é bom.
Acho que podemos substituir o termo seian por um outro, seimumyo (sei = "sagrada" + mumyo = expressão do budismo, que significa "ilusão", "ausência de luz"). E considerando que o prefixo sei ("sagrada") não se aplica a algo que abrange coisas maléficas como doenças, infortúnios e degradação, creio que convém dizer simplesmente mumyo. Sob este prisma, pode-se concluir que o senhor, apesar de usar as expressões "Grande Fonte do Universo" e "Deus", que evocam o Criador, na verdade pensa que aforça motriz do Universo seja o mumyo (que corresponde à "vontade cega do Universo", teoria de Schopenhauer).
Creio ser natural que o senhor, com essa postura mental, afirme: "Entendo que é preciso viver conforme a vontade de Deus, mas não consigo acreditar que, procedendo desse modo, ocorra realmente a cura da doença". O senhor fala em "viver conforme a vontade de Deus", mas o que o senhor quer dizer, na verdade, é "viver conforme o mumyo". Eu também não acredito que "vivendo conforme o mumyo, ocorra realmente a cura da doença". O senhor diz: "Consigo aceitar a crença de que, dependendo da vontade de Deus, pode-se obter a cura ou não." A meu ver, o que o senhor quer dizer é: "A ocorrência ou não da cura depende do mumyo".
O senhor afirma que sarou quando deixou de buscar ansiosamente a cura e se resignou, pensando: "Devo aceitar com resignação a doença, se essa é a vontade de Deus". Parece que o senhor chama de "vontade de Deus" o seimumyo, que abrange tanto a enfermidade como a cura e que às vezes provoca doença e outras vezes propicia uma cura gradativa. Se é assim, podemos dizer que a sua afirmação de ter-se curado quando se conformou pensando "Devo aceitar com resignação a doença, se essa é a vontade de Deus" implica em admitir que você obteve a cura quando se entregou ao mumyo. Acho que, neste ponto, o senhor me apresentou um tema muito interessante para ser discutido.
Considero perfeitamente natural que ocorra a cura da doença quando a pessoa se entrega nas mãos de Deus, confiando na vontade divina, que é a expressão da perfeição suprema, bondade suprema e amor supremo; mas não me parece natural a cura como a que o senhor experienciou, ou seja, a cura que o senhor obteve quando se entregou aos "desígnios do mumyo". Dos inconstantes e arbitrários desígnios do mumyo ou seian não se pode esperar exclusivamente a cura, a felicidade, a prosperidade, e é por isso que o senhor afirma: "Se é vontade de Deus, temos de aceitar com resignação a doença e a morte - é assim que penso. No máximo, pediria a Deus: 'Se é vossa vontade, afastai de mim esse cálice'. Por enquanto não consigo ir além desta postura mental". Lendo esta afirmação, penso que o senhor não avançou nenhum passo da postura demonstrada na época em que escreveu Shuke to Sono Deshi (O Monge e Seu Discípulo), no qual fez o personagem Shinran proferir, num trecho, uma frase semelhante.
O senhor diz: "Não posso seguir seus passos". É compreensível o senhor alegar que "não tem prova de que a doença não é desígnio de Deus", pois a seu ver, a vontade que é o emissor dos desígnios seria a "vontade cega do Universo", de que falou o filósofo Schopenhauer.
Não importa o nome que o senhor atribua à força que sustenta o Universo - seian, seimumyo, daijakko ou Grande Fonte do Universo -, se a sua ideia sobre essa força corresponde à da "vontade cega do Universo" preconizada por Schopenhauer, estará admitindo a ação de uma força cega que gera consequências imprevisíveis, e, portanto, não poderá chegar à conclusão de que "doença não existe". Do mesmo modo que um cego andando pela cidade ora pode se chocar com um poste, ora pode caminhar sem topar com nenhum obstáculo, uma vida regida pela "vontade cega", pode se deparar ora com o infortúnio, ora com a felicidade. Assim, é natural que, segundo essa teoria da "vontade cega do Universo", as pessoas estejam sujeitas a "colidir com um poste" ou "cair numa valeta" uma vez ou outra. O fato de alguém obter a cura mesmo seguindo a "vontade cega do Universo" é comparável a atravessar são e salvo uma avenida, conduzido por um guia cego; podemos dizer que foi pura sorte.
Entretanto, não quero pensar que o fato de o senhor ter-se curado quando se resignou pensando "Devo aceitar a doença se essa é a vontade do céu" foi pura sorte, isto é, devido à ação da "vontade arbitrária" do seian ou seimumyo, que o favoreceu por acaso. O motivo da cura é perfeitamente explicável à luz dos ensinamentos da Seicho-No-Ie a respeito da lei mental. É o seguinte:
Somente o que é bom, como a harmonia, a perfeição, a saúde, a felicidade, os benefícios, a luz, a sabedoria, e, sobretudo, a Vida, tem existência real. O mundo fenomênico é uma projeção da imagem do mundo da Existência Verdadeira na "tela" de tempo e espaço, feita através da "lente mental". Portanto, se a "lente mental" estiver opaca ou distorcida, o mundo projetado através dela (o mundo fenomênico) terá aspecto imperfeito; nesse caso, o corpo carnal, que é uma manifestação fenomênica, deixará de ser sadio; e a situação da pessoa será de infortúnio. O senhor afirma ter-se curado de uma doença que já durava mais de dez anos quando atingiu o estado mental de "entregar-se totalmente à vontade do seian". Mas não foi pela obra da "vontade arbitrária" do seian que a cura ocorreu. Quando o senhor, não conseguindo escapar do sofrimento apesar das tentativas, percebeu que só lhe restava entregar-se à vontade de algo superior e assumiu a atitude mental de abnegação total, sua mente se sublimou e atingiu o estado de completa serenidade; então, a sua "lente mental" - através da qual o mundo fenomênico se projeta na "tela" de tempo e espaço - tornou-se límpida e sem distorção e, em consequência, o seu corpo carnal passou a apresentar maior semelhança com a Imagem Verdadeira que é perfeita. Assim, o senhor recuperou a saúde, de forma inesperada. Se o corpo carnal torna-se sadio mesmo que a pessoa se entregue à vontade do seian em vez de confiar na luz suprema, é porque as agitações da mente se amainam.
Na antiga seita Hito-no-Michi, muitas pessoas obtiveram a cura da doença quando adotaram a postura mental de obediência absoluta aos goshisnen ("sentenças divinas"), abandonando o criticismo, anulando o ego e confiando em ofurikae (transferência de problemas a orientador-mediador). Esse fato mostra que, quando a pessoa alcança o estado mental de entrega total, ou seja, assume a postura mental de receber com docilidade todas as coisas, as ondas agitadas da sua mente se amainam, o que propicia a projeção, no mundo fenomênico, do cenário harmonioso e perfeito do mundo da Existência Verdadeira que está à disposição de todos desde o princípio. Assim, ocorrem a cura da doença e o advento da felicidade.
Constatamos, pois, o profundo significado das afirmações feitas pelo fundador da seita Konko: "As graças estão à nossa disposição mesmo que não as peçamos" e "Não podemos obter as graças se não adotarmos a atitude mental de total entrega". "As graças que estão à nossa disposição mesmo que não as peçamos" são a perfeição e a harmonia do mundo da Existência Verdadeira, que nos são concebidas desde o princípio, independentemente de assumirmos ou não a atitude mental de total entrega, ou de orarmos ou não. Essas graças existem de verdade desde o princípio; são a perfeição, a harmonia, os benefícios, a felicidade e a saúde que existem no mundo da Existência Verdadeira independentemente de termos fé ou não. Mas como o mundo da Existência Verdadeira é o mundo que transcende o tempo e o espaço, a sua perfeição não está manifestada sob a forma de graças tangíveis. Para que isto aconteça, é preciso adotar a postura mental de entrega total preconizada pelo fundador da seita Konko e tornar a "lente mental" límpida e sem distorção. Quando uma pessoa passa a ter a postura mental de entrega total e amaina as agitações da mente, consegue fazer com que se manifeste no mundo fenomênico o cenário perfeito do mundo da Existência Verdadeira, independentemente da crença que lhe proporcionou a serenidade mental; por exemplo, a pessoa pode conseguir a cura da doença tendo fé em qualquer coisa, tomando pílulas de feitas de farinha de trigo pensando tratar-se de um remédio precioso, acreditando na eficácia de ofurikae, ou crendo que o mumyo é a "Grande Fonte do Universo" e dispondo-se a aceitar docilmente os desígnios do mumyo. Em suma, quando passamos a viver com a mente serena, manifesta-se no mundo fenomênico o cenário perfeito do mundo da Existência Verdadeira ("as graças que estão à nossa disposição mesmo que não as peçamos").
Cont...
(Do livro "A Verdade da Vida, vol. 39", pgs. 59-78)
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