terça-feira, janeiro 07, 2020

A Verdade da Budificação do Homem - 7/7

- Masaharu Taniguchi -


Entretanto, compreender que "eu, assim mesmo, sou Buda" é compreender a essência da liberdade absoluta; e, se transmitirmos isso a quem não está preparado, este poderá abusar dessa liberdade em seu estágio intermediário de aprimoramento. É por isso que as práticas secretas do esoterismo não são transmitidas facilmente a qualquer um, e recomenda-se que o interessado as aprenda diretamente dos mestres do esoterismo. Quanto à prática da Meditação Shinsokan da Seicho-No-Ie, quem a aprende e pratica, no começo consegue concretizar tudo o que deseja, e, então, certas pessoas passam a se aproveitar dela para satisfazer seus desejos egoísticos. Tais pessoas logo perdem o poder de suas práticas e caem em desgraça. Por isso, o esoterismo Shingon não ensina facilmente o seu segredo a pessoas comuns.

Pensando bem, o esoterismo constitui coração de Vairocana e cérebro de Shukôngo-Himitsushu. Se você o transmitir aos que não estão preparados, estará cometendo pecado de sangrar o corpo do senhor do esoterismo. A respeito disso, Vairocana disse outrora a Himitsushu: "Não deves transmitir a quem não esteja preparado. Se o fizeres, estará comentendo o pecado de sangrar o corpo de Buda". E Himitsushu disse a Nargajuna: "Respeitosamente digo que Buda Vairocana prega o esoterismo pelo bem da humanidade. Todos os seres vivos recebem a sua graça. Entretanto, essa Verdade é como a parábola do nyoi-hôju. Ouvimos falar em nyoi-hôju, mas ele não se mostra. Porém, ele origina mil e um tesouros e beneficia todos os seres. Ele está oculto no Ryugu (palácio do dragão), no fígado do rei dos dragões, mas não se mostra. Assim também é o ensinamento mais precioso do esoterismo. Por isso, julgando-te bom conhecedor da Verdade, não transmitas levianamente o segredo do esoterismo aos que não estejam preparados. Se encontrares alguém com excelente dom para o despertar, transmite-lhe apenas os ensinamentos notáveis e observa-lhe a evolução espiritual. Após isso, transmite-lhe uma parte da grande Verdade esotérica." (da obra póstuma de Kobo-Daishi)

Pelo que acabamos de ver, não posso escrever claramente sobre os métodos secretos do esoterismo Shingon, mesmo porque eu próprio não os aprendi diretamente de um ajari (mestre habilitado para transmitir o esoterismo).

Mas será que o esoterismo é algo tão difícil de entender? Aprendê-lo formalmente é muito complicado, pois é necessário estudar a forma de entrelaçar os dedos das mãos, o modo de recitar o mantra, o modo de purificar o corpo, o modo de queimar o incenso, etc. Isso não é possível ser descrito em palavras. Não há outro meio senão aprender diretamente de um ajari e, mesmo que alguém pretenda aprendê-lo, não o ensinam para quem não tem dom para isso. Porém, não será difícil se o tentarmos pela introspecção, pois "o coração de Buda Vairocana e o cérebro de Shukôngo Himitshushu" estão dentro de nós mesmos. Se Buda Vairocana está dentro de nós, a sua Imagem Verdadeira também está dentro de nós, assim como o seu espírito do despertar, obviamente. A questão é "Como manifestar isso?". Será que isso consiste em formalidades físicas e rituais complicados?

Como já disse anteriormente, a budificação do homem não consiste em ele tornar-se Buda no futuro. O homem já é Buda, e o que já é Buda torna-se realidade por meio de contemplação (visualização) e mentalização. Todas as formalidades, os cerimoniais e rituais não passam de meios para ajustar a visão e a mentalização. Não são os cerimoniais e os rituais que levam à budificação. A Imagem Verdadeira do homem já é Buda desde o princípio. Mas, se a nossa mente for perturbada pela interferência de pensamentos mundanos e ilusórios, não poderemos enxergar a Imagem Verdadeira perfeita, harmônica e pura, muito menos manifestá-la nas atividades do dia a dia. Então, precisamos recorrer a algum meio para afastar essas interferências de pensamentos ilusórios. Esse meio consiste nas diversas práticas secretas do budismo Shingon.

Não são os meios ou as práticas em si que promovem a budificação; aquele que já é Buda é que se manifesta quando, por meio dessas práticas, se eliminam as impurezas que o encobrem. Se não houvesse outro modo para eliminar essa cobertura a não ser pela orientação direta de um ajari, não haveria salvação (manifestação de Buda – Imagem Verdadeira) para os que não têm chance de aprender as práticas secretas diretamente de algum ajari. Assim, a grande maioria das pessoas não poderia ser salva. Será que isso é vontade de Buda-Vairocana? Devo responder que não é. Se o homem não pode ser salvo a não ser submetendo-se a tais rituais complicados, a maioria das pessoas comuns não terá meio de salvação.

Surgiu, então, um grande mestre chamado Shinran (fundador da seita Shin, uma ramificação do budismo) para resolver essa situação. Ele pregou que basta recitar "Namu Amida-Butsu" para ser salvo. Assim, ele inventou uma religião que elimina, por um método tão simples, a ideia ilusória que diz "não posso ser salvo". Referindo-se a difíceis práticas e rituais preconizados pelo budismo de até então, ele os qualificou como "práticas e rituais inúteis" ou "caminho difícil de entender e seguir". Considerando-os como práticas inadequadas a pessoas comuns, ele abriu um outro caminho, o caminho de fácil prática.

Naturalmente, o ensinamento de Shinran não diz que a recitação "Namu Amida-Butsu" seja para eliminar a atuação de pensamentos ilusórios. Diz que o homem é salvo pelo infinito poder de Buda, por maior que seja a interferência dos pensamentos ilusórios. Isso é semelhante à sugestão inversa aplicada no hipnotismo. Quando o hipnotizador sugestiona o paciente dizendo "Afaste as preocupações e se concentre para poder entrar em estado de hipnose", o paciente pode pensar "Como afastar as preocupações? Como vou conseguir me concentrar? Será que vou conseguir entrar em transe?", e essas preocupações agitam a mente e impedem a hipnotização. Nesses casos, o hipnotizador diz "Pode se preocupar o quanto quiser. Quanto mais você ficar preocupado, torna-se mais suscetível à sugestão. Quanto mais você resistir, mais facilmente será hipnotizado. Quanto mais se agitar a sua mente, mais aumenta o meu poder de adormecê-lo. Viu, você ficou com sono!" (um exemplo de método para hipnotizar os resistentes).

Sugestionando desse modo, desaparece da mente do paciente a preocupação de afastar a preocupação, a mente se concentra, e o paciente entra rapidamente em transe. Da mesma forma, eliminando a ideia "não posso ser salvo" com a sugestão "Vairocana tem um poder tão grande que nem dá pra imaginar (igual à sugestão: 'O hipnotizador tem infinito poder de hipnotizar'); você será salvo, mesmo que tenha muitos pecados, mesmo que esteja perturbado por muitos pensamentos ilusórios (equivalente à seguinte sugestão do hipnotizador: 'Por mais que você tenha preocupações, não importa, pois vai ficar com sono'); se até os bons vão para o céu, com muito mais razão os maus (semelhante à sugestão hipnótica: 'Quanto mais preocupações tiver, mais facilmente entrará em transe'). Desta forma, a salvação pela força alheia pregada pela Shinsu consiste em budificar o homem eliminando a ideia ilusória que diz "não posso ser salvo". Por que o homem se realiza como Buda quando se elimina a ideia de que "não pode ser salvo"? É porque ele é originariamente Buda.

"Toda a humanidade é satva (bodhi) por toda a vida, mas, por estar dominada por avareza, ira e ignorância, os misericordiosos budas pregam sabiamente a concentração mental altamente secreta, ensinando os praticantes a visualizar e contemplar com sua mente o Sol ou a Lua. (...) Todas as pessoas encerram dentro de si a mente do Fugen-bosatsu." (trecho já citado: Hotsu-bodai-shin-ron, de autoria de Nargajuna)

A obra Ichigodaiyô-Himitsushu, de autoria de Kobo Saishi, também diz:

Todos os seres que possuem mente são dotados de cento e oito sabedoria dos cinco sábios, que são Dainichi-Nyorai, Ashuku-Nyorai, Hôsho-Nyorai, Mida-Nyorai e Fuku-Nyorai, e também de uma infinidade de budas sábios e budas racionais, e, portanto, não existe nenhum ser humano que não se realize como Buda; deves conduzi-los todos ao despertar.

A sutra Kan-fugen-busatsu-gyohô-kyô, que é uma das três partes que compõem a Sutra do Lótus, ensina a contemplar (visualizar) Fugen-bosatsu, e o esoterismo Shingon ensina a visualizar a lua cheia e contemplar a letra A (अ) dentro da lua cheia. Cada religião tem o seu ritual secreto que é transmitido diretamente do mestre para o discípulo, mas "todas as pessoas encerram dentro de si a mente de Fugen-bosatsu" e "toda a humanidade é Buda realizado na sua Imagem Verdadeira. E a Imagem Verdadeira, que é existência verdadeira, é mais poderosa do que qualquer força da falsa aparência (a nuvem, por mais poderosa que seja, não pode apagar a Lua; apenas a encobre). Basta então, acalmar a mente presa à falsa aparência, que aparecerá a perfeita e harmoniosa Imagem Verdadeira.

Mentalizar simplesmente o mantra "Namu Amida-Butsu" é um método para eliminar a mente que se prende à falsa imagem; visualizar a imagem de Fugen-bosatsu para serenar a mente e contemplar a mente de Fugen que existe dentro de nós é também uma forma; outra forma é aquela do esoterismo Shingon, que consiste em representar externamente a imagem de Buda por meio de zaho (postura específica com que se senta) e inkei (entrelaçamento de dedos das mãos - carma corporal), recitando Shingon (palavras de Buda - carma verbal), e, ainda, visualizando a lua cheia, contemplar a letra A (अ) que se mostra dentro do círculo lunar (carma mental). Além disso, existem complicados rituais e mantras praticados por ascetas esotéricos, tais como dharani (um tipo de mantra), kiai (emissão de voz), gomá (queima de incenso) e diversas práticas tão difíceis que pessoas comuns não conseguem praticar e nem dá pra descrever.

Porém, partindo do princípio básico de que o homem "já é Buda realizado" e "bodhi por toda a vida", acredito que pronunciar simplesmente "Namu Amida-Butsu" ou praticar o Shikan-taza (praticar concentradamente a meditação zen) ou contemplar Fugen-bosatsu, ou ainda praticar os rituais do esoterismo Shingon, todos eles são bons meios para eliminar "avareza e ignorância" (tipos de pensamento ilusório) e permitir a manifestação do estado natural (Imagem Verdadeira).

Bem, diante do que foi exposto até aqui, podemos compreender que o caminho para tornar o homem Buda também no mundo fenomênico, que já é Buda na sua Imagem Verdadeira, basta que seu estado mental se torne natural. Porém, se o tentarmos por meios formais e externos, será muito difícil e complicado, pois cada religião tem o seu método peculiar, esconde-o dizendo que é secreto, que somente pessoas com dom especial conseguem aprendê-lo, ou que não pode transmitir o seu segredo a não ser para quem faça um donativo vultoso. Desse modo, é muito difícil que todas as pessoas sejam salvas. Uma religião democrática precisa se tornar mais universal. Se o zen é praticado por quaisquer pessoas e se o "Namu Amida-Butsu" é recitado por quaisquer pessoas, é porque são simples. Acredito que, compreendendo o princípio básico, qualquer pessoa poderá aprender mais facilmente as praticas secretas do esoterismo Shingon e alcançar a salvação.

A seguir, vou extrair da Ichigo-daiyô-himitsushu, de autoria do mestre Kobo, a explicação da letra अ (A, em sânscrito) e expor o método para contemplar o círculo lunar e, com a mente serenada, conscientizar a Mente da Imagem Verdadeira, perfeita e pura.

Pergunta: Como é o método para contemplar isso corretamente?

Resposta: Desenhe a letra अ ou a Lua. Pinte-a de branco-pérola, de modo a torna-la sublime e bela, e afixe-a num lugar limpo. Sente-se diante dela, a uma distância de 4 pés (aproximadamente 122cm). Ao abrir os olhos, olhe-a gradualmente de baixo para cima. Ao fechar os olhos, olhe-a gradualmente de cima para baixo. Olhe-a e contemple-a acompanhando a respiração. Inspirando lentamente, vá abrindo os olhos, vendo a imagem da lua cheia de baixo para cima. Expirando lentamente, veja a imagem de cima para baixo. Controlando a respiração e serenando a mente, repita isso várias vezes, para entrar no estado de concentração. No início, essa prática pode ser difícil, mas, com o passar dos dias, ela se torna fácil. Mesmo com os olhos fechados e sem olhar para a imagem, esta passa aparecer na visão mental. Se isso acontecer, não olhe mais para a gravura. Serene a mente apenas por meio da sensação dos olhos cerrados.

É simplesmente isso. A explicação é longa, mas a prática é simples. Desenha-se uma lua cheia de uns 60 centímetros de diâmetro, pairando acima de uma flor de lótus, e contempla-se essa imagem. Quanto a mim, como não tenho disposição para desenhar uma lua cheia, tomo a postura de Meditação Shinsokan, com os olhos fechados e mãos postas, e, por trás das pálpebras, visualizo uma flor de lótus branca e, acima dela, pairando uma lua cheia de uma 60 centímetros de diâmetro. Fito-a, vejo-a, se aproximar de mim lentamente até envolver todo o meu ser, visualizo a aura emanada do meu ser como uma lua cheia límpida e, quando sinto que minha mente está praticamente concentrada, pronuncio ou mentalizo "A minha aura é como a lua cheia límpida e, a minha imagem é a de lua cheia límpida". Dessa forma, dissolvo-me na imagem em que estou identificado com a lua cheia límpida e serena.

Quando, assim, entro em estado de concentração mental, visualizo em forma de letra अ (A, em sânscrito) o meu corpo assentado dentro da luz cheia. Este método é conforme a explicação da contemplação da letra अ feita pelo mestre Kobo: "Na flor de lótus branca com oito pétalas de cinquenta centímetros, a letra अ emite claramente a luz de cor branca". Em seguida, mentalizo: "A letra अ é o corpo espiritual de Buda Grande Sol". E finalizo mentalizando e visualizando "Sou a letra अ, sou o corpo espiritual de Buda Grande Sol: a aura serena da lua cheia me envolve; assim como a lua cheia é perfeita, eu também sou perfeito, sou dotado de todas as virtudes, sou plenificado da sabedoria de Buda".

A contemplação da letra अ praticada na Seicho-No-Ie pode ser um tanto diferente do método secreto do esoterismo Shingon, mas será suficiente se a praticarmos com base na Verdade de que a Imagem Verdadeira do homem é Buda realizado. Se nos prendermos a um método complicado, nossa mente ficará apenas confusa. O importante é praticá-la todos os dias e acumular experiência. Algumas pessoas podem duvidar que se possa alcançar o despertar com meditação contemplativa como essa, mas o mestre Kobo, na sua obra retro criada, responde à pergunta "Que devo contemplar para alcançar o despertar?"

Resposta: Se deseja alcançar o supremo despertar (despertar de Buda), contemple com profunda fé o corpo espiritual de Buda.

Contemplar a letra अ é contemplar o corpo espiritual de Buda. Contemplar (ver) é manifestar, é o fato de a mente se transformar naquilo que está contemplando.

Pergunta: Quem treina a concentração mental levará quanto tempo para alcançar o despertar?
Resposta: Se treinar continuamente, conseguirá resultados materiais em menos de doze anos, e obterá também resultado imateriais em seguida.
Pergunta: Conseguirei realizar-me como Buda somente com essa contemplação?
Resposta: sim, somente com essa contemplação, e não precisará de mais nenhum outro tipo de treinamento. Até preguiçosos e menos dotados conseguirão alcançar o paraíso. Os esforçados e mais dotados conseguirão a budificação do corpo e resultados maravilhosos.

Como vimos, o mestre Kobo afirma categoricamente que por esse método se consegue a budificação, sem sombra de dúvida. Porém, diante da necessidade dessa prática por doze anos, o leitor poderá pensar que os jovens tem tempo pra isso e duvidará que os idosos moribundos alcancem a budificação.

Mas o leitor pode ficar tranquilo, pois já é Buda realizado. A ilusão, que é falsa existência, parece existir, mas não existe verdadeiramente, e não é possível levar doze anos para eliminar o que não existe. Mentalize agora, já, o seguinte: "Eu sou a letra , sou o corpo espiritual de Buda Vairocana; a serena aura de lua cheia me envolve. Assim como a Lua é perfeita e harmônica, minha mente é perfeita, é dotada de todas as virtudes e da suprema sabedoria de Buda" – e contemple essa imagem (contemplação da perfeição da luz mental). Nesse momento, você já está realizado como Buda. Isso porque o tempo não existe na Imagem Verdadeira.

Do livro: "A Verdade da Vida, vol. 39", pp. 225-237

sexta-feira, janeiro 03, 2020

A Verdade da Budificação do Homem - 6/7

- Masaharu Taniguchi -


Então, o que fazer, na prática, para o homem se realizar como Buda assim mesmo como é? Como já disse várias vezes, se não se manifesta a Imagem Verdadeira na qual o homem já é Buda, é porque ele não a visualiza, não a mentaliza. Ver (visualizar) é manifestar. Mentalizar é criar forma. Mesmo que, na realidade, o indivíduo esteja dormindo num colchão de ouro, se a sua mente, não vê essa realidade e, sonhando pensa que é um mendigo maltrapilho perambulando pelas ruas, só poderá experienciar a vida de mendigo maltrapilho durante o sonho.

Se nós, seres humanos, perambulamos na vida como seres carnais sujeitos à pobreza, à doença, à velhice e à morte, é porque perambulamos em ilusão no sonho chamado cinco sentidos. Mas, quando despertamos do sonho e vemos o nosso corpo da Imagem Verdadeira, percebemos que este corpo, neste mesmo estado, é Buda Vairocana, é bodisatva Fugen.

Por isso, o mestre Kobo cita o seguinte trecho da Sutra do Grande Sol:

Se desejas nesta vida entrar no siddhi, mentaliza-o conforme sua adequação. Recebendo o ensinamento diretamente do venerável, observando-o e adequando-te a ele, conseguirás realiza-lo.

Citando esse trecho em sua obra Sokushin Jôbutsu-gi, o mestre Kobo prega a necessidade da mentalização e da visualização. Ele diz que o siddhi se realizará se a visualização e a mentalização forem adequadas à Imagem Verdadeira. Siddhi é um termo sânscrito e significa "realização sumamente maravilhosa". Para realizar o Buda Original, que é a Imagem Verdadeira sumamente maravilhosa, são necessárias mentalização e visualização (contemplação). A Sutra do Grande Sol fala em "entrar no siddhi e realiza-lo", mas nela não existe a expressão "realização deste corpo como Buda assim mesmo como é". Esta expressão aparece somente na obra Bodaishin-ron, do bodisatva Nagarjuna.

Bodaishin-ron, do bodisatva Nagarjuna, prega que este corpo se realiza como Buda somente dentro da lei do mantra, e por isso recomenda a lei da concentração mental. Isso não está escrito em nenhuma outra sutra (Sokushin-Jôbutsu-gi)

Então, como é a "budificação do corpo assim mesmo como é" pregada pelo esoterismo Shingon? Normalmente, pensa-se que este corpo carnal se torna Buda. Mas, como é possível o homem se tornar Buda? A única resposta é o fato de que o homem é Buda na sua essência. Budificação não é o fato de o homem se tornar Buda de agora em diante; ele já é Buda. A budificação já consumada se manifesta por meio da visualização (contemplação) e da mentalização.

Tradicionalmente, existem três versões para o significado da budificação do homem, a saber:

1ª – "O corpo já é Buda, assim mesmo como é";
2ª – "O homem se torna Buda juntamente com o corpo"; e
3ª – "O corpo se torna buda prontamente".

Certas pessoas acreditam que este corpo fenomênico se torna Buda e se espiritualiza, sem deixar o seu cadáver, tal como Jesus ou o profeta Elias, manifestando imediatamente poder sobrenatural igual ao de Buda. É dito que o mestre Kobo desencarnou quando meditava no seu retiro subterrâneo sem deixar o cadáver, e que, até hoje, ele percorre todo o Japão salvando as pessoas. E, na ocasião da troca de suas vestes uma vez por ano, a roupa do ano anterior está desgastada e esfarrapada devido à sua peregrinação. Os pequenos pedaços dessas vestes velhas são distribuídos aos fiéis, sob o nome de okoromo (veste sagrada), e acreditam que quem ingere um fragmento do okoromo se cura da dor de barriga. Eu desconheço a veracidade disso. Porém, se a budificação do corpo significasse desintegração e espiritualização do cadáver e sua transformação em Buda, seria muito estranho, pois, que eu saiba, nenhum dos eminentes monges do esoterismo Shingon conseguiu a budificação, excetuando o mestre Kobo. Que dizer, então, dos adeptos comuns do Shingon? Devo dizer que é impossível eles conseguirem a budificação do corpo. O mestre Kobo não iria pregar um ensinamento impossível de praticar. É evidente que não é o corpo carnal que se torna Buda. Então, como interpretar a seguinte frase do mestre Kobo?

Se alguém buscar a sabedoria de Buda e atingir o bodaishin (mente que transcende as paixões mundanais e atinge a Verdade que transcende o nascer e o morrer), comprovará o despertar de Buda em seu corpo nascido de pai e mãe.

Na Sutra do Grande Sol, encontramos o seguinte diálogo entre Buda Vairocana e Kongôshu Himitsushu:

Ó Himitsushu, o que é atingir o bodaishin? Resposta: conhecer verdadeiramente a mente própria.

Aqui diz que atingir o bodaishin consiste em "conhecer verdadeiramente a mente própria". Essa "mente própria" não se refere à ação mental produzida pelo cérebro. Ela se refere à mente verdadeira ou à Imagem Verdadeira, que é a fonte da mente cerebral e que a transcende. A ação mental originada do cérebro é inconstante, mudando sempre conforme as circunstâncias, razão pela qual tal mente não pode conhecer a mente verdadeira ou a Imagem Verdadeira, que é serena e perfeita. É preciso serenar a ação mental fenomênica por algum tempo e contemplar unicamente a Imagem Verdadeira e perfeita, visualizando-a. Na obra Hotsu-bodaishin-ron, traduzida por Fuku-Sanzô, está escrito:

Toda a humanidade é satva (bodhi) por toda a vida, mas, por estar dominada por avareza, ira e ignorância, os budas misericordiosos pregam sabiamente a concentração mental altamente secreta, ensinando os praticantes a visualizar e contemplar com sua mente o Sol ou a Luz. Por meio dessa concentração, a mente verdadeira se manifesta de modo profundamente calmo e puro como a luz da lua cheia que clareia o firmamento. Ela se chama incógnita ou mundo puro da Verdade, ou ainda mar da sabedoria do despertar da Imagem Verdadeira. Ela contem ilimitados tesouros raros de estados de concentração, tal como a lua cheia pura e clara. Isso porque todas as pessoas, encerram dentro de si a mente de Fugen bosatsu. (Hotsu-bodaishin-ron, de autoria de Nargajuna bodisatva)

O texto diz que, para controlar a mente cerebral agitada e acalmá-la, pode-se contemplar a imagem redonda e perfeita do Sol ou da Lua. Continuando essa contemplação, a mente cerebral fenomênica se acalma, e manifesta-se, de dentro, a mente verdadeira tal como a lua cheia que desponta, e a pessoa conscientiza que a sua imagem não é a de um corpo limitado como a do corpo carnal, mas sim uma imagem sem forma que preenche o firmamento.

Então Buda Vairocana explica o estado do seu despertar a Himitsushu como segue:

Caro Himitsushu, este anuttara samyak sambodhih é algo que não pode ser captado absolutamente como existência. Por que razão? Porque bodhi é como o firmamento; não existe quem o entenda, nem existe quem o compreenda. Por que razão? Porque bodhi não tem forma. (Dainichi-kyô)

Anuttara samyak sambodhih – esta expressão (em sânscrito) pode ser abreviada e chamada bodhi, e vulgarmente é dito despertar de Buda; em chinês, é traduzida como "suprema sabedoria correta e universal"; mas ela se refere à convicção "eu sou Buda". Mesmo que alguém pergunte "como é esse despertar de Buda? Mostre-me!", não há como mostra-lo. Como diz a sutra Dainichi-kyô, "não pode ser captado nenhum pouco". Não há como captá-lo e mostra-lo, dizendo "isso é assim". Não há como mostra-lo porque não tem forma, tal como o firmamento. Aliás, ele não pode ser captado não simplesmente porque não tem forma, pois, para se captar algo, é necessário que haja confronto entre o captar e o objeto captado. Para se compreender algo, é necessário haver confronto entre quem compreende e o objeto a ser compreendido. É preciso haver confronto entre quem alcança o despertar e o despertar a ser alcançado. Tal confronto é função da mente cerebral, que está sempre sujeita a abalos e agitações. Quando se aniquila essa mente, aniquila-se simultaneamente o confronto, e é então que a mente verdadeira se manifesta. A Imagem Verdadeira se manifesta e se clareia, assim como o céu se clareia quando a lua cheia desponta e sobe. Isso é que é sem forma.

A mente que desperta e o despertar a ser alcançado se anulam, o relativo se anula, e fica o absoluto. O absoluto é sem forma. A "budificação do corpo assim mesmo como é" consiste em despertar para a Verdade de que "o corpo nascido dos pais é corpo sem forma"; não consiste no desaparecimento do "corpo nascido dos pais" após o desencarne. Consiste em compreender que o corpo, ao mesmo tempo em que apresenta o corpo carnal com forma, é sem forma tal como o firmamento. Consiste em compreender que o "corpo com forma" é, assim mesmo como é, "sem forma"; que o corpo limitado, assim mesmo, é ilimitado como o firmamento, preenchendo o Universo, e um com Buda Vairocana. Em outras palavras, consiste em compreender verdadeiramente (não apenas com a inteligência cerebral) que este corpo, assim mesmo como é, está fundido com a Vida do Universo todo, e é ilimitado ao mesmo tempo que é limitado, e limitado ao mesmo tempo que é ilimitado.

O nosso corpo, aqui, agora, assim mesmo como é, é corpo de Buda Vairocana e, ao mesmo tempo, é corpo de Fugen-bosatsu, é corpo de Kanzeon Bosatsu, que são (ambos) corpos protetores, manifestações, respectivamente, de sabedoria e amor de Vairocana. Conscientizar isso constitui a "budificação do corpo assim mesmo como é". Nesta conscientização, já se eliminou completamente a ideia dualista de "alojar-se", ou "dentro" e "fora", que se vê em expressões tal como "Buda se aloja dentro de mim". Mesmo manifestando o corpo carnal, este já não existe (como não existe, não há necessidade de negá-lo), e se conscientiza verdadeiramente o corpo sem forma e infinito que preenche todo o Universo. Já não existe nem o sujeito que alcança o despertar, nem o despertar a ser alcançado, e se entra no estado de despertar absoluto. Isso não consiste apenas em compreender teoricamente o pensamento de desapego citado na Avatamsaka Sutra. Ele consiste em conscientizar esse estado como experiência da Vida por meio de exercitação da contemplação (visualização), mentalização e palavra – este é o procedimento do esoterismo.

Não há quem alcance o despertar, nem há despertar a ser alcançado. Da mesma forma, não há aquele que pratica, nem há prática a ser praticada. Por isso, no Dainichi kyoshô está escrito: "Praticar sem a prática, e atingir sem atingir; não há quem entre, nem local para se entrar; por isso se diz igualdade". Praticar sem a prática significa ser assim mesmo como éAssim mesmo, somos Vairocana, somos Fugen e somos Kanzeon. Não é após a prática que somos Vairocana; já somos Buda. Nós simplesmente perdemos o "assim mesmo como somos". Para recurerar o "assim mesmo como se é", na Tendai (ramificação do budismo, no Japão) se pratica o Shinkan (meditação que consiste em afastar a mente ilusória e se identificar com a sabedoria superior); no esoterismo Shingon se pratica Ajikan (contemplação da letra A do sânscrito: अ); e na Seicho-No-Ie se pratica a Meditação Shinsokan. Todos eles são formas de concentração mental. É necessário não só entender com o cérebro a verdade da fusão de este corpo com Buda,  mas assimilá-la.

Cont...

Do livro "A Verdade da Vida, vol. 39", pp. 217-225