Masaharu Taniguchi
Uma de suas colegas fora visitá-la. Estavam as duas conversando em seu quarto, quando a madrastra entrou, foi até a varanda próxima e trouxe para dentro um colchão que estivera exposto ao sol. Acontece que no colchão havia, muito visível, uma mancha de urina. A madrasta apontava a mancha à sua colega dizendo:
- Está vendo esta mancha parecida com o mapa da Austrália? É que minha filha é muito estudiosa e adora desenhar mapas como este, quase todas as noites...
As palavras eram cruéis! Ainda mais se considerar que uma mocinha tímida de 15 anos é extremamente sensível e fica muito ferida com essas coisas. A mocinha pensou desesperada: "Agora que minha colega descobriu o meu segredo, irá contar para alguém, esse alguém vai contar para outro, e logo o colégio inteiro vai ficar sabendo. Vou morrer de vergonha! Não posso mais ir à escola! Mas se ficar em casa tenho que ver a minha madrasta, que me odeia". Assim, ela pensava que não poderia ficar em casa e nem ir à escola.
Sentindo-se profundamente amargurada, a mocinha pensou até em acabar com a própria vida. Adquiriu um vidro de calmante e tomou-o de uma só vez. Entrou em estado de coma. E só não morreu porque foi encontrada a tempo e imediatamente medicada. Mas a sua tentativa de suicídio foi notícia no jornal local. Por isso, mais tarde, quando a mocinha voltou à farmácia para comprar um outro vidro de soporífero, decidida a levar a cabo o seu intento, o farmacêutico recusou-se a vendê-lo. Agora a mocinha, desesperada, veio pedir conselho ao Sr. Murasse.
A primeira coisa que o Sr. Murasse disse à mocinha após ouví-la foi:
- Todas as pessoas têm dentro de si a Vida de Deus. Por isso, é impossível existir mãe perversa neste mundo.
- O senhor diz isso, mas a verdade é que existe gente como a minha madrasta...
- Não, essa sua madrasta perversa "não existe". Trata-se apenas de uma "manifestação", uma "falsa aparência". Atrás dessa figura aparente de madrasta perversa, está escondida a verdadeira Vida de uma mãe, e essa Vida é "perfeita e plena de harmonia", porque é a própria Vida de Deus. Na verdade, a sua madrasta é tão terna e tão cheia de bondade quanto uma santa mulher. Quando você era criança, deve ter lido alguma história sobre uma madrasta que maltratava a enteada, e provavelmente fixou em seu subconsciente a idéia de que todas as madrastas são perversas. Então, quando seu pai casou novamente, você pensou: "Oh! agora tenho uma madrasta, ela vai me maltratar". Este mundo, minha jovem, é um mundo onde tudo se manifesta exatamente como a gente pensa. Porque você pensou assim, sua madrasta manifestou-se como uma mulher maldosa. Na verdade, não existe nenhuma "madrasta perversa".
Neste ponto da conversa, o Sr. Murasse escreveu os ideogramas que expressam a palavra "madrasta" em japonês e explicou:
- Veja os ideogramas: o de baixo, como você sabe, exprime uma única idéia, a de "mãe". Agora, o de cima exprime não só a idéia de "substituir" como também a de "unir" ou "ligar". Quase toda a gente acha que esses dois ideogramas juntos querem dizer "substituta da mãe". Mas, na verdade, deveríamos ler ou interpretar como "mãe pela união espiritual". A sua primeira mãe deixou este mundo fenomênico numa certa altura de sua existência. Então, uma segunda mãe foi "ligada" no ponto em que houve a "interrupção", para tornar-se a sua "mãe verdadeira". Você já deve ter visto, por exemplo, um pesegueiro que foi enxertado, não? Por sinal, ele dá pêssegos deliciosos... Bem, imaginemos um lindo pêssego num galho de pessegueiro enxertado. Se o pêssego está lá, é porque a vida do tronco no qual foi feito o enxerto está manifestada nessa fruta. Você deve compreender que a "verdadeira mãe" não é um simples corpo carnal, mas sim a "essência", isto é, a "maternidade espiritual" que transcende o corpo. Ela é eterna, imortal... O mundo das formas está em constante mutação, e você tem agora uma mãe, cuja figura e a fisionomia são bem diferentes das de sua "mãe anterior". Mas a "essência de mãe" que existe nela é a mesma que existiu na outra, porque foi transferida para a nova mulher no instante em que passou a ocupar a nova posição de mãe. Portanto, essa pessoa que você chama de madrasta não é uma simples "substituta de sua mãe", mas sim a "continuação da sua primeira mãe". Não devemos considerar o vínculo entre entre mãe e filho sob um ponto de vista meramente físico. Isto é, não devemos pensar que a "mãe verdadeira" é somente aquela "pessoa feita de matéria" que nos forneceu a nutrição necessária enquanto nós estávamos em seu ventre e nos amamentou. Se assim fosse, eu poderia lhe dizer que, alimentando-se de carne de vaca, você poderia ser considerada como filha daquele animal; e alimentando-se de galinha, poderia ser considerada como filha daquela ave. Como vê, é um erro pensar que pais e filhos são unicamente aqueles que estão ligados pelo "vínculo carnal". O verdadeiro vínculo entre pais e filhos é o vínculo espiritual. Seja qual for o aspecto externo da pessoa, ela será seu "pai" ou "mãe", por isso você deve reverenciar sua madrasta, considernando-a como uma verdadeira mãe, cheia de bondade e ternura. Assim, ela vai se manifestar a você como tal. A teoria é essa.
Continuando, disse a ela:
- Agora, vamos ver como você fará isso na prática. Você poderá, por exemplo, fazer o seguinte: Já que durante o dia a sua madrasta e você devem ter muitos afazeres, escolha um horário após o jantar e se ofereça a ela para lhe fazer massagens nos ombros. Diga mais ou menos assim: "Mãe, a senhora trabalhou muito hoje e deve estar com dor nos ombros. Deixe que eu lhe faça umas massagens..." E, enquanto estiver fazendo a massagem mentalize: "Perdoe-me, mãe. Perdoe sua filha por tê-la considerado apenas uma madrasta. Sei agora que a senhora é minha verdadeira mãe. Compreendi que é a Vida de Deus que se manifesta, através da senhora, sob a forma de 'mãe'. Por isso, eu estou profundamente agradecida". Dessa forma, suas ondas mentais serão captadas pela sua madrasta, e ela passará a manifestar o seu verdadeiro aspecto perfeito (Jisso), pleno de harmonia e bondade, que é a personificação do próprio Amor de Deus.
Foram esses os conselhos que o Sr. Murasse deu àquela jovenzinha. Ela o ouviu atentamente e seguiu os seus conselhos.
Naquela mesma noite, após o jantar, ela se colocou atrás da madrasta e falou: "A senhora deve estar cansada, mãe, Quer que eu lhe faça uma massagem?"
E colocou as mãos nos ombros dela. A madrasta, com um gesto de recuo, disse: "Não me aborreça. E tire essas mãos de cima de mim. Isso me dá arrepios e até sinto mais dores nos meus ombros. Sinto até asco!"
Não permitiu que a enteada massageasse os seus ombros. A mocinha, entretanto, olhou para o pai, e viu que ele, com uma expressão amarga, procurava controlar-se. talvez quisesse dizer: "Querida, não fale desse jeito! Não vê que ela está querendo ser gentil?". Mas não falou, pois sabia que a mulher o criticaria e poderia dizer: "Você a defende, porque gosta mais da filha da sua primeira mulher do que de mim!". Para evitar desentendimentos, ele nada dizia. Mas os sentimentos acumulados nele manifestavam-se "fisicamente" em forma de asma. Uma ou mais vezes a cada semana vinham-lhe violentas crises.
A mocinha notou que o pai mais uma vez assistia tudo em silêncio. Já que o seu oferecimento fora recusado pela madrasta, a mocinha, sem jeito, sem saber o que fazer com as mãos, colocou-se atrás do pai e começou a massageá-lo. Assim encerrou-se o episódio daquele dia.
No dia seguinte, teminado o jantar, a mocinha se levantou e disse à madrasta: "Deixe-me fazer massagens na senhora". A resposta foi quase tão áspera quanto na noite anterior: "Não me aborreça! Que coisa! Nunca vi gente tão teimosa! Não lhe falei ontem quando você põe as mãos nos meus ombros eu sinto arrepios e aumentam as dores? Deixe de ser tão impertinente!". E mais uma vez, a mocinha acabou fazendo massagem no pai, ao invés de na madrasta.
Assim foi também no terceiro dia. Mas a mocinha não desistiu. nunca haveria harmonia entre ela e a madrasta, se desistisse, ainda que rejeitada duas ou trÊs vezes. Precisava harmonizar-se com a madrasta, pois sentia que só assim poderia sair da situação em que se encontrava. Na escola, tinha de ouvir as piadas das colegas sobre o seu hábito de "desenhar mapas" no colchão; em casa, tinha que aceitar a forma com que a madrasta a tratava; não podia morrer, pois fracassara na primeira tentativa e as pessoas estavam prevenidas. Continuar vivendo na mesma situação era impossível. Para que a situação melhorasse, precisava entender-se com a madrasta. Por isso, a mocinha manteve-se firmemente decidida a ser gentil com a madrasta, apesar de ser sistematicamente recusado o seu oferecimento. Assim, passaram o 4º, o 5º e o 6º dia. Na noite do sétimo dia, não se sabe por quê, a madrasta permitiu que a enteada massageasse seus ombros. "Finalmente!" - pensou a mocinha. Enquanto fazia a massagem, repetia mentalmente: "A senhora é minha verdadeira mãe. A senhora não é 'substituta de mãe', mas sim a 'mãe que se manifestou a mim, pela união espiritual com a minha primeira mãe'. É uma mãe cheia de bondade, e ternura". De repente, as costas da madrasta começaram a se mexer em ondas convulsivas e ela rompeu em soluços.
- Minha filha, me perdoe!
A enteada, já chorando também, envolveu a madrasta num forte abraço e sussurrou:
- Obrigada, mãe! Obrigada...
- Perdoe ter maltratado você, minha filha...
No momento em que as duas se abraçaram e choraram juntas, os sentimentos hostis de longa data foram completamente lavados por suas lágrimas. A partir desse dia, não só a mocinha deixou de sofrer enurese noturna, como também o pai ficou completamente curado da asma que o atormentava há tanto tempo. E até o seu irmãozinho (filho da madrasta), que sofria de tuberculose, sarou completamente.
Era apenas uma jovem de 15 ou 16 anos... Mas quando ela se empenhou de corpo e alma para que se manifestasse através da oração o "Jisso da mãe", surgiu aquele resultado maravilhoso, isto é, a salvação de toda a família. Quando afirmamos que "originariamente não existem pessoas más", queremos dizer o seguinte: Todas as pessoas trazem dentro de si a Vida de Deus e, portanto, são perfeitas. Se, através das orações, fizermos com que se manifeste o "Deus que existe realmente por detrás da aparência fenomênica das pessoas", infalivemente elas passarão a manifestar o seu aspecto real perfeito.
(Do livro "Lições para o cotidiano, Cap. 8")